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Processo nº 495/2021
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data do Acórdão: 11 de Novembro de 2021

ASSUNTO:
- Recurso contencioso
- Irrecorribilidade do acto Recorrido

SUMÁRIO:
- O acto em que a administração decide não celebrar um acordo ou um protocolo de colaboração, decorre da liberdade contratual da Administração ainda que previamente tenha sido autorizada a realização da despesa, não consubstanciando um acto administrativo recorrível.



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Rui Pereira Ribeiro





Processo nº 495/2021
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data: 11 de Novembro de 2021
Recorrente: Associação A Macau
Recorrido: Presidente do Instituto de Acção Social
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  Associação A Macau, com os demais sinais dos autos,
  veio instaurar recurso contencioso do despacho de 17.06.2020 do
  Presidente do Instituto de Acção Social,
  com os fundamentos e pedidos que constam de fls. 86 a 109.
  Foi proferido despacho a absolver a Entidade Recorrida da instância por falta do objecto do recurso contencioso.
  Não se conformando com a decisão proferida veio a Recorrente recorrer da mesma, apresentando as seguintes conclusões:
1. A decisão recorrida qualificou o acto recorrido como uma mera actuação administrativa irrecorrível.
2. Antes de mais, a decisão recorrida indica que, o recorrido praticou o acto recorrido não conforme qualquer lei ou diploma legal de criação de competências.
3. Como fundamento jurídico de criação de competências, o acto recorrido invocou o art.º 4.º n.º 1 alínea 14) do Regulamento Administrativo n.º 28/2015 e is art.º 1.º, 4.º, 8.º alínea a), 9.º e 19.º n.º 2 alínea a) do Decreto-Lei n.º 22/95/M.
4. A recorrente entende que, são noções diferentes e não podem ser confundidos se o acto recorrido é recorrível e se o acto do recorrido se fundamenta na lei de criação de competências e o recorrido actuou conforme a respectiva lei de criação de competências.
5. O vício de “incompetência” ou “violação da lei” só conduz à invalidade do acto recorrido, mas não à sua irrecorribilidade.
6. Além disso, a decisão recorrida entende que, o acto recorrido não cessou qualquer acordo de cooperação entre a recorrente e o recorrido.
7. Como se sabe, antes de celebrar contrato administrativo com os particulares, a Administração deve cumprir um procedimento pré-contratual para formar a vontade final através dos trâmites e actos nele envolvidos.
8. Embora o acto revogado não gere directamente (e não possa gerar) uma relação de acordo entre a recorrente e o recorrido, expressa obviamente a vontade verdadeiro de celebração do acordo pela Administração com a recorrente; essa vontade foi exactamente um acto administrativo formado pelo procedimento legal.
9. Por mesma razão, é certo que o acto recorrido não cessou qualquer acordo de cooperação entre a recorrente e o recorrido, não obsta ser um acto administrativo independente recorrível no procedimento de formação do acordo de cooperação.
10. No fim, a decisão recorrida indica que, o acto recorrido não pode ser qualificado como um acto pré-contratual, uma vez que, a lei não estabelece qualquer procedimento sobre a concessão deste tipo de fundo de apoio financeiro.
11. Os art.º 168.º e 176.º do Código do Procedimento Administrativo preveêm que as disposições deste Código são aplicáveis à formação dos contratos administrativos.
12. Outrossim, no tocante ao acordo de cooperação em causa, o Decreto-Lei n.º 22/95/M já fixa as matérias procedimentais como o âmbito de apoio, os princípios gerais de relacionamento, as formas de apoio, a celebração e a cessação dos acordos.
13. Daqui se ver que, não é verdadeiro que o procedimento de formação do contrato administrativo em causa não seja regulamentado pela lei, mas sim apenas que não seja regulamentado de forma tão detalhada como uns contratos administrativos típicos. E o acto recorrido próprio também confirma que é um acto proferido segundo o procedimento legal.
14. Cabe salientar que, mesmo não existindo o procedimento pré-contratual legal como indica a decisão recorrida, não tem nada a ver com a recorribilidade do acto recorrido.
15. Para analisar se há objecto recorrível, basta apreciar se o acto recorrido “produzindo efeitos externos, não se encontra sujeito à impugnação administrativa necessária”, como dispõe o art.º 28.º n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso.
16. Cabe destacar que, não se deve apreciar o acto recorrido como um assunto independente.
17. A recorrente já sustenta repetidamente que o acto recorrido é um acto administrativo de revogação.
18. O acto revogado já decidiu a forma e o conteúdo do acordo de cooperação a celebrar entre o recorrido e a recorrente sobre o “Centro de Serviços da Associação A Macau”, não concedeu ao recorrido qualquer espaço de discricionariedade para decidir se/como seria executado o acto revogado.
19. Por isso, a decisão distinta do acto revogado, proferida pelo recorrido, obviamente não é uma pura declaração administrativa de renúncia à celebração do contrato novo, prestada na fase pré-contratual, nem meramente o incumprimento/recusa de execução do acto revogado.
20. Mas sim efectivamente um acto administrativo que altera por meio de revogação o teor material do acto administrativo que o antecedeu.
