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Processo nº 563/2021
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 04 de Novembro de 2021

ASSUNTO:
- Impugnação da decisão da matéria de facto
- Responsabilidade solidária das concessionárias de jogo

SUMÁRIO :
- Segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto nº 1 do artigo 558.º do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
- Assim, a reapreciação da matéria de facto por parte deste TSI tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
- Pois, não se trata de um segundo julgamento até porque as circunstâncias não são as mesmas nas respectivas instâncias, não bastando que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos.
- Não tendo provado que o depósito tem conexão com a actividade da exploração de jogo de fortuna e azar, não é exigível a concessionária de jogo responder solidariamente nos termos do artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.
O Relator,



















Processo nº 563/2021
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 04 de Novembro de 2021
Recorrentes: A (Autora)
B Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada (2ª Ré)
C Resorts (Macau) S.A. (1ª Ré)
Recorridas: As Mesmas

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho de 31/05/2019, julgou-se improcedente a excepção da prescrição invocada pela 1ª Ré C Resorts (Macau) S.A..
Dessa decisão vem recorrer a 1ª Ré, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
a) A Recorrida alega ter celebrado um contrato de depósito com a B, e que esta, em 12 de Setembro de 2015, se recusou a devolver o montante depositado.
b) A Recorrida demanda também a Recorrente por entender que esta não fiscalizou a actividade da B quanto estava obrigada a isso nos termos do artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, sendo responsável solidária no cumprimento da obrigação de devolução do montante depositado.
c) A Recorrente, por sua vez, invocou a prescrição do direito contra si formulado pela Recorrida uma vez que esse direito tem como fundamento uma alegada omissão ilícita do cumprimento dum dever (o dever de fiscalização da actividade da B pela Recorrente), que é rigorosamente exterior ao contrato que foi celebrado entre a Recorrida e a B.
d) O Tribunal a quo não reconheceu a excepção de prescrição invocada por entender que do artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 resulta uma responsabilidade contratual para a Recorrente.
e) Se há algum vislumbre de relação contratual naquela norma, donde possa emergir uma responsabilidade também contratual, é apenas no segmento "actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo"; nesse enunciado cabe o contrato que foi estabelecido entre a B e a Recorrida, sendo a Recorrente absolutamente estranha a esse vínculo obrigacional.
f) A relação contratual dos autos (sendo o fundamento da causa de pedir) é a que foi estabelecida entre Recorrida e B - o contrato de depósito.
g) Pelo que andou mal o Tribunal a quo ao não reconhecer que o que é invocado pela Recorrida contra a Recorrente é uma omissão de comportamento que é externa ao contrato de depósito.
h) Sendo um terceiro na relação material controvertida, a Recorrente apenas poderá ter responsabilidade extracontratual.
i) O n.º 1 do artigo 491.º do Código Civil prevê um prazo de prescrição de 3 anos para a responsabilidade extracontratual.
j) A Recorrida intentou a sua acção cerca de 3 anos e 2 meses após a data que considera ser a determinante para invocar o seu direito contra a B e a Recorrente: 12 de Outubro de 2015, pelo que o seu direito contra a Recorrente já se encontra prescrito.
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A Autora A respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 173 a 176 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Por sentença de 02/02/2021, julgou-se parcialmente procedente a acção e, em consequência, absolve-se do pedido a 1ª Ré e condena-se a 2ª Ré B Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada a pagar à Autora a quantia de HKD$25,000,000.00, acrescido dos juros de mora, a taxa legal, contados a partir do 13/10/2015 até integral pagamento
Dessa decisão vêm recorreram a Autora e a 2ª Ré, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
Da 2ª Ré:
1. O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto, no que se refere às respostas dadas aos quesitos 2.º, 3.º, 4.º e 7.º da base instrutória e sobre a douta sentença que deu provimento ao pedido formulado pela Autora contra a ora Recorrente, ao pagamento do montante de HKD$25,000,000.00 (vinte e cinco milhões de dólares de Hong Kong) acrescido de juros de mora a contar da interpelação.
2. A acção que deu origem ao presente recurso, fundou-se num contrato de depósito alegadamente realizado a 12 de Março de 2014, no montante supra melhor mencionado.
3. De forma a provar que os quesitos 2.º 3.º, 4.º e 7.º da base instrutória deveriam ter sido dados como não provados, a Recorrente lançou mão dos seguintes meios que, a seu ver, impunham um julgamento diferente daquele que foi proferido pelo Tribunal Colectivo, i.e., a prova testemunhal produzida pela testemunha da Autora, D, em contraposição com a prova testemunhal produzida pela irmã da Autora, e contra a prova documental, mormente, o talão de depósito apresentado pela Autora, junto como doc. n.º 3 da petição inicial, a fls. 38 dos autos.
4. Os quesitos 2.º, 3.º, 4.º e 7.º da base instrutória foram quesitados da seguinte maneira: 2. "Foi celebrado um acordo entre A e a 2ª R, no qual a Autora se obrigou a entregar e a disponibilizar HK$25,000,000.00 (vinte e cinco milhões de dólares de Hong Kong) à 2.ª Ré?"
3. "Foi acordado que a 2.ª Ré pagava juros mensais à Autora sobre esse valor à taxa de juros de 18,25%?"
4. "No dia 12 de Março de 2014 foi entregue pela Autora à 2.ª Ré o montante de HKD$25,000,000.00 (vinte e cinco milhões de dólares de Hong Kong?"
7. "A quantia correspondente ficou depositada na conta de jogador aberta pela autora nessa sala, com o número 80XXXXX3?"
5. Tendo sido todos os quesitos provados e o quesito 3.º recebeu a seguinte resposta: "3. "Provado que foi acordado que 2.ª Ré pagava juros mensais à Autora sobre esse valor à taxa de juros de 18,25%."
6. A convicção do tribunal baseou-se depoimento das duas primeiras testemunhas inquiridas, conjugado com o teor dos documentos de fls. 38 (talão de depósito) e 143 (ficha de abertura de conta da Autora na 2.ª Ré).
7. Para além do depoimento destas duas testemunhas, houve também o depoimento de uma outra testemunha, arrolada pela própria Autora, e antiga funcionária da ora Recorrente, D e, pretende-se através desse depoimento demonstrar que a convicção do tribunal a quo poderia e deveria ter sido abalada.
8. Como já referido, a acção que deu origem ao presente recurso, fundou-se num contrato de depósito alegadamente realizado entre Autora e 2.ª Ré, no valor de HKD$25,000,000.00 (vinte e cinco milhões de dólares de Hong Kong).
9. Sucede que, não só este contrato não foi celebrado, como esta quantia não foi entregue à 2.ª Ré. Muito menos, com a retribuição de juros à ordem de 18,25%, como se irá demonstrar.
10. Salvo melhor entendimento, não basta a mera apresentação de um talão de depósito alegadamente emitido pela 2.ª Ré, para se concluir pelo depósito e, tendo em conta o depoimento das testemunhas concluir, depois, por um mútuo.
11. E, mesmo que se aceitasse, o que por mera hipótese se aventa, o depósito nos moldes em que foi realizado, tal teria que ter sido feito junto das instalações onde a Recorrente exerce a sua actividade de promoção de jogos, o que não sucedeu, poís, inexistem registos nesse sentido.
12. Necessário se torna salientar que, a instâncias de contra-interrogatório pelo mandatário da 1.ª Ré, a 1.ª testemunha da Autora refere "... porque é um dinheiro juntado por muitas pessoas", Recorded 13Nov 2020, Translator 1, 11.29.31, aos 04minutos e 13segundos no decorrer da menção da queixa que haviam realizado junto da Polícia Judiciária e da preocupação que este assunto lhes havia trazido. Para dizer também à Mma. Juiz, que o montante de 25milliões se encontrava dividido pela Autora, pela testemunha, por um irmão, e pela Mãe, Recorded 13Nov 2020, Translator 1, 11.29.31, aos 10minutos e 25segundos e Recorded 13Nov 2020, Translator 1, 11.29.31, aos 10minutos e 56segundos e 11minutos e 09segundos, respectivamente.
