Processo n.º 106/2021 Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança
Data da conferência: 22 de Outubro de 2021
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai
Assuntos: - Dispensa de serviço
- Inconveniência da permanência nas FSM
- Princípio da proibição da dupla valoração
SUMÁRIO
1. Nos termos do n.º 1 do art.º 77.º do EMFSM, a dispensa de serviço de um militarizado é determinada por seu mau comportamento, que demonstre a inconveniência da sua permanência nas FSM.
2. A dispensa de serviço é uma medida de carácter essencialmente militar que não visa a punição de determinada actuação concreta do agente, tratando-se antes de uma medida de carácter estatutário que leva em conta o “perfil” desse mesmo agente, isto é, as suas qualidades morais, cívicas e militares e a sua adequação ao serviço.
3. Para além do “mau comportamento”, não se encontra na norma legal em causa a referência de outros elementos, factores ou critérios relevantes que ofereçam auxílio à formação de juízo de avaliação sobre a referida inconveniência, nem se vê que o legislador exige a avaliação por parte da Administração de todo o comportamento do militarizado durante todo o tempo de serviço para formar o juízo de apreciação, indispensável para a determinação de dispensa de serviço.
4. Não decorre da norma a exigência de uma avaliação comportamental do militarizado na sua globalidade.
5. No caso sub judice, estamos em crer que, ao definir, como pressuposto da medida de dispensa de serviço, a inconveniência da permanência do militarizado nas FSM, o legislador confere um poder muito amplo à Administração para proceder à avaliação do comportamento do militarizado, formando um juízo sobre a (in)conveniência da sua permanência nas fileiras das forças de segurança.
6. O princípio da proibição da dupla valoração só vale para a prática dos actos de mesma natureza, por exemplo, nos casos em que o agente foi disciplinarmente punido por duas ou mais vezes pelos mesmos factos, há dupla valoração, que é proibida, proibição esta que também vale para situações em que as mesmas circunstâncias foram avaliadas por duas vezes no mesmo processo disciplinar para punir o mesmo agente.
7. A pena disciplinar é uma sanção com natureza distinta da dispensa de serviço, sendo esta a medida meramente administrativa, sem carácter disciplinar.
8. Estamos perante duas medidas distintas, com a natureza diferente e a justificação também distinta, em cuja aplicação estão subjacentes as considerações e necessidades de diversas ordens, sendo uma a punição disciplinar pela conduta concreta do agente e outra a medida estatutária que se justifica pela falta de idoneidade, desadequação ética ou incompetência do agente para o exercício das funções, que tornam inconveniente (ou até intolerável) a sua permanência nas fileiras das forças de segurança, tanto por razões da vida interna da respectiva instituição como por projecção da imagem desta junto da comunidade, sobretudo quando tomamos em consideração as expectativas e confianças que o público tem depositado para com as forças de segurança.
9. E estamos perante dois juízos também distintos, respectivamente sobre a inviabilidade da manutenção da relação funcional (pena de demissão) e a inconveniência de permanência nas FSM (dispensa de serviço), a não verificação do primeiro não afasta necessariamente a conclusão afirmativa sobre o segundo.
10. Não obstante a utilização do termo “pode” no n.º 1 do art.º 77.º do EMFSM, estamos perante um “poder-dever”, cabendo à Administração determinar a dispensa de serviço do militarizado, sempre que conclua pela inconveniência de sua permanência nas fileiras das forças de segurança, não lhe restando outra alternativa.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho proferido pelo Senhor Secretário para a Segurança em 15 de Maio de 2020, que lhe determinou a dispensa de serviço.
Por acórdão proferido em 29 de Abril de 2021, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso.