21. Desde que o acto do Secretário é um acto administrativo, também é acto administrativo o acto recorrido que visa revogar o acto do Secretário.
22. A mudança introduzida pelo acto recorrido à esfera jurídica da recorrente consiste em que, após a prolação do acto recorrido, jamais pode a recorrente solicitar ao recorrido, segundo o teor do acto revogado, cumprir oportunamente o acto recorrido (sic.), discutir com este o aperfeiçoamento da forma de cooperação e pronunciar-se sobre as cláusulas do novo acordo de cooperação.
23. E mais, a recorrente tem de fazer a devolução ao IAS segundo o art.º 2.º do acto recorrido. Se o recorrido não proferisse o acto recorrido, a recorrente não precisaria de realizar a devolução, como confessou o recorrido no art.º 77.º da contestação.
24. O efeito jurídico do acto recorrido consiste exactamente em cessar completa da relação cooperativa entre a recorrente e o IAS, alterar a situação jurídica original da recorrente e conduzir à assunção pela recorrente duma série de obrigações de devolução perante o IAS.
25. No fim, o acto recorrido é um acto proferido pelo Presidente do IAS (ou seja o recorrido), é decisão final vertical e definitiva, não está sujeito à impugnação administrativa.
26. Pelo que, está preenchido o art.º 28.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, sobre a recorribilidade do acto.
  Notificada a Entidade Recorrida da admissão do Recurso, esta silenciou.
  
  Foram os autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO
  
  Vem a Recorrente atacar o acto praticado pelo Presidente do Instituto de Acção Social, datado de 17/6/2020, com o seguinte teor:
  «Tendo em consideração a resposta dada pela V. Associação, o Presidente substituto proferiu, em 17 de Junho de 2020, na Informação n.º 039/DTTR/2020 a seguinte decisão:
1. Cessar a cooperação do “Centro de Serviços Gerais” entre o IAS e a Vossa Associação; e, deixar de avançar o procedimento da celebração do acordo de cooperação;
2. Deve a V. Associação cumprir as seguintes matérias:
1) A devolução dos dotação acumulada e saldo adquiridos do IAS “em nome de apoio financeiro”, no valor de MOP$3.653.753,43 (devendo ser devolvido em cheque);
Quanto ao outro montante de MOP$663.113,59 temporariamente retido pela V. Associação e destinado para o tratamento da compensação por despedimento dos trabalhadores e das respectivas despesas administrativas, após findo o tratamento destes assuntos, a V. Associação deve devolver o eventual restante montante ao IAS e juntar as informações concretas sobre o pagamento;
2) A restituição dos bens móveis adquiridos com o apoio financeiro do IAS (será posteriormente enviado um pessoal exclusivo para verificar a lista de inventário com a V. Associação);
3) A reversão da fracção «D» sita no R/C do Edifício XXXXXX, na Estrada Nova da Ilha Verde.».
  
  É do seguinte o teor da decisão recorrida:
  «Foi o presente recurso contencioso interposto do acto praticado pelo Presidente do Instituto de Acção Social, em que se determinou, no dia 17/6/2020, a cessação da colaboração com a ora Recorrente, Associação A Macau a respeito do projecto do Complexo dos Serviços de A Macau (澳門A綜合服務中心), bem como a restituição das quantias devidas pela cessação da relação colaboradora em relação aos três estabelecimentos de serviços de apoio (澳門A福音戒毒中心─男子中心、澳門A福音戒毒中心─女子中心及澳門A─家庭服務中心), dos determinados móveis subsidiados e do imóvel situado na 青洲新馬路XXXXXXD單位, a ser utilizado para o projecto do Complexo.
  Em apreciação preliminar do caso, foi oficiosamente suscitada a excepção da falta do objecto deste recurso contencioso decorrente da inexistência do acto contenciosamente recorrível, conforme se alude no despacho a fls. 176 e v dos autos.
  Opôs-se a isso a Recorrente por entender, essencialmente, que aquela actuação administrativa em apreço tem como efeito de neutralizar ou modificar o conteúdo permissivo do acto anterior do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura datado de 1/7/2019, em que se autorizou a celebração do novo acordo de colaboração com a Recorrente. Nesta sua tese, é possível configurar aqui a existência de um acto de revogação implícita derivado do órgão recorrido, com todas as características próprias do acto administrativo contenciosamente impugnável.
  Na vista inicial, a respeito desta questão, o digno Magistrado do Ministério Público deu o seguinte parecer:
  “…Pelo douto despacho constante de fls. 176 a 177 dos autos foi suscitada a questão de o objecto do recurso interposto pela Associação A de Macau não dever ser qualificado como acto administrativo, em ambas as vertentes em que se desdobra, o que teria como consequência a absolvição da instância da Entidade Recorrida, “ ... pela falta de objecto de recurso que obsta ao conhecimento do mérito”.