13. Por seu turno, a testemunha D, antiga funcionária da 2.ª Ré, ora Recorrente, que trabalhou durante 4 a 5 anos Recorded 13Nov 2020, Translator 1, 11.41.27, à 1hora, 25minutos e 26segundos, conforme dito ao Mmo. Juiz Presidente, também soube dizer a cor dos talões originais, azuis, Recorded 13Nov 2020, Translator 1, 11.41.27, à 1hora, 41minutos e 10segundos e, como é do conhecimento geral, tendo em conta os inúmeros processos que envolvem a 2.ª Ré, os talões originais emitidos pela Ré, ora Recorrente são azuis.
14. Em sede de esclarecimentos requeridos pelo Mmo Juiz, a testemunha quando perguntada se a Recorrente recebia juros, responde que não sabe, Recorded 13Nov 2020, Translator 1, 11.41.27, à 1hora, 42minutos e 08segundos, respondendo da mesma forma, quanto ao facto de algum depositante se ter deslocado à B para receber juros, Recorded 13Nov 2020, Translator 1, 11.41.27, à 1hora, 42minutos e 17segundos.
15. Pois bem, se um lado temos uma testemunha, irmã do Autor que afirma que também tem interesse directo na resolução da causa, temos em contraposição um antigo funcionário da Ré que diz que não tem conhecimento de pagamento de contrapartidas em função dos depósitos realizados.
16. Entendemos, com o devido respeito, que o depoimento destas testemunhas não poderia ter sido valorado da maneira como o foi.
17. Parece-nos francamente insuficiente para concluir por um contrato de depósito, uma alegada entrega de dinheiro à 2.ª Ré, ora Recorrente, consubstanciado num talão de depósito que, sequer se sabe se é o talão original, e formulário de abertura de conta.
18. Estes factos não são suficientes para aferir de qualquer depósito, muito menos, da retribuição de juros, especialmente quando as testemunhas comungavam ou, melhor dizendo, participavam do "bolo", do montante alegadamente depositado junto da ora Recorrente.
19. A isto acresce que, a prova documental nos autos consiste apenas num talão de depósito alegadamente emitido pela 2.ª Ré, ora Recorrente e num formulário de abertura de conta.
20. A prova documental conjugada com a prova testemunhal, de pessoas com interesse indirecto na causa e contraposta ao depoimento de um antigo funcionário da ora Recorrente, que refere qual a cor dos talões, entre outros aspectos, não é suficiente para provar tout court que a Recorrente celebrou um contrato de depósito depósito com a Autora, muito menos retribuído à taxa de 18,25%.
21. A prova documental a que nos referimos foi oferecida aos autos pela Autora, e havendo dúvidas sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova, deverá recair sobre quem contra quem aproveita o facto, tudo nos termos do artigo 437.º do Código de Processo Civil.
22. Pelo que, ao dar como provados os quesitos 2.º, 3.º, 4.º e 7.º da base instrutória nos termos em que o fez, o acórdão de matéria de facto e sentença final, incorreram em erro de julgamento, por a decisão ter incorrido no vício de contradição, deficiência, falta de fundamentação tudo nos termos dos artigos 370.º e 386.º e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil.
23. Devendo assim, o acórdão proferido sobre a matéria de facto ser revogado por violação dos artigos 370.º e 386.º e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 566.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, com base nos meios de prova supra melhor mencionados, e os quesitos 2.º, 3.º, 4.º e 7.º base instrutória sejam dados como não provados, ou, subsidiariamente, caso não se entenda pela solução dada aos quesitos em questão, deverá ser anulada a sentença no que a estes quesitos concerne e ordenado um novo julgamento da matéria de facto.
24. Com o devido respeito, mal andou o tribunal a quo, ao condenar a ora Recorrente, pois, a relação de depósito pressupõe que haja uma obrigação de entrega e uma obrigação de restituição, tudo nos termos do artigo 1111.º do Código Civil.
25. A ora Recorrente, não pode devolver aquilo que nunca esteve consigo, sob pena de estarmos perante uma situação de enriquecimento sem causa.
26. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de Fevereiro de 2010, reza o seguinte:" "- O enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia.
II - A obrigação de restituir/indemnizar fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos quatro seguintes requisitos: a) a existência de um enriquecimento; b) que ele careça de causa justificativa; c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado."
27. A ora Recorrente não se encontra numa situação de enriquecimento sem causa, por não se encontrarem preenchidos cumulativamente os quatro requisitos, i.e., não há um enriquecimento, sem razão atendível, à custa do empobrecimento de outrem, e quanto à questão de outro mecanismo da lei, facto é que não se pode indemnizar/restituir algo que não está na sua esfera.
28. Como já referido, a ora Recorrente na prossecução da sua actividade comercial, promoção de jogos de fortuna e azar, teve sempre que se nortear pelas suas regras internas, que são o que valem para qualquer procedimento de levantamento e depósito, e não regras arbitrárias.
29. Com isto queremos dizer, é virtualmente impossível, que a ora Recorrente possa devolver um montante contra a apresentação de um título que de um título que não foi emitido pela Recorrente. Muito menos sujeito a retribuição de juros.
30. Até porque, a 2.ª Ré, ora Recorrente não está autorizada a receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis, tudo nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 16.º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro aprovado pelo Decreto-Lei n.º 32/93 de 5 de Julho.
31. A isto acresce que, as promotoras de jogo exercem a sua actividade na Região Administrativa Especial de Macau e, de acordo com o Regulamento Administrativo n.º 6/2002, artigo 23.º "Após a atribuição de uma licença de promotor de jogo, o promotor de jogo só pode exercer a sua actividade se estiver registado junto de uma concessionária."
32. Autorização que decorre através de contrato celebrado com a concessionária, tudo nos termos do artigo seguinte do referido Regulamento Administrativo.
33. E, nos termos gerais da Lei 16/2001, artigo 5.º "A exploração de jogos de fortuna ou azar em casino é confinada aos locais e recintos autorizados pelo Governo".
34. Pese embora, o mútuo não esteja sujeito a forma especial, facto é que, à excepção do depoimento das testemunhas, familiares da Autora e com interesse directo na resolução do litígio, não existe um único documento no sentido de provar a retribuição de juros. Não há um recibo, um talão que titule a transferência de montantes. Nada!
35. Ora a actividade da 2.ª Ré ora Recorrente cinge-se à actividade de promoção de jogos de fortuna e de azar e não está autorizada nos termos do Regime Jurídico do Sistema Financeiro para recepcionar fundos do público.
36. Pelo que, a ora Recorrente nunca poderia ser onerada por um depósito sem qualquer outra sustentação factual, que não o depoimento de testemunhas implicadas e com interesse directo na resolução do litígio, como já referido.
37. Decaindo a obrigação de restituição, terá que decair a responsabilização da Recorrente, porque não estão reunidas as condições para que a ora Recorrente seja obrigada a restituir qualquer valor à Autora, ora Recorrida.
38. No que aos juros de mora concerne, semelhante raciocínio se impõe, i.e., por se entender que a obrigação de restituição não existe, não poderia a Recorrente ter sido condenada ao pagamento de juros a contar a partir de 13 de Outubro de 2015.