Inconformado com a decisão, vem A recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância de Macau, pelo qual foi negado provimento ao recurso contencioso de anulação e, em consequência, confirmada a decisão recorrida, ou seja, o despacho proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança em 15 de Maio de 2020 que determinou a dispensa de serviço do Recorrente;
II. Em sede de analise da decisão disciplinar que havia sido aplicada ao Recorrente, os Tribunais de Macau entenderam que o Recorrente deveria manter-se ao serviço, não só porque os factos que praticou não foram de tal forma graves que justificassem a pena de demissão, como os seus antecedentes, a carreira imaculada e a sua experiência enquanto bombeiro justificavam a continuidade dos seus serviços, e por essa razão, foi a decisão de demissão anulada;
III. A Entidade Recorrida, a reboque da figura da dispensa do serviço, conseguiu obter o desiderato inicial, isto é, o de afastar o Recorrente do serviço, não pela via da demissão, mas pela via da dispensa do serviço;
IV. O Tribunal a quo não considerou os mais de 26 anos de serviço do Recorrente, a sua carreira imaculada, os louvores que ao longo dos anos lhe foram atribuídos, a classe de comportamento “Exemplar”, a boa relação com os seus colegas, a disponibilidade e dedicação do Recorrente à sua missão de Bombeiro, à sua rectidão, determinação e disciplina ao longo dos anos, pelo que não poderia avaliar da justeza, da proporcionalidade e da adequação da decisão de dispensa de serviço;
V. Os factos alegados pelo Recorrente e os meios de prova carreados para os autos são deveras importantes para decidir haver in casu uma gritante injustiça, e uma violação dos princípios da proporcionalidade, adequação e justiça;
VI. Ao não considerar os factos alegados pelo Recorrente supra descritos, o Tribunal a quo inviabilizou a decisão de direito;
VII. Porque o Acórdão recorrido não tem suporte factual suficiente que lhe permita apreciar se há ou não violação do princípio da proporcionalidade e adequação, e violação do princípio da justiça, a matéria de facto dada como provada no Acórdão recorrido é objectivamente insuficiente para a boa decisão da causa, pelo que padece do vício de insuficiência da matéria de facto integrada nos factos dados como provados, e que determina a anulação do julgamento de facto, nos termos do artigo 650.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso;
VIII. Não obstante a baixa à 4ª classe de comportamento resultar da aplicação de penas disciplinares, dessa descida não resulta imediata e necessariamente a dispensa ao serviço já que esta depende sempre da verificação de dois requisitos cumulativos: i) do mau comportamento do agente e ii) da inconveniência da sua permanência ao serviço;
IX. A Entidade Recorrida, ao fundamentar apenas a sua decisão com a prática dos ilícitos criminais praticados pelo Recorrente, e pelos quais havia sido já disciplinarmente punido, não fez uma correcta avaliação comportamental do Recorrente, ou pelo menos, não fundamentou a sua decisão em qualquer desvio comportamental que implicasse a inconveniência da permanência do Recorrente ao serviço do Corpo de Bombeiros por mau comportamento, violando flagrantemente o disposto no art. 77º do EMFSM;
X. A invocação da “inconveniência de permanência ao serviço” não foi concretizada através de juízos de prognose, competindo à Entidade Recorrida alegar e provar que o alegado mau comportamento tornaria inconveniente a sua permanência ao serviço, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 77º do EMFSM, o que não foi feito;
XI. Os factos que fundamentam a decisão recorrida de dispensa de serviço foram já amplamente apreciados pelos Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância de 13 de Setembro de 2008, Proc. 5/2017 e Tribunal de Última Instância de 27 de Março de 2019, Proc. nº 8/2019, que entenderam sem hesitação que tais factos não são susceptíveis de implicar uma pena de demissão, e se não justificam a demissão, sendo que esta implicaria sempre a inviabilidade da manutenção da relação funcional, então também não justificam a dispensa de serviço;
XII. A Entidade Recorrida, ao fundamentar a sua decisão somente no facto de o Recorrente ter descido à 4ª classe de comportamento e em factos que serviram de fundamento para aplicação de pena disciplinar, desconsiderando por completo, por exemplo, o tempo que decorreu desde a prática desses factos, o facto de ter estado em causa apenas uma única conduta infractora, de, durante mais de 20 anos, o Recorrente se ter mantido imaculadamente na classe de comportamento exemplar, e portanto, na mais elevada das classes de comportamento, desconsiderando a avaliação comportamental do Recorrente na sua globalidade, incorreu no vício de violação de lei por violação do disposto no artigo 77º do MFSM, e por erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
XIII. A decisão recorrida violou o princípio da legalidade plasmado no art. 3º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), segundo o qual a administração deve actuar em obediência à lei e ao direito, e violou o disposto no citado 77º do EMFSM;
XIV. Por força da decisão de dispensa de serviço, o Recorrente perde todos os seus direitos, incluindo o direito à pensão e mesmo à restituição das contribuições efectuadas durante os 26 anos e 6 meses e 18 dias de serviço;
XV. Não se pode objectivamente equiparar a situação do Recorrente ao acto de exoneração quando este é um acto voluntario do funcionário publico que por sua iniciativa se quer desvincular do serviço, ao passo que a dispensa de serviço é-lhe imposta;
XVI. Entende o Recorrente que, em face dos factos por si alegados, mal andou o douto Acórdão recorrido na parte em que decidiu sobre o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito;
XVII. Pela sua conduta antecedente, o Recorrente já foi punido em sede própria, e portanto, salvo devido respeito, o mau comportamento a que se refere o artigo 77º dos EMFP que inviabiliza a permanência do Agente no FSM não poderá ter na sua base exclusivamente factos ou juízos de valor que estiveram na aplicação da sanção disciplinar, sob pena de se verificar uma dupla valoração das mesmas circunstâncias;
