Processo n.º 754/2020
(Autos de recurso contencioso)
Data: 28/Outubro/2021
Recorrente:
- A
Entidade recorrida:
- Secretário para a Economia e Finanças
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Inconformada com a decisão proferida pelo Exm.º Secretário para a Economia e Finanças de 18 de Maio de 2020, que manteve o indeferimento do pedido de isenção da taxa adicional do imposto do selo, interpôs a recorrente A, menor, de nacionalidade austríaca, representada pela sua mãe, melhor identificada nos autos, o presente recurso contencioso de anulação de acto administrativo, formulando as seguintes conclusões:
“i. É entidade recorrida o Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças (“Recorrido”) que, pelo ofício n.º 030/NAJ/NA/2020 de 18.05.2020 manteve o indeferimento do pedido de isenção da taxa adicional do imposto do selo, prevista no n.º 3 do artigo 53º-A do Decreto-Lei n.º 17/88/M (“Norma de Isenção”), sobre a aquisição, pela Recorrente, do direito de propriedade do imóvel inscrito na matriz fiscal sob o n.º XXXX (“Imóvel”) – cfr. a cópia da decisão ora junta sob Doc. N. 1 (“Acto Recorrido”).
ii. Por escritura outorgada em 9.05.2019, B constituiu um direito de usufruto vitalício a favor do seu pai, C, residente permanente de Macau, sobre o Imóvel – cfr. a certidão que consta no processo instrutor.
iii. Em 21.06.2019, por escritura de compra e venda do Imóvel, a Recorrente, filha menor do usufrutuário C, representada pela mãe, Petra Oberhauser, adquiriu o direito de propriedade do Imóvel ao seu irmão, B – cfr. a certidão que consta no processo instrutor.
iv. No total e, apesar da relação de parentesco em linha recta com o usufrutuário, que é seu pai e residente permanente de Macau, a Recorrente pagou a taxa adicional de 10%, no montante de MOP786.875,00 do Imposto especial do selo previsto pela Lei n.º 15/2012, que visa combater a especulação no mercado imobiliário.
v. Tanto a DSF, nas sucessivas decisões, indeferiu a isenção que a Recorrente pedira, com a fundamentação de que “(…) não adquiriu conjuntamente com o pai, residente permanente da RAEM, o direito de propriedade da fracção autónoma (…)” (v. Ofício n.º 5570/NIS/DOI/RFM de 20 de Agosto de 2019, “deveria ter adquirido o direito de propriedade simultaneamente com o pai, detentor do direito de usufruto vitalício.” (v. página 7 do Ofício n.º 7815/NIS/DOI/RFM/2019 de 11 de Dezembro de 2019) e o Acto Recorrido até menciona que “a intenção de especulação não é relevante” – cfr. a conclusão X, na página 17 do Acto Recorrido.
vi. Como melhor de demonstrará infra, tais entendimentos constituem um entendimento tabular de cobrança de impostos ilegal e injusto, atenta a salvaguarda das relações de parentesco protegidas pela Lei n.º 15/2012 do Imposto especial do Selo através da Norma de Isenção, circunstância que torna inválido o Acto Recorrido.
vii. A Recorrente considera que a interpretação no Acto Recorrido sobre a Norma de Isenção pretende impor requisitos que não constam expressamente dessa Norma nem desta poderiam ser interpretados, sendo eles i) a aquisição em compropriedade do mesmo direito e ii) na mesma escritura, pelo adquirente não residente e pelo adquirente residente de Macau, parentes em linha recta entre si.
viii. Desde logo, tal entendimento colide com a finalidade da Lei n.º 15/2012 do imposto especial do selo, que tem a finalidade da especifica taxa da adicional de 10%, como se verifica pelo teor do seu artigo 1º, a do “combate à sua especulação”, referindo-se a imóveis destinados a habitação, intenção essa que consta da respectiva Nota Justificativa cuja cópia é junta sob Doc N.º 2 (“NJ”), tendo a Lei n.º 6/2011 sido alterada com o intuito de intensificar o combate à especulação no mercado imobiliário da RAEM.
ix. Contudo e na mesma NJ, o Gabinete do Chefe do Executivo especificou expressamente que a taxa adicional de 10% aplicável a não residentes que adquirissem fracções para habitação em Macau não seria aplicável se tais adquirentes fossem parentes em linha recta de residentes de Macau (parágrafo 5, página 2 da NJ).
x. Neste contexto, a Lei n.º 15/2012 foi promulgada, alterando a Lei n.º 6/2011 e o Decreto-Lei do Imposto do Selo, com a aditamento do artigo 53º-A onde se insere a Norma de Isenção, mas com um espectro de isenção ainda mais abrangente, pois inclui não só direitos de aquisição como outros direitos sobre imóveis.
xi. A propósito do âmbito da Norma de Isenção citada, a própria DSF, na decisão de indeferimento da reclamação da Recorrente, admitiu que os requisitos da simultaneidade de outorga no mesmo título ou acto notarial, exigidos também no Acto Recorrido, não eram exigidos expressamente na Norma de Isenção (v. página 4, 4º parágrafo, Ofício n.º 7815/NIS/DOI/RFM/2019).
xii. E, apesar de admitir a falta de tais exigências expressas na Norma de Isenção, extraiu uma conclusão que excede os requisitos aí previstos e viola o princípio da taxatividade do Direito Fiscal, sustentando que o contribuinte deveria “subentender” que a aquisição teria de ser outorgada num único título (v. página 4, 5º parágrafo, Ofício n.º 7815/NIS/DOI/RFM/2019).
xiii. A DSF exige que os contribuintes “subentendam” os ónus legais, entendimento esse (errado e ilegal) que foi reiterado nas conclusões III a XI do Acto Recorrido, em violação dos princípios da tipicidade e taxatividade da legislação fiscal, pois os ónus da outorga da mesma escritura (título) e a exigência da aquisição em compropriedade ou contitularidade de um único direito real pelo residente e não residente de Macau não constam expressamente previstos na Norma de Isenção.
xiv. Citado um Acórdão do Tribunal de Última Instância (“TUI”), “as normas tributárias relevam de um domínio em que tradicionalmente a exigência de precisão, clareza e determinabilidade das leis é especialmente relevante (…)” (v. Acórdão n.º 71/2016 do TUI) pelo que se impõe saber se a vontade do Legislador quanto à Norma de Isenção foi a de excluir do seu âmbito de aplicação os parentes em linha recta, i.e., avós, pais e netos, que adquirissem direitos reais diferentes sobre o mesmo imóvel sito em Macau, em datas diferentes, sendo necessariamente um deles não residente de Macau.
xv. Desde logo, o Legislador teria de considerar tais aquisições por se como especulação imobiliária.
xvi. A Recorrente não crê que o Legislador quisesse aplicar tal taxa adicional a não residentes, caso estes adquirissem direitos sobre o mesmo imóvel em relação ao qual os seus pais, ou o seus filhos, ou seus netos – qualquer um destes, com o estatuto de residente de Macau – já tivesse anteriormente um qualquer direito real, pois os requisitos legais da Norma de Isenção são demasiadamente rígidos para que um não residente pudesse especular no mercado imobiliário de Macau ao adquirir a propriedade de um imóvel ou outro direito real sobre ele, existindo sobre tal imóvel um outro direito real pertencente a um parente directo seu, com o requisito cumulativo de este último ser, necessariamente, residente de Macau.
xvii. O caso sub iudice é um desses exemplos, pois não é possível conceber que a Lei n.º 15/2012 qualifique como especulativa a aquisição de uma fracção para habitação em Macau por uma não residente que é menor de idade, de 11 anos, residente na Irlanda, estando a referida fracção autónoma já onerada com um direito de usufruto vitalício a favor do próprio pai da adquirente, sendo este último residente permanente de Macau.
xviii. Como tal, estes argumentos e a finalidade da Lei n.º 15/2012 do imposto especial, não dão acolhimento à interpretação ainda mais rígida do Recorrido sobre a Norma, ao impor simultaneidade de data de aquisição e a outorga da mesma escritura pública.
xix. De resto, ainda que se concebesse que tal interpretação literal da Norma de Isenção do Recorrido estava correcta, sempre seria aplicável uma interpretação extensiva de tal Norma, em face da finalidade da Lei n.º 15/2012, sob pena de esta se tornar punitiva para os próprios residentes de Macau que desejem transmitir os seus imóveis a filhos ou netos que não tenham esse estatuto.
xx. Como se sustenta no citado aresto do TUI, a Norma de Isenção sempre careceria de uma interpretação extensiva: “Na interpretação das normas tributárias prevalece o entendimento de que elas não convocam princípios especiais diversos das normas jurídicas em geral. Aplicam-se os critérios gerais de interpretação das leis. É, por isso, possível a interpretação extensiva (v. página 25 do Ac. citado).
xxi. No mesmo sentido, a Jurisprudência comparada refere que “(…) daí que se se concluir que a letra da lei se quedou aquém do seu espírito, haverá que adequar a letra ao respectivo espírito por via da interpretação extensiva (sobre a interpretação extensiva na doutrina tradicional, pressuposta pelo nosso legislador, cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 185/186). Pressuposto para assim operar é, contudo, a demonstração de que o legislador minus dixit quam voluit” (v. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal no processo n.º 592/11, de 23 de Novembro de 2011).
xxii. Neste último trecho do citado Acórdão do STA português, verifica-se o elemento de interpretação de que a DSF e o Recorrido deveriam ter aplicado ao caso sub iudice, se tivessem a intenção do evitar um sacrifício patrimonial desproporcionado e, como tal, ilegal, sobre a filha de um residente de Macau, considerando que nenhuma finalidade da Lei n.º 15/2011 será atingida neste tipo de casos.
xxiii. Apesar dos argumentos supra indicados, a interpretação da Norma de Isenção pelo Recorrido desconsidera totalmente a finalidade material da taxa adicional, pois restringe o seu âmbito de aplicação, de forma denunciada e em evidente rejeição de que a taxa adicional somente visa combater a especulação imobiliária, ao referir que “a intenção de especulação não é relevante” – cfr. a conclusão X, página 17 do Acto Recorrido, em opção pelo elemento literal de interpretação da Norma de Isenção.
xxiv. Observando as limitações do direito adquirido pela Recorrente, para determinar se a aquisição do seu direito de propriedade lhe permite a ela ou aos seus progenitores agir em especulação imobiliária, que é também aplicável a não residentes maiores de idade, verificam-se limitações de carácter negocial e legal que obstam a que, ainda que tais direitos sejam adquiridos posteriormente aos dos parentes em linha recta residentes em Macau, a finalidade da Lei n.º 15/2012 é inteiramente respeitada, por inexistir especulação naqueles casos.
xxv. O direito de propriedade adquirido pela menor não-residente é mais limitado do que um direito de um comproprietário por não poder exigir a aquisição do seu direito pelo usufrutuário, pelo que, por confronto com a exigência de aquisição conjunta pelo Recorrido e pela DSF, deveria aplicar-se o princípio de “quem pode o mais, pode o menos” (in eo quod plus est semper inest et minus), em plena consonância com os fins visados pela Norma de Isenção – a não residente, titular do direito de propriedade, na prática, não consegue realizar quaisquer negócios de índole especulativa, pois não o consegue arrendar ou vender enquanto perdurar o usufruto do pai.
xxvi. Tais limitações negociais, nos termos descritos, impõem que se pergunte se haveria algum interessado em comprar um imóvel onerado com um usufruto vitalício em Macau, e – ainda por cima – disposto a pagar um preço superior ao valor de mercado, i.e., especulativo, tendo também que esperar que os representantes legais da proprietário menor conseguissem a autorização judicial necessária, do Tribunal de Família e de Menores, cfr. o artigo 1744º do Código Civil, antes da escritura de compra e venda.
xxvii. Estas limitações não poderiam ser desconhecidas do Legislador na elaboração da Norma de Isenção, pois fez depender a isenção da taxa adicional da existência de uma relação familiar específica, de parentesco em linha recta entre o adquirente não residente com um residente de Macau (avós, pais, filhos ou netos) – e tal opção estabelece uma relação entre o regime fiscal em análise com o regime do Direito Civil das relações de parentesco e representação legal.
xxviii. Os negócios entre cônjuges, pais, filhos e/ou netos, sendo legítimos no Direito de Macau, colocam diversas questões de direito formal, de representação legal na aquisição conjunta de direitos sobre imóveis por menores e os seus progenitores, que podem justificar a separação dos actos por diferentes instrumentos notariais, desde logo a fim de evitar situações de conflito de interesses, a que acrescem os impedimentos práticos de se garantir a outorga de um mesmo título, pelo que tão gravosa “punição” – de 10% de imposto sobre o preço, sem que se verifique qualquer índole especulativa, é desproporcionada.
xxix. Essas limitações de carácter formal decorrem da Lei, pelo que não se crê que possam constituir um impedimento a que – como no caso sub iudice – a adquirente de um direito real, por procuração, sendo menor de idade e residente na Irlanda, de um imóvel sob o qual incide usufruto vitalício a favor do seu pai, em escrituras separadas, possa beneficiar da isenção que lhe é devida – i.e., pai e filha deverão ser considerados adquirentes para todos os efeitos legais em matéria fiscal, a partir da escritura que os coloca na titularidade de direitos reais sobre o mesmo Imóvel (2019.06.21).
