ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
1. Relatório
B intentou uma acção ordinária contra A, ambos melhor identificados nos autos, pedindo a condenação deste àquele no pagamento da quantia HKD$4.000.000,00, dos juros vencidos e vincendos calculados à taxa legal anual e das custas, incluindo a procuradoria.
Por sentença proferida nos autos n.º CV3-16-0108-CAO, foi a acção julgada parcialmente procedente, tendo o Réu A sido condenado a pagar ao Autor a quantia de HKD 4.000.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar do dia 29 de Dezembro de 2016.
Inconformado com a decisão, recorreu o Réu A para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu negar provimento ao recurso (Processo n.º 789/2019).
Desse acórdão vem agora o Réu A recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) Determina o Artigo 1070º do CC que “Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.
B) Contudo, nos termos do disposto no Artigo 2º do Decreto-Lei 190/85, de 1 de Outubro de 1985, Direito português, ainda vigente em Macau, porquanto nunca revogado na RAEM, e que veio alterar a forma do contrato de mútuo, passou a dispôr-se o seguinte “O contrato de mútuo de valor superior a 200.000$00 só é válido se for celebrado por escritura pública, e o de valor superior a 50.000$00 se o for por documento assinado pelo mutuário.”
C) O suposto “mútuo” dos autos, não foi celebrado por escritura pública, como a lei determina como condição para a sua validade e eficácia.
D) De acordo com o preceituado no artº 212º do Código Civil, “a declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei”.
E) É, consequentemente, nulo, o presente contrato por falta de forma, requerendo-se a respectiva declaração de nulidade e, a mesma, de per si, geradora de nulidade do Acórdão porque contrária a legislação obrigatória.
F) Como é, também, nulo o Douto Acórdão recorrido, porquanto contrário a jurisprudência obrigatória, nos termos do disposto no nº 2 do Artigo 638º do CPC.
G) Refere o A. no artigo 4º da PI que “A partir de 2013, o A. emprestou dinheiro ao R. para o fundo de maneio da referida joalheria”.
H) No artigo 5º da contestação, por excepção, o R. diz o seguinte: “Aceita-se, por correcto o constante no artigo 4º da PI, com todas as legais consequências”.
I) Não se compreende, portanto, como é que o Tribunal a quo não valorou o atrás descrito, como confissão expressa do A. aceite pelo R. de que a dívida nunca foi do R. mas sim da “Joalharia e Relógios X X Limitada”.
J) Do mesmo modo, encontra-se provado nos autos, por prova documental, que o A. passou, pelo menos, três recibos à representada do R., “Joalharia e Relógios X X”, em 22.07.2015, 22.10.2015 e 22.11.2015 (Cfr. Docs. nºs. 1, 2 e 3 juntos à contestação).
K) Esses documentos, têm apostos, os nºs 1 e 2, o carimbo da “Y Y Pawn Shop”, e o nº 3, o carimbo da “Y Y Jewelry and Watches” (Cfr. Docs. nºs 1, 2 e 3 juntos à contestação).
L) E, todos eles com a assinatura do A. comprovando o respectivo pagamento (Cfr. Docs. nºs. 1, 2 e 3 juntos à contestação).
M) O A. no artigo 10º da Réplica, diz que “Os recibos ora passados foram passados pelo A. a pedido do R., o qual solicitou que no recibo constasse que a Joalharia e Relojoaria X X Limitada efectuava o pagamento dos juros” (Cfr. Prova dos Autos).
N) Quer isto dizer que a prova constante dos autos, relativamente a estes pagamentos, é não só documental como, também, feita por confissão do A. nos próprios autos.
O) Ora, quer a prova por confissão, quer a prova documental, têm que constar na especificação, como factos provados.
P) Não o fazendo, enferma o processo de nulidade insanável, importando a absolvição do R. da instância, com todas as consequências legais, nomeadamente a nulidade do Acórdão recorrido nos termos do disposto no artigo 639º do CPC.
Q) E, não se entende, como é possível, perante uma prova por confissão desta natureza e flagrante nos autos, vir o Tribunal valorar como prova o depoimento de parte do A., em detrimento da prova por confissão e documental.
R) Sim! Pois nos presentes autos a única prova do “alegado” mútuo entre A. e R. é, pasme-se, feita pelo próprio A. nas declarações de parte.