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A Autora respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 416 a 428 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Da Autora:
1. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo na parte em que absolveu a 1ª Ré C Resorts (Macau) S.A. do pagamento à Autora da quantia de MOP$25,000,000.00 (vinte e cinco milhões de patacas), acrescida dos juros de mora, à taxa legal das obrigações de que sejam titulares empresas comerciais, e a contar de 13/10/2015 até efectivo e integral pagamento, por ter entendido que no vertente caso inexiste uma situação de responsabilidade solidária com a 2ª Ré B Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada;
2. Face à matéria constante dos autos, e dos meios probatórios que serviram de base aos factos considerados assentes, bem como à prova dos factos constantes da base instrutória, e ainda da legislação aplicável ao caso, nunca poderia o douto Tribunal a quo retirar as conclusões que retirou, estando-lhe pois vedado decidir como decidiu, ou seja, julgar improcedente quanto à 1ª Ré a sobredita condenação estabelecida quanto à 2ª Ré;
3. O douto Acórdão recorrido laborou assim em erro na aplicação do direito, porquanto os factos que decorrem dos autos impunham a aplicação da responsabilidade solidária da 1ª Ré relativamente à responsabilidade imputada à 2ª Ré nos vertentes autos, por aplicação do regime legal consignado no art. 23º, nº 3 da Lei nº 16/2001, de 24 de Setembro e arts. 29º e 30º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril, e art. 506º do Código Civil;
4. Não se pode aceitar a conclusão afirmada pelo douto Acordão recorrido segundo a qual é de concluir que a norma do art. 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 não tem o sentido de responsabilizar a concessionária pelo incumprimento contratual do promotor relativamente aos contratos que este celebre com terceiros, nem se pode aceitar a conclusão retirada a final de que também não procede a pretensão de indemnização da autora com fundamento em garantia da primeira ré, e a consequente absolvição do pedido formulado pela Autora relativamente à primeira ré (C RESORTS (MACAU) S.A.);
5. A ora Recorrente defende a existência de uma responsabilidade solidária entre a Concessionária aqui 1ª Ré e a Promotora de Jogo aqui 2ª Ré, com base essencialmente no preceituado nos arts. 29º e 30º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, pelas razões que se irão expor, e que deverão determinar a condenação da 1ª Ré na mesma medida em que foi a 2ª Ré condenada nos vertentes autos;
6. Relativamente à responsabilidade solidária assacada pela Autora à 1ª Ré C Resorts (Macau) S.A., tal fundamenta-se essencialmente no facto de, enquanto concessionária de um serviço público da Região Administrativa Especial de Macau, a 1.ª Ré é responsável solidariamente com os promotores de jogo pela actividade por eles desenvolvida nos casinos, assim como pelos administra B e colabora B destes, bem como é responsável pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis no exercício da sua actividade de promotora de jogo, tudo conforme decorre do art.º 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002;
7. Estabelece a legislação da RAEM, relativamente à exploração de jogos de fortuna ou azar em casino e no que tange aos promotores de jogo, os seguintes princípios e normas legais imperativas: a) A promoção de jogos é a actividade que visa promover jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, junto de. Joga B, através da atribuição de facilidades, nomeadamente de transporte, alojamento, alimentação e entretenimento, em contrapartida de uma comissão ou outra remuneração paga por uma concessionária - art. 2º, nº 1 alínea 6) da Lei 16/2001 e art. 2º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002; b) As comissões de jogo ou quaisquer outras formas de remuneração da actividade de promoção de jogos não podem ultrapassar o limite correspondente a 1,25% do valor total apostado (net rolling) seja qual for a respectiva base de cálculo – nº 1 do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 83/2009; c) Para exercer a actividade nos casinos, os promotores de jogo têm que se registar junto de cada concessionária com que pretendam operar e obter a respectiva licença junto do Governo (DICJ) - arts. 23º, nº 1 e 2 da Lei 16/2001 e art. 23º, nº 1 do Regulamento Administrativo nº 6/2002; d) Os promotores de jogo exercem a sua actividade nos termos do contrato celebrado entre si e uma concessionária - art. 24º, nº 1 do Regulamento Administrativo nº 6/2002; e) Perante o Governo, é sempre uma concessionáría a responsável pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo, seus administra B e colabora B e pelo cumprimento por parte deles das normas legais e regulamentares, devendo para o efeito proceder à supervisão da sua actividade - art. 23º, nº 3 da Lei 16/2001; f) As concessionárias estão obrigadas a manter em dia a escrita comercial existente com os promotores de jogo - art. 30º, alínea 4) do Regulamento Administrativo nº 6/2002; g) As concessionárias estão obrigadas a fiscalizar a actividade dos promotores de jogo, nomeadamente quanto ao cumprimento das suas obrigações legais, regulamentares e contratuais - art. 30º, alínea 5) do Regulamento Administrativo nº 6/2002; e h) As concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administra B e colabora B destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis - art. 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002;
8. Do conjunto de normas legais acima enunciadas podem-se retirar um primeiro conjunto de princípios e conclusões: Sendo a remuneração das promotoras de jogo a comissão ou outra remuneração paga por uma concessionária, tal significa que não pertence à 2ª Ré B Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada a facturação e o lucro resultante dos jogos de fortuna ou azar realizados diariamente na sua sala VIP no casino da 1ª Ré, tendo apenas direito, não à totalidade dos respectivos lucros, depois de impostos, mas tão somente a uma comissão sobre esses lucros, prevista e resultante do contrato existente entre a promotora de jogo e a concessionária; Daí resulta também que a a facturação e o lucro resultante dos jogos de fortuna ou azar realizados diáriamente na sala VIP da 2ª Ré pertence à 1ª Ré C Resorts (Macau) S.A.; É por isso que consta do documento junto a fls. 252 dos vertentes autos, que se traduz no Relatório Anual de 2014 apresentado públicamente pela 1ª Ré (http://XXX), afirmações como: "Uma parte significativa do nosso jogo de casino é trazida a nós por promotores de jogos.", "Em troca dos seus serviços, o C Macau geralmente paga aos promotores de jogos uma comissão que é uma percentagem do ganho bruto do jogo gerado por cada promotor do jogo.", "Aproximadamente 80% dessas comissões são deduzidas das receitas do casino", "Receitas do ano que terminou (em milhares de HKD$); Jogos de mesa VIP brutos - 23.662.624 28.670.414; Jogos de mesa de mercado de massa - 9.196.243 7.701.236; Ganhos em slot machines 2.041.115 1.904.869; Receitas de póquer 172.104 139.368; Comissões (7.284.116) (8.879.840); Receitas totais do casino 27.787.970 29.536.047";
9. Integrando-se no património da 1ª Ré a facturação e o lucro produzido na sala VIP da 2ª Ré, é normal que a legislação de Macau estabeleça um apertado controle da responsabilidade da 1ª Ré C Resorts (Macau) S.A. sobre a actividade da 2ª Ré B Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada, daí resultando o regime legal da obrigação da Concessionária manter em dia a escrita comercial existente com o promotor de jogo; a obrigação da Concessionária fiscalizar a actividade do promotor de jogo, nomeadamente quanto ao cumprimento das suas obrigações legais, regulamentares e contratuais; ser a Concessionária a responsável perante o Governo pela actividade desenvolvida nos casinos pelo promotor de jogo, seus administra B e colabora B e pelo cumprimento por parte dele das normas legais e regulamentares, devendo para o efeito proceder à supervisão da sua actividade; e ser a Concessionária responsável solidariamente com o promotor de jogo pela actividade desenvolvida no casino pelo promotor de jogo e administra B e colabora B deste, bem como pelo cumprimento, por parte do mesmo, das normas legais e regulamentares aplicáveis;