xxx. Na interpretação da vontade do Legislador da Norma de Isenção, salienta-se a norma do n.º 1 do artigo 8º Código Civil, devendo ter-se em conta a unidade do sistema jurídico, pelo que o Recorrido deveria ter presumido que o Legislador considerou a unidade do sistema jurídico ao formular os requisitos aí previstos, incluindo a dilação da outorga de títulos entre parentes em linha recta que não vivem em Macau, como sucedeu in casu, pois essa circunstância nunca colocaria em causa a única finalidade da Lei do imposto especial do selo, que é combater a especulação.
xxxi. Não existe diferença no impedimento de especulação imobiliária entre um imóvel cujos direitos tenham sido adquiridos pelos titulares (com relação de parentesco entre si, repita-se) em datas diferentes, ao invés de terem sido adquiridos na mesma data – i.e., o momento que releva para os fins da Lei n.º 15/2012 é a relação jurídica entre tais titulares e o imóvel à data da aquisição pelo não residente, pois o momento em que se poderá verificar a especulação, na perspectiva da Lei n.º 15/2012, é o momento da aquisição de direitos sobre imóveis pelo não residente, só assim se evitando a dissuasão injustificada de negócios intrafamiliares, sem índole especulativa, incapazes de afectar o mercado imobiliário na RAEM.
xxxii. In casu, o pai da adquirente do Imóvel, residente permanente de Macau, pretende apenas assegurar o seu uso até à morte e, simultaneamente, manter o Imóvel na esfera patrimonial da filha.
xxxiii. É de censurar a posição do Recorrido vertida no ponto X do Acto, em que menciona que “a intenção de especulação não é relevante”, pois a intenção subjectiva de especulação por parte da Recorrente e do seu pai não é a que se pretende salientar, mas sim como elemento objectivo de interpretação da Norma de Isenção, na sua componente finalística, da sua ratio legis.
xxxiv. Ambos os negócios ocorreram dentro do mesmo ano económico e fiscal (de 2019), circunstância que afasta qualquer obstáculo relacionado com a administração das contas da RAEM, dado que o imposto do selo é uma receita eventual contabilizada apenas no fim de cada período fiscal, mas tal raciocínio aplicar-se-ia à aquisição noutro ano fiscal, desde logo porque cumpre ao sujeito passivo o ónus de requerer e comprovar a relação de parentesco que o isente da taxa adicional do Imposto especial.
xxxv. Sem conceder quanto aos argumentos aduzidos supra, a interpretação da Norma de Isenção pelo Recorrido também não procede porque evidencia incongruências, ao escudar-se no facto de apenas poder aplicar a sua análise ao facto tributário de um só título, sendo certo cada transacção que dele conste é objecto de liquidação independente, quer conste do mesmo título ou de vários títulos.
xxxvi. Observando a norma de incidência (no n.º 2 do artigo 53º-A), o não residente pagará uma taxa adicional por cada direito real que adquira sobre o mesmo imóvel, pelo que a Norma de Isenção deverá ser interpretada da mesma forma quanto à relação jurídica existente (i.e., “coexistente”) sobre o mesmo imóvel, de um parente em linha recta (residente de Macau), do adquirente não residente, pois só assim se poderá salvaguardar as transmissões intrafamiliares entre gerações de residentes em que não existe qualquer índole especulativa.
xxxvii. A contrario, o Acto Recorrido pretende extrair requisitos negociais e temporais que não foram vertidos em Lei pelo Legislador, porquanto a supra referida independência dos factos tributários consta também da respectiva Norma de Isenção, i.e., o momento que releva – o facto tributário a atender para tributar e conceder isenção concretiza-se com a aquisição do bem ou direito pelo não residente.
xxxviii. A interpretação da Recorrente não significa afirmar que as aquisições de um mesmo direito por dois contitulares (“coadquirentes” ou “comproprietários”), não estejam também abrangidas pela incidência da taxa (no n.º 1 do artigo 53º) – bem pelo contrário, conforme se sustenta supra -, mas, o raciocínio inverso, o de que se exige contitularidade de direitos adquiridos e simultaneidade de aquisições no mesmo título aquisitivo, para que a respectiva Norma de Isenção se aplique, não se afigura ter acolhimento na Norma de Isenção.
xxxix. O vício de má aplicação de lei de que padece o Acto Recorrido é notório por comparação entre a formulação da Norma de Isenção, “(…) quando coexistem dois ou mais adquirentes” e a formulação que consta no Acto Recorrido (na página 14, ponto III) “(…) a norma referida exige que todos os adquirentes adquirem o mesmo bem ou direito pelo mesmo título (…)” – claramente, a interpretação do Recorrido extravasa o princípio nullum tributum sine lege, ao não aplicar a isenção fiscal que a letra da Lei preceitua.
xl. A discrepância entre a interpretação da Direcção dos Serviços de Finanças e a letra da Lei não é correcta pois, se a simultaneidade de aquisições fosse o alcance pretendido pelo Legislador, os institutos legais da representação nos negócios do direito civil, em circunstâncias que impedissem a celebração de escrituras na mesma data (v.g. doença, acidente de qualquer das partes ou de algum dos intervenientes na escritura, impondo a dilação entre as datas de aquisição de cada um dos direitos), teriam uma consequência desproporcionada sobre as partes, apenas por não formalizarem os seus negócios na mesma data e no mesmo título – circunstância esta que implicaria que a simultaneidade e contitularidade de aquisições, no mesmo título, tivesse de decorrer expressamente da Lei.
xli. Tendo sempre presente o escopo da Lei n.º 15/2012, o termo “coexistam” apenas poderá entender-se “neutro” quanto à data de aquisição de cada um dos direitos, sendo mais lógico e coincidente com a finalidade da Lei que tal “coexistência” se verifique na data em que o não residente adquire um direito sobre imóvel localizado em Macau, e só assim se abrangerá todas as situações em que não existe índole especulativa dos negócios jurídicos por adquirentes que tenham entre si relações de parentesco.
xlii. Não parece existir parecer da Comissão Legislativa que pudesse indicar a correcta interpretação da Norma de Isenção, pelo que, neste quadro de incerteza legal e, em face das finalidades a que a Lei n.º 15/2012 se propõe, a Recorrente considera que a Norma de Isenção não pode ser interpretada num sentido que leve a que os residentes de Macau se vejam prejudicados – ou mesmo impedidos, na prática – de transmitirem os seus imóveis ou direitos sobre eles aos seus descendentes ou ascendentes, devendo o escopo da Lei que promulgou a taxa adicional ter primazia sobre a arrecadação de receita.
xliii. Sem conceder quanto ao já afirmado supra, uma suposta exigência de compropriedade ou contitularidade – i.e., mesmo que se entendesse que o Legislador a exigia expressamente na Norma de Isenção -, tal requisito sempre teria de se dar por verificado in casu, porquanto o direito de usufruto vitalício sobre o imóvel constitui, nos termos da Lei, não só um direito sobre imóvel destinado a habitação, como, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 51º do Decreto-Lei 17/88/M, é também equiparado para efeitos fiscais a uma “Transmissão de bens”.
xliv. Com efeito, não seria justo que a Administração Fiscal tributasse a aquisição de um direito de usufruto sobre imóvel como se de uma transmissão de bens se tratasse mas, para efeito de isenção desse mesmo imposto já não a considerasse como tal, considerando que ambas as disposições legais estão sistematizadas no mesmo regime jurídico, i.e., os artigos 51º e 53º-A disciplinam a mesma matéria fiscal e estão ambos situados no Capítulo XVII do Decreto-Lei n.º 17/88/M.
xlv. Neste aspecto o Acto Recorrido faz “tábua rasa” dos argumentos já apresentados pela Recorrente, pelo que resta-lhe salientar que tal dualidade de critérios na aplicação do conceito fiscal de “transmissão” entendido de molde a abranger o “usufruto” se for para cobrar receita ao contribuinte mas, já assim não o entendendo se for para lhe conceder a isenção fiscal, é bem demonstrativo do vício de má aplicação da Norma de Isenção in casu, cuja anulação se irá requerer infra.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, pelos fundamentos acima expostos e em face da violação dos normativos supra invocados, deve o presente recurso contencioso ser julgado procedente por provado, anulando-se o acto em crise, com base na sua ilegalidade, nos termos do disposto no artigo 124º do CPA, por vício de violação de lei, na sua vertente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, ao aplicar erradamente os n.º 1 e n.º 3 do artigo 53º-A do Decreto-Lei n.º 17/88/M, sendo devida a isenção prevista no n.º 3 do artigo 53º-A legal à aquisição do Imóvel pela menor não residente A.”
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Regularmente citada, apresentou a entidade recorrida contestação, terminando com as seguintes conclusões:
“I. O presente recurso vem interposto do acto que indeferiu o pedido de isenção da taxa adicional do imposto do selo, previsto no n.º 3 do artigo 53º-A do Regulamento do Imposto do selo (RIS), sobre a aquisição pela recorrente, do direito de propriedade da fracção autónoma situada na Rua de XXXX, n.º XXX na Taipa, o prédio denominado XXX, XX andar X, com o n.º de matriz fiscal XXXX, notificado à Recorrente através do Ofício n.º 030/NAJ/NA/2020, de 21.05.2020.
II. Tratando-se de um recurso contencioso de mera legalidade, tem por finalidade a “anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica” – cfr. artigo 20º do CPAC.
III. Assim sendo, o que há a discutir nos presentes autos é a verificação ou não dos alegados vícios do acto administrativo, ora impugnado – cfr. artigo 21º, n.º 1, alíneas a) a e) e n.º 2 do CPAC.
IV. A Recorrente defende que o art. 53º-A do RIS não exige os adquirentes da celebração do título de transmissão do bem imóvel no mesmo momento, e por um só título, exigindo-se antes uma relação de parentesco muito específica (casamento ou parentesco na linha recta), para salvaguardar as transmissões intrafamiliares entre gerações de residentes, nas quais não existe qualquer índole especulativa. (artigo 63º da petição inicial)
V. E, a Recorrente entende que a interpretação da Norma de Isenção pela Entidade Recorrida desconsidera totalmente a finalidade material da taxa adicional, pois restringe o seu âmbito de aplicação, de forma denunciada e em evidente rejeição de que a taxa adicional somente visa combater a especulação imobiliária, ao referir: “a intenção de especulação não é relevante.” (artigo 32º da petição inicial)
VI. Não se conforma a Entidade Recorrida com as alegações da Recorrente, considera, antes de mais, que segundo o artigo 53º do RIS, in casu, o sujeito passivo do imposto do selo é o adquirente do direito de propriedade.
VII. A Recorrente é sujeito passivo do imposto do selo sobre a título da transmissão de direito de propriedade, portanto, só ela é adquirente, o seu pai C não é sujeito passivo sobre esse título, e, como tal, não pode ser considerado como adquirente do direito referido.
VIII. O contrato de constituição de usufruto e o contrato de compra e venda de bem imóvel, ao abrigo do art. 51º do RIS são, par efeito fiscal, fonte de transmissão, sendo factos tributários, sujeitos a imposto do selo.
IX. In casu, existem dois títulos de transmissões que criam dois factos tributários e geram as obrigações tributárias, um título de transmissão do direito de usufruto, o sujeito passivo é C; e o título em causa – a escritura de compra e venda, destina-se a transmitir o direito de propriedade do imóvel referido, o sujeito passivo é a A.
X. Sendo o facto de aquisição do direito de usufruto de um bem imóvel, considerado pela Recorrente como o motivo de dispensa da aplicação de taxa adicional ao título da transmissão do direito de propriedade, essa afirmação não faz sentido nenhum, devendo cada título de transmissão ser por forma independente considerado e tributado.
XI. Pelo exposto, no título de transmissão em causa existe um único adquirente, não preenchendo o requisito de coexistência de dois ou mais adquirentes.
XII. De mais a mais, o legislador utiliza no artigo 53º-A do RIS o termo coexistência em vez de contitularidade, aquisição conjunta e existência, por isso, entendemos que a norma referida exige que todos os adquirentes adquiram o mesmo bem ou direito pelo mesmo título, assim, verificando-se a palavra coexistência, caso não exigisse a aquisição pelo mesmo título no mesmo momento, o legislador deveria utilizar a palavra existência, que não carece do elemento de simultaneidade.
XIII. Atráves da consulta do Dicionário da Língua Portuguesa e Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a coexistência significa a existência simultânea.
XIV. E a contitularidade ou aquisição conjunta de dado direito não é o requisito do artigo 53º-A do RIS, porque, no quadro do imposto do selo, os factos tributários são os títulos que titulam transmissões e não as transmissões, para efeito fiscal, a transmissão efectiva do bem não é relevante, só a existência de título de transmissão é que é relevante.
XV. Ao respeito pelas regras da interpretação da lei constante do artigo 8º do Código Civil (CC), quer seja na versão portuguesa, quer seja na versão chinesa, o artigo 53º-A, n.º 3 do RIS deve ser entendido como: a taxa adicional não se aplica aos documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, quando de preenchimento dos requisitos seguintes: Primeiro, quando existem simultaneamente dois ou mais adquirentes do mesmo bem imóvel ou direito no mesmo título, sob pena não verificar o requisito de coexistência; segundo, os adquirentes sendo pessoas singulares residentes e não residentes, e sendo estes últimos cônjuges ou parentes ou afins na linha recta de todos ou de alguns daqueles.
XVI. In casu, em cada título existe um único adquirente, e os adquirentes, por cada título, adquiriram direitos distintos, portanto, quer seja o momento da celebração, quer seja o direito adquirido, não satisfaz o requisito da coexistência dos dois ou mais adquirentes.