  Sendo seguro que, discordando de tal leitura, na pronúncia constante de fls. 180 a 183, a Recorrente defende o entendimento de que “...o acto recorrido não pode ser apreciado como um assunto autónomo”, afirmando que o mesmo teve como objectivo revogar o despacho proferido pelo então Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, ou eliminar os efeitos já produzidos na ordem jurídica, pelo que se tratará de “ ...um acto administrativo revogatório” – cfr. pontos 3 e 4 da referida resposta – não deixa de ser sintomático o facto de, no ponto 5 da mesma peça, referir que “Embora possa haver dúvidas sobre a natureza do acto recorrido, não deve haver quaisquer dúvidas sobre a natureza do acto do Secretário” (sublinhado do signatário) ...
  Conforme resulta dos elementos constantes dos autos (e, desde logo, da peça que aos mesmos deu origem) a Recorrente pretende colocar em causa o acto praticado pelo Presidente do Instituto dos Assuntos Sociais, em resultado do qual que foi determinada a cessação da colaboração que com ela vinha sendo mantida e relacionada com as três instalações de desintoxicação do denominado “Complexo de Serviços para a Associação A de Macau”, com a correspondente consequência de restituição, pela ora Recorrente, das prestações devidas.
  E compulsando os autos regista-se que, na realidade e tal como sagazmente se apontou no sobredito despacho (e conforme decorre, aliás, do que acima se referiu, a própria Recorrente reconhecerá), o acto que a Recorrente pretende impugnar não corresponderá, na realidade a um “verdadeiro acto administrativo”, na exacta medida em que o mesmo não preenche, desde logo, a noção plasmada no artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo de Macau, segundo a qual “...consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta” (sublinhado do signatário).
  Na realidade, o que os autos demonstram é que a ora Recorrida não actuou, em momento algum, de forma unilateral e/ou em que invocasse algum privilégio de autoridade, impondo à Recorrente que se subordinasse à respectiva vontade, antes se tendo limitado a não celebrar um acordo de ou protocolo de colaboração com esta última, situação este que se tem de subordinar à liberdade contratual que deve ser reconhecida, também, às entidades administrativas que, frequentemente, procuram consensualizar formas de melhor prosseguir o interesse público sem recorrerem a instrumentos de direito público strictu sensu.
  Assim sendo, e inexistindo qualquer elemento que aponte para qualquer actuação violadora dos princípios da boa-fé e/ou da confiança que, também nesta sede, deverão ser escrupulosamente observados, verificou-se uma banal situação de insucesso das negociações (pré-contratuais), sem se ter alcançado consenso entre a ora Recorrente e o IAS quanto a eventual colaboração futura entre ambas envolvendo o referenciado “Complexo”.
  Paralelamente, regista-se que a exigência da restituição de verbas é uma mera consequência natural do facto de ter sido declarada a cessação da colaboração que vinha sendo mantida entre a Entidade Recorrida e a Recorrente, situação esta que (conforme a própria Recorrente reconhece também) se encontra clara e explicitamente prevista nos acordos (ou protocolos) de colaboração entre ambas anteriormente firmados e que previam que os mesmos tivessem a validade de um ano, sendo automaticamente renovados por idêntico prazo se não fossem “denunciados” por qualquer das partes com uma antecedência de 90 dias antes do final do prazo (cfr. artigo 13.º do recurso que deu origem aos presentes autos).
  Assim sendo e sem prejuízo de distinto e melhor entendimento, o que se regista nos autos é uma realidade em que as partes se reconheceram mutuamente o poder de denunciar os protocolos entre ambas anteriormente firmados, situação esta tributária também do sobredito princípio da liberdade contratual e que não mereceu qualquer reparo quando das “renovações automáticas” registadas entre 1997 (pois que o acordo de colaboração relativo à Secção Masculina, foi celebrado a 2 de Julho de 1997) e o Verão de 2019 (altura em que o IAS denunciou o mesmo acordo e/ou os acordos complementares ao mesmo, relativos à Secção Feminina e ao Centro de Serviço Familiar, celebrados, respetivamente, a 2 de Março de 1999 e 14 de Dezembro de 2015).
  E ainda que assim não sucedesse ou não se entendesse, não se pode olvidar que o próprio artigo 19.º, n.º 2, alínea a), do D.L. 22/95/M, de 29 de Maio, é claro quando prescreve que “Os acordos podem ser rescindidos por qualquer dos outorgantes com a antecedência mínima de 60 dias sobre a data em que a rescisão deva produzir os seus efeitos, sempre que ocorram circunstâncias que, pela sua natureza, inviabilizem e subsistência da cooperação estabelecida, designadamente: alteração dos pressupostos em que se baseou a celebração do acordo...”.
  A tal acresce que, ressalvado o devido respeito, não se consegue alcançar o sentido do referido pela Recorrente quando afirma que o acto de não renovação dos aludidos protocolos de cooperação é nulo por, para além do mais, violar o inciso 6 do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento Administrativo n.º 28/2015 que dispõe que, no exercício da tutela sobre o IAS, “Compete ao Chefe do Executivo... Homologar os acordos e protocolos celebrados pelo IAS com outras entidades públicas ou privadas”.
  Na realidade, tal norma referir-se-á, primacialmente, à celebração de acordos e protocolos e não à denúncia de quaisquer acordos e/ou protocolos, máxime quando os mesmos, como sucede no caso dos presentes autos, expressa e claramente preveem tal possibilidade, situação essa que, seguramente e no momento próprio (ou seja, quando da homologação do “acordo inicial”), terá sido já apreciada/ponderada pelo Chefe do Executivo.
