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Processo n.º 672/2016/A
(Autos de Execução para prestação de um facto ― Reclamação para a conferência)

Data: 4/Novembro/2021

Reclamante:
- A Corporation (exequente)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A Corporation, exequente nos autos de execução para prestação de um facto, melhor identificada nos autos acima cotados, inconformada com o despacho do relator que não admitiu a execução e que indeferiu a suspensão da instância, vem pedir que seja a questão submetida à conferência, para ser admitida a execução, ordenando-se a notificação dos requeridos para acordarem no montante da indemnização, bem como ser clarificada algumas questões suscitadas no despacho reclamado.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Está em causa o seguinte despacho reclamado:
“A requerente A Corporation deduziu a presente execução com vista à fixação de indemnização pelos prejuízos causados fundada na invocação da causa legítima de inexecução por parte do Chefe do Executivo, a título meramente cautelar.
Pede, em primeiro lugar, que os requeridos sejam notificados para acordarem no montante da indemnização, caso as partes não cheguem a acordo decorrido o prazo fixado no artigo 185.º, n.º 1 e 2 do CPAC, que se remetam as partes para a acção de indemnização já instaurada junto do Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 185.º, n.º 4 do CPAC, ou subsidiariamente, quando assim não se entenda, que se decrete a suspensão da instância nos presentes autos, nos termos do artigo 223.º, n.º 1 do CPC, até ao trânsito em julgado da decisão que determine se os pedidos formulados pela requerente na acção de indemnização podem ou não ser conhecidos na referida acção de indemnização.
É bom de ver que tanto na presente execução como na acção de indemnização já intentada, a requerente pretende ver ressarcida dos prejuízos sofridos com invocação da causa legítima de inexecução por parte do Chefe do Executivo.
Nos termos do artigo 180.º, n.º 5 do CPAC, o interessado que concorde com a invocação de causa legítima de inexecução pode pedir, no prazo de 365 idas contado a partir do termo do prazo para o cumprimento espontâneo ou da notificação da invocação de causa legítima de inexecução, a fixação de indemnização, seguindo-se imediatamente os trâmites previstos no artigo 185.º.
Dispõe o n.º 4 do artigo 185.º do CPAC que “o processo finda quando, entretanto, tenha sido proposta acção de indemnização com o mesmo objecto ou o tribunal para ela remeta as partes por considerar a matéria de complexa indagação”.
Em boa verdade, se o processo executivo é julgado extinto quando se verificar na sua pendência a propositura de acção de indemnização com o mesmo objecto do pedido de fixação de indemnização (nos autos de execução), por maioria de razão, não se deve admitir o requerimento de execução se logo no início o Tribunal tem conhecimento de que o interessado já intentou a respectiva acção de indemnização em sede própria, sob pena da prática de actos inúteis.
Ademais, tendo em consideração o próprio conteúdo do pedido a que se refere nos presentes autos de execução, afigura-se-me mais adequado remeter as partes para a acção de indemnização prevista nos termos do artigo 97.º do CPC, na medida em que está em causa matéria de complexa indagação.
Como observa Cândido de Pinho, “Pode suceder, contudo, que a fixação da indemnização se não mostre tarefa de pequena monta. Pode, com efeito, ser necessário proceder a toda uma série de indagações e prova de factos, cálculos e perícias, inclusive, cuja realização se torne complexa e difícil e, portanto, muito pouco compaginável com o alcance à partida célere de um processo executivo. Em tal situação, permite o Código que o tribunal remeta as partes para uma acção de indemnização assente em responsabilidade civil extracontratual. E até pode acontecer que, antes mesmo que o tribunal encaminhe as partes para essa acção, já o exequente o tenha feito de motu próprio. Em qualquer destes casos, a execução findará, por estar pressuposto que a pretensão será resolvida no âmbito da acção de condenação proposta, com todas as garantias de um processo de partes e de uma prova sem limites (n.º 4).”1
No caso concreto, salvo melhor opinião, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 185.º do CPAC, não admito a execução deduzida pela requerente.
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Pede ainda a requerente que se decrete a suspensão da instância nos presentes autos, nos termos do artigo 223.º, n.º 1 do CPC, até ao trânsito em julgado da decisão que determine se os pedidos formulados pela requerente na acção de indemnização podem ou não ser conhecidos na referida acção de indemnização.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não se vislumbra por este Tribunal a verificação dos requisitos legais permissivos da suspensão da instância.