XVII. A Entidade Recorrida entende que os actos de aquisição das fracções habitacionais praticados pelas pessoas colectivas, empresários comerciais, pessoas singulares, e não residentes, todos são qualificados pelos legisladores como actos especulativos, os respectivos títulos de transmissão aplicam-se a taxa adicional fixada nos artigos 42º e 43º da Tabela Geral do Imposto do Selo.
XVIII. A intenção real de adquirente não é relevante para a aplicação da taxa adicional referida, por um lado, a intenção é alterada, por outro lado, esse argumento já foi discutido na reunião de apresentação, discussão e votação e votação na generalidade, da proposta de lei intitulada “Alteração à Lei n.º 6/2011 (Imposto do selo especial sobre a transmissão de bens imóveis destinados a habitação) e ao Regulamento do Imposto do Selo”.
XIX. Vejamos o conteúdo do Diário sobre apresentação, discussão e votação na generalidade da proposta de lei intitulada “Imposto do selo especial sobre a transmissão de bens imóveis destinados a habitação”, no qual o deputado se levantou uma questão sobre a possibilidade de ponderação da situação concreta do sujeito passivo?
XX. O Director da DSAJ refere que a matéria foi discutida, mas está em causa a operacionalidade, não é possível tratar das situações caso a caso, definir todas as situações em que é possível haver isenção, porque isto também aconteceu em Hong Kong, e é difícil, por uma questão de operacionalidade.
XXI. Pelo exposto, segundo o pensamento legislativo, a intenção de especulação de adquirente não é o elemento relevante para a aplicação do artigo 53º-A do RIS, uma vez que o adquirente é pessoa colectiva, empresário comercial, pessoa singular, ou não residente, aplica-lhe a taxa adicional fixada nos artigos 42º e 43º da TGIS, salvo preencher os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 53º-A do RIS.
XXII. A Recorrente considera que se a simultaneidade de aquisição fosse o alcance pretendido pelo Legislador, os institutos legais da representação nos negócios do direito civil, em circunstâncias que impedissem a celebração de escrituras na mesma data, penalizaria as partes apenas por não o formalizarem na mesma data. (artigo 69º da Petição Inicial)
XXIII. E, alegado que o entendimento da Norma de Isenção no Acto Recorrido parte da premissa contrária à unidade do sistema jurídico, pois extrai dessa norma-sem que aí constem expressas tais limitações e sem que o espírito da Lei se posicione nesse sentido-um entendimento que pune o exercício de direito da autonomia individual das partes, sem se verificar qualquer combate à especulação imobiliária. (artigo 70º da Petição Inicial)
XXIV. Inconformados com as alegações da Recorrente, entendemos que o requisito de coexistência dos dois ou mais adquirentes do mesmo bem ou direito no mesmo título não restringe a liberdade contratual dos particulares, pois, de facto, os particulares podem determinar por vontade própria o conteúdo do contrato e a data de sua celebração, o contrato ainda pode ser celebrado, de acordo com o art. 251º do CC, pelo instituto legal da representação, que não será o obstáculo para celebração do contrato.
XXV. Os adquirentes têm liberdade para decidir o preenchimento dos requisitos previstos no art. 53º-A, n.º 3 do RIS, não se aplicado ao respectivo título a taxa adicional previsto no art. 53º-A, n.º 1 do RIS, ou em contrário, aplicar-se a taxa adicional ao respectivo título, sabendo-se que os requisitos referidos não são os requisitos legais para celebrar o contrato, nem afectam a validade do contrato, as obrigações tributárias não podem ser consideradas como as restrições à liberdade contratual.
XXVI. O artigo 53º-A do RIS está bem indicado e definido a situação de aplicação da taxa adicional, o residente de Macau não é sujeito passivo desta taxa adicional, o seu direito de transmissão nunca vai ser prejudicado ou impedido, o escopo deste Lei é aumento dos custos de especulação, para reprimir a especulação por capitais estrangeiros.
XXVII. Verificam-se no presente caso todos pressupostos consagrados no n.º 1 do art. 53º-A do RIS, 1) aos documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação; 2) o adquirente, a título oneroso ou gratuito, desses bens ou direitos é pessoa colectiva, empresário comercial, pessoa singular, ou não residente; 3) não está abrangido pelas isenções do imposto do selo previstas no RIS ou em legislação especial, aplicando o artigo 53º-A, n.º 1 do RIS para Recorrente.
XXVIII. De respeito por princípio da legalidade do acto recorrido, a própria norma prevê claramente a taxa tributada, a incidência material e pessoal, a taxa adicional de 10% não é criada pela Entidade Recorrida, mas sim, é aditada pela Lei n.º 15/2012.
XXIX. O acto recorrido não padece os vícios de erro sobre os pressupostos de factos e de direito, ao aplicar os n.º 1 e n.º 3 do artigo 53º-A do RIS, da errada interpretação, da violação do princípio da legalidade, a interpretação feita pela Entidade Recorrida corresponde à letra e ao pensamento legislativo da norma em causa, mantendo a unidade de sistema fiscal, nomeadamente em sede do imposto do selo.
Termos em que se requer a V. Exa que o presente recurso seja declarado improcedente sendo, consequentemente, mantido o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 18 de Maio de 2020, com as devidas consequências legais.”
*
Posteriormente, apresentou a recorrente alegações facultativas com os seguintes termos conclusivos:
“i. É entidade recorrida o Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças (“Entidade Recorrida”) que, pelo ofício n.º 030/NAJ/NA/2020, de 18.05.2020, indeferiu o pedido de isenção da taxa adicional do imposto do selo, prevista no n.º 3 do artigo 53º-A do Decreto-Lei n.º 17/88/M (“Norma de Isenção”), sobre a aquisição, pela Recorrente, do direito de propriedade do imóvel inscrito na matriz fiscal sob o n.º XXXX(“Imóvel”) – cfr. o Doc. N. 1 junto com a petição de recurso (“Acto Recorrido”).
ii. Por escritura outorgada em 9.05.2019, B constituiu um direito de usufruto vitalício a favor do seu pai, C, residente perante de Macau, sobre o Imóvel – cfr. a certidão que consta no processo instrutor.
iii. Em 21.06.2019, por escritura de compra e venda do Imóvel, a Recorrente, filha menor do usufrutuário C, representada pela mãe, Petra Oberhauser, adquiriu o direito de propriedade do Imóvel ao seu irmão, B – cfr. a certidão no processo instrutor.
iv. Apesar da relação de parentesco em linha recta com o usufrutuário, que é seu pai e residente permanente de Macau, a Recorrente pagou a taxa adicional de 10%, no montante de MOP786.875,00 do Imposto do Selo previsto pela Lei n.º 15/2012, que visa combater a especulação no mercado imobiliário.
v. A Direcção dos Serviços de Finanças (“DSF”), indeferiu a isenção que a Recorrente pedira, com a fundamentação de que “(…) não adquiriu conjuntamente com o pai, residente permanente da RAEM, o direito de propriedade da fracção autónoma (…)” (v. Ofício n.º 5570/NIS/DOI/RFM de 20 de Agosto de 2019, “deveria ter adquirido o direito de propriedade simultaneamente com o pai, detentor do direito de usufruto vitalício.” (v. página 7 do Ofício n.º 7815/NIS/DOI/FRM/2019 de 11 de Dezembro de 2019) e o acto recorrido sub iudice até menciona que “a intenção de especulação não é relevante.” – cfr. a conclusão X, na página 17 do Acto Recorrido.
vi. Tais entendimentos constituem um entendimento tabular de cobrança de impostos ilegal e injusto, atenta a salvaguarda das relações de parentesco protegidas pela Lei n.º 15/2012 do Imposto especial do Selo através da Norma de Isenção, circunstância que torna inválido o Acto Recorrido.
vii. A Recorrente considera que a interpretação no Acto Recorrido sobre a Norma de Isenção impõe requisitos que não constam expressamente previstos nem dela poderiam ser interpretados, sendo eles i) a aquisição em compropriedade do mesmo direito e ii) na mesma escritura, pelo adquirente não residente e pelo adquirente residente de Macau, parentes em linha recta entre si.
viii. Tal entendimento colide com a finalidade da Lei n.º 15/2012 do imposto especial do selo, que tem a finalidade da especifica taxa da adicional de 10%, como se verifica pelo teor do seu artigo 1º, a do “combate à sua especulação”, referindo-se a imóveis destinados a habitação, intenção essa que consta da respectiva Nota Justificativa cuja cópia foi junta sob Doc. N.º 2 à p.i. (“NJ”), tendo a Lei n.º 6/2011 sido alterada com intuito de intensificar o combate à especulação no mercado imobiliário da RAEM.
ix. Contudo e, na mesma NJ, o Gabinete do Chefe do Executivo especificou que a taxa adicional de 10% aplicável a não residentes que adquirissem fracções para habitação em Macau não seria aplicável se tais adquirentes fossem parentes em linha recta de residentes de Macau (parágrafo 5, página 2 da NJ).
x. Neste contexto, a Lei n.º 15/2012 foi promulgada, alterando a Lei n.º 6/2011 e o Decreto-Lei do Imposto do Selo, ao aditar o artigo 53º-A onde se insere a Norma de Isenção, que tem um âmbito de isenção ainda mais abrangente, pois inclui não só direitos de aquisição, como outros direitos sobre imóveis.
xi. A propósito do âmbito da Norma de Isenção citada, a própria DSF, na decisão de indeferimento da reclamação da Recorrente, admitiu que os requisitos da simultaneidade de outorga no mesmo título ou acto notarial, exigidos também no Acto Recorrido, não eram exigidos expressamente na Norma de Isenção (v. página 4, 4º parágrafo, Ofício n.º 7815/NIS/DOI/RFM/2019).
xii. E, apesar de admitir a falta de tais exigências expressas na Norma de Isenção, extraiu uma conclusão que excede os requisitos aí previstos e viola o princípio da taxatividade do Direito Fiscal, sustentando que o contribuinte deveria “subentender” que a aquisição teria de ser outorgada num único título (v. página 4, 5º parágrafo, Ofício n.º 7815/NIS/DOI/RFM/2019).
xiii. A DSF exige que os contribuintes “subentendam” os ónus legais, entendimento esse (errado e ilegal) que foi reiterado nas conclusões III a XI do Acto Recorrido, em violação dos princípios da tipicidade e taxatividade da legislação fiscal, pois os ónus da outorga da mesma escritura (título) e a exigência da aquisição em compropriedade ou contitularidade de um único direito real pelo residente e não residente de Macau não constam expressamente previstos na Norma de Isenção.
xiv. Citando um Acórdão do Tribunal de Última Instância (“TUI”), “as normas tributárias relevam de um domínio em que tradicionalmente a exigência de precisão, clareza e determinabilidade das leis é especialmente relevante (…)” (v. Acórdão n.º 71/2016 do TUI) pelo que se impõe saber se a vontade do Legislador quanto à Norma de Isenção foi a de excluir do seu âmbito de aplicação os parentes em linha recta, i.e., avós, pais e netos, que adquirissem direitos reais diferentes sobre o mesmo imóvel sito em Macau, em datas diferentes, sendo necessariamente um deles não residente de Macau.
xv. Desde logo, o Legislador teria de considerar tais aquisições per se como especulação imobiliária.
xvi. A Recorrente não crê que o Legislador quisesse aplicar tal taxa adicional a não residentes, se estes adquirissem direitos sobre o mesmo imóvel em relação ao qual os seus pais, ou o seus filhos, ou seus netos – qualquer um destes, com o estatuto de residente de Macau – já tivesse anteriormente um qualquer direito real, pois os requisitos legais da Norma de Isenção são demasiadamente rígidos para que um não residente pudesse especular no mercado imobiliário de Macau ao adquirir a propriedade de um imóvel ou outro direito real sobre ele, existindo sobre tal imóvel um outro direito real pertencente a um parente directo seu, com o requisito cumulativo de este último ser, necessariamente, residente de Macau.
xvii. O caso sub iudice é um desses exemplos, pois não é possível conceber que a intenção do Legislador da Lei n.º 15/2012 quisesse qualificar como especulativa a aquisição de uma fracção para habitação em Macau por uma não residente que é menor de idade, de 11 anos, residente na Irlanda, estando a referida fracção autónoma já onerada com um direito de usufruto vitalício a favor do próprio pai da adquirente, sendo este último residente permanente de Macau.
xviii. Como tal, estes argumentos e a finalidade da Lei n.º 15/2012 do imposto especial, não dão acolhimento à interpretação ainda mais rígida do Recorrido sobre a Norma, ao impor simultaneidade de data de aquisição e a outorga da mesma escritura pública.
xix. De resto, ainda que se concebesse que tal interpretação literal da Norma de Isenção do Recorrida estava correcta, sempre seria aplicável uma interpretação extensiva de tal Norma, em face da finalidade da Lei n.º 15/2012, sob pena de esta se tomar punitiva (ainda que reflexamente) para os próprios residentes de Macau que desejem transmitir os seus imóveis a filhos ou netos que não tenham esse estatuto.
xx. Como se sustenta no citado aresto do TUI, a Norma de Isenção sempre careceria de uma interpretação extensiva: “Na interpretação das normas tributárias prevalece o entendimento de que elas não convocam princípios especiais diversos das normas jurídicas em geral. Aplicam-se os critérios gerais de interpretação das leis. É, por isso, possível a interpretação extensiva (v. página 25 do Ac. citado).