  Acresce que a interpretação que a ora recorrente pretende fazer do normativo a que alude não só contraria o princípio de que “de mininis non curat praetor” como, a ter vencimento, corresponderia a uma quase completa paralisação e perda de autonomia dos diversos órgãos da administração com os correspondentes prejuízos em termos de perda de responsabilidade própria, dinamismo e de eficácia na gestão da coisa pública ...
  A este propósito refira-se ainda que, da leitura conjugada do disposto na alínea 14 do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento Administrativo n.º 28/2015 (Organização e Funcionamento do IAS) e artigos 1.º, 2.º e 4.º, n.º 1, do D.L. n.º 22/95/M, a prestação de assistência técnica e financeira, assim como a mera colaboração, a/com instituições de serviço social sem fins lucrativos, é da competência exclusiva do IAS, a quem, assim e conforme já referido competirá a decisão de cessar tal(ais) relação(ões).
  Face a tudo quanto se acaba de referir afigura-se que, na realidade, o presente recurso se encontra desprovido de objecto, o que, talqualmente o douto despacho constante de fls 176 e verso dos autos antecipava, implicará que seja proferida decisão de absolvição da instância da Entidade Recorrida, nos precisos termos ali referidos...” (vide fls. 188 a 190v dos autos).
  Adiantamos que não podemos acompanhar a tese da Recorrente.
  Fala-se na doutrina do direito administrativo das revogações implícitas ou actos contrários “aqueles que não assumindo expressamente essa revogação, produzam, para a mesma situação concreta, efeitos incompatíveis com os de um acto administrativo, não podendo, portanto, subsistir os dois no ordenamento jurídico, a produzir simultaneamente os seus efeitos” (cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, comentado, 2.ª Edição, p. 668).
  A revogação implícita ocorrerá em que termos? Em nosso entender, a qualificação de um determinado acto como revogatório do acto anterior não depende necessariamente da verificação da incompatibilidade objectiva entre o sentido daquele acto e o sentido que deveria ser reconhecido ao acto anterior, já que aquele quando entra em contradição com este, pode consubstanciar tanto uma revogação como uma recusa de execução do acto que o antecede. Importa, portanto, fazer distinção entre as duas situações.
  A este propósito, segundo o entendimento de José Robin de Andrade, “A revogação, como já tivemos ocasião de frisar, pressupõe a identidade dos planos em que se movem os efeitos do acto revogado e do acto revogatório”, neste sentido, “a relação entre as operações materiais e os actos administrativos, como as relações entre estes e os actos normativos (leis ou regulamentos) são relações que se processam em termos de acatamento ou violação e não em termos de revogação” (cfr. José Robin de Andrade, A Revogação dos Actos Administrativos, 2.ª Edição, pp. 38 a 39).
  Convém, por isso, determinar na situação vertente, se a actuação anterior – do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, e a posterior – do Presidente do Instituto de Acção Social, se relacionam em termos de acatamento ou violação ou em termos de revogação.
  Da proposta n.º 108/DTTR/2019 do Instituto de Acção Social que integra o despacho do Secretário de 1/7/2019, a fls. 152 a 157 do P.A. vol.1, resulta que foram submetidas à decisão do superior as seguintes matérias:
  “…
  1 基於善用資源及配合未來禁毒政策發展,同意“澳門A” 以戒毒綜合服務模式運作,由“澳門A綜合服務中心”(5034)一間設施統籌A之男、女子住宿、日間服務及家庭服務三大服務;
  2 基於善用資源原則,收回“澳門A”現有位於石排灣XXXXXX舖之營運設施;
  3 配合重整方案,自2019年10月起終止與“澳門A”轄下之“澳門A福音戒毒中心─男子中心”(5001)、“澳門A福音戒毒中心─女子中心”(5002)及“澳門A─家庭服務中心”(5015)之合作協議,及分別終止男子中心定期資助(每月323,560.00元)、女子中心定期資助(每月196,060.00元)及家庭服務中心定期資助(每月37,740.00 元);
  4 按照有關重整方案,與“澳門A”重新簽訂設立“澳門A綜合服務中心” (5034)之合作協議,並自2019年10月起,每月預留人員開支資助(P)、經常費用資助(U)及行政費用資助(M)合共澳門幣352,250.00元,作為“澳門A綜合服務中心”合理成本組合的標準人員配置內人員開支及營運費用資助。同時,因應現行資助制度於每年12月額外發放“雙糧”資助之安排,需額外預留澳門幣300,490.00元,以備發放作為人員12月的“雙糧”資助。總計每年資助總金額為澳門幣4,527,490.00元。
  5 倘上級批准上述建議,懇請一併批准,在不超出上述每月合共預留金額的情況下,上述服務內的合理成本組合調整和實際津助發放日期等事宜,將由本局行政管理委員會審批。
  ...”
