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Processo n.º 564/2020 Data do acórdão: 2021-10-28
(Recurso penal)
Assuntos:
– crime de falsificação de documento de especial valor
– art.o 245.o do Código Penal
– dístico comprovativo do pagamento do imposto de circulação
– Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego
– art.o 3.o, alínea 18), do Regulamento Administrativo n.o 3/2008
– art.o 363.o, n.o 1, do Código Civil
– documento autêntico
S U M Á R I O
1. Segundo o art.o 245.o do Código Penal, com a epígrafe de “Falsificação de documento de especial valor”: se os factos referidos no n.o 1 do artigo anterior disserem respeito a documento autêntico..., o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2. No caso dos autos, o documento falsificado pelo arguido diz respeito a dístico comprovativo do pagamento do imposto de circulação de veículo automóvel do ano de 2019.
3. Como à data dos factos, é também atribuição da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) emitir os dísticos comprovativos do pagamento do imposto de circulação (cfr. o art.o 3.o, alínea 18), do Regulamento Administrativo n.o 3/2008), e a DSAT é um serviço público da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) (cfr. o art.o 2.o do mesmo Regulamento Administrativo), assim, todos os dísticos comprovativos do pagamento do imposto de circulação do ano de 2019 devem ser considerados, à luz do art.o 363.o, n.o 1, do Código Civil, como documentos autênticos, por serem emitidos pela DSAT, com competência legal para essa matéria, dentro da jurisdição da RAEM, sendo certo que a maneira concreta de emissão desses dísticos não altera essa natureza de documento autêntico.
4. Praticou, pois, o arguido um crime consumado de falsificação de documento de especial valor, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.os 245.o e 244.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 564/2020
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Recorrido (arguido): A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 66 a 72 do Processo Comum Colectivo n.o CR4-19-0375-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.o 244.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal (CP), em 105 dias de multa, à quantia diária de MOP120,00, no total de MOP12.600,00, convertível em 70 dias de prisão, no caso de não pagamento nem conversão em trabalho.
Veio o Ministério Público recorrer desse condenatório, para rogar, a título principal, a condenação, com nova medida da pena, do arguido como autor material de um crime consumado de falsificação de documento de especial valor p. e p. conjugadamente pelos art.os 245.o e 244.o, n.o 1, alínea a), do CP, por que este vinha inicialmente acusado, em vez, pois, do acima referido crime de falsificação de documento do art.o 244.o do CP, tendo alegado, para o efeito, na motivação constante de fls. 78 a 82 dos presentes autos correspondentes, que o documento falsificado pelo arguido no caso (qual seja, o dístico comprovativo do pagamento do imposto de circulação de veículo automóvel) deveria ser considerado como um documento de especial valor, em face das disposições conjugadas do art.o 363.o do Código Civil (CC) e do art.o 3.o, alínea 18), do Regulamento Administrativo n.o 3/2008.
Ao recurso, respondeu o arguido recorrido a fls. 85 a 90, defendendo a manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 101 a 102, pugnando pelo provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Não sendo impugnada a matéria de facto descrita como provada nas páginas 4 a 5 do texto do acórdão recorrido (concretamente a fls. 67v a 68 dos autos), é de tomar toda a factualidade aí já dada por provada como fundamentação fáctica do presente acórdão de recurso.
Segundo essa factualidade provada:
– o arguido fabricou, por meio próprio, um dístico comprovativo do pagamento do imposto de circulação do ano de 2019, para um seu veículo automóvel ligeiro, e colou esse dístico no vidro de pára-brisas do próprio veículo, enquanto o respectivo imposto de circulação para o ano de 2019 não se encontrou pago;
– o arguido é delinquente primário, declara ter por rendimento mensal MOP19.000,00, e os pais a seu cargo.
Por outro lado, do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
– o Tribunal recorrido referiu na fundamentação fáctica do seu acórdão que o arguido tinha confessado integralmente e sem reservas os factos na audiência de julgamento;
– o mesmo Tribunal julgou, na fundamentação jurídica desse acórdão, que o documento fabricado pelo arguido não satisfaz integralmente os requisitos de um documento de especial valor como tal referido no art.o 245.o do CP.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
O cerne do presente recurso interposto pelo Ministério Público consiste na indagação da qualificação jurídica do documento falsificado pelo arguido.
Trata-se de um falsificado dístico comprovativo do pagamento do imposto de circulação de veículo automóvel para o ano de 2019.
O art.o 245.o do CP, com a epígrafe de “Falsificação de documento de especial valor”, tem a seguinte redacção, inclusivamente: Se os factos referidos no n.o 1 do artigo anterior disserem respeito a documento autêntico […], o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
No caso dos autos, o documento falsificado pelo arguido diz respeito a dístico comprovativo do pagamento do imposto de circulação de veículo automóvel do ano de 2019.
Pois bem, à data dos factos, é também atribuição da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) emitir os dísticos comprovativos do pagamento do imposto de circulação – cfr. o art.o 3.o, alínea 18), do Regulamento Administrativo n.o 3/2008.
E a DSAT é um serviço público da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) – art.o 2.o do mesmo Regulamento Administrativo.
Assim, todos os dísticos comprovativos do pagamento do imposto de circulação do ano de 2019 devem ser considerados, à luz do art.o 363.o, n.o 1, do CC, como documentos autênticos, por serem emitidos pela DSAT, com competência legal para essa matéria em causa, dentro da jurisdição da RAEM. E a maneira concreta de emissão desses dísticos não altera essa natureza de documento autêntico.
Procede, pois, o recurso, com o que há que revogar a decisão condenatória recorrida, passando a condenar o arguido como autor material de um crime consumado de falsificação de documento de especial valor, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.os 245.o e 244.o, n.o 1, alínea a), do CP.
Este crime é punível com pena de um a cinco anos de prisão.
Vistas todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância com pertinência à medida concreta da pena aos padrões dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, afigura-se justo e equilibrado fixar a pena de prisão do arguido em um ano e três meses, pena essa que pode ser suspensa na sua execução pelo período de um ano e seis meses, sob condição de prestação, no prazo de um mês, de três mil patacas de contribuição pecuniária a favor da RAEM (cfr. os art.os 48.o, n.os 1, 2 e 5, e 49.o, n.o 1, alínea c), do CP).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar procedente o recurso do Ministério Público, revogando a decisão condenatória penal recorrida, e passando a condenar o arguido A como autor material de um crime consumado de falsificação de documento de especial valor, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.os 245.o e 244.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal, na pena de um ano e três meses de prisão, suspensa na execução por um ano e seis meses, sob condição de prestação, no prazo de um mês contado do trânsito em julgado da presente decisão de recurso, de três mil patacas de contribuição pecuniária a favor da Região Administrativa Especial de Macau.
Custas do recurso pelo arguido recorrido, com duas UC de taxa de justiça e mil e quinhentas patacas de honorários do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 28 de Outubro de 2021.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



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