XVIII. Mal andou o Acórdão recorrido ao decidir que não há dupla valoração nem violação do princípio non bis in idem;
XIX. A dispensa de serviço tem efeitos gravíssimos na vida do Recorrente, quer a nível pessoal quer a nível profissional, com perda do direito à pensão e à restituição das contribuições feitas ao longo de mais de 26 anos;
XX. A dispensa de serviço, como medida de cariz militar que se destina a manter nas FSM pessoas com personalidade e perfil adequado ao exercício dessas funções, merece também uma avaliação do interesse público e do interesse da corporação, e sobre isso importava concretizar de que forma a permanência do Recorrente no serviço punha em causa esses interesses, o que não sucedeu;
XXI. Analisado o que disse já este Venerando Tribunal e o Tribunal de Segunda Instância nos referidos processos de recurso contencioso, a conclusão de que o Recorrente padece de falta de integridade incompatível com a manutenção das fileiras das forças de segurança e que a sua conduta não poderá deixar de se reflectir no seio da corporação a que pertence, para além de partir de pressupostos de facto manifestamente errados, como vimos supra, mostra-se manifestamente injusta, desproporcional e desadequada;
XXII. A decisão recorrida, ao decidir como decidiu, errou no julgamento da violação dos poderes discricionários subjacentes à aplicação da medida de dispensa de serviço;
XXIII. De modo a cumprir com os princípios basilares da actividade administrativa, patentes nos artigos 5.º e 7.º do CPA, bem como o da razoabilidade no exercício dos poderes discricionários, a Entidade Recorrida, e bem assim a decisão em crise, não poderia deixar de considerar os mais de 20 anos que o Recorrente esteve ao serviço do CB e durante os quais teve um comportamento Exemplar, em que foi agraciado com louvores individuais e colectivos, medalhas de mérito profissional;
XXIV. Devia ainda considerar que esteve em causa uma única conduta infractora, que não teve qualquer repercussão no normal funcionamento da corporação, nem trouxe danos concretos ao serviço;
XXV. Devia ainda considerar que os factos que estiveram na origem do processo crime no qual o aqui Recorrente foi arguido – e posteriormente desencadearam o processo disciplinar – ocorreram no seio da vida privada há mais de 10 anos (Maio de 2011), tendo a decisão que os julgou transitado em julgado há mais de 5 anos;
XXVI. Devia ainda considerar que o Recorrente é bem conceituado pelos colegas, tendo sempre manifestado disponibilidade para o serviço e para ajudar os colegas;
XXVII. Como qualquer actuação discricionária, a actuação da Entidade Recorrida fica sujeita aos princípios da legalidade (art.º 3.º, n.º 1, do CPA) e da proporcionalidade em sentido estrito ou da proibição do excesso (art.º 5.º, n.º 2, do CPA);
XXVIII. A dispensa de serviço não se impõe a quem seja colocado na 4ª classe de comportamento, mas antes fica reservada a aos que, por mau comportamento, se mostre inconveniente que permaneçam nas Forças de Segurança;
XXIX. O despacho da Entidade Recorrida enferma de erro na avaliação do comportamento do Recorrente para efeitos de aplicação da medida de dispensa de serviço e de manifesta violação do princípio da proporcionalidade no exercício de poder discricionário – para além de essa dispensa de serviço implicar em si mesma uma sanção desproporcional e inadequada a factos já sancionados e aos quais este Venerando Tribunal entendeu desproporcionado aplicar-lhe a sanção de demissão – vícios que se assacam ao acto recorrido, e que a decisão recorrida, com o devido respeito, erradamente julgou;
XXX. A violação dos princípios administrativos é, como vimos supra, judicialmente sindicável, pelo que, sem conceder, entende o Recorrente que, em face dos factos por si alegados, mal andou o douto Acórdão recorrido na parte em que decidiu sobre o vício de violação de lei por violação do princípio da proporcionalidade e adequação consagrado no art. 5º do CPA, e violação do princípio da justiça consagrado no art. 7º do CPA, e da desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários da Entidade Recorrida, incorrendo em erro de julgamento.
Contra-alegou a entidade recorrida, pugnando pelo não provimento do recurso jurisdicional.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, no sentido de negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo-se a decisão recorrida.
2. Factos
O Tribunal de Segunda Instância deu como assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do recurso:
- O recorrente desempenhava as funções de Subchefe de nomeação definitiva no Corpo de Bombeiros;
- Pela decisão penal condenatória já transitada em julgado, o recorrente foi punido na pena única de 1 ano de prisão, suspensa por 2 anos, pela prática, em autoria imediata e em concurso real e efectivo, de 3 três crimes de gravações ilícitas, p. e p. pelo artº 191º/2-a) do Código Penal, conforme se vê no Acórdão datado de 19DEZ2013, proferido nos Autos nº CR4-13-0161-PCC, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – vide as fls. 119 e s.s. dos p. autos;
- Pelos mesmos factos que estiveram na origem da condenação penal, o recorrente foi disciplinarmente punido na pena de suspensão por 240 dias, na sequência da anulação da pena de demissão que lhe foi aplicada pela prática dos mesmos factos, por decisão do Tribunal da Última Instância;
- Por o recorrente ter baixado à 4ª classe de comportamento 10MAR2009 segundo a classificação definida pelo quociente resultante da aplicação da fórmula prevista no artº 246º do EMFSM, foi, ao abrigo disposto no nº 2 do artº 77º, organizado um processo individual a que se refere o artº 77º do mesmo Estatuto;
- Concluído e remetido ao Secretário para a Segurança o processo individual, por despacho deste, datado de 15MAIO2020, foi determinada a dispensa de serviço do recorrente*; e
- Inconformado com o despacho, veio recorrer contenciosamente para este TSI.