xxi. No mesmo sentido, a Jurisprudência comparada refere que “(…) daí que se se concluir que a letra da lei se quedou aquém do seu espírito, haverá que adequar a letra ao respectivo espírito por via da interpretação extensiva (sobre a interpretação extensiva na doutrina tradicional, pressuposta pelo nosso legislador, cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2002, pp- 185/186). Pressuposto para assim operar é, contudo, a demonstração de que o legislador minus dixit quam voluit” (v. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal no processo n.º 592/11, de 23 de Novembro de 2011).
xxii. Neste último trecho do citado Acórdão do STA português, verifica-se o elemento de interpretação de que a DSF e a Entidade Recorrida deveriam ter aplicado ao caso sub iudice, se tivessem a intenção de evitar um sacrifício patrimonial desproporcionado e, como tal, ilegal, sobre a filha de um residente de Macau, considerando que nenhuma finalidade da Lei n.º 15/2011 será atingida neste tipo de casos.
xxiii. Apesar dos argumentos supra indicados, a interpretação da Norma de Isenção pela Entidade Recorrida desconsidera totalmente a finalidade material da taxa adicional, pois restringe o seu âmbito de aplicação, de forma denunciada e em rejeição de que a taxa adicional somente visa combater a especulação imobiliária, ao referir que “a intenção de especulação não é relevante.” – cfr. a conclusão X, página 17 do Acto Recorrido, em opção pelo elemento literal de interpretação da Norma de Isenção.
xxiv. Observando as limitações do direito adquirido pela Recorrente, para determinar se aquisição do seu direito de propriedade lhe permite a ela ou aos seus progenitores agir em especulação imobiliária, que é também aplicável a não residentes maiores de idade, verificam-se limitações de carácter negocial e legal que obstam a que, ainda que tais direitos sejam adquiridos posteriormente aos dos parentes em linha recta residentes em Macau, a finalidade da Lei n.º 15/2012 é inteiramente respeitada, por inexistir especulação naqueles casos.
xxv. O direito de propriedade adquirido pela menor não-residente é mais limitado do que um direito de um comproprietário por não poder exigir a aquisição do seu direito pelo usufrutuário, pelo que, por confronto com a exigência de aquisição conjunta pela Entidade Recorrida e pela DSF, deveria aplicar-se o princípio de “quem pode o mais, pode o menos” (in eo quod plus est semper inest et minus), em plena consonância com os fins visados pela Norma de Isenção – a não residente, titular do direito de propriedade, na prática, não consegue realizar quaisquer negócios de índole especulativa, pois não o consegue arrendar ou vender enquanto perdurar o usufruto do pai.
xxvi. Tais limitações negociais, nos termos descritos, impõem que se pergunte se haveria algum interessado em comprar um imóvel onerado com um usufruto vitalício em Macau, e – ainda por cima – disposto a pagar um preço superior ao valor de mercado, i.e., especulativo, tendo também que esperar que os representantes legais da proprietária menor conseguissem a autorização judicial necessária, do Tribunal de Família e de Menores, cfr. o artigo 1744º do Código Civil, antes de escritura de compra e venda.
xxvii. Estas limitações não poderiam ser desconhecidas do Legislador na elaboração da Norma de Isenção, pois fez depender a isenção da taxa adicional da existência de uma relação familiar específica, de parentesco em linha recta entre o adquirente não residente com um residente de Macau (avós, pais, filhos ou netos) – e tal opção estabelece uma relação entre o regime fiscal em análise com o regime do Direito Civil das relações de parentesco e representação legal.
xxviii. Os negócios entre cônjuges, pais, filhos e/ou netos, sendo legítimos no Direito de Macau, colocam diversas questões de direito formal, de representação legal na aquisição conjunta de direitos sobre imóveis por menores e os seus progenitores, que podem justificar a separação dos actos por diferentes instrumentos notariais, desde logo a fim de evitar situações de conflito de interesses, a que acrescem os impedimentos práticos de se garantir a outorga de um mesmo título, pelo que tão gravosa “punição” – de 10% de imposto sobre o preço, sem que se verifique qualquer índole especulativa, é desproporcionada.
xxix. Essas limitações de carácter formal decorrem da Lei, pelo que não se crê que possam constituir um impedimento a que – como no caso sub iudice – a adquirente de um direito real, por procuração, sendo menor de idade e residente na Irlanda, de um imóvel sob o qual incide usufruto vitalício a favor do seu pai, em escrituras separadas, possa beneficiar da isenção que lhe é devida – i.e., pai e filha deverão ser considerados adquirentes para todos os efeitos legais em matéria fiscal, a partir da escritura que os coloca na titularidade de direitos reais sobre o mesmo Imóvel (2019.06.21).
xxx. Na interpretação da vontade do Legislador da Norma de Isenção, salienta-se a norma do n.º 1 do artigo 8º Código Civil, devendo ter-se em conta a unidade do sistema jurídico, pelo que o Recorrido deveria ter presumido que o Legislador considerou a unidade do sistema jurídico ao formular os requisitos aí previstos, incluindo a dilação da outorga de títulos entre parentes em linha recta que não vivem em Macau, como sucedeu in casu, pois essa circunstância nunca colocaria em causa a única finalidade da Lei do imposto especial do selo, que é combater a especulação.
xxxi. Não existe diferença no impedimento de especulação imobiliária entre um imóvel cujos direitos tenham sido adquiridos pelos titulares (com relação de parentesco entre si) em datas diferentes, ao invés de terem sido adquiridos na mesma data – i.e., o momento que releva para os fins da Lei n.º 15/2012 é a relação jurídica entre tais titulares e o imóvel à data da aquisição pelo não residente, pois o momento em que se poderá verificar a especulação, na perspectiva da Lei n.º 15/2012, é o momento da aquisição de direitos sobre imóveis pelo não residente, só assim se evitando a dissuasão injustificada de negócios intrafamiliares, sem índole especulativa, incapazes de afectar o mercado imobiliário na RAEM.
xxxii. In casu, o pai da adquirente do Imóvel, residente permanente de Macau, pretende apenas assegurar o seu uso até à morte e, simultaneamente, manter o Imóvel na esfera patrimonial da filha (a Recorrente).
xxxiii. É de censurar a posição do Recorrido vertida no ponto X do Acto Recorrido, em que menciona que “a intenção de especulação não é relevante”, pois a intenção subjectiva de especulação por parte da Recorrente e do seu pai não é a que se pretende salientar, mas sim como elemento objectivo de interpretação da Norma de Isenção, na sua componente finalística, da sua ratio legis.
xxxiv. Ambos os negócios ocorreram dentro do mesmo ano económico e fiscal (de 2019=, circunstância que afasta qualquer obstáculo relacionado com a administração das contas da RAEM, dado que o imposto do selo é uma receita eventual contabilizada apenas no fim de cada período fiscal, mas tal raciocínio aplicar-se-ia à aquisição noutro ano fiscal, desde logo porque cumpre ao sujeito passivo o ónus de requerer e comprovar a relação de parentesco que o isente da taxa adicional do Imposto especial.
xxxv. Sem conceder quanto aos argumentos aduzidos supra, a interpretação da Norma de Isenção pelo Recorrido também não procede porque evidencia incongruências, ao escudar-se no facto de apenas poder aplicar a sua análise ao facto tributário de um só título, sendo certo cada transacção que dele conste é objecto de liquidação independente, quer conste do mesmo título ou de vários títulos.
xxxvi. Observando a norma de incidência (no n.º 1 do artigo 53º-A), o não residente pagará uma taxa adicional por cada direito real que adquira sobre o mesmo imóvel, pelo que a Norma de Isenção deverá ser interpretada da mesma forma quanto à relação jurídica existente (i.e., “coexistente”) sobre o mesmo imóvel, de um parente em linha recta (residente de Macau), do adquirente não residente, pois só assim se poderá salvaguardar as transmissões intrafamiliares entre gerações de residentes em que não existe qualquer índole especulativa.
xxxvii. A contrário, o Acto Recorrido pretende extrair requisitos negociais e temporais que não foram vertidos em Lei pelo Legislador, porquanto a supra referida independência dos factos tributários consta também da respectiva Norma de Isenção, i.e., o momento que releva – o facto tributário a atender para tributar e conceder isenção concretiza-se com a aquisição do bem ou direito pelo não residente.
xxxviii. A interpretação da Recorrente não significa afirmar que as aquisições de um mesmo direito por dois contitulares (“coadquirentes” ou “comproprietários”), não estejam abrangidas pela incidência da taxa (no n.º 1 do artigo 53º) – bem pelo contrário, conforme se sustenta supra -, mas, o raciocínio inverso, de que se exige contitularidade de direitos adquiridos e simultaneidade de aquisições no mesmo título aquisitivo, para que a respectiva Norma de Isenção se aplique, não tem acolhimento na Norma de Isenção.
xxxix. O vício de má aplicação de lei de que padece o Acto Recorrido é notório por comparação entre a formulação da Norma de Isenção, “(…) quando coexistem dois ou mais adquirentes” e a formulação que consta no Acto recorrido (na ágina 14, ponto III) “(…) a norma referida exige que todos os adquirentes adquirem o mesmo bem ou direito pelo mesmo título (…)” – claramente, a interpretação do Recorrido excede o princípio nullum tributum sine lege, ao não aplicar a isenção que a Lei preceitua.
xl. A discrepância entre a interpretação da Entidade Recorrida e a letra da Lei não é correcta pois, se a simultaneidade de aquisições fosse o alcance pretendido pelo Legislador, os institutos legais da representação nos negócios do direito civil, em circunstâncias que impedissem a celebração de escrituras na mesma data (v.g. doença, acidente de qualquer das partes ou de algum dos intervenientes na escritura, impondo a dilação entre as datas de aquisição de cada um dos direitos), teriam uma consequência desproporcionada sobre as partes, apenas por não formalizarem os seus negócios na mesma data e no mesmo título – circunstância esta que implicaria que a simultaneidade e contitularidade de aquisições, no mesmo título, tivesse de decorrer expressamente da Lei.
xli. Tendo sempre presente o escopo da Lei n.º 15/2012, o termo “coexistam” apenas poderá entender-se “neutro” quanto à data de aquisição de cada um dos direitos, sendo mais coerente com a finalidade da Lei que tal “coexistência” se verifique na data em que o não residente adquire um direito sobre imóvel localizado em Macau, e só assim se abrangerá todas as situações em que não existe índole especulativa dos negócios jurídicos por adquirentes que tenham entre si relações de parentesco.
xlii. Não existe parecer da Comissão Legislativa que pudesse indicar a correcta interpretação da Norma de Isenção, pelo que, neste quadro de incerteza legal e em face das finalidades da Lei n.º 15/2012, a Norma de Isenção não pode ser interpretada num sentido que leve a que os residentes de Macau se vejam prejudicados – ou mesmo impedidos, na prática – de transmitirem os seus imóveis ou direitos sobre eles aos seus descendentes ou ascendentes, pois a finalidade da Lei que promulgou a taxa adicional tem primazia sobre a arrecadação de receita.
xliii. Sem conceder quanto ao já afirmado supra, uma suposta exigência de compropriedade ou contitularidade – i.e., mesmo que se entendesse que o Legislador a exigia expressamente na Norma de Isenção -, tal requisito sempre teria de se dar por verificado in casu, porquanto o direito de usufruto vitalício sobre o imóvel constitui, nos termos da Lei, não só um direito sobre imóvel destinado a habitação, como, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 51º do Decreto-Lei 17/88/M, é também equiparado para efeitos fiscais a uma “Transmissão de bens”.
xliv. Com efeito, não seria justo que a Administração Fiscal tributasse a aquisição de um direito de usufruto sobre imóvel como se de uma transmissão de bens se tratasse mas, para efeito de isenção desse mesmo imposto já não a considerasse como tal, considerando que ambas as disposições legais estão sistematizadas no mesmo regime jurídico, i.e., os artigos 51º e 53º-A disciplinam a mesma matéria fiscal e estão ambos situados no Capítulo XVII do Decreto-Lei n.º 17/88/M.
xlv. Neste aspecto, o Acto recorrido faz “tábua rasa” dos argumentos já apresentados pela Recorrente, pelo que resta salientar que tal dualidade de critérios na aplicação do conceito fiscal de “transmissão”, entendido de molde a abranger o “usufruto” se for para cobrar receita ao contribuinte mas, já assim não o entendendo se for para lhe conceder a isenção fiscal, é bem demonstrativo do vício de má aplicação da Norma de Isenção in casu, cuja anulação se irá requerer infra.
xlvi. Pelas razões enunciadas, a questão central do presente recurso assenta na extensão ou alcance da Norma de Isenção, vis a vis a faculdade de interpretação extensiva no artigo 10º do Código Civil.
xlvii. Para esse efeito, previamente à análise da Norma de Isenção, deve ser analisado o sentido teleológico da norma de incidência, prevista no n.º 1 do artigo 53º-A, sobre a qual incide a Norma de Isenção.
xlviii. Nesse sentido, a intenção do Legislador está bem patente nas intervenções dos deputados à Assembleia Legislativa (“AL”) durante o debate de 24 de Outubro de 2012, que antecedeu a aprovação da Lei n.º 15/2012, sendo notório que a preocupação suscitada pelos Deputados à AL e do Governo, na data da aprovação da Lei n.º 15/2012, era a de “arrefecer” rapidamente o mercado imobiliário de Macau, exposto à especulação de capitais estrangeiros que também era potenciada por empresários locais.
xlix. Pela análise das intervenções dos Deputados à AL e da justificação da proposta do novo diploma pelo Governo, a intenção do Legislador não foi a de obter uma fonte de receita acrescida para os cofres da RAEM, mas sim a de acabar com a especulação imobiliária desmedida, para permitir o acesso à habitação própria dos residentes de Macau.