Estatui o n.º 1 do artigo 223.º do CPC que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
Como observam Cândida Pires e Viriato de Lima, “pode dizer-se que existe entre duas causas uma relação ou nexo de dependência quando a decisão de uma delas depende do julgamento da outra, ou pode ser por ele decisivamente influenciada; ou, por outras palavras, verifica-se uma relação de dependência quando a decisão de uma acção (a dependente) é atacada ou afectada pela decisão emitida noutra (a prejudicial); ou ainda, quando na causa prejudicial se discutir questão cuja decisão pode destruir o fundamento ou razão de ser da causa dependente/subordinada”.2
E nesse aspecto, o legislador não confere ao tribunal um poder discricionário, mas sim um poder legal limitado, dominado por razões de conveniência tendo em vista a economia e coerência dos julgamentos.3
Ora, tendo em consideração que os dois processos vêm tratar do mesmo objecto, não se descortina que a decisão (de mérito) da presente execução está dependente de outra já proposta (acção de indemnização) a correr seus termos processuais no Tribunal Administrativo, pelo que verificado não está o requisito da prejudicialidade de que depende a suspensão da instância.
Além disso, também não se vislumbra algum motivo justificado que permita decretar a suspensão da instância nos presentes autos, sabendo que a requerente tem meios processuais para reagir contra decisões que lhe são desfavoráveis.
Nestes termos, por não haver qualquer relação de prejudicialidade entre a presente execução e a acção já proposta no TA, nem que haja algum motivo justificado para o efeito, indefere-se a suspensão da instância nos presentes autos.
Custas pela requerente, com taxa de justiça fixada em 4 U.C.
Notifique.”
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Apreciando.
Analisadas as alegadas dúvidas suscitadas pela reclamante, cumpre ao Tribunal, em conferência, pronunciar-se nos seguintes termos:
Ora, conforme se decidiu no despacho reclamado, se o processo executivo é julgado extinto quando se verificar na sua pendência a propositura de acção de indemnização com o mesmo objecto do pedido de fixação de indemnização (nos autos de execução), por maioria de razão, não se deve admitir o requerimento de execução se logo no início o Tribunal tem conhecimento de que o interessado já intentou a respectiva acção de indemnização em sede própria, sob pena da prática de actos inúteis.
A nosso ver, entendemos que há-de manter a decisão reclamada.
Efectivamente, é bom de ver que a reclamante deduziu a presente execução com vista à fixação de indemnização pelos prejuízos causados fundada na invocação da causa legítima de inexecução por parte do Chefe do Executivo, a título meramente cautelar.
E foi deduzida a título cautelar, por que já foi intentada uma acção de indemnização no TA com o mesmo objecto. Quanto se refere ao mesmo objecto, está a referir-se à mesma causa de pedir e pedido. É verdade que, nos presentes autos de execução, a causa de pedir principal é a invocação da causal legítima de inexecução, enquanto na acção de indemnização deduzida no TA a causa de pedir principal alegada é o acto anulado, mas atento todo o circunstancialismo fáctico descrito e alegado o qual deu causa aos dois processos, somos a entender que está em causa a mesma relação jurídica subjacente controvertida, ou seja, ambos os processos têm origem no facto de a Administração não ter seguido e respeitado os critérios de avaliação das propostas, fazendo com que à reclamante não podia obter a adjudicação da empreitada.
Nesta senda, considerando que a acção de indemnização já foi intentada e que corre termos no Tribunal Administrativo de Macau sob o n.º 355/19-RA, não se admite a execução deduzida pela reclamante nos presentes autos de execução. Ao que acresce ainda o facto de estar em causa matéria de complexa indagação, afigura-se-nos mais adequado remeter as partes para a acção de indemnização, ao abrigo do disposto nos artigos 97.º e 185.º, n.º 4, ambos do CPAC.
No que se refere às partes que devem figurar na respectiva acção de indemnização, é uma questão que terá de ser decidida na própria acção, e não nesta execução.
Finalmente, quanto à suspensão da instância, não temos nada a acrescentar, devendo manter o já decidido no despacho reclamado conforme o acima transcrito.
Nestes termos, nenhuma censura merece a decisão reclamada.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a presente reclamação, mantendo a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça fixada em 3 U.C.
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RAEM, aos 4 de Novembro de 2021
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso, Volume II, CFJJ, 2018, pág. 569
2 Cândida Pires e Viriato de Lima, Código de Processo Civil de Macau Anotado e Comentado, Volume II, pág. 81
3 Obra citada, pág. 80
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Reclamação para a conferência (Proc. n.º 672/2016/A) Página 4