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Processo n.º 474/2021
(Autos de recurso cível)

Data: 11/Novembro/2021

Descritores: Marca; capacidade distintiva

SUMÁRIO
Para averiguar se uma marca tem capacidade distintiva, deve ela ser analisada no seu todo, no conjunto dos elementos que as compõem, e não dissecada ou isoladamente.
A marca é descritiva quando indica, exclusiva e directamente, a produção (espécie, lugar e tempo), qualidade, quantidade, destino, valor, ou qualquer outra característica do produto ou serviço.
A marca não deixa de encerrar alguma fantasia, pois apresenta-se com uma composição final que lhe garante a singularidade e criatividade necessárias ao registo, ou seja, a sua composição assumiu um cunho próprio que não se deve reconduzir ao sentido expresso pelas próprias palavras isoladamente consideradas.

O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo n.º 474/2021
(Autos de recurso civel)

Data: 11/Novembro/2021


Recorrente:
- A Ltd

Recorrida:
- Direcção dos Serviços de Economia


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A Ltd, sociedade comercial com sede na República Popular da China, melhor identificada nos autos (doravante designada por “recorrente”), interpôs junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM recurso do despacho da Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia, de 17.4.2020 e publicada no Boletim Oficial, de 16.7.2014, que indeferiu o registo da marca N/XXXXXX, destinada para assinalar serviços e produtos da classe 35ª.
Por sentença do Tribunal Judicial de Base proferida em 27 de Janeiro de 2021, foi julgado improcedente o recurso e foi mantido o despacho administrativo impugnado.
Inconformada, recorreu a recorrente jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “a. Por douta sentença datada de 27 de Janeiro de 2021, foi o recurso interposto pela Recorrente julgado improcedente e decidido manter o despacho da Chefe do DSEDT que recusou o registo da marca N/XXXXXX.
     b. O Tribunal a quo manteve a decisão de recusa por entender que “” não goza de capacidade distintiva e é constituída pelo elemento “VIP” que, sendo o elemento predominante da marca, poderá induzir o consumidor em erro relativamente à qualidade dos seus serviços ao indiciar que os seus serviços são de qualidade superior aos dos seus concorrentes.
     c. No entender da Recorrente, a marca registanda não é, no seu todo, uma marca descritiva, nem induz em erro sobre as características dos serviços que visa distinguir.
     d. De facto, o Tribunal a quo – tal como a DSEDT na sua decisão de recusa – não apresentou qualquer exemplo de tal situação que fundamente o argumento apresentado.
     e. Parecendo que apenas recusou a marca registanda por entender (erradamente) que é composta por uma expressão que descreve a qualidade do serviço, sem oferecer qualquer justificação sólida do motivo porque entende que a marca não é distintiva.
     f. Na aplicação do fundamento de recusa do artigo 214º, n.º 2, a) deverá ser feito um juízo de ponderação sobre a natureza dos serviços a identificar relativamente às indicações que figurem na marca.
     g. Por outro lado, o artigo 199º, n.º 1, b) do RJPI apenas deverá ser aplicado quando o conteúdo descritivo da marca é imediato, claro e inconfundivelmente óbvio.
     h. Efectivamente, a marca só é efectivamente descritiva se, como referimos, for exclusiva e directamente descritiva.
     i. Neste sentido, o Tribunal de Segunda Instância de Macau entende que, “(…), é na marca, como um todo, que há-de afirmar-se ou negar-se o carácter distintivo ou a adequação para distinguir a origem comercial dos bens que se destina marcar.”
     j. Assim, o registo apenas deverá ser recusado se a marca tiver um significado descritivo que seja imediatamente óbvio para o consumidor médio, sendo que marcas sugestivas ou alusivas são passíveis de registo.
     k. Uma marca é sugestiva ou alusiva quando faz referência a determinadas características dos produtos de modo indirecto ou através de uma associação mental que requer um esforço especial por parte dos consumidores.
     l. Ora, não é um sinal descritivo necessário e utilizado normalmente no comércio para os serviços na classe 35 que a Recorrente pretende prestar.
