Processo n.º 731/2021
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 11 de Novembro de 2021
ASSUNTOS:
- Impugnação da matéria de facto e indemnização de descanso semanal
SUMÁRIO:
I – Para impugnar a matéria de facto em sede de recurso, o artigo 599º do CPC impõe ao impugnante o ónus de especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, para além de constituir uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC. É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.
II - O artigo 17° do DL n.º 24/89/M, de 3 de Abril, dispõe que “todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas (...)”, sendo o período de descanso motivado por razões de ordem física e psicológica, o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”, mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade.
III - No âmbito do artigo 17º do DL acima referido, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo Recorrente em dia de descanso semanal, se a entidade patronal não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no artigo 17º citado, este deve ser compensado a esse título com o montante devido a título do dobro do salário e não só de apenas mais um montante em singelo.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 731/2021
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 11 de Novembro de 2021
Recorrente : Recurso Final / Recurso Interlocutório
A Casino, S.A. (A娛樂場股份有限公司)
Recorrido : B
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
A – Recurso interlocutório:
A Casino, S.A. (A娛樂場股份有限公司), Recorrente, com os sinais identificativos nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 25/01/2021 (fls.143 e 144), veio, em 03/02/2021, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 148 a 158, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. Na contestação cabe a defesa por impugnação e a defesa por excepção.
B. Não haverá defesa por impugnação se a versão da realidade apresentada pelo demandado não afectar o círculo dos factos constitutivos do direito do autor e envolver antes a alegação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.
C. Na sua contestação e no incidente que levantou em relação à admissibilidade da Resposta do Autor, a Ré, aqui Recorrente, claramente contradiz os factos narrados pelo Autor, e não aceita que aqueles correspondam à verdade factual.
D. A Ré submeteu com a sua contestação um documento de liquidação final dos créditos laborais, assinado pelo Autor.
E. Referindo que, por via daquele documento e da declaração que nele subscreve, o Autor havia aceite que lhe tinham sido pagos todos os montantes em dívida.
F. Estranhando a Ré como é que só passado tanto tempo se lembra o Autor de fazer tais reivindicações, todas elas infundadas.
G. O douto Despacho Saneador de que se recorre não fez uma correcta apreciação das alegações da Ré, aqui Recorrente, quanto ao documento de liquidação final dos créditos laborais.
H. De uma correcta apreciação das alegações feitas pela Ré, aqui Recorrente, na sua contestação e no incidente que levantou em relação à admissibilidade da Resposta do Autor, deveria ter sido notado que esta não aceita a realidade dos factos narrados pelo Autor e deduz uma defesa por impugnação.
I. Pelo que, deveria o Tribunal a quo ter decidido pela não admissibilidade e desentranhamento da resposta apresentada pelo Autor de fls. 107 a 114 dos autos recorridos, nos termos previstos no artigo 33.º do Código de Processo do Trabalho.
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B, Recorrido, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 172 a 175, tendo formulado as seguintes conclusões:
a) Do objecto do Recurso formulado pela Ré:
Não se conformando com a decisão contida no douto Despacho Saneador, na parte em que naquele se julgou improcedente o "incidente de admissibilidade da Resposta do Autor" tal qual formulado pela Ré, vem a mesma daquele recorrer o douto Tribunal de Recurso.
Salvo o devido respeito, está o Recorrido em crer que em caso algum se pode concluir pela procedência do Recurso formulado e, em concreto, pela "inadmissibilidade da Resposta apresentada pelo Autor", razão pela qual deverá improceder na íntegra o Recurso interposto pela Ré, Recorrente, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se requer.
Mais detalhadamente,
Alega a Recorrente que, contrariamente ao que terá sido concluído pelo Tribunal a quo, a Ré não terá formulado uma qualquer excepção nos factos por si alegados, razão pela qual não era conferido ao Autor apresentar uma Resposta.
Em concreto, está em causa apreciar se o alegado pela Ré sob os arts. 74.º a 78.º da Contestação configura matéria que, a ser provada, será ou apta a modificar e/ou a extinguir (ainda que parcialmente) as pretensões deduzidas pelo Autor na sua Petição Inicial.
Vejamos.
Alega a Ré sob o art. 74.º da Contestação que: "(...) aquando da cessação da relação laboral, a Ré pagou ao Autor todos os valores que lhe eram devidos, assinando este o respectivo documento de quitação (...)".