  Como se vê, na essência, pelo dito despacho do Secretário foi autorizada a celebração do novo acordo de colaboração com a “Associação A Macau”, assim como a consequente realização da despesa correspondente ao valor anual do apoio financeiro, de MOP4,527,490.00.
  Por sua vez, do acto ora impugnado constante da proposta n.º 039/DTTR/2020, ainda patenteia-se a seguinte consideração da Entidade recorrida:
  “...儘管當時司長已就“綜服中心”的資助開支作出許可,惟基於資助涉及公帤,因此社工局正式向“青挑”給付資助款項前,社工局仍然有責任把關,評估合作伙伴的情況,倘發現存有任何不適宜合作的情事,仍可依法終結合作。目前,相關的合作協議仍未簽署,且亦未開始向“青挑”就“綜服中心”的運作給付財政資助款項...”. (vide fls. 131 a 134v dos autos).
  Pois, pelo que resulta do texto acima transcrito, o que finalmente levou a Entidade recorrida a mudar da sua postura inicial para determinar, designadamente, cessar a relação colaboradora com a Recorrente, paralisar a celebração do respectivo acordo, com a consequente imposição da restituição das determinadas quantias em dinheiro, dos bens móveis subsidiados e do determinado bem imóvel, não obstante a anterior autorização do Secretário em favor dela, é a ocorrência das concretas circunstâncias que pudessem inviabilizar a manutenção daquela relação colaboradora.
  Parece-nos evidente que esta segunda actuação administrativa nunca teve como intenção apagar todos os efeitos produzidos pela anterior actuação do Secretário, mas antes pelo contrário, assumindo a primeira actuação como existente e válida, veio a invocar entretanto outras circunstâncias que se achavam obstativas da colaboração e da formalização do acordo e com base nelas deixou de dar seguimento àquela decisão proveniente do superior.
  Neste contexto, é certamente possível discutir se as circunstâncias que vêm sendo invocadas justificam ou não efectivamente a inexecução posterior, ou se esta inexecução tem ou não uma causa legítima, mas a questão já nunca se põe nos termos alegados pela Recorrente, no sentido de clarificar se a actuação posterior do órgão recorrido importou uma revogação válida e eficaz do acto do Secretário.
  Por outro lado, como sempre entendemos, independentemente do seu relacionamento com o acto anterior, a decisão ora recorrida não consubstancia um acto administrativo recorrível, mas uma mera actuação administrativa.
  Como se bem compreende, apesar de não ser uma fonte de direito, o acto administrativo pode ser qualificado como fonte de efeitos jurídico-administrativos, na medida em que determina a produção unilateral dos efeitos jurídicos que “se dirigem primacialmente a constituir, modificar, ou extinguir situações jurídicas de Direito Administrativo”. (Veja-se neste sentido, Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo, p. 222)
  Não sendo o acto administrativo um mero instrumento de estrita aplicação de determinações previamente previstas em normas, mas um acto jurídico dotado de relevo autónomo na definição primária da situação jurídica concreta, a configuração de todo o acto administrativo pressupõe, em virtude do princípio da legalidade administrativa, “a existência de normas legais ou regulamentares que confiram a competência objectiva e subjectiva para a sua emissão, e portanto, a prévia existência de uma base normativa, isto é, de uma fonte de Direito na qual, em última análise, radicarão os efeitos do acto” (cfr. obra cit., p. 222).
  E ademais, “o instituto do acto administrativo definidor de situações jurídicas externas só se compreende e explica…se tiver em conta a sua natureza essencial, isto é, o facto de constituir a manifestação de poderes típicos de regulação que se inscrevem no exercício de uma função estadual, dirigida à gestão de bens e recursos públicos e à satisfação de necessidade colectivas. É isto que explica e legítima a existência de actos administrativos, que não são puras manifestações gratuitas de poder, mas configuram o exercício de poderes funcionais, correspondendo, assim, a decisões que aos órgãos da Administração Pública cumpre adoptar nos domínios e matérias que o ordenamento jurídico entenda deverem ser objecto de uma definição jurídica rápida – imediata produção unilateral de efeitos – e tendencialmente estável – tendencial consolidação na ausência de revogação ou impugnação tempestiva” (cfr. obra cit., pp. 225 a 226).
  Na situação vertente, não obstante ter-se socorrido da múltipla de normas como aparência da base jurídica na sua decisão, a Entidade recorrida não actuou segundo as normas legais ou regulamentares atributivas da competência – nenhuma norma legal que lhe atribui expressamente o poder de agir nesta situação concreta, como fonte de legitimação da prática do acto administrativo.
  Nem a actuação da Entidade recorrida é dotada do relevo na definição jurídica primária da situação concreta, já que ela não extinguiu qualquer acordo de colaboração em vigor entre si e a Recorrente, mas decidiu antes e logo na fase pré-contratual, desistir do projecto de colaboração respeitante ao Complexo de Serviços Gerais, e não formalizar nenhum acordo de colaboração neste sentido.
  Ainda esta actuação administrativa, por outro lado, nem poderia ser tecnicamente qualificada como acto administrativo pré-contratual, ou seja, o acto tido lugar na formação do contrato administrativo, porquanto inexiste para a conclusão do respectivo acordo da concessão de apoio financeiro, nenhum procedimento administrativo legalmente previsto, ao contrário do que sucede no âmbito da celebração de um contrato administrativo típico.