3. Direito
Imputa o recorrente os seguinte vícios:
- Insuficiência da matéria de facto, tendo em conta que o Tribunal a quo não considerou assente matéria de facto alegada pelo recorrente que importava considera para uma correcta aplicação do direito;
- Aplicação errada de lei substantiva, tendo em conta a interpretação que o Tribunal a quo fez do art.º 77.º do EMFSM;
- Erro de julgamento da violação do princípio da proibição da dupla valoração, ou princípio do non bis in idem;
- Erro de julgamento do vício de violação de lei, por violação dos princípios da proporcionalidade, da adequação e da justiça e pelo exercício desrazoável do poder discricionário.
Vejamos.
3.1. Da aplicação do art.º 77.º do EMFSM
Começamos por analisar a questão respeitante à interpretação e aplicação do art.º 77.º do EMFSM.
A norma em causa tem o seguinte teor:
“Artigo 77.º
(Dispensa de serviço por mau comportamento)
1. Pode ser dispensado de serviço o militarizado cuja permanência nas FSM se mostre inconveniente pelo seu mau comportamento.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, devem os comandos das corporações organizar um processo individual dos militarizados que baixaram à 4.ª classe de comportamento, enviando-o, após audição do conselho disciplinar e instrução com informação do respectivo comandante, ao presidente do CJD.
3. O processo referido no número anterior deverá integrar, além do cadastro disciplinar, o registo biográfico e todas as informações e documentos susceptíveis de esclarecer os órgãos consultivos e decisórios acerca da personalidade dos elementos a apreciar e da sua carreira.
4. Antes da remessa ao presidente do CJD nos termos do n.º 2 deve ser notificado o interessado para, querendo, vir ao processo exercer o direito de audiência nos termos do Código do Procedimento Administrativo, devendo ser-lhe concedido prazo não inferior a dez dias úteis para alegar o que entender em seu abono, juntar documentos, oferecer testemunhas ou requerer diligências complementares de prova.
5. Os militarizados dos quadros da ESFSM, DSFSM ou PM que baixarem à 4.ª classe de comportamento devem regressar imediatamente à corporação a que pertencem, sendo-lhes dada por finda a comissão de serviço.
6. A efectivação da dispensa de serviço nos termos do n.º 1 é da competência do Governador do Chefe do Executivo, precedendo parecer do CJD.
7. A dispensa de serviço equivale à exoneração, implicando, no entanto, a impossibilidade de readmissão nas FSM, sem prejuízo da concessão da pensão de aposentação, se se mostrarem preenchidos os requisitos legais para requerer a aposentação voluntária.”
Daí decorre que a dispensa de serviço de um militarizado é determinada por seu mau comportamento, que demonstre a inconveniência da sua permanência nas FSM.
Por outras palavras, a determinação de dispensa de serviço depende da verificação cumulativa de dois requisitos, referentes respectivamente ao mau comportamento do militarizado e à inconveniência da sua permanência nas FSM.
Conforme a factualidade assente nos autos, pela prática dos crimes o recorrente foi punido na pena única de 1 ano de prisão, suspensa por 2 anos, e também na pena disciplinar de suspensão por 240 dias, na sequência da qual o recorrente desceu à 4ª classe de comportamento.
E por despacho proferido em 15 de Maio de 2020, a entidade recorrida decidiu determinar, nos termos dos n.os l e 5 do art.º 77.º do EMFSM, a dispensa de serviço do recorrente.
É este o acto administrativo contenciosamente impugnado pelo recorrente.
Na tese do ora recorrente, ao fundamentar apenas a sua decisão com a prática dos ilícitos criminais, a entidade recorrida não fez uma correcta avaliação comportamental do recorrente, ou pelo menos, não fundamentou a sua decisão em qualquer desvio comportamental que implicasse a inconveniência da sua permanência ao serviço do Corpo de Bombeiros por mau comportamento.
Não podemos acompanhar tal entendimento.
Ora, no despacho sob escrutínio a entidade recorrida fez consignar o seguinte:
“O procedimento com vista a avaliar a adequação comportamental dos agentes das forças de segurança, é obrigatoriamente instaurado sempre que na sequência da ponderação dos factores tempo de serviço com a acção disciplinar (punições e recompensas), resulte a colocação de um determinado agente na 4.a. classe de comportamento - vd. artigo 77.º do EMFSM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro-, podendo, em caso de avaliação negativa e conclusão pela definitiva não identificação com os valores que presidem à coesão interna e missão das FSM, conduzir à sua dispensa de serviço.