l. Analisada a intenção legislativa da norma de incidência, analisa-se em seguida a intenção do Legislador em implementar a respectiva Norma de Isenção, através do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Lau Si Io: “Na proposta de lei, propõe-se que os adquirentes de fracções habitacionais residentes de Macau com não residentes de Macau, sendo estes cônjuges, ou parentes ou afins na linha recta daqueles, estão isentos de liquidar o imposto do selo adicional.”
li. A intenção que foi transmitida pelo Governo foi genérica, no sentido de não aplicar a taxa adicional de 10% aos não residentes familiares em linha recta de residentes de Macau, desde que adquirissem um mesmo imóvel sito em Macau – i.e., a ideia principal foi proteger a coexistência de direitos reais sobre o mesmo imóvel entre pais, filhos, avós ou netos, sendo uns não residentes e outros residentes de Macau.
lii. Analisando conjugadamente as intenções do Legislador supra citadas, conclui-se que a aquisição simultânea de direitos reais sobre o mesmo imóvel é um requisito temporal mínimo, não sendo aplicável a Norma de Isenção apenas a aquisições de imóveis, de não residentes, que não coexistam (na data de aquisição) com direito(s) reais sobre o mesmo imóvel por familiares seus residentes de Macau.
liii. Esse requisito temporal (o da aquisição simultânea) não poderá afastar a possibilidade de a aquisição pelo não residente ocorrer em data posterior, pois a relação jurídica material em relação ao imóvel será nesse caso exactamente a mesma que a de uma aquisição na mesma data e título em que adquira o pai, filho, avô ou neto, residentes e não residentes de Macau.
liv. Subjacente a este entendimento está, por um lado, uma análise de senso comum, de que a constituição de filiação ou casamento não constituem uma via de especulação sobre imóveis, facto que o Legislador teve necessariamente em conta quando aprovou a Lei n.º 15/2012 e, por outro lado, e – principalmente -, está o Direito, positivado na Lei Básica, em que se consagra no artigo 106º a prossecução de uma política de baixa tributação que caracteriza o próprio sistema fiscal de Macau.
lv. Suscita-se a seguinte questão: se a AL, ao debater a proposta que originou a Lei n.º 15/2012, tivesse discutido se a palavra “coexistência” permitia a isenção da taxa adicional a não residente que adquirisse um direito real sobre um imóvel sobre o qual já existisse um outro direito real, pertencente a um dos seus pai ou mão, ou avô ou avó, filho ou filha residentes de Macau, seria aplicável a taxa adicional de 10% do Imposto do Selo?
lvi. Qual seria a opinião da AL sobre um eventual impacto na “bolha imobiliária” de Macau, se as aquisições isentas da taxa adicional tivessem datas diferentes, em que o não residente adquirisse o seu direito real sobre o mesmo imóvel após a aquisição do seu filho, pai, avô ou neto residente de Macau?
lvii. Não se crê que a resposta fosse outra, a não ser a que correspondia à (única) intenção do Legislador: não seria aplicável a taxa, por não haver qualquer diferença entre as relações jurídicas estabelecidas simultaneamente ou em datas diferentes, desde que o residente já fosse titular de um direito real, pois neste caso a taxa adicional em nada contribuiria para combater a especulação imobiliária.
lviii. Outra resposta seria: apesar de não se vislumbrar qualquer impacto especulativo, por cautela, sim, vamos aplicar os 10% a esses filhos, pais, avós, netos, de residentes de Macau, caso adquiram um direito real sobre um imóvel já pertencente a esses familiares, para melhor combater a especulação imobiliária.
lix. Nem por razões jurídicas ou de elementar bom senso, parecer ter sido a intenção do Legislador excluir as situações de coexistência de direitos reais entre gerações de residentes de Macau ligados entre si por parentesco em linha recta, por não terem sido adquiridos os respectivos direitos na mesma escritura.
lx. O raciocínio a contrario sensu da interpretação da Recorrente sobre a Norma de Isenção demonstra a validade da sua pretensão sub iudice – i.e., na hipótese de o familiar não residente adquirir o seu direito real previamente à aquisição do direito real do parente residente de Macau, sobre o mesmo imóvel, a Norma de Isenção não se aplicaria à data do facto tributário, por não coexistirem direitos reais entre familiares.
lxi. Pelas razões enunciadas supra, os exercícios de raciocínio e fundamentação acima descritos são legalmente exigidos in casu, em cumprimento das normas de interpretação extensiva da Lei, às quais se encontra vinculada a Entidade Recorrida ex vi os artigos 8º e 10º do Código Civil.
lxii. Contudo e, não obstante ser evidente a intenção fiscal do Legislador em isentar a coexistência de direitos sobre os mesmos imóveis entre familiares não residentes e residentes de Macau, as conclusões XVIII a XXI da contestação da Entidade Recorrida recusam tal possibilidade, revelando um manifesto erro de interpretação.
lxiii. A Entidade Recorrida afirma (artigos 40º a 47º da contestação) que a intenção de especulação do adquirente não é relevante – alegação esta que revela estar em erro sobre o problema jurídico sub iudice, pois é a intenção do Legislador que a Recorrente invoca que é necessário determinar.
lxiv. Esclareça-se: a Recorrente nunca baseou a sua pretensão com o fundamento da sua subjectiva intenção de aquisição da propriedade do imóvel, mas sim – algo bem diferente – invocou a sua relação de parentesco e coexistência de titularidade com um direito real do seu pai que já existia à data da aquisição da Recorrente, enquanto requisito legal susceptível de mobilizar a Norma de Isenção.
lxv. Nas conclusões da sua contestação, de XXII a XXVI e, especificamente nesta última, a Entidade Recorrida falha em abordar a problemática sub iudice, ao afirmar que “o residente de Macau não é sujeito passivo desta taxa adicional, o seu direito nunca vai ser prejudicado ou impedido, o escopo desta Lei é aumento dos custos de especulação, para reprimir a especulação por capitais estrangeiros”.
lxvi. A Recorrente sabe que o sujeito passivo no procedimento fiscal impugnado é ela própria, a adquirente do direito, facto que apenas realça o erro em que labora a Entidade Recorrida na sua fundamentação, ao afirmar que a norma de incidência não se aplica ao residente in casu, pai da Recorrente.
lxvii. Mas tal afirmação da Entidade Recorrida também omite a realidade e os interesses familiares do pai, filho, avô ou neto residentes de Macau que, na prática, apesar de não serem eles os sujeitos passivos da taxa adicional, são prejudicados pelo sacrifício patrimonial que injustamente é colocado, ainda que reflexamente, pela errada interpretação da Norma de Isenção que produz a Entidade Recorrida.
lxviii. Afigura-se que, para a Entidade Recorrida, desde que o residente de Macau (neste caso, o pai da Recorrente) não seja prejudicado, estará justificada uma incorrecta e injusta decisão de indeferir a isenção fiscal, com base numa interpretação que em nada coincide com a intenção do Legislador na norma de incidência – facto este que se consubstancia em violação do artigo 7º do Código de Procedimento Administrativo, que consagra o princípio da justiça e da imparcialidade da Administração.
lxix. Dir-se-ia que a Entidade Recorrida, cujo conhecimento do contexto legislativo não pode ignorar, “foge” totalmente ao problema jurídico em questão, por saber que não existe qualquer justiça tributária in casu, defendendo cegamente a sua interpretação literal da Norma de Isenção.
lxx. Sendo certo que a Lei n.º 15/2012 foi aprovada em processo legislativo urgente pedido pelo Governo, o carácter genérico da Norma de Isenção não justifica que seja aplicado de forma a subverter totalmente a intenção do Legislador.
lxxi. Observe-se, nesse sentido, pedido do Governo para proceder à aprovação urgente da referida Lei: “Uma vez que o mercado imobiliário é um mercado complicado, poderão aparecer grandes oscilações num curto espaço de tempo, influenciando directamente o desenvolvimento económico, pelo que agradeço à Assembleia Legislativa que aprecie a presente proposta em processo de urgência, para que possa brevemente entrar em vigor, de modo a reprimir oportunamente a especulação, eliminando eficazmente os impactos que esta pode causar antes que a política se implemente.”
lxxii. Concede-se que não tenha havido tempo nem oportunidade – dado o processo de urgência de debate da lei –, durante as cinco horas e dez minutos (cfr. a página 1 do Diário da AL supra citado), para que a formulação de uma norma com uma consequência jurídica patrimonial tão grave – como a Norma de Isenção – pudesse ser discutida sob outros pontos de vista da respectiva aplicação.
lxxiii. Talvez, porém, os Deputados não concebessem que a Norma de Isenção viesse a ser interpretada pela Administração Fiscal da forma propugnada pela Entidade Recorrida, com base em dicionários e admitindo sem hesitação o resultado injusto e desproporcionado que surge no caso dos presentes autos – não parece, de facto, que tenha sido esta a intenção do Legislador.
lxxiv. A título de exemplo, leia-se a citação descontextualizada que produz no artigo 45º da sua contestação, “não é possível tratar das situações caso a caso” (sic) – tal afirmação não é válida, pois a Entidade Recorrida podia e devia ter aplicado os instrumentos de interpretação consagrados nos artigos 8º e 10º do Código Civil, a fim de evitar uma tributação vazia de sentido e ilegal.
lxxv. Ao invés, a Entidade Recorrida fundamentou o acto recorrido com base em dois dicionários da língua portuguesa, o “Dicionário da Língua Portuguesa” e no “Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa”, cfr. a sua conclusão XIII da contestação.
lxxvi. Nesse artigo, a Entidade Recorrida afirma que: “Através da consulta do Dicionário da Língua Portuguesa e Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a coexistência significa a existência simultânea.”
lxxvii. Tal fundamentação não é juridicamente admissível, pois o fundamento legal de um acto administrativo não pode ser colhido com base no significado das palavras que constam nos dicionários, sendo surpreendente que o faça perante a consequência patrimonial nefasta para a Recorrente, que resulta do acto recorrido.
lxxviii. No artigo XII das conclusões da contestação da Entidade Recorrida, é desconcertante a sugestão que apresenta sobre qual o vocábulo que permitiria a aplicação da Norma de Isenção ao caso sub iudice, ao sugerir que se o Legislador tivesse optado pelo vocábulo “existência”, a taxa adicional já não seria aplicável in casu!
lxxix. A Recorrente considera este raciocínio destituído de sentido, pois sugere que a taxa adicional não exigiria a celebração da escritura pública, no mesmo cartório e na mesma data – exigências estas que não constam do texto da Norma de Isenção e que são da exclusiva autoria da Entidade Recorrida -, se o Legislador tivesse optado pelo vocábulo “existência” em vez de “coexistência”, mas recusa, do mesmo passo, atribuir qualquer relevância à inexistência da finalidade tributária da taxa adicional.
lxxx. com base na sua conclusão XII e nos dicionários, a Entidade Recorrida pretende justificar que uma aquisição de um imóvel a que aplicou 10% a mais de imposto, num montante de MOP786.875,00, não se aplicaria se o Legislador tivesse empregue o vocábulo “existência” em vez de “coexistência” (?)…
lxxxi. É muito preocupante verificar que a Entidade Recorrida mantém uma decisão ilegal com tais fundamentos, fundamentando-a com um exercício de hermenêutica semântico, não jurídico, e indiferente às normas legais de interpretação e da teleologia dos preceitos fiscais.
lxxxii. Ainda para mais, de forma errada, pois – mesmo na base simplista e não jurídica do seu raciocínio -, o facto de a palavra “existência” se referir a “adquirentes”, em número plural, sempre pressuporia que pelo menos dois adquirentes teriam de “coexistir”, ou seja, “existir simultaneamente” – não é jurídica, a argumentação da Entidade Recorrida, e como tal não deverá continuar a ser considerada legal.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas, mui doutamente suprirão, pelos fundamentos acima expostos e em face da violação dos normativos supra invocados, deve o presente recurso contencioso ser julgado procedente por provado, anulando-se o acto em crise, com base na sua ilegalidade, nos termos do disposto no artigo 124º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”), por vício de violação de lei, na sua vertente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, ao aplicar erradamente os n.º 1 e n.º 3 do artigo 53º-A do Decreto-Lei n.º 17/88/M, em violação dos artigos 8º e 10º do Código Civil, do artigo 7º do CPA e do artigo 106º da Lei Básica, sendo devida a isenção prevista no n.º 3 do artigo 53º-A legal à aquisição do Imóvel pela menor não residente A.”
*
Tendo a entidade recorrida apresentado resposta, formulando as seguintes conclusões:
“I. O recurso tem por objecto o despacho do Sr.º Secretário para a Economia e Finanças, de 18.05.2020, exarado na Proposta n.º 006/NAJ/NA/2020, que indeferiu o pedido de isenção da taxa adicional do imposto do selo, previsto no n.º 3 do artigo 53º-A do Regulamento do Imposto do selo (RIS), sobre a aquisição pela Recorrente, do direito de propriedade da fracção autónoma situada na Rua de XXXX, n.º XXX na Taipa, o prédio denominado XXX, XX andar X, com o n.º de matriz fiscal XXXX, notificado à Recorrente através do Ofício n.º 030/NAJ/NA/2020, de 21.05.2020.
II. A entidade recorrida mantém o expendido na contestação pugnando pela improcedência do presente recurso devendo o despacho recorrido manter-se por inexistência dos vícios que lhe assaca a Recorrente.