Posteriormente, aquando da Resposta à reclamação à matéria de facto apresentada pelo Autor, constante de fls. 142, vem a Ré "elucidar" o seguinte:
"Isto pois, qualquer pessoa comum, mesmo uma que não tenha extensos conhecimentos legais, quando na posição de trabalhador, lhe é pedido que aceite os cálculos feitos pelo empregador num documento titulado "final payment noiice" sabe que está a declara que os montantes em dívida são os que estão ali referidos (e que irá receber) e que mais nenhum montante lhe é devido" (negrito e sublinhado do Recorrido).
Em face do acabado de expor, entende a Ré que: "tal configura uma defesa por impugnação", porquanto, "não se alega o pagamento final como facto que impeça o Tribunal a quo de apreciar do mérito da acção ou como facto que sirva de causa extintiva do direito invocado pelo autor" (Cfr. pág. 8 das Motivações de Recurso).
Será assim? Está o Recorrido em crer que não.
É que, salvo o devido respeito, ao alegar que "a Ré já tinha pago todos os montantes em dívida" ou que "nenhum montante lhe é devido" a Ré está(va) claramente a apresentar uma defesa por excepção, visto que o (único) efeito pretendido - a ser julgada procedente tal matéria - será a absolvição dos pedidos formulados pelo Autor, razão pelo qual bem decidiu o Tribunal a quo, ao aceitar a Resposta apresentada pelo Autor.
Pelo exposto, está o Recorrido em crer que nenhum reparo se impõe ao douto Despacho Saneador na parte em que aceitou a Resposta apresentada pelo Autor e, consequentemente, julgou improcedente o incidente de (não) admissibilidade de apresentação da mesma formulada pela Recorrente.
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B – Recurso da decisão final:
A Casino, S.A. (A娛樂場股份有限公司), Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 10/06/2021, veio, em 25/06/2021, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 238 a 296, tendo formulado as seguintes conclusões :
A. A matéria de facto dos autos sub judice de que ora se recorre foram julgados em sessão conjunta com os processos LB1-20-0164-LAC, LB1-20-0167-LAC, LB1-20-0172-LAC, LB1-20-0174-LAC e LB1-20-0177-LAC.
B. A prova realizada na sessão conjunta foi diversamente apreciada pelo digno Tribunal a quo relativamente a cada um destes processos.
C. Das sentenças proferidas nos processos LB1-20-0164-LAC, LB1-20-0167-LAC, LB1-20-0172-LAC, LB1-20-0174-LAC e LB1-20-0177-LAC, o digno Tribunal a quo valorou a prova de forma idêntica e proferiu decisão idêntica no que respeita às alegações de ser devida pela Ré compensação por trabalho extraordinário (30 minutos por cada turno).
D. No entanto, o mesmo já não aconteceu quanto às alegações de ser devida pela Ré compensação por violação do descanso semanal.
E. Não se percebe a razão de ser da diferença na apreciação e valoração da prova realizada e a dissonância na decisão da matéria de facto quanto ao processo LB1-20-0170-LAC e aos processos LB1-20-0177-LAC e LB1-20-0167-LAC.
F. Os pedidos, causas de pedir, alegações e prova realizada em todos os 3 processos (LB1-20-0170-LAC, LB1-20-0177-LAC e LB1-20-0167-LAC) são em quase tudo semelhantes.
G. A prova (nomeadamente, a prova testemunhal) foi produzida em sessão conjunta, pelo que, o digno Tribunal a quo deveria tê-la valorado de forma idêntica, levando a decisões sobre a matéria de facto idênticas e. em última análise, a Sentenças semelhantes.
H. Da mesma forma que no processo LB1-20-0167-LAC, o Digno Tribunal considera provado o quesito 16 daquela base instrutória (cujo teor, grosso modo, corresponde ao teor do quesito 16 da base instrutória dos autos em crise) quanto ao período da relação laboral (entre 06/07/2006 e 31/05/2008), apenas quanto a certas semanas em concreto ali elencadas.
I. No processo LB1-20-0177-LAC, o Digno Tribunal já considera provado o quesito 16 daquela base instrutória (cujo teor, grosso modo, corresponde ao teor do quesito 16 da base instrutória dos autos em crise) quanto ao período da relação laboral (entre 12/07/2004 a 28/11/2008), em relação àquele período inteiro, dividindo, a sua decisão de facto em 3 partes.