…
As circunstâncias que caracterizam os factos - nos quais surge como vítima uma funcionária civil da mesma corporação - que estiveram na origem de uma tão severa punição, a qual, operada a fórmula de avaliação do nível disciplinar nos termos do artigo 224.º do EMFSM, resultou na colocação do averiguado na 4.a. classe de comportamento, assumem uma especial censura que não se expia com a pena aplicada, indiciando uma desadequação ética que legitima um juízo de ausência de integridade, incompatível com a manutenção das fileiras das forças de segurança. Pese embora os factos não poderem ser trazidos ao fundamento da decisão nos termos do artigo 77.° a apreciação a que este normativo obriga sempre que um militarizado seja colocado na 4.a classe de comportamento, não pode deixar de reflectir no seio da corporação a que pertence, um juízo fortemente negativo quanto à integridade do seu comportamento.”
O que se deve dizer é que a entidade recorrida chegou a ponderar o motivo determinante da medida de dispensa de serviço e a gravidade e censurabilidade dos factos ilícitos praticados pelo recorrente que estiveram na base da sua punição disciplinar (e também penal), qualificados sem dúvida como “mau comportamento”, tendo concluído pela “desadequação ética que legitima um juízo de ausência de integridade, incompatível com a manutenção das fileiras das forças de segurança” e pala reflexão no seio da corporação a que pertence o recorrente de “um juízo fortemente negativo quanto à integridade do seu comportamento”.
Sendo embora verdade que não se constata no despacho a indicação de outro(s) facto(s) ou conduta(s) do recorrente merecedor(es) de censura, para além dos ilícitos criminais por si praticados, certo é que nada impede que, a partir dos mesmos ilícitos criminais, seja formado um juízo sobre a consciência ética e moral do recorrente, a sua adequação (ou não) profissional para o exercício de funções como membro das FSM e a ausência (ou não) de integridade bem como, em consequência, sobre a inconveniência da permanência nas FSM. Foi o que sucedeu no despacho impugnado.
É de notar que, para além do “mau comportamento”, não se encontra na norma legal em causa a referência de outros elementos, factores ou critérios relevantes que ofereçam auxílio à formação de juízo de avaliação sobre a referida inconveniência, nem se vê que o legislador exige a avaliação por parte da Administração de todo o comportamento do militarizado durante todo o tempo de serviço para formar o juízo de apreciação, indispensável para a determinação de dispensa de serviço.
Não decorre da norma a exigência de uma avaliação comportamental do militarizado na sua globalidade.
O assento tónico reside na inconveniência da permanência nas FSM, revelada pelo mau comportamento do militarizado.
No caso vertente, não estando em discussão o “mau comportamento” do recorrente, coloca-se a questão em relação ao juízo obre a inconveniência da permanência nas FSM.
Trata-se dum conceito indeterminado, empregue na cláusula legal para definir os requisitos da medida de dispensa de serviço.
Para o Professor Pedro Costa Gonçalves1, os conceitos jurídicos indeterminados são «conceitos formulados mediante um enunciado impreciso ou vago, e que, por isso, têm, no contexto da norma, uma extensão incerta. A indeterminação destes conceitos – que corresponde a uma “lacuna intra-legal”, na fórmula de Rogério Soares – não se resolve com recurso às ferramentas da metodologia jurídica de interpretação de normas: definir que existe uma “acentuada carência de recursos”, que uma certa medida é do “interesse do serviço”, que uma situação é de “acentuada carência de recursos” ou que uma determinada habilitação académica é “adequada” não é interpretar um preceito, nem, portanto, resolver um problema hermenêutico.
Do que se trata, em casos como esses, é de abrir um espaço ao aplicador da norma para fazer apreciações, formular valorações, emitir juízos de valor sobre uma situação, um facto ou qualidades de coisas ou de pessoas. Assim, neste sentido, conceitos indeterminados não são conceitos de interpretação difícil ou conceito ambíguos, cuja ambiguidade se possa resolver por uma interpretação que lhes defina o sentido exato. Trata-se, diferentemente, de conceitos imprecisos que, por isso mesmo, por causa da sua imprecisão, apresentam-se elásticos e com uma extensão incerta: revelam-se capazes, por um lado, de serem aplicados a casos diferentes, e, por outro lado, de se verem aplicados, ou não, a um mesmo caso. Ao utilizá-los, a norma de competência chama à construção da solução final a aplicar no caso concreto os juízos de valor, as valorações, a apreciação, a “opinabilidade”, dos operadores jurídicos que vão aplicar ou, melhor, completar o programa nela definido.»
«A utilização de conceitos jurídicos indeterminados em sentido próprio na descrição dos pressupostos, na previsão da norma, pode constituir um modo de a norma de competência conferir discricionaridade ao agente administrativo (“discricionaridade de apreciação”).»
