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Processo nº 1127/2020
(Autos de Revisão e Confirmação de Decisões)

Data: 4 de Novembro de 2021
Requerente: A
Requerido: B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

  A, com os demais sinais dos autos,
  vem instaurar a presente acção para Revisão e Confirmação de Decisão Proferida por Tribunal Exterior de Macau, contra
  B, também com os demais sinais dos autos.
  
  Citado o Requerido para querendo contestar veio este fazê-lo invocando que se trata de uma decisão administrativa a qual não é passível de revisão.
  
  A Requerente veio responder à excepção invocada pugnando pelo seu indeferimento.
  
  Pelo Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de nada opor ao pedido de revisão e confirmação formulado.
  
  Foram colhidos os Vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  
  Da possibilidade de ser revista uma decisão de divórcio proferida por uma autoridade administrativa.
  
  Suscita-se nos autos a questão de saber se, tendo o divórcio sido decretado por uma autoridade administrativa, é possível a sua Revisão.
  Sobre esta matéria tem sido entendimento deste tribunal que a circunstância do divórcio ser decretado por uma autoridade administrativa não é obstativa ao seu reconhecimento, sob pena de, atribuindo-se a competência que tradicionalmente competia aos tribunais a autoridades administrativas para em determinadas circunstâncias – ausentes de litígio em regra - decretarem o direito e não se admitindo a revisão dessas decisões por não terem sido decretadas por um tribunal se estaria a impedir em muitos casos que os sujeitos pudessem ver o seu direito reconhecido.
  Veja-se entre outros o Acórdão deste Tribunal de 12.12.2013 proferido no processo nº 373/2013, onde a respeito se diz: «Parece não haver dúvidas de que se trata de um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se uma decisão relativa a uma autorização de um registo de um divórcio por mútuo consentimento proferida pelo Departamento respectivo da República Popular da China, cujo conteúdo facilmente se alcança, em particular no que respeita aos efeitos jurídicos da dissolução do casamento, sendo certo que são estes que devem relevar.
  É certo que não se trata de uma sentença proferida por um Tribunal do Exterior, mas não deixamos de estar perante uma decisão proferida por uma autoridade administrativa que não deixa de produzir os mesmos efeitos, adoptando-se o critério que já tem seguido pelos Tribunais de Macau1 para confirmação de divórcios ocorridos perante autoridades administrativas ou até em termos de Jurisprudência Comparada2.
  Sob pena até de os interessados se verem na impossibilidade de reconhecimento na ordem interna relativamente ao seu próprio estado civil.».
  Destarte, improcede a invocada excepção da decisão revidenda não poder ser revista por ter sido proferida por uma autoridade administrativa.
  
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos

1. Pelo Departamento de Administração Civil do Distrito de Nanshan, Shenzhen foi em 30.11.2015 decretado o divórcio voluntário entre o B e A tendo sido emitido o certificado de divorcio nº 0055448598 cuja pública forma consta de 6 a 10 e aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

b) Do Direito

  De acordo com o disposto no nº 1 do artº 1199º do CPC «Salvo disposição em contrário de convenção internacional aplicável em Macau, de acordo no domínio da cooperação judiciária ou de lei especial, as decisões sobre direitos privados, proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau, só têm aqui eficácia depois de estarem revistas e confirmadas.».
  Como é sabido nos processos de revisão e confirmação de decisões proferidas no exterior de Macau o Tribunal não conhece do fundo ou mérito da causa limitando-se a apreciar se a decisão objecto dos autos satisfaz os requisitos de forma e condições de regularidade para que possa ser confirmada.
  Esses requisitos são os que vêm elencados no artº 1200º do CPC, a saber:
  «1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
  a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
  b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
  c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
  d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
  e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
  f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
  2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.».
  
  Vejamos então.
  
  Da certidão junta aos autos resulta que pelo Departamento de Administração Civil do Distrito de Nanshan, Shenzhen foi decretado o divórcio voluntário entre a Requerente e Requerido, nada havendo que ponha em causa a autenticidade da mesma e o sentido da decisão, estando assim preenchido o pressuposto da al. a) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Igualmente resulta da certidão junta que a decisão se tornou definitiva o que equivale nos termos da legislação da China Continental a que já transitou em julgado, não provindo de tribunal cuja competência haja sido provocada em fraude à lei e não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau, estando preenchidos os requisitos das alíneas b) e c) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Igualmente não consta que a questão tenha sido submetida a qualquer tribunal de Macau, não havendo sinais de poder ser invocada a litispendência ou caso julgado, pelo que se tem por verificada a condição da alínea d) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Não resulta das certidões juntas que a decisão haja sido tomada sem que o Réu haja sido regularmente citado ou em violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes, pelo que se tem por verificada a condição da alínea e) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  A decisão revidenda procede à dissolução do casamento por divórcio, direito que a legislação de Macau igualmente prevê – artº 1628º e seguintes do C.Civ. -, pelo que, a decisão não conduz a um resultado incompatível com a ordem pública, tendo-se também por verificada a condição da alínea f) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Termos em que se impõe concluir no sentido de estarem verificados os requisitos para a confirmação da sentença proferida por tribunal exterior a Macau.
  
IV. DECISÃO
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em conceder a revisão e confirmar a decisão do Departamento de Administração Civil do Distrito de Nanshan, Shenzhen nos termos acima transcritos.
  
  Custas pela Requerente.
  
  Fixam-se os honorários ao patrono nomeado XXX em MOP3.000,00 por analogia com o nº 6.7. da tabela anexa ao despacho do Chefe do executivo nº 59/2013.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 4 de Novembro de 2021
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  Lai Kin Hong
  Fong Man Chong
  




1 AC. TSJ de Macau, de 29/1/97, proc. 536 e 19/11/97, proc. 632; TSI, de 11/7/02, proc. 76/2002, CJTSI, 2002, II, 1285; Acs. do TSI, proc. 121/09, de 4/6/09; proc.79/09, de 14/5/09
2 Acs da RL, de 15/1/82, proc. 14857, BMJ 322, 369; RP, de 12/7/83, CJ 83, 4º, 221
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