S) Note-se que todas as decisões judiciais recorridas avalizam a seguinte conclusão “Tendo em conta a declaração da divída prestada pela A. (…)” (Cfr. Acórdão de 26 de Novembro de 2018 in fine).
T) Como é isto possível?!
U) Com a devida vénia, não é possível manter uma decisão que, extrai conclusões finais probatórias, partindo da “declaração da dívida prestada pelo A.”, a parte interessada na condenação do R.
V) Obviamente, trata-se de violação peremptória da lei que de per si acarreta a nulidade insanável dos autos, acarretando a nulidade do Acórdão recorrido nos termos do disposto no artigo 639º do CPC.
W) Óbviamente valorando-se, ilegítimamente, a auto-prova efectuada pelo A. no depoimento de parte e não se dando a devida valoração à prova documental constante dos recibos juntos aos autos, nem à prova por confissão do A., chegou-se à conclusão, manifestamente ilegal, de que o ora R. é parte legítima nos autos, o que também não se concede.
X) Com efeito, está provado nos autos, por prova documental que o “mútuo” em referência, foi efectuado a uma pessoa colectiva e não ao A.
Y) Provado está, também, que a mesma pessoa colectiva, titular do “mútuo”, pagou ao A. juros, pelo menos, por 3 vezes (Cfr. Docs. Nºs. 1, 2 e 3 juntos à contestação).
Z) É, com efeito, inquestionável que o R. não agiu na qualidade de pessoa singular mas sim em representação da “Joalharia e Relógios X X”.
AA) Tratando-se o R. de um mero representante da “Joalharia e Relógios X X” é notóriamente parte ilegítima nos autos, ilegitimidade essa que deve ser declarada a todo o tempo e que acarreta a nulidade do presente Acórdão nos termos do disposto no artigo 639º do Código de Processo Civil.
BB) Diz o Acórdão recorrido, a este propósito, que “em nome da nulidade da sentença, parece o R. querer impugnar a decisão da matéria de facto. Contudo, para o efeito, é necessário cumprir as exigências estabelecidas no artigo 599º do CPC” que, de seguida, transcreve, e conclui “Não tendo cumprido as exigências legais, é de rejeitar o recurso nesta parte”.
CC) Com a devida Vénia, carece de total fundamentação esta decisão de rejeição do Recurso.
DD) É que, ao invés, o R. cumpriu as exigências do artigo 599º do CPC, se não veja-se o alegado pelo R. nas Alegações de Recurso para o TSI do ponto 2.11. ao ponto 2.59.
EE) Com efeito, confrontando as alegações atrás indicadas com o disposto no artigo 599º do CPC, o ora R., contráriamente ao pretendido pelo Douto Acórdão recorrido, especificou devidamente, quer os pontos concretos da matéria de facto que o R. considera incorrectamente julgados; quer os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
FF) Mais, encontram-se devidamente indicadas as passagens da gravação em que se funda.
GG) Ao invés, já a rejeição pelo TSI desta parte do Recurso não se encontra fundamentada de facto, nem de direito, pelo que é manifestamente nula, porque contrária à lei substantiva, violando o disposto no artigo 639º do CPC.
HH) É peremptório o erro de julgamento nos presentes autos!
II) Está provado que o A, ora Recorrente, não efectuou qualquer pedido de empréstimo em nome pessoal.
JJ) Apesar da prova documental e por confissão constante dos autos, o Douto Acórdão recorrido, não a valorou enquanto tal.
KK) Ora, a omissão de pronúncia do julgador é por si só suficiente para ferir de manifesta nulidade a sentença recorrida, nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 571º e no artigo 639º do CPC de Macau.
LL) Razão pela qual deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, serem de imediato conhecidas por este Douto Tribunal, todas as questões submetidas a apreciação, ao abrigo do disposto nos artigos 638º e 639º do CPC de Macau.
Não contra-alegou o Autor B.
Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
Cumpre decidir.