E «os conceitos indeterminados empregados na norma de competência são uma fonte de discricionaridade e, portanto, remetem para um espaço de valoração própria da Administração que se manifesta na decisão.
Num grau ainda mais elevado de atribuição de discricionaridade, temos conceitos como “interesse público” ou “mérito, conveniência ou oportunidade” que as normas de competência também empregam na definição dos pressupostos do exercício do poder que conferem ao agente administrativo…. A especial amplitude ou abertura discricionária promovida por normas como essas conduz-nos a considerar, nesse âmbito, a figura da “discricionaridade aberta” ….»
No caso sub judice, estamos em crer que, ao definir, como pressuposto da medida de dispensa de serviço, a inconveniência da permanência do militarizado nas FSM, o legislador confere um poder muito amplo à Administração para proceder à avaliação do comportamento do militarizado, formando um juízo sobre a (in)conveniência da sua permanência nas fileiras das forças de segurança.
É a chamada “discricionariedade de apreciação” (até se pode pensar na “discricionariedade aberta”), caso em que, tal como afirma o Digno Magistrado do Ministério Público no seu douto parecer, “o controlo judicial do juízo administrativo é limitado, … e cinge-se aos factores de juridicidade inafastáveis do exercício da margem de livre decisão administrativa, … não podendo o juiz entrar na apreciação material da avaliação feita pela administração, é dizer que está vedado ao juiz impor um juízo de avaliação ou prognose não determinado por perâmetro de juridicidade alternativo ao da Administração (assim, JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, Conceitos jurídicos indeterminados e âmbito do controlo jurisdicional, in Caderno de Justiça Administrativa, n.º 70, p. 45)”.
E cite-se ainda as considerações da entidade recorrida tecidas nas suas contra-alegações, “como efeito, não nos podem afastar, em sede de análise teleológica das normas em causa, das idiossincrasias de Macau, onde as forças de segurança são vistas como reguladoras e zeladoras das suas particulares características socioculturais, razão pela qual a sociedade é especialmente sensível aos desvios que frustrem as suas expectativas relativamente às instituições”.
Neste contexto das coisas, há que concluir pela improcedência do recurso, nesta parte.
3.2. Do princípio da proibição da dupla valoração
Alega o recorrente que “o mau comportamento a que se refere o art.º 77.º dos EMFP que inviabiliza a permanência do Agente no FSM não poderá ter na sua base exclusivamente factos ou juízos de valor que estiveram na aplicação da sanção disciplinar, sob pena de se verificar uma dupla valoração das mesmas circunstâncias”, mal andando o acórdão recorrido ao decidir que não há dupla valoração nem violação do princípio non bis in idem.
Desde logo, vale a pena frisar que a “dupla valoração das mesmas circunstâncias” ou dos mesmos factos não é genérica e absolutamente proibida, sendo bastante pensar nas punições penal e disciplinar pela prática dos mesmos ilícitos criminais, com base legal no art.º 287.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau e também no art.º 263.º do EMFSM.
No caso vertente, não se deve dizer, em bom rigor, que foi a prática dos factos ilícitos, que motivaram a punição disciplinar, que estiveram, exclusivamente, também na base da determinação de dispensa de serviço.
Na realidade, como já foi dito, o essencial e fundamental para a aplicação de medida em causa é o juízo sobre a inconveniência de permanência do agente nas FSM.
Por outras palavras, a prática dos crimes não determina, directamente e sem mais razão, a dispensa de serviço, sendo certo que o mau comportamento do militarizado pode demonstrar, ou não, a inconveniência de permanência, cabendo à Administração proceder a tal avaliação.
Por outro lado, é de salientar que a pena disciplinar é uma sanção com natureza distinta da dispensa de serviço, sendo esta a medida meramente administrativa, sem carácter disciplinar.
A nosso ver, o princípio ora em discussão só vale para a prática dos actos de mesma natureza, por exemplo, nos casos em que o agente foi disciplinarmente punido por duas ou mais vezes pelos mesmos factos, há dupla valoração, que é proibida, proibição esta que também vale para situações em que as mesmas circunstâncias foram avaliadas por duas vezes no mesmo processo disciplinar para punir o mesmo agente.
Citando a jurisprudência da RAEM, considera-se que a dispensa de serviço “é uma medida de carácter essencialmente militar que não visa a punição de determinada actuação concreta do agente, tratando-se antes de uma medida de carácter estatutário que leva em conta o “perfil” desse mesmo agente, isto é, as suas qualidades morais, cívicas e militares e a sua adequação ao serviço”.2
E a jurisprudência portuguesa, citada a título do direito comparado, entende que a dispensa de serviço é “uma medida estatutária, que visa, não a punição de uma actuação profissional concreta, mas a aferição de um perfil comportamental e caracterológico inadequado à permanência na GNR, ou seja, a verificação pelos órgãos competentes de que o agente perdeu aquelas condições ou possui uma estrutura caracterológico incompatível com a condição de militar da GNR”.3
Portanto, é de dizer que estamos perante duas medidas distintas, com a natureza diferente e a justificação também distinta, em cuja aplicação estão subjacentes as considerações e necessidades de diversas ordens, sendo uma a punição disciplinar pela conduta concreta do agente e outra a medida estatutária que se justifica pela falta de idoneidade, desadequação ética ou incompetência do agente para o exercício das funções, que tornam inconveniente (ou até intolerável) a sua permanência nas fileiras das forças de segurança, tanto por razões da vida interna da respectiva instituição como por projecção da imagem desta junto da comunidade, sobretudo quando tomamos em consideração as expectativas e confianças que o público tem depositado para com as forças de segurança.
