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Processo nº 811/2021
Data do Acórdão: 11NOV2021


Assuntos:

Suspensão de eficácia de acto administrativo
Declaração da nulidade dos actos da emissão inicial e das sucessivas renovações do BIRM e do passaporte da RAEM Prejuízos de difícil reparação


SUMÁRIO

1. O procedimento de suspensão de eficácia do acto administrativo tem uma função conservatória ou cautelar, admitida no âmbito dos processos do contencioso administrativo, que visa obter provisoriamente a paralisação dos efeitos ou da execução de um acto administrativo.

2. Para o decretamento da suspensão, a lei exige que sejam de difícil reparação os prejuízos resultantes da execução imediata do acto suspendendo.

3. A dificuldade de reparação do prejuízo deve avaliar-se através de um juízo prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação (hipotética) pela autoridade administrativa na sequência de uma eventual sentença de anulação.

4. Com a exigência desse requisito consistente nos previsíveis prejuízos de difícil reparação, a mens legislatoris é para acautelar as situações em que, uma vez consumada a execução do acto administrativo, ocorre a dificuldade de reconstituição hipotética da situação anteriormente existente e ainda aquelas em que, para ressarcimento dos prejuízos causados pela execução imediata, se revele difícil fixar a indemnização, por serem de difícil avaliação económica exacta, mesmo no âmbito ou por via dos meios judiciais a que se referem os artºs 24º/1-b) e 116º do CPAC.

5. Para convencer o Tribunal de que, segundo o decurso normal das coisas e pela experiência comum, os alegados prejuízos sejam a consequência adequada, típica, provável da execução imediata, é preciso que o Requerente da suspensão de eficácia alegue e demonstre factos concretos e bem determinados em que assentam tais prejuízos.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 811/2021


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância

I – Relatório

A, devidamente identificado nos autos, pediu, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s. do CPAC, a suspensão de eficácia do despacho, datado de 01SET2021, do Secretário para a Administração e Justiça que, em sede de recurso hierárquico, manteve o acto da Directora dos SIM que declarou a nulidade dos actos da emissão e das sucessivas renovações do BIRM e do passaporte da RAEM, de que é titular o requerente, mediante o requerimento a fls. 2 a 11v dos presentes autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

Citada a entidade requerida, veio contestar pugnando pelo indeferimento do pedido.

O Dignº Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer, no qual opinou no sentido de indeferimento da requerida suspensão – cf. as fls. 130 a 131 dos presentes autos.

Sem vistos – artº 129º/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

O processo é o próprio e inexiste nulidades.

Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

Inexistem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do presente procedimento cautelar.

De acordo com os elementos constantes dos autos e dos autos do procedimento administrativo, são tidos por assentes, por documentos e/ou por confissão do próprio requerente, os seguintes factos com relevância à decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:

* Por despacho do Secretário para a Administração e Justiça, datado de 01SET2021 que, em sede de recurso hierárquico, manteve o acto da Directora dos SIM que declarou a nulidade dos actos de emissão e das sucessivas renovações do BIRM e do passaporte da RAEM, de que é titular o requerente, com fundamento de que aquando do nascimento do requerente, nenhum dos seus pais tinha o estatuto de residente de Macau;

* O requerente encontra-se a frequentar um curso universitário na Austrália com o visto requerido com o uso do seu passaporte da RAEM e concedido pelas autoridades da Austrália;

A propósito da suspensão de eficácia de actos administrativos, o CPAC diz no seu artº 120º que:

A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.

Assim, é de averiguar se o acto em causa tem conteúdo meramente negativo, pois a ser assim, o acto em causa não se mostra logo susceptível de ser objecto do pedido de suspensão de eficácia.

Portanto, temos de nos debruçar sobre esta questão primeiro.

Tradicionalmente falando, a suspensão de eficácia tem uma função conservatória ou cautelar, admitida no âmbito dos processos do contencioso administrativo, que visa obter provisoriamente a paralisação dos efeitos ou da execução de um acto administrativo.

Assim, o acto administrativo de cuja eficácia se requer a suspensão tem de ter, por natureza, conteúdo positivo, pois de outro modo, a ser decretada a suspensão, em nada alteraria a realidade preexistente, deixando o requerente precisamente na mesma situação em que se encontra.

In casu, estamos perante um acto administrativo que declarou a nulidade dos actos de emissão inicial e as sucessivas renovações do BIRM e do passaporte da RAEM.

Para nós, trata-se de um acto administrativo de conteúdo positivo, por provocar directamente a alteração do statu quo do requerente, alteração essa que consiste na cessação do estatuto de residente de Macau.

Assim, o despacho de cuja eficácia ora se requer a suspensão integra no artº 120º/-b) do CPAC, e portanto é susceptível da suspensão.

Passemos então a debruçar-nos sobre a verificação ou não dos requisitos previstos no artº 121º/1 do CPAC.

Para o deferimento da providência, a lei exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos – artº121º/1-a), b) e c) do CPAC:

a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;

b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e

c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.

Sendo de verificação cumulativa que é, a inverificação de qualquer deles implica logo o indeferimento da suspensão.

Comecemos então pelos requisitos exigidos nas alíneas b) e c), que se nos afiguram ser de fácil apreciação, tendo em conta a matéria de facto assente e os elementos existentes nos autos.