III. A Recorrente alega nas suas alegações facultativas que analisando conjugadamente as intenções do Legislador supra citadas, pode concluir-se que a aquisição simultânea de direitos reais sobre o mesmo imóvel seria um requisito temporal mínimo, não sendo aplicável a Norma de isenção apenas a aquisição de imóveis, de não residentes, que não coexistissem com direito(s) reais sobre o mesmo imóvel por familiares seus residentes de Macau. (artigo 12)
IV. Alega continuamente que como tal, esse requisito temporal (o da aquisição simultânea) não poderá afastar a possibilidade de a aquisição pelo não residente ocorrer em data posterior, pois a relação jurídica material em relação ao imóvel será nesse caso exactamente a mesma que a de uma aquisição na mesma data e título em que adquira o pai, filho, avô ou neto, residentes e não residentes de Macau. (artigo 13)
V. A entidade recorrida expõe mais uma vez a nossa posição sobre o artigo 53º-A do RIS, aditado pela Lei n.º 15/2012, nomeadamente o n.º 3, no qual se dispõe que o disposto no n.º 1 não se aplica aos documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, quando coexistem dois ou mais adquirentes, sendo pessoas singulares residentes e não residentes, e sendo estes últimos cônjuges ou parentes ou afins na linha recta de todos ou de alguns daqueles.
VI. Segundo o conteúdo da nota justificativa sobre a alteração à Lei n.º 6/2011, a entidade recorrida entende que, quer seja na versão portuguesa, quer seja na versão chinesa, o artigo 53º-A, n.º 3 do RIS deve ser entendido como: a taxa adicional não se aplica aos documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, quando do preenchimento dos requisitos seguintes: Primeiro, quando existem simultaneamente dois ou mais adquirentes do mesmo bem imóvel ou direito no mesmo título, sob pena de não se verificar o requisito de coexistência; segundo, os adquirentes sendo pessoas singulares residentes e não residentes, e sendo estes últimos cônjuges ou parentes ou afins na linha recta de todos ou de alguns daqueles.
VII. Mas, in casu subjudice, a Recorrente, nos termos do art. 53º, n.º 1 do RIS, é único sujeito passivo do imposto do selo sobre a título da transmissão de direito de propriedade, portanto, só ela é adquirente, o seu pai C não é sujeito passivo sobre esse título, e, como tal, não pode ser considerado como adquirente do direito referido.
VIII. A entidade recorrida em respeito ao princípio da legalidade previsto no art. 3º do CPA, tributou a taxa adicional prevista no n.º 1 do art. 53º-A do RIS à Recorrente, a interpretação feita não padece qualquer vício, correspondente com a letra da norma legal, portanto, tal acto não padece qualquer vício.
IX. A Recorrente refere que nesse artigo, a entidade recorrida afirma que: “através da consulta do Dicionário da Língua Portuguesa e Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, a coexistência significa a existência simultânea.” (artigo 37)
X. Ora, tal fundamentação não é juridicamente admissível, pois o fundamento legal de um acto administrativo não pode ser colhido com base no significado das palavras que constam nos dicionários, sendo surpreendente que o faça perante a consequência patrimonial nefasta para a Recorrente, que resulta do acto recorrido. (artigo 38)
XI. A entidade recorrida fica surpreendida pelas palavras da Recorrente, o intérprete pode recorrer por qualquer meio adequado, quer seja consultar o dicionário, quer seja consultar os documentos da discussão da Assembleia Legislativa, ou por qualquer diploma, para apurar o significado mais adequado sobre a letra da norma legal, tendo por finalidade de constituição do pensamento legislativo, a utilização do significado constante de dicionário não jurídico nunca é proibida, e nem todas palavras são termos jurídicos, bem como a palavra de coexistência, o seu significado é clara como água.
XII. Acrescentado que no quadro do imposto do selo, os factos tributários são os títulos que titulam transmissões e não as transmissões, para efeito fiscal, a transmissão efectiva do bem não é relevante, só a existência de título de transmissão é que é relevante, portanto, a coexistência dois ou mais adquirentes no mesmo título de transmissão sobre o mesmo bem imóvel é que é relevante.
XIII. A entidade recorrida acredita que a palavra coexistir, quer seja no ponto de vista jurídica, quer seja no ponto de vista normal, nunca pode ser interpretado como existir “sucessivamente”, como defendido pela Recorrente, o pai da Recorrente adquiriu o direito de usufruto no dia 9 de Maio de 2019 e a Recorrente adquiriu o direito de propriedade da mesma fracção autónoma no dia 21 de Junho de 2019, perante os factos referido, não podemos entender que aqui há circunstância de coexistência dos adquirentes.
XIV. A Recorrente alega que o momento em que se poderá verificar a especulação, na perspectiva dos negócios que a Lei n.º 15/2012 quis tributar com uma taxa muito pesada, de 10%, é o momento da aquisição de direitos sobre imóveis pelo não residente, razão pela qual se exige a “coexistência de adquirentes”, e não a “aquisição conjunta” – e só sob esse entendimento é que a Norma de isenção abrangerá todos os casos em que não existe qualquer índole especulativa. (artigo 80)
XV. A mesma alega também que a norma de isenção da taxa adicional, em aquisições de direitos ou bens reais entre pais e filhos (ou netos), serve precisamente para evitar punir, injustificadamente, os negócios intrafamiliares, por estes não colocarem qualquer preocupação especulativa capaz de influenciar o mercado imobiliário na RAEM. (artigo 81º)
XVI. A entidade recorrida salienta que a intenção de especulação imobiliária pode surgir no momento de aquisição, também pode surgir no momento de transmissão, ou surge no qualquer momento, as normas tributárias, quer seja o art. 53º-A, quer seja o art. 2º, n.º 1, todas constantes da Lei 15/2012, não dão a possibilidade para entidade recorrida de verificação caso a caso da intenção especulativa de adquirente ou transmitente, nem prevêem o critério de verificação.
XVII. A intenção de contribuinte nunca é o facto tributário, nem pode ser o motivo de isenção do imposto aplicável, uma vez que surja o facto tributário, a entidade recorrida, em respeito ao princípio da legalidade, tributa o imposto nos termos das normas legais ao contribuinte.
XVIII. A Recorrente refere que no caso concreto, um eventual adquirente do imóvel, onerado com o usufruto, e por preço especulativo, ver-se-ia também obrigado a esperar que os representantes legais da proprietária menor conseguissem a autorização judicial necessária, do Tribunal de Família e de Menores, imposta pela Lei nos termos cfr. o art. 1744º do CC, para poder celebrar-se a escritura de compra e venda do imóvel. (artigo 73)
XIX. Inconformada com as alegações da Recorrente, a entidade recorrida defende que os factos de aquisição de um imóvel onerado com o usufruto, da proprietária de menor, não excluem a possibilidade de especulação imobiliária.
XX. Porque, primeiro, o direito de usufruto pode ser extinto com as causas previstas no art. 1402º CC, ninguém sabe que o imóvel referido no momento de transmissão é continuamente onerado com um direito de usufruto, também não podemos prever se o preço futuro do imóvel referido seja superior ou inferior do preço de mercado.
XXI. Segundo, nos termos do art. 53º-A do RIS, o menor não residente não é isento do imposto do selo, uma vez que adquire o bem imóvel destinado a habitação, sujeito também a taxa adicional de 10%, e a autorização do tribunal para os representantes legais do menor poderem celebrar a escritura de compra e venda do imóvel, essa autorização judicial não se destina a verificação da existência da especulação imobiliária, mas sim, destina-se a proteger os interesses do menor.
XXII. Caso o preço de transmissão do imóvel for muito inferior ao preço do mercado, acredita que esse negócio não irá autorizado pelo tribunal, prejudicando obviamente o interesse do menor, ao invés, se o preço for muito superior, o negócio poderá ser autorizado, portanto, o preço é ou não é especulativo, que não é a condição da concessão da autorização do tribunal.
XXIII. A entidade recorrida entende que os requisitos legais previstos no n.º 3 do art. 53º-A se destinam a salvaguardar as necessidades comuns do residente de Macau e do seu cônjuge ou parentes ou afins na linha recta não residente, com a apresentação de mesmo título para comprovar a existência essa necessidade.
XXIV. Porém, in casu, o residente adquiriu o direito de usufruto sobre um bem imóvel, a sua necessidade já foi satisfeita, e posteriormente, a Recorrente adquiriu o direito de propriedade sobre o mesmo imóvel, satisfazendo apenas a necessidade própria, portanto, a necessidade de aquisição do bem imóvel destinado a habitação de não residente não deve beneficiar a isenção prevista no n.º 3 do art. 53º-A, sob pena de diminuição da eficácia da norma referida.
XXV. Pelo exposto, a aplicação do art. 53º-A não é poder discricionário da entidade recorrida, carece da verificação caso a caso da intenção de adquirente, uma vez que preencham os pressupostos legais, o adquirente está sujeito a taxa adicional.
XXVI. Verificam-se no presente caso todos pressupostos consagrasos no n.º 1 do art. 53º-A do RIS, 1) o documento que titula a transmissão de bem imóvel ou direito sobre bem imóvel destinado a habitação; 2) a adquirente, a título oneroso, desse bem ou direito é não residente; 2) não está abrangido pelas isenções do imposto do selo previstas no RIS ou em legislação especial, aplicando o artigo 53º-A, n.º 1 do RIS para Recorrente.
XXVII. Como a Recorrente é o único sujeito passivo sobre o título de transmissão do direito de propriedade, não preenchendo os requisitos previstos no n.º 3, do artigo 53º-A do RIS, a taxa adicional de 10% é aplicada correctamente ao caso, o acto recorrido não padece qualquer vício de má aplicação e da errada interpretação.
Termos em que se requer a V. Exa que o presente recurso seja declarado improcedente sendo, consequentemente, mantido o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 18 de Maio de 2020, com as devidas consequências legais.”
*
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e têm interesse processual.
Não existe nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
Por escritura outorgada em 9.5.2019, B constituiu um direito de usufruto vitalício a favor do seu pai, C, residente permanente de Macau, sobre a fracção autónoma “B23” do prédio descrito sob o n.º XXXX na Conservatória do Registo Predial.
Sobre o preço do ónus de usufruto vitalício (que foi de HKD5.250.000,00, equivalente a MOP5.407.750,00, para efeitos fiscais), foi pago o imposto do selo no montante de MOP107.337,00, em 28.5.2019.
Em 21.6.2019, por escritura de compra e venda do imóvel, a recorrente, filha menor do usufrutuário C, representada pela mãe, adquiriu o direito de propriedade do imóvel ao seu irmão B.
Sobre a compra do direito de propriedade do imóvel incidiu um montante de imposto do selo igual ao que tinha sido pago pelo usufrutuário (salvo a diferença de 5% do conhecimento), no valor de MOP102.225,00, tendo o preço da compra e venda sido igual ao do usufruto (HKD5.250.000,00), equivalente a MOP5.407.750,00.
A esse montante de imposto do selo cobrado à recorrente, foi liquidada a taxa adicional de 10%, no montante de MOP540.750,00 e, após liquidação adicional em resultado da actualização do valor do imóvel operado pela DSF para o valor de MOP7.869.000,00, foi liquidado mais um montante de MOP335.995,00 do qual constitui nova liquidação da taxa adicional de 10% sobre o valor actualizado do imóvel o montante de MOP246.125,00.
Sendo assim, a recorrente pagou a taxa adicional de 10% no montante de MOP786.875,00.
Por requerimento de 18.7.2019, a recorrente apresentou o pedido de isenção da taxa adicional, mas este foi indeferido pela DSF.
A recorrente apresentou reclamação em 18.9.2019, tendo a mesma sido indeferida por despacho do Sr. Director da DSF.
Inconformada, a recorrente interpôs recurso hierárquico junto do Exm.º Secretário para a Economia e Finaças
Foi elaborado pela Coordenadora do Núcleo de Apoio Jurídico da DSF o seguinte parecer:
“I. DOS FACTOS
1. B adquiriu a fracção autónoma B23 do vigésimo terceiro andar B, para habitação, do prédio denominado XXX, situado na Rua de XXXX, n.º XXX na Taipa, por escrito particular datado de 6 de Outubro de 2008.
2. No dia 20 de Junho de 2014, B, com a transmissão definitiva, apresentou a declaração modelo M/1 n.º 2014/08/007302/8, para liquidar o imposto do selo.
3. No dia 24 de Junho de 214, o mesmo efectuou o pagamento do imposto do selo devido no montante de MOP18.736.
4. No dia 9 de Maio de 2019, B constituiu o direito de usufruto vitalício da fracção autónoma referida ao seu pai C por forma de escritura.
5. C apresentou em 10 de Maio de 2019 a declaração modelo M/1 com n.º 2019/08/003312/5, e em 20 de Maio de 2019 a declaração modelo M/5 com n.º 2019/08/400353/0, requerendo a liquidação do respectivo imposto sobre a constituição de usufruto.
6. No dia 28 de Maio de 2019, o mesmo efectuou o pagamento do devido imposto.
7. Posteriormente, no dia 21 de Junho de 2019, B e a sua irmã A celebraram um contrato de compra e venda da fracção autónoma acima mencionada, a compradora aceitou o ónus do direito de usufruto vitalício, a favor do seu pai C.
8. Uma vez que A não é residente da RAEM, ao contrato de compra e venda referido, nos termos do art. 53º-A, n.º 1 do Regulamento do Imposto do Selo (RIS), além do imposto do selo nos termos do disposto no presente regulamento, aplica-se a taxa adicional fixada nos artigos 42 ou 43 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).