É verdade que a pena disciplinar de demissão inicialmente aplicada ao recorrente foi anulada porque o Tribunal de Última Instância entendeu que esta aplicação não é necessária para atingir os fins de reposição do prestígio das Forças de Segurança abalado com a conduta do ora recorrente, sendo a pena de demissão excessiva e, portanto, desproporcionada.
Ora, mesmo admitindo que, no caso vertente, a dispensa de serviço pode trazer, para já, ao recorrente as mesmas consequência práticas da pena de demissão, já anulada pelo tribunal, obrigando o seu desligamento do serviço, certo é que a dispensa de serviço não é determinada em sede sancionatório, não sendo a sanção disciplinar.
E estamos perante dois juízos também distintos, respectivamente sobre a inviabilidade da manutenção da relação funcional (pena de demissão) e a inconveniência de permanência nas FSM (dispensa de serviço), a não verificação do primeiro não afasta necessariamente a conclusão afirmativa sobre o segundo.
Daí que improcede o argumento do recorrente.
3.3. Dos princípios da proporcionalidade, da adequação e da justiça e do exercício desrazoável do poder discricionário
Como se sabe, a violação dos princípios gerais do Direito Administrativo, tais como os princípios da justiça, da tutela da confiança, da imparcialidade, boa-fé e da proporcionalidade, é o vício próprio de actos discricionários, sendo estes os princípios orientadores do exercício de poderes discricionários.
Há que ver se o acto que determinou a dispensa de serviço é um acto praticado no exercício do poder discricionário.
Nos termos do n.º 1 do art.º 77.º do EMFSM, “Pode ser dispensado de serviço o militarizado cuja permanência nas FSM se mostre inconveniente pelo seu mau comportamento”.
À primeira vista, parece que se trata dum poder discricionário, uma vez que é utilizada o termo “pode”, com o qual normalmente se confere à Administração uma certa discricionariedade, no sentido de praticar, ou não, o respectivo acto.
No entanto, tendo em consideração as razões que estão subjacentes à aplicação da medida em questão, afigura-se-nos ser negativa a resposta.
Neste aspecto, merece a nossa inteira concordância o entendimento do Digno Magistrado do Ministério Público que, citando o mesmo Professor Pedro Costa Gonçalves, considera que, não obstante a utilização do elemento “pode” no n.º 1 do art.º 77.º do EMFSM, não estamos perante um “poder-discricionariedade”, mas sim perante um “poder-competência”, “o que significa que a Administração tem uma específica competência que, perante a verificação dos respectivos pressupostos legais, deve exercer”.
Nas palavras do mesmo autor, acima citado, «Na verdade, o conceito normativo de “pode” (“preceito de possibilidade”[407]) revela-se suscetível de ser interpretado como faculdade, permissão, que remete para um poder de escolha entre fazer ou não fazer (“pode” ou “pode não”), concedido por uma norma permissiva. Mas não se deve excluir que o “pode” referencie, não um poder de escolha entre agir ou não agir, mas antes um “poder-dever” de agir e, por conseguinte, uma competência pública que pode ser de exercício obrigatório. Ou seja, podemos estar diante de um “pode discricionário” ou de um “pode-competência”.»
E ainda, «Nos antípodas das normas permissivas, encontram-se as normas obrigatórias, as quais exigem a intervenção do órgão competente sempre que se verifiquem, em concreto, os respetivos pressupostos. Pela natureza das coisas, as normas obrigatórias não contêm uma abertura discricionária quanto à decisão entre agir ou não agir.»4
Voltando ao nosso caso concreto, é de afirmar que, não obstante a utilização do termo “pode”, estamos perante um “poder-dever”, cabendo à Administração determinar a dispensa de serviço do militarizado, sempre que conclua pela inconveniência de sua permanência nas fileiras das forças de segurança, não lhe restando outra alternativa.
Assim sendo, inclina-se para concluir pela não verificação do vício imputado pelo recorrente, de violação do princípio da proporcionalidade, da adequação e da justiça.
Na realidade, é absurdo aceitar uma situação como esta: apesar de ter formado o juízo sobre a inconveniência de permanência de um militarizado nas FSM, pelo seu mau comportamento, a Administração decide não agir, no sentido de dispensar o seu serviço.