     m. O consumidor deverá utilizar um determinado nível de imaginação e esforço mental para discernir o que a marca está a sugerir, o que demonstra que o significado de “” não é demasiado óbvio, o que, essencialmente, torna a marca registanda passível de registo.
     n. Ora, “” não transmite informação suficiente sobre os serviços da Recorrente para ser considerada descritiva: perante a marca registanda os consumidores não dariam imediatamente um significado descritivo à marca no contexto de serviços de publicidade, contabilidade, organização de exposições etc.
     o. Por outro lado, a marca registanda não induz o consumidor em erro relativamente aos serviços que presta.
     p. Tal foi o entendimento do Tribunal Judicial de Base no âmbito do processo CV2-20-0053-CRJ.
     q. Aqui, o Tribunal Judicial de Base revogou a decisão de recusa do registo da marca da DSEDT, concedendo à Recorrente o registo da marca n.º N/XXXXXX, na classe 35 para uma marca muito semelhante à marca em apreço: “”, a qual considerou distintiva.
     r. Aqui, o Tribunal Judicial de Base defende a posição de B que entende que “à luz da actual disposição, o que é decisivo é a marca em si (e não o uso que dela se faz), em relação com os produtos ou serviços a que se destina, no seu conjunto, ou num dos seus elementos relevantes, ser susceptível de enganar o público (…)”.
     s. Segundo B para se determinar se um sinal pode provocar um risco de engano devem conjugar-se dois critérios: 1) relacionar o sinal solicitado como marca com os produtos ou serviços que a marca distingue, e 2) fixar o público a partir do qual se deverá apreciar se um sinal é enganoso, que deverá ser aferido casuisticamente e de acordo com a espécie de serviço para os quais se solicita a marca.
     t. Ora, neste sentido, marcas enganosas seriam, por exemplo, a marca “Rum Negrita” para indicar produtos inteiramente diferentes do rum; a marca “Cristalis” destinada a artigos de vidro para uso doméstico por sugerir que se trata de cristal; ou a marca “Nuts” para chocolates e gelados à base de água, recusada em virtude de deles não fazerem parte quaisquer nozes ou frutos secos.
     u. Ora, a marca registanda não se inclui nestas situações para os serviços que assinala: serviços de publicidade, contabilidade, organização de exposições etc.
     v. A posição adoptada pelo Tribunal Judicial de Base no processo CV2-20-0053-CRJ deverá ser então a adoptada relativamente à marca registanda N/XXXXXX, objecto do presente recurso.
     w. De notar que a única diferença entre “” e “” é o elemento gráfico.
     x. Será então de decidir que a marca registanda, tal como a marca N/XXXXXX, goza de capacidade distintiva inerente, devendo, portanto, ser registada como tal.
     y. Acrescente-se ainda que a Recorrente não se arroga o direito de usar exclusivamente “VIP SHOP”; apenas requer o directo de utilizar o sinal “” como um todo.
     z. “” não induz o consumidor em erro e é, no entendimento da Recorrente, distintiva, devendo se registada em Macau uma vez que não se verificam os fundamentos de recuso previstos no art.º 214º, n.º 2, al. a) art.199º, n.º 1, al. b) todos do RJPI.
     Nestes termos e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes, requer-se, muito respeitosamente, que seja considerado procedente o presente Recurso e, em consequência revogada a sentença recorrida, dessa forma se concedendo a marca registanda à Recorrida, como é de JUSTIÇA!”
Ao recurso respondeu a recorrida, oferecendo o merecimento dos autos.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença deu por assente a seguinte matéria de facto pertinente para a decisão da causa:
於2019年08月26日,上訴人向經濟局提出編號N/XXXXXX的商標註冊申請,該標記的構成為:。
編號N/XXXXXX之申請是用於標示屬第35 類之以下服務:廣告宣傳;組織商業或廣告展覽;進出口代理;替他人推銷;為商品和服務的買賣雙方提供在綫市場;人事管理咨詢;商業企業遷移;計算機文檔管理;會計;尋找贊助。
上述申請於2019年10月16日在第42期第2組的澳門特別行政區公報內刊登。
透過2020年04月17日的批示,經濟局知識產權廳廳長作出拒絕編號N/XXXXXX之商標註冊申請之決定,其內容見N/XXXXXX之行政卷宗,在此視為獲完全轉錄。
上述批示於2020年05月20日在第21期第2組的澳門特別行政區公報內刊登。
根據卷宗第43至58及62至68頁之文件,、“VIP XXXX”及分別於澳洲、法國、德國、英國、中國台灣、新加坡、巴西、加拿大及香港獲得註冊。
上訴人獲被上訴實體註冊N/XXXXXX之商標,該標記的構成為:。
*
A questão que se coloca neste recurso consiste em saber se a marca mista constituída pela figura e expressão está dotada de eficácia ou capacidade distintiva susceptível de protecção e ser objecto de registo.