9. No dia 22 de Julho de 2019, A pagou, sob reserva, o devido imposto do selo,
10. No dia 18 de Setembro de 2019, representante da recorrente apresentou a reclamação junto dos nossos Serviços, requerendo a isenção da aplicação da taxa adicional previsto no art. 53º-A, n.º 1 do RIS.
11. O Director da DSF indeferiu o pedido da mesma, por despacho datado 11 de Dezembro de 2019, exarado na proposta n.º 7926/NIS/DOI/RFM/2019.
12. A decisão do indeferimento da reclamação, nos termos do art. 2º, n.º 3 do DL n.º 16/84/M, foi notificada da recorrente no dia 26 de Dezembro de 2019, por ofício n.º 7815/NIS/DOI/RFM/2019.
13. Inconformada, uma vez mais, com a decisão do Director dos Serviços de Finanças, veio a recorrente, ao abrigo do n.º 3 do artigo 2º da Lei n.º 12/2003, de 3 de Agosto, interpor o presente recurso hierárquico em 3 de Fevereiro de 2020.
II. DO RECRUSO HIERÁRQUICO NECESSÁRIO
I) Pressupostos processuais
A recorrente foi notificada em 26 de Dezembro de 2019 pelo Ofício n.º 7815/NIS/DOI/RFM/2019 do despacho do Director dos Serviços de Finanças, de 11 de Dezembro, exarado na Proposta n n.º 7926/NIS/DOI/RFM/2019 datada de 3 de Dezembro, que indeferiu a reclamação por aquela apresentada a 18 de Setembro de 2019, sendo este o acto administrativo que impugna.
O recurso é tempestivo, porque apresentado dentro do prazo de 30 dias previsto na al. a) do artigo 6º da Lei n.º 15/96/M de 12 de Agosto e no n.º 1 do artigo 155º do Código do Procedimento Administrativo, conjugado com o art. 74º, al. c) do CPA, o termo do prazo que caia em dia em que o serviço não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
II) Pedido
A recorrente solicita a revogação do acto do indeferimento do pedido de isenção da taxa adicional do imposto do selo, por assentar numa errada aplicação do n.º 1 e n.º 3 do art. 53º-A do RIS.
III) Apreciação Jurídica
Para reprimir os efeitos negativos sobre a vida quotidiana da população local resultantes da excessiva especulação no mercado imobiliário para habitação, o Governo da RAEM entende que é necessário tomar medidas fiscais restritivas destinadas às pessoas colectivas, aos empresários comerciais, pessoas singulares, e aos não residente que adquiram fracções habitacionais.
Aditamento do art. 53º-A ao RIS pela Lei n.º 15/2012, com a seguinte redacção:
Artigo 53º-A
1. Aos documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, quando o adquirente, a título oneroso ou gratuito, desses bens ou direitos é pessoa colectiva, empresário comercial, pessoa singular, ou não residente que não está abrangido pelas isenções do imposto do selo previstas no presente regulamento ou em legislação especial, além do imposto do selo nos termos do disposto no presente regulamento, aplica-se a taxa adicional fixada nos artigos 42 ou 43 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
2. O disposto no número anterior aplica-se aos documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, quando coexistem dois ou mais adquirentes, desde que qualquer deles seja pessoa colectiva, empresário comercial, pessoa singular, ou não residente.
3. O disposto no n.º 1 não se aplica aos documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, quando coexistem dois ou mais adquirentes, sendo pessoas singulares residentes e não residentes, e sendo estes últimos cônjuges ou parentes ou afins na linha recta de todos ou de alguns daqueles.
4. O disposto n.º 1 não se aplica quando os bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação são adquiridos do cônjuge, em consequência de divórcio, anulação do casamento ou separação judicial de bens.
A versão chinesa:
第五十三-A條
一、作為居住用途的不動產或其權利的移轉依據的文件、文書及行為中,如取得人為法人、自然人商業企業主或非本地居民,且不屬本規章及其他特別法例所定的獲豁免繳納印花稅者,不論有償或無償取得該不動產或權利,除須按本規章的規定繳納稅款外,尚須按照《印花稅繳稅總表》第四十二條或第四十三條訂定的額外稅率繳納印花稅。
二、作為居住用途的不動產或其權利的移轉依據的文件、文書及行為中,如取得人為兩個或以上,且其中任何取得人為法人、自然人商業企業主或非本地居民,亦適用上款的規定。
三、作為居住用途的不動產或其權利的移轉依據的文件、文書及行為中,如取得人為兩個或者兩個以上自然人,並兼有本地居民及非本地居民,且非本地居民與全部或部分本地居民具有配偶、直系血親或姻親關係,則不適用第一款的規定。
四、如因離婚、撤銷婚姻或因法院裁判的分產而從配偶取得居住用途的不動產或其權利,則不適用第一款的規定。
Alega a recorrente que na norma não se verifica qualquer exigência de contitularidade nem de aquisição conjunta, sendo antes as condições para a aplicação da isenção fiscal a coexistência de adquirentes de direitos reais sobre o mesmo imóvel – i.e., sem qualquer exigência sobre o momento ou título das aquisições, exigindo-se antes uma relação de parentesco muito específica (casamento ou parentesco na linha recta), para salvaguardar as transmissões intrafamiliares entre gerações de residente, nas quais não existe qualquer índole especulativo.
Antes de mais, esclarecemos as significações de contitularidade e de coexistência:
A contitularidade significa que situação em que dois ou mais sujeitos são simultaneamente titulares de um dado direito, com acontece, por exemplo, como a compropriedade. Às situações de contitularidade de direito são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à compropriedade.
E, através de consultar o Dicionário da Língua Portuguesa e Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a coexistência significa a existência simultânea.
Ainda, no quadro fiscal actual, o facto tributário sobre o qual incide o imposto do selo são os documentos, papéis ou actos que titulam transmissões fiscais. São estes títulos que são susceptíveis de gerarem, de serem fonte daquelas transmissões fiscalmente relevantes e não as transmissões que são fonte dos títulos, que criam o facto tributário e, em consequência, que geram a obrigação do imposto.
In casu, C é residente da RAEM, adquiriu o direito de usufruto vitalício no dia 9 de Maio de 2019 do bem referido, por escritura, e A não é residente da RAEM, adquiriu no dia 21 de Junho de 2019 o direito de nua propriedade sobre mesmo bem, por escritura, entre ambos existindo uma relação de parentesco na linha recta.
O contrato de constituição de usufruto, e o contrato de compra e venda de bem imóvel, ao abrigo do art. 51º do RIS são, para efeito fiscal, fonte de transmissão, os quais são factos tributários, sujeitam a imposto do selo.
In casu, existem dois títulos de transmissões que criam dois factos tributários e geram as obrigações tributárias, o título em causa – a escritura de compra e venda, destina-se a transmitir o direito de nua propriedade do imóvel referido, portanto, o art. 53º-A, n.º 3 do RIS deve ser compreendido como quando coexistem dois ou mais adquirentes do direito de nua propriedade do mesmo bem.
Sendo o facto de adquisição do direito de usufruto de um bem imóvel, considerado pela recorrente como o motivo de dispensa da aplicação de taxa adicional ao título da transmissão do direito de una propriedade, essa afirmação não faz sentido nenhum, cada título de transmissão deve ser por forma independente considerado e tributado.
O legislador utiliza no artigo 53º-A do RIS a coexistência, em vez de contitularidade, aquisição conjunta e existência, entendemos que a norma referida exige que todos os adquirentes adquirem o mesmo bem ou direito pelo mesmo título, assim, verificando a palavra da coexistência, caso não exigisse a aquisição pelo mesmo título, o legislador deveria utilizar a palavra de existência, além disso, não baste de contitularidade ou aquisição conjunta de dado direito, porque, no quadro do imposto do selo, o facto tributário são os títulos que titulam transmissões e não as transmissões, carecem ainda todos os adquirentes outorgar no mesmo título, se não preencher o requisito de coexistência – existência simultânea.
Ao respeito pelas regras da interpretação da lei constante do artigo 8º do Código Civil (CC), quer seja na versão portuguesa, quer seja na versão chinesa, o artigo 53º-A, n.º 3 do RIS deve ser entendido como: a taxa adicional não se aplica aos documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, quando de preenchimento dos requisitos seguintes: Primeiro, quando existem simultaneamente dois ou mais adquirentes do mesmo bem imóvel ou direito no mesmo título, sob pena não verificar o requisito de coexistência; segundo, os adquirentes sendo pessoas singulares residentes e não residentes, e sendo estes últimos cônjuges ou parentes ou afins na linha recta de todos ou de alguns daqueles.
In casu, em cada título existe um único adquirente, e os adquirentes, por cada título, adquiriram direitos distintos, portanto, quer seja o momento da celebração, quer seja o direito adquirido, não satisfaz o requisito da coexistência dos dois ou mais adquirentes.
Dado que A não é residente da RAEM, e não coexistem dois ou mais adquirentes do direito de nua propriedade do bem referido no mesmo título, não se preenchem os requisitos legais previstos no art. 53º-A, n.º 3 do RIS, aplicando a taxa adicional previsto no art. 53º-A, n.º 1 do RIS ao título referido.
Por outro lado, a recorrente alega “(…), sendo antes as condições para a aplicação da isenção fiscal a coexistência de adquirentes de direitos reais sobre o mesmo imóvel”, essa afirmação não é verdadeira, porque, nos termos do art. 51º, n.º 3, al. b) do RIS, os contratos-promessa de compra e venda ou outro documento, papel ou acto que, ainda que lícito, válido e eficaz, não seja susceptível de transmitir o direito de propriedade ou outro direito real de gozo, sujeitam também a imposto do selo, o adquirente nem sempre adquirir o direito real, por título de transmissão, pode ser meramente o direito obrigacional, uma vez que preencher os requisitos previstos no art. 53º-A, n.º 3 do RIS, a taxa adicional prevista no art. 53º-A, n.º 1 do RIS não se aplica ao contrato-promessa.
Por último, a recorrente alega que se a simultaneidade de aquisições fosse o alcance pretendido pelo Legislador, os institutos legais da representação nos negócios do direito civil, em circunstâncias que impedissem a celebração de escritura na mesma data, penalizaria as partes apenas por não o formalizarem na mesma data, esse configuraria uma inadmissível restrição à liberdade contratual dos particulares, sem qualquer arrumo legal sob o ponto de vista dos interesses fiscais visados pela taxa adicional.
Inconformadas com as alegações da recorrente, entendemos que o requisito de coexistência dos dois ou mais adquirentes do mesmo bem ou direito no mesmo título não restringe a liberdade contratual dos particulares, de facto, os particulares podem determinar por vontade própria o conteúdo do contrato e a data de sua celebração, o contrato ainda pode ser celebrado, de acordo com o art. 251º do CC, pelo instituto legal da representação, que não será o obstáculo para preencher os requisitos legais.
Quando o adquirente, a título oneroso ou gratuito, de bens imóveis destinados a habitação ou respectivos direitos é pessoa colectiva, empresário comercial, pessoa singular, ou não residente, em regra, além do imposto do selo nos termos do disposto no presente regulamento, aplica-se a taxa adicional fixada nos artigos 42º ou 43º da TGIS ao respectivo título.
Os adquirentes têm liberdade para decidir o preenchimento dos requisitos previsto no art. 53º-A, n.º 1 do RIS, ou em contrário, aplicar-se a taxa adicional ao respectivo título, sabendo-se que os requisitos referidos não são os requisitos legais para celebrar o contrato, nem afectam a validade do contrato, as obrigações tributárias não podem ser consideradas como as restrições à liberdade contratual.
Concluímos que a coexistência de adquirentes de direitos reais sobre o mesmo imóvel não é relevante, mas a coexistência de adquirentes do mesmo bem ou direito no mesmo título com uma relação familiar específica (cônjuge ou parentes ou afins na linha recta), isto é relevante para dispensar a aplicação da taxa adicional prevista no art. 53º-A, n.º 1 do RIS.
Pelo exposto, a recorrente não é residente da RAEM, pelo que não se preenchem os requisitos legais previstos no art. 53º-A, n.º 3 do RIS, não coexistem dois ou mais adquirentes do direito de nua propriedade no mesmo título de transmissão, nos termos do art. 53º-A, n.º 1 do RIS, além de aplicar o imposto do selo nos termos do disposto no presente regulamento, aplica-se a taxa adicional fixada no artigo 42º da TGIS ao título, a intenção de especulação de adquirente não é relevante.
Os fundamentos alegados pela Recorrente não são susceptíveis de sustentar o deferimento do pedido de revogação do acto de indeferimento do pedido de isenção da taxa adicional do imposto do selo.
Em conclusão,
I. Alega a recorrente que na norma não se verifica qualquer exigência de contitularidade nem de aquisição conjunta, sendo antes as condições para a aplicação da isenção fiscal a coexistência de adquirentes de direitos reais sobre o mesmo imóvel – i.e., sem qualquer exigência sobre o momento ou título das aquisições, exigindo-se antes uma relação de parentesco muito específica (casamento ou parentesco na linha recta), para salvaguardar as transmissões intrafamiliares entre gerações de residente, nas quais não existe qualquer índole especulativo.
II. Alega também que se a simultaneidade de aquisições fosse o alcance pretendido pelo Legislador, os institutos legais da representação nos negócios do direito civil, em circunstâncias que impedissem a celebração de escritura na mesma data, penalizaria as partes apenas por não o formalizarem na mesma data, esse configuraria uma inadmissível restrição à liberdade contratual dos particulares, sem qualquer arrumo legal sob o ponto de vista dos interesses fiscais visados pela taxa adicional.