10. Igualmente como corolário da responsabilização da actividade do promotor de jogo a cargo da Concessionária, estabelecida na legislação da RAEM sobre a exploração de jogos de fortuna ou azar em casino, e em matéria fiscal, verifiquemos agora os seguintes princípios e normas legais imperativas: a) As concessionárias ficam obrigadas ao pagamento de imposto especial sobre o jogo, o qual incide sobre as receitas brutas de exploração do jogo - art. 27º, nº 1 da Lei 16/2001; b) Esse imposto especial sobre o jogo é pago pelas concessionárias em duodécimos na Recebedoria da Repartição de Finanças de Macau até ao décimo dia do mês seguinte a que respeitar - art. 27º, nº 3 da Lei 16/2001; c) As concessionárias ficam obrigadas à retenção na fonte, a título definitivo, do imposto devido sobre os quantitativos das comissões ou outras remunerações pagas a promotores de jogo, o qual é calculado sobre a receita bruta originada pelo jogador - art. 29º, nº 1 da Lei 16/2001; d) O imposto sobre as comissões ou outras remunerações pagas a promotores de jogo é entregue pelas concessionárias em duodécimos na Recebedoria da Repartição de Finanças de Macau até ao décimo dia do mês seguinte a que respeitar - art. 29º, nº 5 da Lei 16/2001; e) As concessionárias estão obrigadas a enviar, até ao dia 10 de cada mês, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, uma relação discriminada relativa ao mês antecedente dos montantes das comissões ou outras remunerações por si pagas a cada promotor de jogo, bem como dos montantes de imposto retidos na fonte, acompanhada de toda a informação necessária à verificação dos respectivos cálculos - art. 30º alínea 1) do Regulamento Administrativo nº 6/2002;
11. A legislação da RAEM faz assim competir à Concessionária a obrigação de pagar o imposto gerado pelos jogos de fortuna e azar em casino, incluindo aquele que acontece nas salas VIP dos promotores de jogo, ficando também obrigada a calcular, a reter na fonte e entregar o imposto devido sobre as comissões ou outras remunerações pagas a promotores de jogo;
12. O que implica, necessáriamente, que a 1ª Ré terá que acompanhar de muito perto, e fiscalizar rigorosamente, toda a actividade de jogos de fortuna ou azar realizada na sala VIP da 2ª Ré, porquanto a respectiva facturação e lucros aí produzidos são seus e são integrados no seu património, a obrigação de calcular o imposto devido sobre essa facturação, e entregá-lo mensalmente ao Departamento de Finanças, é também sua, e não da 2ª Ré, e para que a 1ª Ré possa calcular devidamente a comissão a pagar à 2ª Ré terá que, também necessáriamente, conhecer a contabilização das facturações e lucros produzidos na sala VIP da 2ª Ré, com todo o rigor e ao cêntimo (ou avo);
13. A 1.ª Ré C Resorts (Macau) S.A. tinha assim obrigação de saber tudo aquilo que se passava na sala VIP da 2ª Ré, e de supervisionar toda a sua actividade no seu espaço de negócio, como resulta das obrigações legais impostas às concessionárias no Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril, designadamente no respectivo art. 30º, alínea 1), 4) e 5) entre outras, em que se estabelece claramente um dever de a concessionária fiscalizar a actividade dos promotores de jogo, nomeadamente quanto ao cumprimentos das suas obrigações legais regulamentares e contratuais:
14. Pode-se perceber e certificar o completo alheamento da 1ª Re C Resorts (Macau) S.A. relativamente à sua obrigação legal de fiscalização da actividade da 2ª Ré B Entretenimento Sociedade Uni pessoal Limitada no seu casino, sendo corolário dessa omissão legal de fiscalização a confissão feita pela 1ª Ré, na sua Contestação apresentada nos vertentes autos, afirmando-se no artigo 31º dessa peça processual que "Seja como for, a R. não fiscaliza transacções específicas de clientes da B", e no artigo 32º "nem destaca pessoal seu para a tesouraria da B";
15. Ficou pois perfeitamente estabelecida nos presentes autos a confissão efectuada pela 1ª Ré C Resorts (Macau) S.A. de que incumpriu dolosamente a sua obrigação legal de fiscalizar a actividade da 2ª Ré B Entretenimento Sociedade Uni pessoal Limitada.;
16. A 1ª Ré C Resorts (Macau) S.A. afirma desconhecer, alegando igualmente não ter obrigação de conhecer, factos fundamentais da relação estabelecida directamente pela Autora com a 2ª Ré B Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada, conforme afirma no artigo 22º da sua Contestação que "A ré ora contestante não sabe nem tem obrigação de saber se a A. é cliente da B, nem se aquela foi convidada pela B a realizar e realizou efectivamente um investimento na sala VIP desta.", e nos artigos 23º, 24º e 25º da mesma peça processual onde alega que "Concretamente, a ré não sabe nem tem obrigação de saber (i) se a A. efectuou um investimento na sala VIP da B no valor de HK$25,000,000.00 em numerário e fichas de jogo, no dia 12 de Março de 2014", "(ii) se, como contrapartida do dito investimento, caso o mesmo haja sido efectuado, a B retribuia a A. com o pagamento de juros à taxa de 18,25% ao mês (!)", e "e (iii) se a A. tinha uma conta na sala VIP da B, onde terá ficado depositada a quantia que alegadamente investiu.";
17. Por força das obrigações legais de fiscalização que sobre si impendem, e que acima já se invocaram expressamente os preceitos legais aplicáveis e em vigor na legislação de Macau, a verdade é que tais factos não podem ser desconhecidos pela 1ª Ré C Resorts (Macau) S.A. por serem factos pessoais;
18. Nos termos conjugados a Lei n.º 16/2001 e o Regulamento Administrativo n.º 6/2002, designadamente os artigos 30.º e 32.º deste último diploma, impende sobre a 1ª Ré a obrigação legal de fiscalizar e supervisionar a actividade da 2ª Ré, promotora de jogo que a 1ª Ré contratou para exercer a sua actividade própria nos seus casinos, e por isso está obrigada a conhecer todos os factos relativos à actividade da 2º Ré com os seus respectivos clientes, que são também eles clientes da 1ª Ré;
19. Nos termos do n.º 3 do artigo 410.º do Código de Processo Civil "Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento [...].";
20. A 1ª Ré C Resorts (Macau) S.A. tem a obrigação legal de conhecer os factos em causa, designadamente que a Autora é cliente da B, que esta realizou efectivamente um investimento na sala VIP no montante de HK$25,000,000.00 em numerário e fichas de jogo, que a B retribuia a Autora com o pagamento de juros à taxa anual de 18,25% e que a Autora tinha uma conta na sala VIP da B, onde ficou depositada a quantia que investiu, tudo conforme ficou aliás provado nos presentes autos através das respostas dadas pelo Douto Tribunal ao quesito 2º (identificado no douto Acordão recorrido pela alínea f)), ao quesito 3º (alínea g)), ao quesito 4º (alínea h)), ao quesito 5º (alínea i)), ao quesito 6º (alínea j)) e ao quesito 7º (alínea k)), pelo que a alegação de desconhecimento de tais factos equivale à respectiva confissão;
21. O douto Tribunal Judicial de Base deu como não provados os factos constantes dos artigos 16º "A 1ª Ré sabia que este tipo de negócios eram efectuados nas salas de VIP instaladas nos seus casinos?" e 18º "A 1ª Ré não tomou diligências para evitar desvios de dinheiro na sala explorada pela 2ª Ré?", entendendo a Autora que tais factos deveriam ter sido considerados como provados no douto Acordão ora em crise;
22. Tendo em atenção os dispositivos legais referentes ao dever de fiscalização das concessionárias do Jogo de Fortuna ou Azar no que se refere às promotoras de jogo com quem mantêm contratos e actividade nos seus casinos, é facto público e notório que a 1ª Ré C Resorls (Macau) S.A. sabia que o tipo de negócios que eram efectuados nas salas de VIP instaladas nos seus casinos, e designadamente pela 2ª Ré B Entretenimento Sociedade Uni pessoal Limitada, e que não tomou diligências para evitar desvios de dinheiro na sala explorada pela 2ª Ré;
23. Pelo que se verifica erro na apreciação das provas por parte do douto Tribunal recorrido, devendo esse Venerando Tribunal de Segunda Instância proceder à sua correcção, passando os quesitos 416º e 18º a ser considerados provados;
24. A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova, estabelecido no art. 558º do Código de Processo Civil, que está deferido ao Tribunal da 1ª instância, detendo o julgador a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo, mas sendo certo que, na reapreciação dos meios de prova, o tribunal do recurso procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância;