J. Nos autos sub judice deu o Tribunal a quo como provado que o Autor tinha que comparecer ao serviço com uma antecedência de 30 minutos em cada turno e que a Ré desrespeitou a regra de um dia de descanso semanal em cada sete dias.
K. No entanto, nos períodos em que o Digno Tribunal pode verificar dos registos de assiduidade submetidos aos processos LB1-20-0177-LAC e LB1-20-0167-LAC, devidamente notados nas decisões de facto produzidos, na resposta aos quesitos 16, verifica-se, claramente, que nem sempre em todas as semanas de trabalho, durante todos os períodos de trabalho ali referidos, aqueles autores prestaram trabalho ao 7.° dia consecutivo, em violação do direito ao descanso semanal.
L. Os documentos juntos com os processos LB1-20-0177-LAC e LB1-20-0167-LAC permitiam ao Tribunal, facilmente, verificar que, podendo um trabalhador prestar trabalho ao sétimo dia consecutivo, tal não acontecia sempre, em todas as semanas!
M. O Autor trabalhou no casino Rio (e o autor do processo LB1-20-0167-LAC trabalhou no casino Presidente e o autor no processo LB1-20-0177-LAC trabalhou no casino Grand Waldo), mas a entidade patronal é sempre a mesma (a aqui Ré).
N. A Ré não concorda com a decisão contida na Sentença, designadamente, com a valoração feita pelo Tribunal a quo quanto a toda a prova produzida nos autos.
O. Aliás, nos autos em crise, o próprio digno Tribunal a quo nota essa situação na decisão da matéria de facto, quando faz o seguinte comentário, em Português: "Os autos em causa não contêm o registo de assistência do Autor, e são divergentes os registos de assistência de guardas em outros casos, quanto ao dia de descanso semanal: uma pessoa trabalhava regularmente durante 6 dias consecutivos e depois tinha 1 dia de descanso e, até ao fim de cada mês, trabalhava durante 7 dias consecutivos e depois tinha 1 dia de descanso; mas outra pessoa gozava irregularmente do seu descanso semanal. Daí se conclui que, mesmo que fossem igualmente empregados pela Ré, a situação era variável para os guardas de segurança. Sem demais provas objectivas, o juízo está convicto de que o facto de gozar um dia de descanso semanal após seis dias de trabalho consecutivos constitui uma excepção, devendo ser admitidos os depoimentos das testemunhas a favor do Autor, ou seja, o Autor podia ter um dia de descanso semanal depois de prestar trabalho durante sete dias consecutivos.".
P. Atento este comentário a respeito deste facto, somos de opinião que deveria o digno Tribunal a quo ter seguido as doutas decisões proferidas nas sentenças referentes aos processos LB1-20-0199-LAC, LB1-20-0176-LAC, LB1-20-0166-LAC ou LB1-20-0165-LAC, que decidiram nos seguintes termos, relativamente a facto semelhante quer relegar para liquidação de execução de sentença, nos termos do artigo 564.°, n.º2 do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPT (LB1-20-0199-LAC, LB1-20-0176-LAC e LB1-20-0166-LAC) ou dar como não provado o facto (LB1-20-0165-LAC).
Q. Atenta a prova realizada nos autos em crise (LB1-20-0170-LAC), afigurar-se-ia que a decisão mais ajuizada a respeito dos factos em discussão no quesito 16 deveria ter sido outra.
R. A Ré elucidou logo na contestação que a relação laboral entre o Autor e a Ré cessou a 14 de Novembro de 2008 - há quase 12 anos.
S. Sendo que, nos termos do Decreto-Lei n.º 24/89/M, diploma que regulou as relações laborais entre o Autor e a Ré, não estava a entidade patronal obrigada a conservar quaisquer registos ou documentos relativos aos seus trabalhadores.
T. Não podendo ser assacada à Ré qualquer consequência pela não submissão de tais documentos, nomeadamente, a respeito da repartição do ónus da prova que incumbe a cada uma das partes.
U. Também nesse sentido, já havia a Ré pedido à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais ("DSAL") para informar se tinha os dados providenciados pela Ré, ao abrigo do artigo 7.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 24/89/M, referentes ao período entre 1.1.2004 a 31.12.2008, tendo a DSAL informado que já não os tem (vide Doc. n.º 1 junto com a Contestação).