Vejamos.
Como sinal distintivo, a marca tem por função distinguir produtos ou serviços.
Ao abrigo do artigo 197.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.”
A marca é um sinal que serve para individualizar os produtos ou serviços, objecto do comércio do comerciante.1
Quanto à sua composição, a marca pode ser nominativa, figurativa ou mista, consoante seja constituída por palavras, ou tenha carácter plástico, tendo apresentação visual própria, ou composta por palavras e formas.2
Nestes termos, a marca goza, na sua composição, do chamado princípio da liberdade, salvo condicionalismos e restrições impostos por lei.
Consistindo um desses condicionalismos em a marca dever estar necessariamente dotada de eficácia ou capacidade distintiva suficiente, i.e., há-de ser apropriada para diferenciar de outros produtos idênticos ou semelhantes.
O legislador define situações mais frequentes em que a marca está desprovida de capacidade distintiva.
Preceitua-se nos termos do artigo 199.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI) que “não são susceptíveis de protecção os sinais constitutivos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto (al. a)); os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos (al. b)); os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio (al. c)); as cores, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva (al. d))”.
Com isto pretende a lei afastar do domínio da marca os chamados sinais genéricos, descritivos, usuais e fracos.
Diz-se genérico quando o sinal, no seu significado originário e próprio, designa exclusivamente o nome do género de produtos ou serviços marcados ou, ainda, o sinal, bi ou tridimensional, que representa unicamente, a forma comum e ordinária do produto marcado.3
Sendo descritivo aquele sinal que indica, exclusiva e directamente, a produção (espécie, lugar e tempo), qualidade, quantidade, destino, valor, ou qualquer outra característica do produto ou serviço.4
E são usuais aqueles sinais verbais ou figurativos indicadores dos produtos ou serviços, ou sinais descritivos de um género ou de diferentes géneros de produtos ou serviços, ou ainda sinais usuais banais esvaziados de conteúdo diferenciador e descritivo pelo uso generalizado e indiscriminado em relação a qualquer tipo de produto ou serviço5.
    Existe também o chamado sinal fraco, o qual, pela sua simplicidade e vulgaridade, não reveste qualquer possibilidade de, isoladamente, distinguir uma espécie de produtos ou serviços6.
Em boa verdade, na apreciação da marca, convém atender-se à sua imagem global e não na análise individualizada de cada um dos seus elementos, ou seja, é na marca, como um todo, que há-de afirmar-se ou negar-se o carácter distintivo ou a adequação para distinguir a origem comercial dos bens a que se destina marcar.
Além disso, não se pode deixar de atender ao espaço territorial em que se opera a apreciação e concessão do pedido de registo da marca.
Tal como se referiu no Acórdão deste TSI, no Processo 214/2014: “a fim de se averiguar se uma marca é portadora da capacidade distintiva, é preciso que a marca registanda seja analisada no seu todo, e não dissecá-la elemento por elemento”.
No presente caso, a marca mista em causa é constituída por uma figura de mala e uma expressão “VIP SHOP” --- .
Entende a recorrente que a marca registanda não é um sinal descritivo necessário e utilizado normalmente no comércio para os serviços na classe 35ª, nem que a mesma é susceptível de induzir o consumidor em erro relativamente aos serviços que pretende presta, daí que possui capacidade distintiva.
Em primeiro lugar, analisada a marca no seu conjunto, somos a entender que não corresponde ao nome originário dos serviços (da classe 35, a saber: publicidade; organização de exposições comerciais ou publicitárias; agentes de importação e exportação; marketing para terceiros; fornecimento de mercados on-line para compradores e vendedores de bens e serviços; consultoria em gestão de pessoas; migração de empresa comercial; gerenciamento de documentos de computador; contabilidade; procurando patrocínio) que a recorrente pretende prestar, portanto, não se trata de uma marca genérica.
Mas será um sinal descritivo do produto ou serviço?