25. Resulta dos factos dados como provados sob a alínea k) da douta decisão ora recorrida que a quantia de HKD$25,000,000.00 foi depositada pela Autora numa conta da sala de jogos da 2ª Ré, sita no casino explorado pela 1ª Ré, e que por isso, de acordo com as regras de experiência, se pode concluir que o mencionado montante se integrou nas - operações de facturação da sala VIP explorada pela 2ª Ré;
26. Resulta da lei que a remuneração da actividade das promotoras de jogo se restringe a três situações concretas: a) O recebimento de uma comissão da parte da Concessionária, ou Concessionárias, com quem tenha celebrado contrato para o exercício da actividade de promoção de jogos, - cfr. arts. 2º, 24º, nº 5 alínea 1) e 27º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril; b) O recebimento de outras remunerações que venham a ser acordadas com a Concessionária ou Concessionárias - cfr. arts. 2º, 24º, nº 5 alínea 1) e 27º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril; e c) O recebimento dos eventuais lucros decorrentes da actividade de concessão de crédito para jogo, nos casos em que o promotor de jogo se encontre licenciado para o efeito - cfr. art. 3º, nº 2 da Lei 5/2004, de 14 de Junho (Regime jurídico da concessão de crédito para jogo ou para aposta em casino);
27. O que tudo resulta na conclusão de que a facturação realizada na sala VIP por parte de um promotor de jogo não lhe pertence, sendo antes titularidade da Concessionária proprietária do casino onde se encontra instalada essa sala VIP, estando por isso consignadas na lei estritas obrigações das Concessionárias na fiscalização da actividade das promotoras de jogo, e de supervisionar tudo o que se passa no seu espaço de negócio, como resulta designadamente do disposto no art. 30º, alíneas 1), 4), 5) e 9) do Regulamento Administrativo nº 6/2002;
28. É responsabilidade das Concessionárias enviar, até ao dia 10 de cada mês, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, uma relação discriminada relativa ao mês antecedente dos montantes das comissões ou outras remunerações por si pagas a cada promotor de jogo, bem como dos montantes de imposto retidos na fonte; manter em dia a escrita comercial existente com os promotores de jogo; fiscalizar a actividade dos promotores de jogo, nomeadamente quanto ao cumprimento das suas obrigações legais, regulamentares e contratuais; e cumprir pontualmente as obrigações fiscais dos promotores de jogo;
29. Deste enunciado legal, e da circunstância de as facturações produzidas nas salas VIP afectas aos Promotores de Jogo pertencerem às Concessionárias, resulta claramente a justificação para o regime da responsabilidade solidária entre Concessionárias e os Promotores de Jogo relativamente a toda a actividade desenvolvida por parte destes nos casinos, que se encontra consignada no art. 23º, nº 3 da Lei nº 16/2001, de 24 de Setembro e arts. 29º e 30º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril;
30. Deve ser integralmente aceite a jurisprudência consignada no douto Acordão do Venerando Tribunal de Segunda Instância de 16/01/2020, proferido no âmbito do Proc. nº 997/2019, e também aqui se consignar que a responsabilidade imputada à 2ª Ré no Acordão proferido pelo douto Tribunal a quo, em termos de ficar obrigada a proceder ao pagamento à Autora da quantia de MOP$25,000,000.00 (vinte e cinco milhões de patacas), acrescida dos juros de mora, à taxa legal das obrigações de que sejam titulares empresas comerciais, e a contar de 13/10/2015 até efectivo e integral pagamento, deverá ser igualmente imputada à 1ª Ré a título de obrigação solidária com a 2ª Ré;
31. No Acordão ora recorrido, o douto Tribunal a quo alterou a qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Autora e a 2ª Ré B Entretenimento Sociedade Uni pessoal Limitada, entendendo ser um contrato de mútuo, ao invés de um contrato de depósito irregular;
32. Tal entendimento não nos parece acertado, porquanto saiu provado que a Autora disponibilizou a quantia que foi depositada na sua conta de jogador na sala VIP à 2ª Ré, sendo por isso tal acto uma disponibilização à sala VIP, para que depois pudesse ser afectada à actividade lá levada a cabo pela 2ª Ré relacionada com o jogo, como o sejam a troca de fichas, a disponibilização para o jogo na sala VIP, e outras actividades conexas, e não já um mero empréstimo concedido à sociedade 2ª Ré para que esta utilizasse o dinheiro como bem entendesse, afectando-o a actividades que não estivessem relacionadas com o jogo de fortuna ou azar;
33. Saiu provado no Acórdão da matéria de facto, que o dinheiro foi recebido na tesouraria da 2ª Ré "em dinheiro e em fichas de jogo", sendo que o dinheiro foi trocado para fichas, sendo facto notório que só fichas de jogo podem ser depositadas nas salas VIP exploradas pelos promotores de jogo, e se o dinheiro foi trocado para fichas de jogo, daqui só pode resultar a presunção judicial de que o destino da quantia entregue era efectivamente o depósito na Sala VIP, e não a disponibilização de um mútuo à 2ª Ré;
34. Nos termos do art. 2º, nº 1 alínea 5) da Lei no. 16/2001, "os agentes de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino, que exercem a sua actividade através da atribuição de facilidades a joga B, nomeadamente no que respeita a transportes, alojamento, alimentação e entretenimento, recebendo uma comissão ou outra remuneração paga por uma concessionária", sendo assim a única razão da existência deste tipo de sociedades, como o é o caso da 2ª Ré, . a de colaborarem com as concessionárias do jogo na actividade levada a cabo por estas, atribuindo facilidades a joga B;
35. É impensável dizer-se, como se refere no douto Acordão recorrido, que foram depositados HKD$25,000,000.00 na sala VIP da 2ª Ré, num casino explorado pela 1ª Ré, sem que essa actividade tivesse algo a ver com o jogo, sendo que tal asserção vai contra as regras de experiência comum daquilo que efectivamente se passa nestas salas, sendo facto notório, inegável e patente, que o dinheiro depositado era para ser usado na actividade levada a cabo na sala VIP da B;
36. O douto Acórdão recorrido laborou assim em erro na aplicação do direito, porquanto os factos que decorrem dos autos impõem a aplicação da responsabilidade solidária da 1ª Ré relativamente à responsabilidade imputada à 2ª Ré nos vertentes autos, por aplicação do regime legal consignado no art. 23º, nº 3 da Lei nº 16/2001, de 24 de Setembro e arts. 29º e 30º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril, e art. 506º do Código Civil, devendo ser proferido douto Acórdão por esse Venerando Tribunal que condene a 1ª Ré solidáriamente no pagamento à Autora da quantia de MOP$25,000,000.00 (vinte e cinco milhões de patacas), acrescida dos juros de mora, à taxa legal das obrigações de que sejam titulares empresas comerciais, e a contar de 13/10/2015 até efectivo e integral pagamento.
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A 1ª Ré respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 429 a 446 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
a) A 1a. Ré é uma sociedade anónima que se dedica, nomeadamente, à exploração de jogos de fortuna ou azar e outros jogos em casinos.
b) A 2ª Ré explorava uma sala de jogo VIP no casino da 1ª Ré.
c) A 2ª Ré é uma sociedade comercial, unipessoal, registada na Conservatória dos Registo Comercial e Bens Móveis com o n.º 2XXX1(SO), que tem por objecto a promoção de jogos de fortuna ou azar em casinos.
d) A 2ª Ré exerceu a actividade de promoção de jogos, com a licença n.º EXX9, emitida pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos de Macau, válida até 30 de Setembro de 2016.
e) De acordo com a referida licença a 2ª Ré pôde exercer a sua actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar junto da primeira ré até 30 de Setembro de 2016.
f) Foi celebrado um acordo entre a Autora e a 2a Ré, no qual a Autora se obrigou a entregar e disponibilizar HKD$25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de dólares de Hong Kong) à 2ª. Ré (quesito 2º).
g) Foi acordado que a 2ª Ré pagava juros mensais à Autora sobre esse valor à taxa anual de, no mínimo, 18,00%.
h) No dia 12 de Março de 2014 foi entregue pela Autora à 2ª Ré o montante de HKD$25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de dólares de Hong Kong).
i) Parte do valor foi entregue em fichas de jogo e parte em numerário.
j) A 2ª Ré entregou à Autora a respectiva quitação com o número DA0XXX37.
k) A quantia correspondente ficou depositada na conta de jogador aberta pela Autora nessa sala, com o número 80XXXXX3.
l) O referido documento foi assinado pela Autora, e por dois representantes e empregados da 2ª Ré.