2. Os Factos
Foram dados como provados os seguintes factos:
- No dia 28 de Novembro de 2016 o Autor interpelou através de notificação judicial avulsa o Réu para que este, no prazo de 10 dias, lhe entregasse a quantia de HKD$4.000.000,00, tudo conforme doc. 4 junto com a p.i. cujo teor aqui se reproduz para os legais e devido efeitos. (alínea A) dos factos assentes)
- No dia 23 de Maio de 2015, o Autor declarou emprestar e entregou ao Réu a quantia de HKD$4.000.000,00 em numerário. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- … tendo o Réu declarado aceitar tal empréstimo e entrega. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
3. O Direito
Foram suscitadas pelo recorrente as seguintes questões:
- Nulidade do acórdão recorrido por ser contrário à legislação e à jurisprudência obrigatória;
- Nulidade do acórdão recorrido por errada aplicação e/ou violação da lei substantiva – art.º 639.º do CPC, mais concretamente, por não especificação da prova documental e por confissão, por erro notório na apreciação da prova, por falta de fundamentação e por erro de julgamento (omissão de pronúncia).
Vejamos.
Antes de mais, é de realçar que, estando as causas da nulidade da sentença expressamente previstas no n.º 1 do art.º 571.º do CPC, nem todos os vícios imputados pelo recorrente geram a nulidade do acórdão recorrido, tais como a contradição à legislação e à jurisprudência obrigatória, a não especificação da prova documental e por confissão e o erro notório na apreciação da prova.
3.1. Da nulidade do acórdão por ser contrário à legislação e à jurisprudência obrigatória
Na tese do ora recorrente, o suposto “mútuo” dos autos não foi celebrado por forma legal, pelo que é nulo por falta de forma; e também é nulo o acórdão recorrido porque contrário à legislação obrigatória e à jurisprudência obrigatória, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 638.º do CPC, pois são aplicáveis o art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 190/85, de Portugal, que alterou a forma do contrato de mútuo, e a jurisprudência do STJ de Portugal, que continuam em vigor na RAEM por nunca serem revogados.
Trata-se dum manifesto equívoco, até absurdo, por parte do recorrente!
Desde logo, é de salientar que a questão nunca tinha sido colocada antes, pelo que não foi apreciada pelo Tribunal recorrido.
Estamos perante uma questão nova, não de conhecimento oficioso, pelo que não nos cabe pronunciar.
Mesmo admitindo o seu conhecimento oficioso, é sempre de dizer que não tem razão o recorrente.
Ora, nos termos do art.º 3.º, n.º 1 e n.º 3, al. f) do DL n.º 39/99/M, “Com a entrada em vigor do novo Código Civil deixa de vigorar em Macau o Código Civil português, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966, e tornado extensivo a Macau pela Portaria n.º 22 869, de 4 de Setembro de 1967, bem como as disposições legais que o modificaram”, sendo ainda revogadas “Todas as disposições legais que contrariem o disposto no novo Código”.
Quanto à forma do “mútuo”, não se encontra no novo Código Civil qualquer exigência especial.
Daí que é evidente a revogação do art.º 2.º do DL n.º 190/85, mesmo admitindo a sua vigência antes de entrada em vigor do novo Código Civil.
No que respeita à jurisprudência obrigatória de Portugal invocada pelo recorrente, é de frisar que, ainda antes do estabelecimento da RAEM, com o Decreto do Presidente da República n.º 118-A/99, de 20 de Março, os tribunais de Macau passaram a investir na plenitude e exclusividade de jurisdição, o que determina a não aplicação em Macau da jurisprudência obrigatória de Portugal.
E com a criação da RAEM, a República Popular da China volta a assumir o exercício da soberania sobre Macau, deixando de estar em vigor na RAEM as lei, os decretos-leis, os regulamentos administrativos e demais actos normativos previamente vigentes que contrariem a Lei Básica da RAEM (art.º 3.º, n.º 1 da Lei de Reunificação), naturalmente a jurisprudência obrigatória de Portugal deixou, evidentemente, de poder vincular os tribunais de Macau, sem prejuízo de ser referenciado e citado a título do direito comparado.
Resumindo, é manifesta a sem razão do recorrente ao invocar o art.º 2.º do DL n.º 190/85 e a jurisprudência obrigatória de Portugal para fundamentar o seu recurso.