Quanto à apreciação sobre se a permanência do recorrente nas FSM “se mostre inconveniente pelo seu mau comportamento”, fica no âmbito da chamada “discricionariedade de apreciação”, onde “o exercício do poder discricionário deve orientar-se pelo princípio da adequação da decisão à situação ou de adequação da decisão à finalidade indicada na norma de competência”, pelo que o respectivo controlo judicial “consiste num ‘controlo da adequação’ e não, em sentido amplo, um controlo da proporcionalidade”.5
Ora, com o regime de dispensa de serviço, o que se pretende é garantir a idoneidade moral e a integridade de todos os membros das Forças de Segurança de Macau, visando a presença e a manutenção nas Forças de Segurança os indivíduos com a formação moral e ética, com a personalidade e o perfil adequado ao exercício das funções incumbidas aos seus membros.
A determinação de dispensa de serviço do recorrente demonstra-se adequada, a nosso ver, à finalidade visada pela norma contida no n.º 1 do art.º 77.º do EMFSM.
Ao mesmo tempo, não se denota na apreciação efectuada pela entidade recorrida erro manifesto nem total desrazoabilidade, que constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável.
3.4. Da insuficiência da matéria de facto
Invocando o vício em causa, pretende o recorrente a anulação do julgamento de facto, nos termos do art.º 650.º do CPC, alegando que o acórdão recorrido “não tem suporte factual suficiente que lhe permita apreciar se há ou não violação do princípio da proporcionalidade e adequação, e violação do princípio da justiça”.
Ora, já concluímos pela não violação dos princípios indicados pelo recorrente.
Indicando uma série de factos que considera relevantes, alega o recorrente que a entidade recorrida não procedeu a uma a avaliação global do seu comportamento.
Repetindo, é de salientar que não é legalmente exigida uma avaliação comportamental na sua globalidade.
Por outro lado, a matéria de facto alegada pelo recorrente não se revela, a nosso ver, pertinente nem necessária para a decisão, tendo em consideração a qualificação e o alcance da falada “discricionariedade de apreciação”, no âmbito da qual é limitada a intervenção judicial.
Assim sendo, é de julgar inverificado o vício de insuficiência da matéria de facto.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça fixada em 10 UC.
Macau, 22 de Outubro de 2021
Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
* Despacho n.º 047/SS/2020
Assunto: Processo Administrativo nos termos do artigo 77.º do EMFSM
Agente Averiguado: Subchefe n.º XXXXXX, A
O procedimento com vista a avaliar a adequação comportamental dos agentes das forças de segurança, é obrigatoriamente instaurado sempre que na sequência da ponderação dos factores tempo de serviço com a acção disciplinar (punições e recompensas), resulte a colocação de um determinado agente na 4.a. classe de comportamento - vd. artigo 77.º do EMFSM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro-, podendo, em caso de avaliação negativa e conclusão pela definitiva não identificação com os valores que presidem à coesão interna e missão das FSM, conduzir à sua dispensa de serviço.
Como resulta dos autos, o Subchefe n.º XXXXXX, A, foi punido com a pena de suspensão de funções por 240 dias, na sequência do que desceu à 4.a classe de comportamento.
As circunstâncias que caracterizam os factos - nos quais surge como vítima uma funcionária civil da mesma corporação - que estiveram na origem de uma tão severa punição, a qual, operada a fórmula de avaliação do nível disciplinar nos termos do artigo 224.º do EMFSM, resultou na colocação do averiguado na 4.a. classe de comportamento, assumem uma especial censura que não se expia com a pena aplicada, indiciando uma desadequação ética que legitima um juízo de ausência de integridade, incompatível com a manutenção das fileiras das forças de segurança. Pese embora os factos não poderem ser trazidos ao fundamento da decisão nos termos do artigo 77.° a apreciação a que este normativo obriga sempre que um militarizado seja colocado na 4.a classe de comportamento, não pode deixar de reflectir no seio da corporação a que pertence, um juízo fortemente negativo quanto à integridade do seu comportamento.
Assim, ouvido o Conselho de Justiça e Disciplina;
O Secretário para a Segurança, no uso dos poderes executivos que lhe advêm do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 182/2019, determina, nos termos dos n.os l e 5 do artigo 77.° do EMFSM, com referência, ainda, ao seu n.º 6, a dispensa de serviço do Subchefe n.º XXXXXX, A.
Gabinete do Secretário para a Segurança, aos 15 de Maio de 2020
O Secretário para a Segurança
1 Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, p. 253 a 259.
2 Cfr. Ac. do Tribunal de Segunda Instância, de 7 de Maio de 2003, Proc. n.º 59/2002.
3 Cfr. Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de Maio de 2002, Proc. n.º 45686, já citado pelo Digo Magistrado do MP no seu parecer.
[407] Cf. Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual, cit., p. 313.
4 Pedro Costa Gonçalves, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina, p. 262 e 263.
5 Pedro Costa Gonçalves, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina, p. 268 e 269.
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Processo n.º 106/2021