m) Os referidos dois representantes e empregados da 2ª Ré agiram em representação desta.
n) Houve um avultado desvio de dinheiro nas instalações da 2ª Ré, o qual teria sido alegadamente cometido por uma colaboradora e contabilista chefe da 2ª Ré, D aliás D.
o) A 2ª Ré anunciou em 17 de Setembro de 2015 que havia sido vítima de uma fraude interna através da apropriação e desvio de dinheiro.
p) A 2ª Ré emitiu um comunicado do seguinte teor: “Declaramos para todos os efeitos que D, antiga chefe de contabilidade da B GROUP, alegadamente usou a sua Autoridade para se envolver em actividades sem Autorização da Companhia. Dada a gravidade da situação e o envolvimento de fraude, os interesses e a reputação da Companhia foram severamente afectados. A empresa está profundamente preocupada e levou o caso ao conhecimento da Polícia”.
q) No dia 12 de Setembro de 2015 a Autora deslocou-se à sala VIP da B onde havia depositado o seu dinheiro para exigir a devolução da quantia depositada.
r) Os representantes da 2ª Ré disseram à Autora para preencher um formulário e informaram-na que seria posteriormente contactada sobre o assunto.
s) Na altura o pessoal da 2ª Ré disse que naquele momento não podiam devolver o capital depositado porquanto havia uma investigação interna em curso.
t) A 1ª Ré beneficia da actividade dos promotores de jogo no seu casino.
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III – Fundamentação
A. Dos recursos finais
(I) Da 2ª Ré
1. Da impugnação da decisão da matéria de facto:
Vem a 2ª Ré impugnar a decisão da matéria de facto respeitante aos quesitos 2.º, 3.º, 4.º e 7.º da base instrutória, a saber:

   Foi celebrado um acordo entre a A e a 2.a R, no qual a Autora se obrigou a entregar e disponibilizar HKD$25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de dólares de Hong Kong) à 2.ª Ré?
3.º
   Foi acordado que a 2ª. Ré pagava juros mensais à Autora sobre esse valor à taxa de juros de 18,25%?
4.º
   No dia 12 de Março de 2014 foi entregue pela Autora à 2.ª Ré o montante de HKD$25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de dólares de Hong Kong)?
7.º
   A quantia correspondente ficou depositada na conta de jogador aberta pela Autora nessa sala, com o número 80XXXXX3?
As respostas dadas aos referidos quesitos foram as seguintes:
Quesitos 2º, 4º e 7º: PROVADO.
Quesito 3º: PROVADO que foi acordado que a 2.ª Ré pagava juros mensais à Autora sobre esse valor à taxa de, no mínimo, 18,00%.
Na óptica da 1ª Ré, os factos vertidos nos mesmos quesitos deveriam ser dados como não provados.
Quid juris?
Como é sabido, segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto n° 1 do artigo 558.º do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
A justificar tal princípio e aquilo que permite a existência do mesmo, temos que o Tribunal a quo beneficia não só do seu prudente juízo e experiência, como da mais-valia de um contacto directo com a prova, nomeadamente, a prova testemunhal, o qual se traduz no princípio da imediação e da oralidade.
Sobre o princípio da imediação ensina o Ilustre Professor Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil, I, 175), que “é consequencial dos princípios da verdade material e da livre apreciação da prova, na medida em que uma e outra necessariamente requerem a imediação, ou seja, o contacto directo do tribunal com os intervenientes no processo, a fim de assegurar ao julgador de modo mais perfeito o juízo sobre a veracidade ou falsidade de uma alegação”.
Já Eurico Lopes Cardoso escreve que “os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe.” (in BMJ n.º 80, a fls. 220 e 221)
Por sua vez Alberto dos Reis dizia, que “Prova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador seguindo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei. Daí até à afirmação de que o juiz pode decidir como lhe apetecer, passando arbitrariamente por cima das provas produzidas, vai uma distância infinita. (...) A interpretação correcta do texto é, portanto, esta: para resolver a questão posta em cada questão, para proferir decisão sobre cada facto, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, forma sua convicção como resultado de tal apreciação e exprime-a na resposta. Em face deste entendimento, é evidente que, se nenhuma prova se produziu sobre determinado facto, cumpre ao tribunal responder que não está provado, pouco importando que esse facto seja essencial para a procedência da acção” (in Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora IV, pago 570-571.)
É assim que “(...) nem mesmo as amarras processuais concernentes à prova são constritoras de um campo de acção que é característico de todo o acto de julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da imediação, da aquisição processual (artº 436º do CPC), do ónus da prova (artº 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de um facto (artº 437º do CPC), da plenitude da assistência dos juízes (artº 557º do CPC), da livre apreciação das provas (artº 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é "livre" até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito do artºs. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo. Só assim se compreende a tarefa do julgador, que, se não pode soltar os demónios da prova livre na acepção estudada, também não pode hipotecar o santuário da sua consciência perante os dados que desfilam à sua frente. Trata-se de fazer um tratamento de dados segundo a sua experiência, o seu sentido de justiça, a sua sensatez, a sua ideia de lógica, etc. É por isso que dois cidadãos que vestem a beca, necessariamente diferentes no seu percurso de vida, perante o mesmo quadro de facto, podem alcançar diferentes convicções acerca do modo como se passaram as coisas. Não há muito afazer quanto a isso.” (Ac. do TSI de 20/09/2012, proferido no Processo nº 551/2012)
Deste modo, “A reapreciação da matéria de facto por parte desta Relação tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação” (Ac. do STJ de 21/01/2003, in www.dgsi.pt)
Com efeito, “não se trata de um segundo julgamento até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não bastando que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos.(...).” (Ac. do RL de 10/08/2009, in www.dgsi.pt.)
Ou seja,
Uma coisa é não agradar o resultado da avaliação que se faz da prova, e outra bem diferente é detectarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório.
No caso em apreço, o Tribunal a quo justificou a sua convicção pela forma seguinte:
“…
   A convicção do tribunal resultou da análise conjunta e crítica da prova produzida, ponderada segundo a sua verosimilhança e em confronto com as regras da lógica e da experiência, dado que não foram produzidos meios de prova com valor probatório vinculado relativamente aos factos controvertidos constantes da base instrutória.
   Quanto à prova testemunhal, ponderou-a o tribunal tendo em conta a razão de ciência demonstrada pelas testemunhas inquiridas e a forma mais ou menos espontânea, clara, coerente, serena ou exaltada, pormenorizada ou vaga, fundamentada ou conclusiva e firme ou vacilante como foram prestados os respectivos depoimentos. Considerou o tribunal, designadamente, que todas as testemunhas inquiridas demonstraram conhecimento directo dos factos sobre que depuseram, a primeira e a segunda por serem irmã e irmão da autora, respectivamente e por lhe terem entregado parte do dinheiro que a autora entregou à ré B; a terceira (D) por ter sido trabalhadora da tesouraria da ré “B” e por conhecer o modo de funcionamento desta e as funções que nela desempenhava D, referida na base instrutória e a quarta por, enquanto agente da Polícia Judiciária, ter participado na investigação criminal de factos relacionados com os que estão em discussão nos presentes autos, embora tivesse denotado memória muito fraca e vaga desses mesmos facto e investigação.
   Quanto à prova documental, como já supra referido, foi valorada no âmbito da “livre convicção”, tendo em conta que nenhuma razão de dúvida mereceu nem ao tribunal nem às partes a genuinidade dos documentos.
   Quanto à matéria do quesito 1º a convicção do tribunal fundou-se na ausência de prova, pois que nenhum depoimento nem documento refere, directa ou indirectamente, qualquer solicitação de investimento feita pela ré B, sendo os depoimentos das primeiras duas testemunhas inquiridas no sentido de o “depósito” ter ocorrido por iniciativa espontânea da autora.