V. Não obstante, foi possível à Ré localizar alguns documentos referentes à relação laboral que manteve com o Autor, os quais, apesar de esta não ter qualquer obrigação legal de os reter, foram juntos aos autos.
W. A Ré juntou aos autos 3 documentos, a saber: contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré (documento n.º 2 com a Contestação); recibos e documentos emitidos aquando da cessação da relação laboral em 14/11/2008, intitulado "Final Payment Notice" (documento n.º 3 com a Contestação) e recibos de vencimento dos meses de Janeiro a Outubro de 2008 (documento n.º 4 com a Contestação).
X. Da decisão da matéria de facto e da Sentença, é patente que o Tribunal a quo teve em pouca consideração a prova feita por via dos documentos n.º 2, n.º 3 e n.º 4 juntos aos autos com a Contestação, designadamente, só usando o documento n.º 4, para dar como não provado a alegação do Autor de que lhe era devida compensação pela prestação de trabalho em dia de feriado obrigatório remunerado.
Y. No entanto, a prova feita pelos documentos n.º 2, n.º 3 e n.º 4 juntos aos autos com a Contestação deveria ter sido valorada de forma diferente.
Z. Em especial, no que se refere aos recibos e documentos emitidos aquando da cessação da relação laboral em 14/11/2008, intitulado "Final Payment Notice" (documento n.º 3 com a Contestação).
AA. O Tribunal a quo entende que deste documento não resulta a extinção dos créditos de compensação pedidos pelo Autor na presente causa.
BB. A Ré discorda da valoração e entendimento feito pelo Tribunal a quo a este respeito.
CC. A Ré teve oportunidade de elucidar o Tribunal a quo quanto ao seu procedimento relativamente à emissão deste tipo de documento intitulado "Final Payment Notice".
DD. A não valoração do documento (n.º 3) junto com a Contestação, intitulado "Final Payment Notice" constitui, a nosso ver, e salvo melhor entendimento, a violação do previsto nos artigos 775.º e 776.º do Código Civil, relativamente ao direito da Ré, ao cumprir a sua obrigação para com o Autor, de exigir quitação daquele a quem a prestação foi feita.
EE. Pelo que, dos elementos de prova nos autos, cremos que fica comprovada a liquidação final dos créditos laborais do Autor e que o Autor aceitou o cálculo efectuado pela Ré como correcto.
FF. Desta forma, deverá a Ré ser completamente absolvida dos pedidos do Autor.
GG. Mas, mesmo que assim não entenda o digno Tribunal ad quem, o que apenas admitimos hipoteticamente, a Sentença padece de outros vícios relevantes.
HH. Conforme se verifica da decisão da matéria de facto e da Sentença, no que respeita à convicção do Tribunal para a decisão relativa aos quesitos 8, 9 e 10, o Tribunal a quo apenas valorou o depoimento de C, tendo desvalorizado o depoimento da testemunha D.
II. Na ausência de qualquer documento, a Ré ofereceu provas quanto aos quesitos 8, 9 e 10, na forma do depoimento da testemunha D.
JJ. D claramente indicou ao Tribunal a quo ser do seu conhecimento que: as reuniões pré-turno eram facultativas; e que, a falta ou atraso às reuniões pré-turno não eram punidas.
KK. A esse respeito (da desconsideração do depoimento) invocou o Tribunal a quo que o mesmo prestou alegações forçadas e não correspondentes às regras de experiência para justificar a natureza facultativa de tais reuniões.
LL. Nos autos não foram produzidos os registos de presença do Autor, ou seja, documento que demonstre quais os dias efectivos em que aquele trabalhou e a que horas entrou e saiu do serviço.
MM. O único documento que tem alguma relevância probatória relativamente às reuniões pré turno é o contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, que foi junto como Doc. n.º 2 com a Contestação.
NN. De acordo com o contrato de trabalho, era exigido ao Autor pelo menos oito (8) horas por dia (incluindo almoço ou descanso) com base numa semana de seis (6) dias), o que foi dado como facto assente!
OO. E, seria de senso comum e expectável, segundo a experiência, que a entidade patronal reflictisse no teor do contrato de trabalho que celebrava, tal obrigação de comparecer sempre às reuniões pré-turno, se ela existisse.
PP. Se o Tribunal a quo aplica o critério da experiência do Tribunal deve fazê-lo de forma completa e rigorosa, não restringindo a aplicação de tal critério apenas à defesa da tese do Autor.