3.2. Da não especificação da prova documental e por confissão
Para o recorrente, uma vez que o Autor refere no artigo 4.º da PI (devia ser artigo 5.º, pelo seu conteúdo) que “A partir de 2013, o A. emprestou dinheiro ao R. para o fundo de maneio da referida joalharia”, facto este aceite pelo recorrente (artigo 5.º da contestação), não se compreende como é que o Tribunal a quo não valorou tal descrito como confissão expressa do A. aceite pelo R. de que a dívida nunca foi do R. mas sim da “Joalharia e Relógios X X Limitada”.
Por outro lado, encontram-se nos autos a prova documental, isto é, Docs. n.ºs 1, 2 e 3 juntos à contestação, que são recibos passados pelo Autor à representada do recorrente, “Joalharia e Relógios X X”, que comprovam o respectivo pagamento, sobre os quais diz o Autor que “Os recibos ora passados foram passados pelo A. a pedido do R., o qual solicitou que no recibo constasse que a Joalharia e Relojoaria X X Limitada efectuava o pagamento dos juros” (artigo 10.º da Réplica).
E tudo indica para o sentido de que o empréstimo foi concedido à Joalharia e Relojoaria X X Limitada e não ao recorrente.
Em suma, alega o recorrente que quer a prova por confissão quer a prova documental têm que constar na especificação, como factos provados, sob pena de nulidade insanável, nomeadamente a nulidade do acórdão recorrido nos termos do disposto no art.º 639.º do CPC.
Ora, como se sabe, a confissão consiste numa declaração de ciência, que emana da parte, traduzida no reconhecimento da realidade dum facto, desfavorável ao declarante e favorável à parte contrária, a quem competiria prová-lo, sendo confissão expressa a que resulta da declaração directamente destinada a reconhecer a realidade do facto desfavorável ao declarante.1
No caso vertente, nos elementos indicados pelo recorrente, tanto a declaração do Autor contida no artigo 5.º da PI e no artigo 10.º da Réplica como os Docs. n.ºs 1, 2 e 3 juntos à contestação, não se vê a alegada confissão por parte do Autor no sentido de reconhecer que a dívida não foi do recorrente, mas sim da Joalharia e Relojoaria X X Limitada, tal como pretende o recorrente.
Por um lado, do teor do artigo 5.º da PI não se pode deduzir que o Autor emprestou dinheiro à referida joalharia, pois a finalidade do empréstimo não implica que o empréstimo fosse contraído pela joalharia, sendo relevante a relação jurídica estabelecida entre o Autor e o recorrente, e não a finalidade do mesmo empréstimo.
Por outro lado, não obstante a menção nos documentos do nome da joalharia, certo é que, conforme a explicação do Autor no artigo 10.º da Réplica, foi o recorrente que lhe solicitou que nos recibos constasse que a Joalharia e Relojoaria X X Limitada efectuava o pagamento dos juros.
Assim sendo, não está em causa, de modo nenhum, a confissão por parte do Autor.
Improcede o argumento do recorrente.
3.3. Do erro notório na apreciação da prova
Na óptica do recorrente, não se entende como é possível, perante uma prova por confissão desta natureza e flagrante nos autos, vir o Tribunal valorar como prova o depoimento de parte do A., em detrimento da prova por confissão e documental.
Alega ainda que, estando provado nos autos, por prova documental, que o “mútuo” em referência foi efectuado a uma pessoa colectiva e não ao recorrente, é inquestionável que o recorrente não agiu na qualidade de pessoa singular mas sim em representação da Joalharia e Relógios X X, sendo notoriamente parte ilegítima nos autos, ilegitimidade essa que deve ser declarada a todo o tempo e que acarreta a nulidade do presente Acórdão nos termos do disposto no art.º 639.º do CPC.
Ora, como é sabido, em recurso cível correspondente a 3.º grau de jurisdição, o Tribunal de Última Instância conhece, em princípio, de matéria de direito e não de facto, sendo em princípio intocável a decisão proferida pelo Tribunal de Segunda Instância quanto à matéria de facto, salvo nos caso expressamente previstos na parte final do n.º 2 do art.º 649.º, isto é, se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Como já foi dito, no caso vertente não se vê a alegada confissão do Autor.
Por outro lado, nos termos do art.º 558.º do CPC, em princípio o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção cerca de cada facto.