   Quanto à matéria dos quesitos 2º e 3º (teor do acordo feito entre a autora e a ré B), a convicção do tribunal formou-se essencialmente na análise que fez do depoimento das duas primeiras testemunhas inquiridas, as quais, apesar de demonstrarem ter interesse em que o litígio seja decidido em sentido favorável à autora, sua irmã, porquanto pertence a tais testemunhas parte do dinheiro depositado pela autora na ré B, prestaram depoimento claro, espontâneo, sereno, pormenorizado e fundamentado que, por isso, mereceu credibilidade ao tribunal, mesmo considerando o referido interesse. Explicaram estas testemunhas pormenorizadamente como foi transportado até à tesouraria da ré B e como foi ali entregue e recebido o dinheiro e as fichas de jogo. Desse comportamento de autora e ré que as testemunhas referiram de forma credível, conjugado com o teor dos documentos de fls. 38 (talão de depósito) e 143 (ficha de abertura de conta da autora na ré B), concluiu o tribunal ter havido o acordo quesitado, ainda que a declaração fosse tácita nos termos do art. 209º do CC, pois não se vê como poderia ser outro o valor das declarações negociais, nos termos do disposto nos arts. 228º a 230º do CC.
   No que respeita à taxa de juro acordada, a convicção do tribunal fundou-se no depoimento das referidas testemunhas que disseram que era de “HKD15.000,00 por cada milhão de dólares de Hong Kong”, referindo a primeira testemunha que eram recebidos HKD375.000,00 por mês relativos à quantia total entregue de HKD25.000.000,00 e referindo a segunda testemunha que ela própria recebia HKD30.000,00 por mês por ter contribuído com HKD2.000.000,00 para a quantia que a autora depositou, o que corresponde a 18% ao ano.
   Quanto à matéria dos quesitos 4º a 9º (depósito e quitação) foi o mesmo o processo de formação da convicção do tribunal: os depoimentos das referidas testemunhas que mereceram credibilidade pela forma como foram prestados e pela sua coerência interna e com os documentos de fls. 38 e 143. Designadamente, explicou a segunda testemunha que acompanhou a autora até à tesouraria da ré B desde o automóvel onde esta se deslocou desde casa da mãe de ambos até às imediações do “Casino C”. Ponderou também o tribunal o facto de o “talão de depósito” e a “ficha de abertura de conta” terem a mesma data o que, de acordo com o referido nos depoimentos das testemunhas, ocorreu porque a autora não tinha conta na ré B e teve de ser aberta essa conta para poder ser feito o depósito.
…”.
Ora, analisados todos os elementos probatórios existentes nos autos, bem como a fundamentação da formação da convicção, não se detecta algum erro manifesto de julgamento, nem violação de regras e/ou princípios de direito probatório por parte do Tribunal a quo.
Na realidade, tendo em conta o documento junto a fls. 38 dos autos (cópia do recebido do depósito), conjugado com os depoimentos das testemunhas da Autora ouvidas na audiência de julgamento, nada podemos censurar a decisão da matéria de facto a quo quanto aos quesitos 2º a 4º e 7º da Base Instrutória, resultante do princípio da livre apreciação supra referido.
Face ao expendido, é de negar provimento ao recurso nesta parte.
2. Do mérito da causa:
A decisão recorrida tem o seguinte teor:
“…
B) – Motivação de direito
   1. Situação jurídica relativa à segunda ré.
   a) - Incumprimento contratual.
   Como se disse, há que apurar em primeiro lugar se na esfera jurídica da segunda ré se formou a obrigação de pagar (restituir) à autora a quantia por esta pretendida.
   As obrigações são vínculos jurídicos que adstringem uma pessoa a realizar uma prestação a outra pessoa (art. 391º do CC). São vínculos que se consubstanciam num dever de prestar. As obrigações nascem das fontes das obrigações, que são situações de facto que têm o efeito jurídico de fazer surgir em determinada esfera jurídica o referido vínculo. São fontes das obrigações, entre outras, os contratos, os negócios unilaterais, a gestão de negócios, o enriquecimento sem causa e a responsabilidade civil.
   Nos termos do disposto no nº 1 do art. 335º do Código Civil, “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”. E nos termos do nº 2 do mesmo artigo, “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”.
   Assim, ao autor cabe provar os factos constitutivos da obrigação que atribui ao réu. Por sua vez, ao réu caberá provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos da mesma obrigação.
   A consequência do incumprimento do ónus de prova é a decisão desfavorável à parte onerada.
   Vejamos em que medida as partes deram cumprimento ao ónus de prova que sobre cada uma delas impende.
   A segunda ré não alegou qualquer facto com efeitos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela autora. E a primeira ré não alegou quaisquer factos que aproveitem à segunda ré em termos de eficácia impeditiva, modificativa ou extintiva do direito contra ela invocado como fundado no seu incumprimento contratual. Com efeito, a invocada prescrição releva apenas quanto à obrigação atribuída à primeira ré.
   Vejamos então se a autora logrou provar os factos constitutivos do direito de crédito a que se arroga e da correspectiva obrigação da mesma ré (ser restituída da quantia que diz ter depositado na segunda ré).
   A autora invocou como fonte da obrigação da ré um contrato. O contrato é um acordo de vontades negociais a que, na normalidade das situações, a lei atribui protecção coactiva obrigando os contraentes a cumprir o acordado.
   Provou-se que a autora e a segunda ré acordaram que a autora disponibilizava dinheiro à ré mediante remuneração de juros e provou-se também que a autora entregou à primeira ré o montante acordado (als. f), g) e h) da factualidade provada).
   A qualificação dos contratos pertence à lei e não às partes. É uma operação muito relevante, pois vai determinar o regime jurídico aplicável à relação contratual. Tal classificação tem essencialmente por base a vontade negocial das partes relativamente às prestações a que se pretendem vincular. A autora classificou como depósito civil irregular o acordo que celebrou com a segunda ré. A essência ou elemento essencial do depósito civil é a guarda temporária de uma coisa alheia (art. 1111º do CC). É um contrato de prestação de um serviço de guarda, protecção e conservação. Se essa coisa for fungível, o depósito diz-se irregular (art. 1131º do CC) e rege-se, “na medida do possível”, pelas regras relativas ao contrato de mútuo. Nos termos do art. 1070º do CC, a vontade negocial no contrato de mútuo não é a guarda de uma coisa alheia, mas o seu empréstimo a outrem para ser usada ou consumida e restituída outra de igual género e qualidade. Não é um contrato para prestação de um serviço, mas um contrato de crédito.
   Assim, como provado na alínea f) supra referida, a vontade, o propósito ou fim negocial imediato das partes foi “disponibilizar” temporariamente à segunda ré dinheiro da autora, obviamente para aquela ter disponibilidade sobre ele. Não foi vontade das partes nem a sua finalidade que a segunda ré prestasse um serviço à autora procedendo à guarda segura ou custódia de dinheiro da autora.
Deve, pois ser qualificado como mútuo e não como depósito o contrato celebrado entre a autora e a segunda ré. E é no regime deste contrato típico que se devem procurar as normas para solucionar o presente litígio. Desde logo, fica afastada a proibição advinda do art. 16º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro aprovado pela Decreto-Lei nº 32/93/M de 5 de Julho que impediria a segunda ré de receber depósitos do público e, assim, poderia tornar nulo o contrato por ter eventualmente um objecto contrário à lei (art. 273º do CC) e poderia, também eventualmente, ocorrer a prática do crime de recepção não autorizada de depósitos e fundos reembolsáveis, previsto e punido pelo art. 121º do referido Regime Jurídico do Sistema Financeiro.
   O contrato de mútuo gera para o mutuário a obrigação de restituir (art. 1070º do CC). Não tendo as rés logrado provar qualquer facto com efeitos extintivos, impeditivos ou modificativos de tal obrigação, procede a pretensão da autora de ser restituída pela segunda ré do que lhe emprestou, uma vez que os contratos devem ser cumpridos (art. 400º do CC).