  Sendo assim, a decisão recorrida na parte em que se exprimiu a vontade de não continuar com a colaboração que vinha desenvolvendo com a Recorrente e não avançar para a formalização do respectivo acordo não produziu nem foi apta a produzir, nenhum efeito constitutivo na esfera jurídica da sua destinatária, não sendo definidor das situações jurídicas externas nos termos do artigo 110.º do CPA, a qual redundaria por isso na mera actuação administrativa.
  Pela mesma razão, nem tampouco é acto administrativo a ordenação da restituição das prestações devidas, dos determinados bens móveis, ou do imóvel, vertida na decisão recorrida por não ter envolvido o exercício de poder de definição jurídica concreta da Administração, nem poder envolver. Vejamos.
  Segundo o que se alega na contestação, aquela actuação é consequência necessária do fim da anterior relação colaboradora no âmbito dos outros três projectos que fora determinado em Outubro de 2019 (segundo o que se alega nos artigos 63.º a 65.º, 76.º a 77.º da contestação).
  A nosso ver, o que está em causa aqui é uma solicitação emitida pela Entidade recorrida não impositiva à realização da prestação alegadamente devida pela Recorrente, uma vez que tal actuação não sujeitou o destinatário a eventuais medidas de execução forçada, a despeito de ser aparentemente uma “imposição” do cumprimento de uma obrigação. Trata-se aqui de mero acto opinativo. Além disso, nem nos parece ser possível que a Administração tivesse actuado da outra maneira, ou seja no sentido de impor, na falta de aceitação da destinatária, unilateralmente a execução coerciva do seu acto, por este “não configurar uma estatuição autoritária por não caber à Administração a definição do direito nos seus litígios com os particulares” (veja-se, neste sentido, o Acórdão do TUI, n.º 7/2015, de 18/03/2015).
  E caso este acto, embora por definição destituído da força executiva, venha a ser efectivamente objecto de um determinado procedimento da execução forçada, a própria execução será viciada pela inexistência do título que lhe serve de base.
  O que foi dito acima seria bastante para concluir que o presente recurso contencioso não foi dirigido contra qualquer acto administrativo contenciosamente impugnável e que por isso terá de naufragar.
  Não obstante, não é menosprezável que a expectativa por parte da Recorrente ficou frustrada irremediavelmente pela concreta actuação da Entidade recorrida, e essa expectativa poderá ser digna da tutela jurídica que embora nunca possa ser adequadamente concedida por meio do recurso contencioso tendente à respectiva anulação do acto.
  Então, o que ela poderá fazer perante esta situação concreta:
  - caso se entenda que aquele despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura constitui um título vinculativo que tenha conferido em seu favor direitos ou de interesses legalmente protegidos, poderá propor, com esta finalidade, uma acção para reconhecimento, prevista nos artigos 100.º a 102.º do CPAC,
  ou em alternativa,
  - se entender que aquele despacho vincula a Administração a decidir avançar com a celebração do acordo de colaboração e a praticar um determinado acto administrativo neste sentido, é ainda possível uma acção para determinação da prática e acto administrativo devido, com fundamento na vinculação resultante da actuação anterior do Secretário, prevista nos artigos 103.º a 107.º do referido Código.
  - se pretender responsabilizar civilmente a Administração pelos danos de confiança por causa da violação do princípio da boa fé, então poderá avançar desde já com a acção de indemnização, prevista nos artigos 116.º a 117.º do referido Código.
  Além disso, pese embora o acima exposto, verificamos que a Administração por ofício n.º 040/DJD-DTTR/2020, de 11/8/2020 a fls. 11 do P.A. vol.1, determinou, de facto, prosseguir a execução forçada do acto, no sentido de exigir a restituição das quantias por si liquidadas sob pena de execução coerciva. Aqui já não se trataria de um acto opinativo, mas o acto visando “produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”, nos termos do artigo 110.º do CPA, sendo contenciosamente impugnável com base na verificação da eventual nulidade por usurpação de poder. Porém, este acto tendo surgido depois da propositura do presente recurso contencioso nunca integrou o objecto deste, nem se encontra coberto pelas situações descritas nas normas dos artigos 79.º a 81.º do CPAC, não se pode o Tribunal por enquanto pronunciar sobre a respectiva legalidade.»
  
  Foi do seguinte teor o Douto Parecer do Ministério Público:
  «1.
  Associação A Macau, melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso do acto praticado pelo Presidente do Instituto de Acção Social que decidiu não promover a assinatura de um acordo de cooperação com a Recorrente e que determinou que esta devolvesse o fundo acumulado e montante restante obtidos do Instituto de Acção Social (IAS) a título de financiamento no valor de 3.653.753,43 de patacas e bem assim uma outra quantia e ainda que restituísse os bens móveis adquiridos com o financiamento disponibilizado pelo IAS e a fracção «D» sita no R/C do Edifício XXXXXX.
  O Tribunal Administrativo absolveu a entidade Recorrida da Instância com fundamento na falta de objecto do recurso contencioso.