QQ. Pelo que, no que respeita à matéria dos quesitos 8, 9 e 10, o Tribunal a quo desconsiderou, por completo o contrato celebrado entre as partes neste litígio, cujo teor claramente indica, sem dúvida, qual a obrigação do Autor, enquanto trabalhador da Ré, relativamente à duração da jornada de trabalho diária e à duração da jornada de trabalho semanal.
RR. Assim, em virtude da prova produzida pela Ré nos presentes autos, deveria ter o Tribunal a quo julgado como não provada a matéria constante nos quesitos 8, 9 e 10.
SS. A respeito da matéria constante nos quesitos 16, 17 e 18, verifica-se, pelo teor da decisão da matéria de facto e pela Sentença que o Tribunal a quo apenas valorou o depoimento da testemunha do Autor.
TT. Ora, a Ré ofereceu provas quanto a estes quesitos, na forma do depoimento da testemunha n.º 2 - E.
UU. E claramente indicou ao Tribunal a quo ser do seu conhecimento que, nos termos do contrato, a jornada de trabalho semanal era de 6 dias consecutivos, seguidos de 1 dia de descanso.
VV. Cujo teor o Tribunal a quo desconsiderou por completo tendo apenas decidido acolher a versão contida no depoimento da testemunha do Autor C, relativamente aos quesitos 16, 17 e 18.
WW. Também aqui o Tribunal a quo desconsiderou por completo o teor do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, que foi junto como Doc. n.º 2 com a Contestação.
XX. Donde resultava que apenas era exigido ao Autor pelo menos oito (8) horas por dia (incluindo almoço ou descanso) com base numa semana de seis (6) dias!
YY. Em virtude da prova produzida pela Ré nos presentes autos, deveria ter o Tribunal a quo julgado como não provada a matéria constante nos quesitos 16, 17 e 18.
ZZ. O Tribunal a quo qualificou erradamente o tempo dispendido com as reuniões pré turno como trabalho extraordinário.
AAA. Não tendo, erradamente, considerado o período de tempo dispendido com a reunião pré turno como "tempo necessário à preparação para o início do trabalho", nos termos do artigo 10.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 24/89/M.
BBB. Pelo que deve a Ré ser absolvida quanto ao pedido do Autor que se condene no pagamento de compensação por trabalho extraordinário de 30 minutos em cada dia de trabalho.
CCC. Da mesma forma, o digno Tribunal a quo aplicou uma fórmula para calcular o quantum compensatório que não corresponde à melhor interpretação do previsto no artigo 17.º, n.º 6 de Decreto-Lei n.º 24/89/M.
DDD. A Ré, ora Recorrida, não aceita que tenha ficado suficientemente provado nos autos sub judice que o Autor prestou qualquer trabalho em dia de descanso semanal.
EEE. A respeito da interpretação do artigo 17.°, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 24/89/M, já se pronunciou o Tribunal de Última Instância.
FFF. Defende o Tribunal de Última Instância que, tendo um trabalhador já recebido "o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso semanal, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não em dobro".
GGG. Como tal, apenas lhe seria devido mais um dia de salário em singelo.
HHH. A aceitar-se a interpretação postulada pelo digno Tribunal a quo, tal equivale à consagração de um pagamento em triplo do montante devido pelo trabalho em dia de descanso semanal.
III. Triplo correspondente ao pagamento do salário normal (que aceita já ter recebido e sempre receberia, mesmo que não trabalhasse) acrescido de um pagamento pelo dobro do salário normal.
JJJ. Tal leitura não se retira de nenhum elemento do Decreto-Lei n.º 24/89/M.
KKK. Do elemento literal o intuito do legislador é o de que, caso o trabalhador preste trabalho em dia descanso semanal, tal trabalho deve ser pago e deve ser pago apenas pelo dobro da retribuição normal.
LLL. O "dobro" é constituído por um dia de salário normal mais um dia de acréscimo.
MMM. Provando-se que já foi pago um dia em singelo, terá o trabalhador direito a mais um dia em singelo, perfazendo-se, assim, matematicamente, o comando legislativo, claro e inequívoco, de pagar aquele trabalho "pelo dobro da retribuição normal".
NNN. Caso o legislador houvesse querido contemplar pagamento em triplo, tal comando legislativo viria claramente consagrado no texto da lei em apreço.
