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Processo n.º 748/2021 Data do acórdão: 2021-11-11
(Da reclamação da decisão sumária de rejeição dos recursos)
Assuntos:
– recurso do acórdão da Primeira Instância
– rejeição do recurso por decisão sumária do relator
– recurso manifestamente improcedente
– reclamação da decisão sumária do relator
– não alteração do objecto do recurso
S U M Á R I O
Os recursos interpostos do acórdão da Primeira Instância podem ser rejeitados por decisão sumária do relator nos termos do art.o 410.o, n.o 1, do Código de Processo Penal se os próprios recursos forem manifestamente improcedentes, cabendo reclamação dessa decisão para conferência, não podendo a reclamação implicar a alteração do objecto do próprio recurso.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 748/2021
(Autos de recurso penal)
(Da reclamação para conferência da decisão sumária de rejeição dos recursos)
Recorrentes ora reclamantes:
1.o arguido A
2.o arguido B
4.o arguido C
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 373 a 385v do Processo Comum Colectivo n.o CR3-20-0348-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base:
– ficaram condenados o 1.o arguido A e o 2.o arguido B como co-autores materiais de dois crimes consumados de auxílio qualificado, p. e p. pelo art.o 14.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004, na pena individual de cinco anos e seis meses de prisão por cada um desses crimes, e como co-autores materiais de um crime consumado de acolhimento simples do art.o 15.o, n.o 1, da mesma Lei, na pena individual de nove meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, finalmente na pena individual única de seis anos e nove meses de prisão;
– e ficou condenado o 4.o arguido C como co-autor material de dois crimes consumados de auxílio qualificado do art.o 14.o, n.o 2, da mesma Lei, em cinco anos e três meses de prisão por cada um desses crimes, e como co-autor material de um crime consumado de acolhimento simples do art.o 15.o, n.o 1, da referida Lei, em nove meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, finalmente em seis anos e seis meses de prisão única.
Inconformados, vieram recorrer esses três arguidos para este Tribunal de Segunda Instância (TSI).
Alegou e rogou o 2.o arguido, na sua motivação de fls. 421 a 452 dos presentes autos correspondentes, na sua essência, o seguinte:
– houve erro notório na apreciação da prova no tocante ao facto acusado 1 (porquanto todos os arguidos ficaram silentes na audiência de julgamento, e nenhum dos depoimentos testemunhais dá para comprovar o facto provado 1, e não se detectou qualquer outro meio de prova susceptível de provar o facto acusado 1), devendo o facto acusado 1 passar a ser considerado como facto não provado;
– e mesmo que assim não se entendesse, sempre seria de convolar os crimes de auxílio qualificado para crimes de auxílio simples;
– e a conduta dele não poderia integrar qualquer tipo legal de acolhimento de imigrante ilegal, devendo ele ser absolvido.
Por outro lado, alegou e pediu o 4.o arguido, na sua motivação de fls. 464 a 474 dos presentes autos, na sua essência, o seguinte:
– cometeu o Tribunal recorrido erro notório na apreciação da prova ao dar por provados os factos 1 (na parte sobre crimes de auxílio), 7, 10 e 15, devendo o próprio recorrente passar a ser absolvido dos crimes de auxílio;
– se assim não se entendesse, haveria que convolar os crimes de auxílio qualificado para crimes de auxílio simples;
– e fosse como fosse, não deixaria de existir o problema de excesso na medida concreta da sua pena única no acórdão recorrido, devendo ele passar a ser condenado em nova pena única não superior a seis anos de prisão.
Enquanto o 1.o arguido alegou e pediu, na sua motivação de fls. 483 a 494 dos autos, no seu essencial, o seguinte:
– houve erro notório na apreciação da prova no tangente aos factos provados 1, 15 e 16 respeitantes aos crimes de auxílio qualificado, devendo os crimes de auxílio qualificado passar a ser crimes de auxílio simples, ou ser reenviado o processo para novo julgamento;
– também houve erro notório na apreciação da prova nos factos provados 1, 3, 6, 7, 10, 15 e 16, relativamente ao crime de acolhimento, devendo o próprio recorrente passar a ser absolvido, ou ser reenviado o processo para novo julgamento;
– e fosse como fosse, haveria excesso na medida concreta das suas penas parcelares e única, devendo as mesmas ser reduzidas.
Aos três recursos referidos, respondeu o Ministério Público na resposta una de fls. 502 a 510 dos autos, opinando pela procedência dos mesmos recursos apenas na parte relativa ao pedido de convolação de crimes de auxílio qualificado para crimes de auxílio simples.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 528 a 531v, pugnando pela manutenção do julgado.
Por decisão sumária do relator proferida a fls. 539 a 543, foi decidido rejeitar os três recursos, por entendida manifesta improcedência dos mesmos, nos termos dos art.os 407.o, n.o 6, alínea b), e 410.o, n.o 1, do Código de Processo Penal (CPP).
Vieram todos os 2.o, 4.o e 1.o arguidos recorrentes reclamar dessa decisão sumária para conferência, através dos petitórios respectivamente apresentados a 551 a 553, a fls. 554 a 559 e a fls. 561 a 566, a insistirem na procedência dos seus recursos.