Não nos parece.
Como acima se referiu, a marca é descritiva quando indica, exclusiva e directamente, a produção (espécie, lugar e tempo), qualidade, quantidade, destino, valor, ou qualquer outra característica do produto ou serviço, mas no presente caso, a marca em causa não indica qualquer qualidade ou característica dos seus serviços.
Aliás, a marca só é efectivamente descritiva se for exclusiva e directamente descritiva. Uma marca pode ser distintiva se não for exclusivamente descritiva, ou seja, se, sendo composta por elementos descritivos e não descritivos, a combinação oferecer um conjunto distintivo e, ainda, se não for directamente descritiva, ou seja, se só se limitar a sugerir ou evocar por forma inabitual e invulgar uma característica do produto ou serviço designando-se, nesta última hipótese, por marca sugestiva, expressiva ou significativa.7
Também não se afigura a referida marca poder ser configurada como um sinal usual, na medida em que não se tenha tornado um sinal para identificar exclusivamente os seus produtos ou serviços, mais precisamente, produtos ou serviços relacionados com publicidade, organização de exposições comerciais ou publicitárias, agentes de importação e exportação, marketing para terceiros, fornecimento de mercados on-line para compradores e vendedores de bens e serviços, consultoria em gestão de pessoas, migração de empresa comercial, gerenciamento de documentos de computador, contabilidade e procurando patrocínio.
Finalmente, também não se pode dizer que se trata de um sinal fraco, no sentido de ser um sinal que não reveste qualquer possibilidade de distinguir uma espécie de produtos ou serviços, face à sua simplicidade e vulgaridade, tal como acontece com as formas geométricas simples, simples linhas, traços, sinais de pontuação, etc.
Ao contrário do que entende o tribunal recorrido, somos a entender que a marca em apreço não deixa de encerrar alguma fantasia, pois apresenta-se com uma composição final que lhe garante a singularidade e criatividade necessárias ao registo, ou seja, a sua composição assumiu um cunho próprio que não se deve reconduzir ao sentido expresso pelas próprias palavras isoladamente consideradas.
Por outro lado, no que respeita à alegada marca enganosa, observa Luís M. Couto Gonçalves8 que “o que é decisivo é a marca em si (e não o uso que dela se faz), em relação com os produtos ou serviços a que se destina, no seu conjunto, ou num dos seus elementos relevantes, ser susceptível de enganar o público incida o erro sobre a natureza, qualidade, proveniência geográfica ou outro aspecto (v.g. composição, destino ou finalidade) do produto ou serviço, signifique isso um sinal falso, isto é, um sinal objectivamente contrário à verdade, signifique isso, simplesmente, um sinal que possa gerar risco de engano no público”.
A nosso modesto ver, entendemos que a marca não é susceptível de gerar risco de engano no público, na medida em que a expressão VIP é bastante vaga, não se vislumbrando que a marca em si está a indicar (falsamente) a natureza, qualidade, proveniência geográfica ou outro aspecto dos seus produtos ou serviços.
Para terminar, cabe ainda realçar que a recorrente não goza do direito de usar exclusivamente as expressões “VIP” e SHOP”, antes tem direito a requerer o registo e usar a marca como um todo.
Aqui chegados, há-de conceder provimento ao recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdiconal, revogando a sentença recorrida, bem como o despacho de recusa da DSE e, em consequência, concede à recorrente A Ltd o registo da marca N/XXXXXX.
Sem custas por a recorrida estar isenta (artigo 2º, nº 1, alínea b) do RCT).
Registe e notifique.
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RAEM, 11 de Novembro de 2021
Tong Hio Fong
   Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
1 Carlos Olavo, Manual D. Comercial, 1º, pág. 186
2 Prof. Oliveira Ascensão, Direito Comercial Vol. II
3 Luís M. Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, pág. 171
4 Luís M. Couto Gonçalves, obra citada, pág. 173
5 Luís M. Couto Gonçalves, obra citada, pág. 180
6 Luís M. Couto Gonçalves, obra citada, pág. 181
7 Luís M. Couto Gonçalves, obra citada, pág. 173
8 Obra citada, pág. 208
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