E não se verifica no presente caso qualquer excepção a tal princípio da livre apreciação das provas.
No que concerne à questão da ilegitimidade do recorrente, é de notar que na contestação apresentada deduziu o Réu ora recorrente a excepção respeitante à sua ilegitimidade no pelito (fls. 54 e seguintes dos autos).
E constata-se no despacho-saneador que o TJB considera legítimas as partes e julga improcedente a excepção em apreço, fazendo consignar que “a legitimidade que cuidamos nesta sede é a legitimidade processual, sendo que esta é aferida conforme a tese de Barbosa de Magalhães vertida no art.º 58.º do CPC. Por assim ser, visto o teor da p.i., é patente a legitimidade processual do R.”. (fls. 88 dos autos)
A decisão não foi impugnada, pelo que formou o caso julgado formal, tal como entende o acórdão recorrido. Daí que não se pode voltar a suscitar a questão no presente recurso interposto para o TUI.
Improcede assim o vício imputado pelo recorrente.
3.4. Da falta de fundamentação
Impugnando a decisão do TSI que rejeitou o recurso na parte relativa à “nulidade da sentença por omissão da discriminação dos factos considerados provados …” (invocada pelo recorrente, mas no entender do Tribunal recorrido parece o recorrente querer impugnar a decisão da matéria de facto), por considerar não ter o recorrente cumprido as exigências legais previstas no art.º 599.º do CPC, alega o recorrente que ele cumpriu a norma legal em causa, pelo que a decisão de rejeição não se encontra fundamentada de facto, nem de direito, sendo manifestamente nula, porque contrária à lei substantiva, violando o disposto no art.º 639.º do CPC.
Não tem razão o recorrente.
Nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC, é nula a sentença “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
No acórdão posto em causa, o Tribunal recorrido transcreveu o conteúdo do art.º 599.º do CPC, em seguida afirmou que “não o tendo cumprido as exigências legais, é de rejeitar o recurso nesta parte”.
Ora, não obstante ser muito sintética, dá-se para ver a fundamentação da decisão, já que a lei culmina expressamente com a rejeição do recurso o não cumprimento do n.º 1 do art.º 599.º do CPC e o Tribunal recorrido entendeu não cumprido tal disposto.
Cabe ainda salientar que não se deve confundir o vício de falta de fundamentação da sentença com o cumprimento, ou não, das exigências legais previstas no art.º 599.º para efeito de impugnar a decisão da matéria de facto, sendo este a outra questão, não suscitada, que não tem nada a ver com a nulidade da sentença, vício imputado pelo recorrente.
Improcede o recurso, também nesta parte.
3.5. Do erro de julgamento
Sobre o vício ora em apreciação, alega o recorrente que:
“HH) É peremptório o erro de julgamento nos presentes autos!
II) Está provado que o A, ora Recorrente, não efectuou qualquer pedido de empréstimo em nome pessoal.
JJ) Apesar da prova documental e por confissão constante dos autos, o Douto Acórdão recorrido, não a valorou enquanto tal.
KK) Ora, a omissão de pronúncia do julgador é por si só suficiente para ferir de manifesta nulidade a sentença recorrida, nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 571º e no artigo 639º do CPC de Macau,
LL) Razão pela qual deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, serem de imediato conhecidas por este Douto Tribunal, todas as questões submetidas a apreciação, ao abrigo do disposto nos artigos 638º e 639º do CPC de Macau.”
Ora, não se percebe a lógica do recorrente, que relaciona o vício de erro de julgamento, por alegadamente estar provado que ele não efectuou qualquer pedido de empréstimo em nome pessoal, com a omissão de pronúncia prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC que gera a nulidade da sentença.
De qualquer modo, é de dizer que não se vislumbra o erro invocado pelo recorrente, dando-se como reproduzidas as considerações anteriores tecidas sobre a matéria de facto.
Por outro lado, ao abrigo da al. d) do n.º 1 do art.º 571.º, é nula a sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
No caso vertente, não chegou o recorrente a indicar quais questões concretas que não foram devidamente conhecidas pelo tribunal, embora submetidas à sua apreciação.
Evidentemente não assiste razão ao recorrente.
4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
19 de Novembro de 2021
Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai
1 Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, p. 535 e 543.
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Processo n.º 17/2020