OOO. No entanto, não é essa a solução reflectida pelo legislador no artigo 17.º, n.º 6, al. a) do Decreto-Lei n.º 24/89/M.
PPP. Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correcta aplicação a um caso concreto.
QQQ. O mais importante e primacial desses factores ou meios são as palavras que o legislador escolheu para a lei se expressar (elemento literal).
RRR. o elemento literal ou gramatical, constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação.
SSS. Para lá do elemento literal, podemos fazer uso dos elementos com os quais se pode determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica.
TTT. Ao interpretar o comando previsto na redacção do artigo 17.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 24/89/M, deverá o douto Tribunal ad quem ter em consideração o elemento literal na sua função positiva ou de selecção, o elemento literal na sua função negativa ou de exclusão, o elemento sistemático dentro do próprio Decreto-Lei n.º 24/89/M,
UUU. Deve ser tido também em consideração o elemento histórico na interpretação do comando previsto na redacção do artigo 17.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 24/89/M.
VVV. E, deve também ser tido em consideração o elemento teleológico na interpretação do comando previsto na redacção do artigo 17.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 24/89/M.
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B, Recorrido, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 387 a 402, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Insurge-se a Recorrente quanto ao conteúdo da douta Sentença por entender que a mesma enferma de erro de julgamento na apreciação da prova e erro na aplicação do Direito;
2. Porém, em concreto, não se vislumbra da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento um qualquer erro ou vício quanto à decisão da matéria de facto posta em crise;
3. Pelo contrário, o Tribunal a quo apreciou e conheceu com detalhe o fundo da causa, enquadrando devidamente os factos no Direito aplicável e em conformidade com a prova produzida, tendo formado a sua convicção mediante uma análise séria, crítica e descomprometida das provas carreadas e/ou produzidas em sede de audiência de julgamento e com desenvolvida especificação das razões e dos fundamentos convincentes da mesma, e sem que existam motivos para pôr em causa a sua credibilidade, certeza ou justeza, razão pela qual deve a douta Decisão manter-se (sem prejuízo do oportunamente alegado pelo ora Recorrido em sede de Recurso Subordinado), o que desde já e para os legais efeitos se requer.
Mais detalhadamente.
4. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, ainda que tenha tido lugar uma “sessão conjunta de julgamento" - a que a Ré não se opôs - sendo a distinta prova, distinta se justifica igualmente a sua concreta valoração pelo douto Tribunal a quo, sendo a que nada “obriga" a que existam duas decisões semelhantes sendo a prova distinta;
5. Despois, é juridicamente inadmissível que a Recorrente aproveite as suas Motivações de Recurso para vir “aditar" factos não alegados anteriormente, razão pela qual deverão aquelas se ter como não escritas;
6. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, É FALSO e não corresponde à verdade que o Doc. 3 junto pela Ré com a Contestação “não tenha sido valorado" pelo douto Tribunal a quo!
7. Pelo contrário, a simples leitura da douta Sentença deixa ver que o referido documento foi “exaustivamente" apreciado pelo Tribunal Judicial de Base, limitando-se a Recorrente a “discordar" do teor da “apreciação" jurídica levada a cabo pelo Tribunal a quo;
8. Ora, uma coisa é a Recorrente não concordar com a “apreciação jurídica" que foi levada a cabo pelo Tribunal a quo; outra, bem distinta, é a Recorrente afirmar que o mesmo "não foi valorado" pelo mesmo Tribunal, porque tal corresponde a uma falsidade e a um profundo desrespeito pela douta Decisão em causa;
9. E, salvo melhor opinião, a reprodução do testemunho prestado pela testemunha arrolada pela Ré se mostre apto a contrariar o que foi devidamente concluído pelo Tribunal de Primeira Instância e, em concreto, que devesse resultar como "comprovada a liquidação final dos créditos laborais do Autor" ou que o douto Tribunal a quo devesse ter julgado como provado a matéria constante do quesito 19, razão pelo que deverá improceder todo o alegado pela Recorrente a tal respeito;
10. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, não corresponde à verdade afirmar que a convicção do Tribunal a quo para a decisão relativa aos quesitos 8, 9 e 10 apenas valorou o depoimento da testemunha do Autor - desde logo porque do "trecho" que a própria Ré cita faz ampla referência às declarações prestadas pelas testemunhas do Autor e da testemunha arrolada pela Ré - pelo não se compreende bem o alegado pela Recorrente a este concreto respeito e, muito menos quando alega que "constitui um vício da Sentença, porquanto, foi erradamente valorada a prova produzida nos presentes autos", pelo que deverá improceder todo o alegado pela Recorrente a tal respeito;
11. Depois, conforme já se referiu, não será correcto que, no que diz respeito à decisão relativa aos quesitos 8, 9 e 10 o Tribunal a quo apenas tenha valorado o depoimento da testemunha do Autor - tendo desvalorizado a testemunha indicada pela Ré, nem se consegue vislumbrar qualquer razão para tal afirmação: se o Tribunal "preferiu" o depoimento de uma testemunha em "lugar" do depoimento da outra, foi certamente porque o primeiro se mostrou "mais convincente", pelo que a Recorrente se limita a pôr em causa o Princípio da livre apreciação da prova feita pelo Tribunal a quo, o que desde já deverá naufragar ...