  Inconformada, veio a Recorrente contenciosa interpor o presente recurso jurisdicional perante o Tribunal de Segunda Instância imputando à decisão recorrida erro na interpretação e na aplicação da lei.
  2.
  Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que o presente recurso não merece ser provido.
  Procuraremos, de modo sucinto, demonstrar porquê, analisando, separadamente, os dois segmentos decisórios, autónomos entre si, que é possível detectar no acto recorrido.
  2.1.
  (i)
  O primeiro dos ditos segmentos é o que respeita à decisão da Entidade Recorrida no sentido de não celebrar um acordo de cooperação com a Recorrente.
  Entende a Recorrente que, nessa parte, o acto recorrido consubstancia uma revogação ilegal do acto do então Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura lançado sobre a Proposta n.º 108/DTTR/2019 do IAS e que autorizara a despesa respeitante ao dito acordo de cooperação e que, como tal, se trata de um acto administrativo recorrível ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo.
  Vejamos.
  No procedimento cautelar de suspensão de eficácia apenso aos presentes autos já tivemos oportunidade de elaborar sobre a natureza do acto agora recorrido. Apontámos, nessa altura, no sentido de se tratar de uma mera actuação administrativa e não de um verdadeiro acto administrativo.
  Contudo, uma mais detida reflexão sobre a matéria não nos permite manter um tal entendimento.
  Na verdade, nos termos que resultam do disposto no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 22/95/M, de 29 de Maio, certos apoios concedidos pelo IAS a entidades privadas que exercem actividades de apoio social devem sê-lo através da celebração de acordos de cooperação e não através de actos administrativos.
  Esses acordos de cooperação, através dos quais o IAS concede os ditos apoios e dos quais emergem para as partes outorgantes diversos direitos e obrigações, são verdadeiros contratos administrativos, tratando-se daquilo a que a doutrina designa por contratos de atribuição. Tais contratos têm por causa-função atribuir uma certa vantagem ao co-contratante da Administração, sendo que é a prestação desta que é essencial e caracterizadora, representando as do administrado apenas a contrapartida, uma consequência ou uma condição da vantagem obtida (cfr. neste sentido, JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Reimpressão, Coimbra, 2013, pp. 421-422. Entre os exemplos dados por este Autor de contratos de atribuição encontram-se, precisamente, os acordos de cooperação entre o Estado e as instituições particulares de solidariedade social).
  Assim sendo, tratando-se de contratos administrativos, estão os referidos acordos necessariamente sujeitos a um procedimento pré-contratual no qual, apesar do seu minimalismo, são detectáveis, previamente ao acto final do procedimento, actos procedimentais autónomos como sejam os da decisão de contratar e da decisão de autorização de despesa.
  (ii)
  No caso em apreço, houve, efectivamente uma decisão de contratar, ao menos implícita na decisão de autorização da despesa inerente ao acordo de cooperação a celebrar entre o IAS e a Recorrente (neste sentido, embora por referência a norma legal expressa, PEDRO COSTA GONÇALVES, Direito dos Contratos Públicos, 2.ª edição, Coimbra, 2015, p. 403).
  Porém, como a boa doutrina assinala, a decisão de contratar é um acto administrativo interno já que se não projecta para lá da linha que delimita a esfera da entidade adjudicante, não corresponde a uma declaração de vontade, no sentido de que se não dirige a nenhum sujeito estranho à própria Administração, só se convertendo num acto externo quando se revela para o exterior através do anúncio ou do convite à apresentação de propostas (seguimos de perto a lição de PEDRO COSTA GONÇALVES, Direito…, p. 405).
  Assim, a decisão de contratar implícita no acto de autorização de despesa praticado pelo então Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura esgotou os seus efeitos no interior da Administração não tendo chegado a projectar os seus efeitos constitutivamente na esfera jurídica da Recorrente nem de quaisquer outros terceiros. Acto administrativo puramente interno, portanto (não desconhecemos que na chamada concepção restrita, de influência alemã, a eficácia externa é uma característica do próprio acto administrativo e, por isso, a adoptar-se uma tal concepção, um acto puramente interno não é um acto administrativo: na doutrina portuguesa anterior à reforma do Procedimento Administrativo de 2015 pode ver-se nesse sentido, que era minoritário, ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, Direito Administrativo, lições policopiadas, Coimbra, 1978, p. 91. Cremos, no entanto, que a circunstância de o artigo 28.º do CPAC estabelecer uma delimitação relativamente aos actos administrativos impugnáveis por referência à sua eficácia externa, significa que tal eficácia não é um atributo inerente ao conceito de acto administrativo. Neste último sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo: temas nucleares, Coimbra, 2012, p. 129).
  Sendo a decisão de contratar um acto desprovido de efeitos externos, logicamente que também o acto de revogação da decisão de contratar que está implícito na decisão de não adjudicar o contrato tem apenas eficácia interna, não se tendo repercutindo extintivamente na esfera jurídica da Recorrente.
  Deste modo, face ao disposto na norma do n.º 1 do artigo 28.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), propendemos a considerar que o acto recorrido, na parte que contém a decisão de não celebrar o acordo de cooperação com a recorrente, por isso que lhe falta a indispensável eficácia externa, é dizer a virtualidade de projectar os seus efeitos na esfera jurídica da Recorrente, não é contenciosamente recorrível.