   É agora necessário saber se já está vencida a obrigação em causa. A resposta está clara no nº 2 do art. 1075º do CC: “se o mútuo for oneroso e não se tiver fixado prazo, qualquer das partes pode pôr termo ao contrato, desde que o denuncie com uma antecipação mínima de 30 dias”. Provou-se que o mútuo é oneroso, pois foram fixados juros remuneratórios e não se alegou nem provou que tivesse sido fixado prazo para restituir a quantia mutuada. Provou-se também que no dia 12 de Setembro de 2015 a autora solicitou à ré a restituição (al. q) dos factos provados). Esta solicitação constitui denúncia do contrato ou declaração de vontade que o mesmo não continue a vigorar entre as partes. Está, pois vencida a obrigação de restituir. E venceu no dia 12 de Outubro de 2015.
   Vencida a obrigação de restituir e não cumprida, pois que o cumprimento é facto extintivo que pertence ao ónus de alegação e prova do réu e não foi alegado nem provado, há que apurar as consequências do incumprimento. A autora pretende que seja o vencimento de juros de mora contados à taxa legal fixada para as obrigações de natureza comercial. Apenas a primeira ré se pronunciou e disse que a taxa de juro moratório não deve ser a das obrigações comerciais, mas a das civis.
   O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido (art. 793º, nº 2 do CC).
   Já vimos que a prestação era devida em 12/10/2015 e não há dúvida que o incumprimento é imputável à segunda ré por via da presunção de culpa do devedor que consta do art. 788º do CC.
   A mora do devedor constitui-o na obrigação de reparar os danos causados ao credor (art. 793º, nº 1 do CC).
   Sobre o montante da obrigação de restituir tem a autora direito a receber juros moratórios desde a data da constituição em mora. Terá a segunda ré de ser condenada na indemnização moratória (art. 787º e 793º CC), que no caso das obrigações pecuniárias, como é a dos autos (art. 543º e segs. CC), corresponde aos juros legais, salvo se antes da mora for devido juro mais elevado, designadamente remuneratório, ou se o lesado demonstrar que a mora lhe causou prejuízos superiores aos juros referidos (art. 795º CC). No caso dos autos, a autora peticionou os juros à taxa legal para as obrigações comerciais, talvez pressupondo a resolução do contrato e a consequente obrigação de restituir o que foi prestado e não pressupondo a mora decorrente da obrigação incumprida resultante do contrato que celebrou com a segunda ré com juros remuneratórios de 18%. Como mais à frente se dirá quando se apreciar o pedido de resolução contratual, denúncia e resolução são realidades diferentes, designadamente em efeitos, uma extinguindo o contrato com efeitos retroactivos e determinando a obrigação de restituir de imediato o que foi prestado e a outra impedindo a continuação de contrato para futuro e não impedindo o seu cumprimento actual. Ora, a mora na obrigação de restituir em consequência da resolução inicia-se na data da resolução e não trinta dias após, como pretende a autora e como resulta do regime da denúncia do mútuo e do repósito irregular.
   Conclui-se, pois que a autora tem direito a receber os juros de mora à mesma taxa dos juros remuneratórios contratados (18%/ano - al. g) da factualidade provada) e desde o início da mora no cumprimento da obrigação de restituição da quantia mutuada (13/10/2015). Como a sentença não pode condenar em quantia superior ao pedido (art. 564º, nº 1 do CPC), serão atendidos os juros à taxa legal para as obrigações de natureza comercial, a qual, actualmente é inferior à taxa de juros remuneratórios acordada - 18%. Tais juros são, portanto, à taxa legal regulada no nº 2 do art. 569º do Código Comercial. A taxa de juro aplicável à mora é aquela que vigorar durante o período em que decorre a situação moratória. Assim, se houver alteração da taxa é a nova sucessivamente aplicável.
   Procede, pois, nos termos sobreditos esta parte da pretensão da autora.
   … ”.
Inalterada a decisão da matéria de facto, nada a censurar a decisão do mérito do Tribunal a quo quanto à condenação da 2ª Ré.
Assim, ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPCM, negamos provimento ao recurso com os fundamentos invocados na decisão impugnada.
*
(II) Da Autora
Na óptica da Autora, o Tribunal a quo cometeu um erro de julgamento ao absolver a 1ª Ré do pedido.
Pois, para ela, a 1ª Ré deveria ser condenada solidariamente com a 2ª Ré no pagamento da quantia depositada ao abrigo do artº do artº 23º, nº 3 da Lei nº 16/2001, bem como dos artºs 29º e 30º do RA nº 6/2002, por não ter cumprido o seu dever de fiscalização.
Quid júris?
Dispõe o nº 3 do artº 23º da Lei nº 16/2001 o seguinte:
Artigo 23.º
Promotores de jogo
1. …
2. …
3. Perante o Governo, é sempre uma concessionária a responsável pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo, seus administra B e colabora B e pelo cumprimento por parte deles das normas legais e regulamentares, devendo para o efeito proceder à supervisão da sua actividade.
4. …
5. …
6. …
7. …
Por sua vez, os artºs 29º e 30º do RA nº 6/2002 têm as seguintes redacções:
Artigo 29.º
Responsabilidade das concessionárias
   As concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administra B e colabora B destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis.
Artigo 30.º
Obrigações das concessionárias
   Sem prejuízo de outras previstas no presente regulamento administrativo e em demais legislação complementar, constituem obrigações das concessionárias:
1. Enviar, até ao dia 10 de cada mês, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, uma relação discriminada relativa ao mês antecedente dos montantes das comissões ou outras remunerações por si pagas a cada promotor de jogo, bem como dos montantes de imposto retidos na fonte, acompanhada de toda a informação necessária à verificação dos respectivos cálculos;
2. Enviar, em cada ano civil, de 3 em 3 meses, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos a lista referida no n.º 3 do artigo 28.º;
3. Comunicar à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos qualquer facto que possa afectar a solvabilidade dos promotores de jogo;
4. Manter em dia a escrita comercial existente com os promotores de jogo;
5. Fiscalizar a actividade dos promotores de jogo, nomeadamente quanto ao cumprimento das suas obrigações legais, regulamentares e contratuais;
6. Comunicar às autoridades competentes qualquer facto que possa indiciar a prática de actividade criminosa, designadamente de branqueamento de capitais, por parte dos promotores de jogo;
7. Proporcionar um relacionamento são entre os promotores de jogo junto dela registados;
8. Pagar pontualmente as comissões ou outras remunerações acordadas com os promotores de jogo;
9. Cumprir pontualmente as suas obrigações fiscais.
Este Tribunal tem entendido que a responsabilidade solidária da concessionária de jogo de fortuna e azar só se existe quando o depósito em causa tem conexão com a promoção da actividade de jogo e azar.
No caso em apreço, segundo a factualidade apurada, o que está subjacente é um contrato de depósito realizado pela Autora na Sala de VIP explorada pela 1ª Ré (promotor de jogo) que funcionava junta da 2ª Ré, com o fim de obter juros à taxa anual no mínimo de 18%.
Ora, não se nos afiguramos que tal depósito tenha conexão com a promoção da actividade de jogo e azar, visto que um depósito para jogo não tem juros segundo a experiência comum.
A nosso ver, tal depósito consiste num “investimento” próprio da Autora com vista a obter lucros (juros), não visando portanto para jogo de fortuna e azar.
Ora, não tendo o depósito conexão com a actividade da exploração de jogo de fortuna e azar, não é exigível a concessionária de jogo responder solidariamente nos termos do artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.
Face ao exposto, é de negar provimento do recurso final da Autora com fundamentos algo diversos.
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B. Do recurso interlocutório da 1ª Ré
Uma vez que a sentença recorrida foi confirmada nos termos supra expostos, a apreciação do recurso interlocutório da 1ª Ré torna-se desnecessária por a mesma já se encontrar absolvida do pedido.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- negar provimento aos recursos finais interpostos pelas Autora A, e pela 2ª Ré B Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada, confirmando a sentença recorrida; e
- não apreciar o recurso interlocutório interposto pela 1ª Ré, por ser desnecessidade.
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Custas dos recursos finais pela Autora e pela 2ª Ré, respectivamente.
Sem custas do recurso interlocutório.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 04 de Novembro de 2021.


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Ho Wai Neng
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Tong Hio Fong
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro




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563/2021