III. inconformadas com as alegações da recorrente, porque, primeiro, l legislador utiliza no artigo 53º-A do RIS a coexistência, em vez de contitularidade, aquisição conjunta ou existência, entendemos que a norma referida exige que todos os adquirentes adquirem o mesmo bem ou direito pelo mesmo título, assim, preenchimento do requisito da coexistência, caso não exigisse a aquisição por mesmo título, o legislador deveria utilizar a palavra da existência, além disso, não basta de exigir apena a contitularidade ou aquisição conjunta de dado direito, porque, no quadro do imposto do selo, o facto tributário são os título que titulam transmissões e não as transmissões, carecem ainda todos os adquirentes outorgar no mesmo título, se não preencher o requisito de coexistência.
IV. Segundo, in casu, existem dois títulos de transmissões, a escritura de constituição de usufruto e escritura de compra e vende de bem imóvel, que criam dois factos tributários e geram as obrigações tributárias, ao abrigo do art. 51º do RIS, para efeito fiscal, sujeitam a imposto do selo.
V. O título de transmissão em causa - a escritura de compra e venda, destina-se a transmitir o direito de nua propriedade do bem referido, portanto, o art. 53º-A, n.º 3 do RIS deve ser compreendido como quando coexistem dois ou mais adquirentes do direito de nua propriedade do bem referido, sendo pessoas singulares residentes e não residentes, e sendo estes últimos cônjuges ou parentes ou afins na linha recta de todos ou de alguns daqueles.
VI. Sendo o facto de adquisição do direito de usufruto de um bem imóvel, considerado pela recorrente como o motivo de dispensa da aplicação de taxa adicional ao título da transmissão do direito de nua propriedade do mesmo bem, essa afirmação não faz sentido nenhum, cada título de transmissão deve ser por forma independente considerado e tributado.
VII. In casu, em cada título existe um ´nico adquirente, e os adquirentes, por cada título, adquiriram direitos distintos, portanto, quer seja o momento da celebração, quer seja o direito adquirido, ambos não satisfazem o requisito da coexistência dos dois ou mais adquirentes.
VIII. Por último, entendemos que o requisito de coexistência dos dois ou mais adquirentes do mesmo direito no mesmo título não restringe a liberdade contratual dos particulares, de facto, os particulares podem determinar por vontade própria o conteúdo do contrato e a data de sua celebração, contrato ainda pode ser celebrado, de acordo com o art. 251º do CC, pelo instituto legal da representação, que não será o obstáculo para preencher os requisitos legais,
IX. Os adquirentes têm liberdade para decidir o preenchimento dos requisitos previstos no art. 53º-A, n.º 3 do RIS, não se aplicar ao respectivo título a taxa adicional previsto no art. 53º-A, n.º 1 do RIS, ou em contrário, aplicar-se a taxa adicional ao respectivo título, sabendo-se que os requisitos referidos não são os requisitos legais para celebrar o contrato, nem afectam a validade do contrato, as obrigações tributárias não podem ser consideradas como as restrições à liberdade contratual.
X. Pelo exposto, a recorrente não é residente da RAEM, pelo que não se preenchem os requisitos legais previstos no art. 53º-A, n.º 3 do RIS, não coexistem dois ou mais adquirentes do direito de nua propriedade do imóvel referido no mesmo título, nos termos do art. 53º-A, n.º 1 do RIS, além de aplicar o imposto do selo nos termos do disposto no presente regulamento, aplica-se a taxa adicional fixada no artigo 42º da TGIS, a intenção de especulação de adquirente não é relevante.
XI. Os fundamentos alegados pela Recorrente não são susceptíveis de sustentar o deferimento do pedido de revogação do acto de indeferimento do pedido de isenção da taxa adicional do imposto do selo.
XII. Consequentemente, deverá o presente recurso ser considerado improcedente, e mantido o Despacho de indeferimento da reclamação.
Á consideração Superior.”
Tendo o Sr. Director dos Serviços de Finanças emitido o seguinte despacho:
“經濟財政司司長 閣下:
考慮對不動產設定用益權合同和不動產買賣合同為兩種不同的移轉依據,按照印花稅規章必須分別課徵財產移轉印花稅;另一方面,申訴人亦非本澳居民,在有關的不動產買賣合同為唯一的取得人,而不是與其本地居民父親共同取得該不動產的權利,故此不能依法享有轄免額外印花稅。有鑑於此,懇請 閣下駁回申訴人就不獲豁免額外印花稅提起之必要訴願。
呈上級批示。”
A 18.5.2020, o Exm.º Secretário para a Economia e Finanças deu o seguinte despacho:
“根據建議書的分析,同意局長的意見,並行使第181/2019號行政命令授予的權限,駁回訴願。”
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A questão essencial colocada pela recorrente consiste em saber se a isenção prevista no n.º 3 do artigo 53.º-A da Lei n.º 17/88/M (Regulamento do Imposto do Selo) é aplicável à situação da recorrente, na medida em que esta, sendo não residente, adquiriu o direito de propriedade duma fracção autónoma em data posterior à aquisição do direito de usufruto vitalício, em relação ao mesmo imóvel, pelo seu pai que é residente da RAEM.
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Aberta vista ao Ministério Público, foi emitido pelo Digno Procurador-Adjunto o seguinte douto parecer:
“Na petição inicial e nas alegações facultativas, a recorrente pediu a anulação do despacho lançado pelo Exmo. Sr. Secretário para Economia e Finanças na Proposta n.º 006/NAJ/NA/2020 (doc. de fls. 17 a 23 do P.A.), pelo qual foi negado provimento ao recurso hierárquico necessário.
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A propósito de abonar o seu pedido de anulação, a recorrente vem invocando a violação das disposições nos n.º 1 e n.º 3 do art. 53.º-A do D.L. n.º 17/88/M que, a nosso ver, representa um mero lapso e deve ser a Lei n.º 17/88/M consistente em aprovar o Regulamento do Imposto do Selo.
Antes de mais, importa frisar que está plenamente provado que a recorrente não é residente da RAEM e em 21/06/2019 adquiriu a propriedade da fracção autónoma, especificada no art.1.º da petição inicial, ao seu irmão B, e o pai dela adquirira em 09/05/2019 o direito de usufruto vitalício da mesma fracção autónoma.
O que evidencia inequivocamente que a aquisição da recorrente e a do seu pai são cronologicamente sucessivas e se concernem a direitos diferentes – aquela à propriedade nua e esta ao usufruto vitalício, pese embora sobre mesmo imóvel destinada à habitação.
Repare-se que o n.º 1 do art. 2.º da Lei n.º 15/2012 aditou o art. 53.º-A à Lei n.º 17/88/M com a seguinte redacção: 1. Aos documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, quando o adquirente, a título oneroso ou gratuito, desses bens ou direitos é pessoa colectiva, empresário comercial, pessoa singular, ou não residente que não está abrangido pelas isenções do imposto do selo previstas no presente regulamento ou em legislação especial, além do imposto do selo nos termos do disposto no presente regulamento, aplica-se a taxa adicional fixada nos artigos 42 ou 43 da Tabela Geral do Imposto do Selo. 2. O disposto no número anterior aplica-se aos documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, quando coexistem dois ou mais adquirentes, desde que qualquer deles seja pessoa colectiva, empresário comercial, pessoa singular, ou não residente. 3. O disposto no n.º1 não se aplica aos documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, quando coexistem dois ou mais adquirentes, sendo pessoas singulares residentes e não residentes, e sendo estes últimos cônjuges ou parentes ou afins na linha recta de todos ou de alguns daqueles. 4. O disposto n.º 1 não se aplica quando os bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação são adquiridos do cônjuge, em consequência de divórcio, anulação do casamento ou separação judicial de bens.
Ressalvado elevado respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, e de acordo com o preceito no n.º 4 do art. 8.º do C. Civil, inclinamos a inferir que a frase “quando coexistem dois ou mais adquirentes” significa a figura de coadquirentes dum mesmo imóvel, ou seja, os dois ou mais adquirentes são contitulares da mesma aquisição, por isso e segundo nos parece, é imprescindível que os dois ou mais adquirentes surgem no mesmo documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação.
Nos termos do princípio da justiça tributária, e na medida em que a isenção consagrada no n.º 3 do art. 53.º-A constitui, sem sombra de dúvida, regime excepcional, afigura-se-nos que a nossa interpretação quanto à frase “quando coexistem dois ou mais adquirentes” é equilibrada e fiel à mens legis. Daqui resulta incontestavelmente que a aquisição sucessiva de direitos reais diferentes fica fora do alcance do n.º 3 referido.
Assim que seja, e também por virtude de que como preceito excepcional, este n.º 3 não comporta aplicação analógica (art. 10.º do CC), resta-nos concluir que a recorrente não tinha nem tem direito à isenção do imposto de selo especial, embora o usufruto vitalício do seu pai e a propriedade nua sucessivamente adquirida por si se referem ao mesmo imóvel.
Ora, bem, a redacção do art. 53.º-A e o princípio da justiça tributária levam-nos a acreditar que todos os seus quatro números são comandos imperativos e atribuem poderes rigorosamente vinculados à Administração Fiscal, e nenhuma disposição do art. 53.º-A confere à Administração Fiscal o poder de conceder a isenção quando ela julgar que um adquirente não tenha especulação. De qualquer modo, cremos ser aplicável mutatis mudantis ao vertente caso a brilhante jurisprudência que inculca (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 432/2015): Desde que seja uma transmissão temporária ou definitiva de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis, no prazo de dois anos a contar da data da liquidação, que tem lugar após a entrada em vigor da Lei nº 6/2011, do imposto do selo incidente sobre o documento, papel ou acto que titulou a respectiva aquisição, e que não está na situação da isenção legalmente prevista no artº 9º, sujeita-se ao imposto de selo especial, independentemente se se verifica a existência efectiva ou não da especulação.
Ponderando tudo isto, e dado que, no nosso prisma, a interpretação teleológica processada pela recorrente do apontado n.º 3 não tem mínima correspondência verbal na letra deste preceito legal, não podemos deixar de extrair que o despacho em escrutínio não infringe o aludido art. 53.º-A, nem ofende o disposto nos arts. 8.º e 10.º do Código Civil.
*
Com todo o respeito pela opinião diferente, inclinamos a colher que é extemporânea e, nesta medida, não pode constituir a causa de pedir do presente recurso a invocação pela recorrente, apenas nas suas alegações facultativas, da violação das disposições nos arts. 7.º do CPA e 106.º da Lei Básica, visto que não se descortina conhecimento superveniente capaz de legitimar essa invocação. Pois bem, a jurisprudência mais autorizada é assente no sentido de que nos termos do n.º 3 do art. 68.º do CPAC, nas alegações do recurso o recorrente só pode invocar novos vícios do acto administrativo se não lhe fosse exigível o conhecimento deles no momento da apresentação da petição inicial (a título exemplificativo, vide. Acórdãos do TUI nos Processos n.º 24/2009 e n.º 37/2015, e ainda nos Processos n.º 1/2004, n.º 3/2005 e n.º 35/2012).
Para além disso, parece-nos patente e concludente que a sobredita invocação é totalmente vaga e não se consubstancia em nenhuns factos susceptíveis da objectiva apreciação. Desta maneira e ainda por estar em completa conformidade com o disposto no n.º 3 do referido art. 53.º-A, tal invocação não pode deixar de cair em vão.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso contencioso em apreço.”
Conforme se decidiu no Acórdão do Venerando TUI, no Processo n.º 21/2004: “Simplesmente, o Magistrado do Ministério Público, no recurso contencioso de anulação, não é parte. Assim, não há norma que impeça o juiz de fundamentar decisão aderindo a texto do Ministério Público, ...”
Atento o teor do douto parecer emitido pelo Digno Procurador-Adjunto que antecede, louvamo-lo na íntegra, com o qual concordamos e que nele foi apresentada a melhor, acertada e sensata solução para o caso sub judice, pelo que, considerando a fundamentação de direito aí exposta, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos.
De facto, o imposto do selo incide sobre determinados actos e contratos tipificados na lei, e que a taxa devida por cada facto sujeito a imposto do selo consta da respectiva Tabela Geral anexa ao Regulamento do Imposto do Selo.
Na medida em que o imposto incide sobre cada documento, papel ou acto de transmissão, a isenção prevista no n.º 3 do artigo 53.º-A só se aplica quando no próprio documento, papel ou acto sujeito a imposto do selo aparecem dois ou mais adquirentes, sendo um ou uns residentes e outro ou outros não residentes.
Ora, sabendo que o pai da recorrente que adquiriu o direito de usufruto vitalício já procedeu ao pagamento do imposto do selo por ele devido logo após a outorga da escritura pública, o posterior acto de aquisição do direito de propriedade do imóvel pela recorrente, onerado com aquele direito de usufruto, não deixa de ser um acto autónomo para efeitos fiscais, daí que não figurando no próprio documento, papel ou acto sujeito a imposto do selo dois ou mais adquirentes, antes aparece neste acto tributário um único sujeito passivo, verificado não está o pressuposto previsto no n.º 3 do artigo 53.º-A do Regulamento do Imposto do Selo.
Desta sorte, há-de confirmar o acto impugnado.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto administrativo impugnado.
Custas pela recorrente, com 8 U.C. de taxa de justiça.
Registe e notifique.
***
RAEM, 28 de Outubro de 2021
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
Mai Man Ieng
Recurso Contencioso 754/2020 Página 14