  2.2.
  (i)
  No que concerne ao segundo segmento do acto recorrido, respeitante à notificação, vamos-lhe chamar assim, feita pelo IAS à Recorrente, determinando a esta que devolvesse determinadas quantias em dinheiro e restituísse alguns bens móveis e desocupasse um imóvel no pressuposto do fim da cooperação que entre ambos vinha existindo, parece-nos que é de acompanhar a decisão recorrida, mesmo no que respeita à respectiva fundamentação.
  Não estamos aí, como parece evidente, perante um acto administrativo, mas, antes, perante uma mera actuação administrativa insusceptível de, por si, produzir quaisquer efeitos jurídicos e relativamente às quais o nosso legislador processual não permite a impugnação contenciosa por isso que as mesmas não produzem efeitos jurídicos próprios e, portanto, necessariamente não produzem efeitos externos (no sentido da qualificação das meras actuações administrativas como actos da administração sem vocação para a produção de efeitos jurídicos próprios, veja-se MARCELO REBELO DE SOUSA – ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, 2007, p. 376).
  O que é típico do acto administrativo impugnável, isto é, do acto administrativo com efeitos externos é justamente o facto de ele traduzir o exercício de um poder de definição jurídica unilateral normativamente conferido à Administração (assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3.ª edição, Coimbra, 2015, p. 223).
  Como salienta o mesmo Autor, «a imposição do ónus de impugnação só se afigura aceitável quando um órgão administrativo emita uma pronúncia que corresponda ao exercício de um poder de definição jurídica, isto é, quando desse modo esteja a desempenhar uma função que lhe tenha sido normativamente atribuída, ou por previsão normativa específica, ou, pelo menos, porque a emissão de um tal acto configura a expressão normal de um poder inscrito no âmbito das competências de definição jurídica do órgão e das atribuições do ente ao qual o órgão pertence» (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria…, 2015, p. 225).
  (ii)
  No caso sujeito, face à extinção da cooperação que vinha mantendo com a Recorrente, a Administração solicitou a esta um acerto de contas e a devolução de bens que lhe pertencem e que estariam na posse daquela.
  Todavia, a Administração não ordenou nem podia ordenar imperativamente à Recorrente que procedesse à devolução do dinheiro e dos bens móveis e do imóvel, pela simples razão de que não dispõe de norma legal de competência que a habilite, de forma unilateral e autoritária, a definir o direito no caso concreto e, dessa forma, a constituir na esfera jurídica da Recorrente obrigações de pagamento de quantia certa e de entrega de coisa certa que, em caso de incumprimento desta, lhe abram, a si Administração, a possibilidade de proceder à respectiva execução coerciva no exercício da chamada auto-tutela executiva.
  Quer isto dizer que se a Recorrente se recusar a devolver a quantia reclamada ou a restituir os bens em causa, a Administração estará obrigada a recorrer ao Tribunal para obter um título executivo de condenação daquela a cumprir tais obrigações (seria diferente, parece-nos, se da notificação efectuada resultasse que a cominação de que, em caso de incumprimento, a Recorrente ficaria sujeita a execução coerciva por parte da Administração. Nessa situação, poderíamos estar perante um acto administrativo nulo por usurpação de poder, nos termos previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo).
  Deve, portanto, entender-se que o acto em causa, por isso que não pertence às atribuições de qualquer ente administrativo nem às competências de qualquer órgão administrativo estatuir definitivamente sobre a matéria em questão, não constitui um acto administrativo sujeito a impugnação contenciosa (expressamente neste sentido, a lição de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria…, 2015, p. 226, que acompanhamos).
  Eis porque, em nosso modesto entendimento, andou bem o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo ao absolver a Entidade Recorrida da instância do recurso contencioso, embora consideremos, pelo que deixámos dito, que o fundamento legal para tal absolvição se encontre na norma da alínea c) do n.º 2 do artigo 46.º do CPAC.
  3.
  Pelo exposto, deverá ser negado provimento ao presente recurso.
  Salvo melhor opinião, é o que nos parece.».
  
  Face ao teor da decisão recorrida e o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, com os quais concordamos integralmente, remetendo para os fundamentos da decisão recorrida e daquele Parecer aos quais aderimos integralmente sem reservas, sufragando a solução neles propostas, salvo quanto à qualificação no que acompanhamos o Parecer do Ministério Público, não sendo o acto impugnado recorrível, de acordo com o disposto na al. c) do nº 2 do artº 46º do CPAC, bem andou o Tribunal “a quo” em absolver da instância a Entidade Recorrida, impondo-se decidir em conformidade.
  
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
III. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância em negar provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida mas com fundamento no disposto na alínea c) do nº 2 do artº 46º do CPAC.
  
  Sem custas por dela estar isenta a Recorrente.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 11 de Novembro de 2021
  Rui Pereira Ribeiro
  Lai Kin Hong
  Fong Man Chong
  
  Mai Man Ieng
  


495/2021 ADM 41