No que respeita ao requisito exigido na alínea b), considerando o fundamento invocado pela entidade requerida para a declaração da nulidade dos actos da emissão inicial e das sucessivas renovações do BIRM e do passaporte da RAEM, não cremos que a não execução imediata, apenas num curto período de tempo correspondente ao tempo da pendência do recurso contencioso de anulação, do despacho de cuja eficácia ora se requer a suspensão, possa causar imediatamente lesão do interesse público de tal maneira grave que frustrará de todo em todo o fim concretamente prosseguido por este despacho.

Em relação à inexistência dos fortes indícios da ilegalidade do recurso, podemos dizer que existem sim fortes indícios da legalidade do recurso, tendo em conta a sindicabilidade contenciosa do acto, a data do ofício de notificação do acto ao requerente (09SET2021) e a manifesta legitimidade do requerente para reagir contenciosamente contra o acto que representa a última palavra da Administração.

Então resta analisar a verificação ou não do requisito exigido na alínea a), ou seja, se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso.

A lei exige que sejam de difícil reparação os prejuízos resultantes da execução imediata do acto suspendendo.

A dificuldade de reparação do prejuízo deve avaliar-se através de um juízo prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação (hipotética) pela autoridade administrativa na sequência de uma eventual sentença de anulação – Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, 2ª ed. pág. 168.

Com a exigência desse requisito consistente nos previsíveis prejuízos de difícil reparação, a mens legislatoris é para acautelar as situações em que, uma vez consumada a execução do acto administrativo, ocorre a dificuldade de reconstituição hipotética da situação anteriormente existente e ainda aquelas em que, para ressarcimento dos prejuízos causados pela execução imediata, se revele difícil fixar a indemnização, por serem de difícil avaliação económica exacta, mesmo no âmbito ou por via dos meios judiciais a que se referem os artºs 24º/1-b) e 116º do CPAC.

E para convencer o Tribunal de que, segundo o decurso normal das coisas e pela experiência comum, os alegados prejuízos sejam a consequência adequada, típica, provável da execução imediata, é preciso que o Requerente da suspensão de eficácia alegue e demonstre factos concretos e bem determinados em que assentam tais prejuízos.

Para sustentar a sua tese da verificação in casu desse requisito, o requerente alega que os prejuízos advenientes da execução imediata do despacho consistem em síntese no seguinte:

* Não pode continuar a utilizar os seus documentos de identificação e o seu passaporte, mesmo para regressar a Macau;

* Será obrigado a abandonar ao seu estudo universitário que concluirá em 2022;

* Cairá imediatamente numa situação de apátrida, sem poder reclamar protecção de nenhum país, por não ter conseguido qualquer documento de identificação válido.

Para o efeito, alegou essencialmente que:

* …… desde 2020 a estudar na Austrália, tendo obtido o visto de estudo concedido pelo Governo australiano……;

* ……tal visto de estudo ……foi requerido e concedido com base nos documentos de identificação da RAEM; e

* não tem consigo nenhum outro documento de viagens, nem outros documentos de identificação válidos neste momento.

Na verdade, a execução do acto administrativo irá conduzir à perda dos documentos da RAEM.

O que, por sua vez poderá acarretar a perda do visto de estudo obtido junto do Governo australiano com base nos documentos de RAEM, nomeadamente o passaporte da RAEM e a consequente impossibilidade de continuar a estudar e concluir o seu curso universitário na Austrália.

Cremos que, da impossibilidade de permanecer e estudar na Austrália e concluir o seu curso universitário advirão prejuízos de reparação difícil.

Assim, demostrados os factos susceptíveis de fundar o periculum de prejuízos de reparação difícil, é de julgar verificado o requisito a que se refere o artº 121º/1-a) do CPAC.

Em conclusão:

1. O procedimento de suspensão de eficácia do acto administrativo tem uma função conservatória ou cautelar, admitida no âmbito dos processos do contencioso administrativo, que visa obter provisoriamente a paralisação dos efeitos ou da execução de um acto administrativo.

2. Para o decretamento da suspensão, a lei exige que sejam de difícil reparação os prejuízos resultantes da execução imediata do acto suspendendo.

3. A dificuldade de reparação do prejuízo deve avaliar-se através de um juízo prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação (hipotética) pela autoridade administrativa na sequência de uma eventual sentença de anulação.

4. Com a exigência desse requisito consistente nos previsíveis prejuízos de difícil reparação, a mens legislatoris é para acautelar as situações em que, uma vez consumada a execução do acto administrativo, ocorre a dificuldade de reconstituição hipotética da situação anteriormente existente e ainda aquelas em que, para ressarcimento dos prejuízos causados pela execução imediata, se revele difícil fixar a indemnização, por serem de difícil avaliação económica exacta, mesmo no âmbito ou por via dos meios judiciais a que se referem os artºs 24º/1-b) e 116º do CPAC.

5. Para convencer o Tribunal de que, segundo o decurso normal das coisas e pela experiência comum, os alegados prejuízos sejam a consequência adequada, típica, provável da execução imediata, é preciso que o Requerente da suspensão de eficácia alegue e demonstre factos concretos e bem determinados em que assentam tais prejuízos.

Tudo visto, resta decidir.

III – Decisão

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam deferir o pedido de suspensão do despacho, datado de 01SET2021, do Secretário para a Administração e Justiça que, em sede de recurso hierárquico, manteve o acto da Directora dos SIM que declarou a nulidade dos actos de emissão e as sucessivas renovações do BIRM e do passaporte da RAEM, de que é titular o requerente.

Sem custas.

Registe e notifique.

RAEM, 11NOV2021

Lai Kin Hong

Fong Man Chong

Ho Wai Neng

Mai Man Ieng
Susp.ef. 811/2021-1