Sobre a matéria das três reclamações em causa, opina a Digna Procuradora-Adjunta a fl. 573 a 573v pela sua improcedência.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão recorrido pelos três arguidos ficou proferido a fls. 373 a 385v, cujo teor (nele se incluindo a respectiva fundamentação fáctica e probatória) se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. A decisão sumária do relator ora sob reclamação pelos mesmos três arguidos tem por fundamentação o seguinte:
De antemão, cabe observar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente julgador de recurso cumpre só resolver as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Todos os três recorrentes assacaram à decisão recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova.
Sempre se diz que há erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso dos autos, da leitura da fundamentação probatória da decisão condenatória penal ora recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha violado qualquer norma jurídica sobre o valor das provas, ou violado qualquer regra da experiência da vida humana, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento da matéria de facto.
Aliás, esse Tribunal já expôs congruentemente, e até com minúcia, no terceiro parágrafo da página 16 e no primeiro parágrafo da página 17 do texto do acórdão recorrido (a fls. 380v a 381 dos autos), as razões da formação da sua livre convicção sobre os factos finalmente dados por provados.
Como o resultado do julgamento de factos a que chegou o Tribunal recorrido não é patentemente desrazóavel, é de decidir da presente causa penal recursória de acordo com toda a factualidade já dada por apurada na fundamentação fáctica do aresto recorrido.
Perante toda a factualidade já descrita como provada no acórdão recorrido, é acertada a qualificação jurídico-penal dos factos provados já feita pelo Tribunal recorrido, e com explicação adequada, na fundamentação jurídica da decisão penal condenatória dos três arguidos ora recorrentes, sendo evidente que a matéria de facto provada também sustenta cabal e inclusivamente a condenação do 2.o arguido em sede do tipo legal de acolhimento, pelo que é de louvar, sem mais indagação por desnecessária, toda a decisão de qualificação jurídica dos factos provados aí tomada criteriosamente por esse Tribunal, decisão essa que preclude toda a posição jurídica preconizada pelos três recorrentes.
Cumpre ver agora a questão de alegado excesso na medida da pena, colocada simultaneamente pelos 1.o e 4.o arguidos.
O crime consumado de auxílio qualificado do art.o 14.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004 é punível com prisão de cinco a oito anos. E o crime consumado de acolhimento simples do art.o 15.o, n.o 1, da mesma Lei é punível com prisão até dois anos.
Entendeu o 1.o arguido que as suas três penas parcelares de prisão devem ser reduzidas.
Pois bem, consideradas todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância (sem qualquer erro notório na apreciação da correspondente prova) aos padrões da medida concreta da pena vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do Código Penal (CP), dentro das molduras penais aplicáveis acima referidas em causa, com ponderação das exigências da prevenção geral dos tipos legais de crimes em questão, não se afigura qualquer injustiça notória praticada pelo Tribunal recorrido na imposição das três penas parcelares de prisão por que vinha condenado o 1.o arguido no acórdão recorrido.
E quanto à medida concreta das penas únicas de prisão desse 1.o arguido e do 4.o arguido:
Visto, em conjunto, todo o circunstancialismo já dado provado em primeira instância e a personalidade desses dois arguidos reflectida na prática dos factos provados, mostra-se, em sede do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP, que as penas únicas de prisão achadas no acórdão recorrido a esses dois arguidos já lhes são algo benévolas.
Há, pois, que rejeitar os três recursos em causa, por serem todos manifestamente improcedentes, sem mais indagação por desnecessária, devido ao espírito do n.º 2 do art.º 410.º do CPP.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Vêm agora os três arguidos recorrentes reclamar para conferência da decisão sumária do relator que lhes rejeitou os recursos da decisão condenatória da Primeira Instância.
Cabe assim conhecer do objecto dos três recursos então interpostos (porque, aliás, as ora reclamações da decisão sumária de rejeição dos recursos não podem implicar a alteração do objecto dos próprios recursos).
Pois bem, vistos todos os elementos dos autos, têm que improceder as três reclamações em questão, porque há que manter, nos seus precisos termos, a decisão sumária do relator, por essa decisão que rejeitou os três recursos por manifestamente improcedentes estar conforme com a matéria de facto dada por provada em primeira instância e o direito aplicável aplicado concretamente na fundamentação jurídica da própria decisão sumária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedentes as reclamações deduzidas pelos 1.o, 2.o e 4.o arguidos contra a decisão sumária do relator que lhes decidiu rejeitar os recursos da decisão condenatória da Primeira Instância.
Para além das custas, taxas de justiça e sanções pecuniárias já referidas no dispositivo da decisão sumária, pagarão ainda os três recorrentes as custas das respectivas reclamações (incluindo duas UC de taxa de justiça individual).
Fixam em duas mil e duzentas patacas os honorários totais da Ex.ma Defensora Oficiosa do 1.o arguido nesta Segunda Instância (montante este que já inclui, portanto, a quantia de honorários oficiosos atribuída no dispositivo da decisão sumária), tudo a cargo deste.
Macau, 11 de Novembro de 2021.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)


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