12. Ainda que a Recorrente alegue ser "a maior" entidade patronal do sector privado em Macau", tal não será quanto baste para que a mesma venha a pôr em causa a experiência do Tribunal, acusando-o de não valorar a prova "de forma completa e rigorosa" e ter-se "restringido" apenas à defesa da tese do Autor.
13. Tal juízo de valor, porque falso e sem qualquer propósito deverá ser tido como não escrito, porque se mostra ofensivo para com o douto Tribunal e, bem assim, por litiga em juízo nos presentes autos, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se requer;
14. Seja como for, atenta a prova e contra-prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, em caso algum se justifica uma qualquer alteração do sentido - como provado - dos quesitos 8, 9 e 10 da douta Base Instrutória, pelo que deverá improceder todo o alegado pela Recorrente a este tal respeito.
Sem prescindir,
15. Ao invés do alegado, não se depara um qualquer erro e/ou vício na douta Sentença no que respeita à decisão relativa aos quesitos 16.º a 18. Pelo contrário, também aqui o Tribunal a quo demonstrou grande saber, imparcialidade e experiência, pelo que deve improceder o alegado pela Recorrente a este concreto respeito, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se invoca e requer;
16. Depois, igualmente não se vislumbra um qualquer motivo para que seja alterada a resposta oferecida pelo douto Tribunal tendo em conta os depoimentos prestados em audiência, de onde não se verifica uma qualquer "errada valoração" da prova produzida, contrariamente ao alegado pela Recorrente;
Por outro lado,
17. Distintamente do que a Recorrente se esforça por alegar, não é verdade que o Tribunal não tenha valorado devidamente o "contrato de trabalho" junto com a Contestação;
18. De resto, salvo o devido respeito, não se vê em que medida o teor do Doc. 2 junto com a Contestação se mostra relevante para a matéria em discussão. É que, a cláusula 13 do contrato de trabalho respeita ao período normal de trabalho, mas nada avança quanto à chamada "reunião pré-turno" que antecedia o início de cada um dos turnos;
19. Assim, não tendo o Tribunal a quo encontrado no referido Documento qualquer "suporte" para a tese avançada pela Ré, não se verifica um qualquer vício no que respeita à decisão relativa aos quesitos 16 a 18, devendo os mesmos manter-se como provados, contrariamente ao que a Recorrente requer;
Acresce que,
20. A respeito da alegada" errada qualificação jurídica das reuniões pré-turno" a Recorrente limita-se a mostrar a sua" oposição" à interpretação - pacífica - que tem vindo a ser feita pelo douto Tribunal de Recurso e que foi "adoptada" pelo Tribunal Judicial de Base;
21. Do mesmo modo, também ao nível do o alegado "erro na fórmula de cálculo" para o pagamento da quantia devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal a Recorrente limita-se a mostrar o seu "descontentamento" a respeito do que tem vindo a ser seguido pelo Tribunal de Recurso, mas sem que qualquer um dos "novos" fundamentos que procura alegar se mostrem convincentes para justificar uma" mudança de interpretação" por parte do mesmo Tribunal de Recurso;
22. Salvo o devido respeito, apenas se recorda à Recorrente que, certamente, os Tribunais - e os magistrados que os compõem - sabem como "interpretar" o sentido da Lei, dispensando àquela Lições de Introdução ao Estudo do Direito, Filosofia ou mesmo de Metodomonologia Jurídica;
23. Toda a discussão (pouco) jurídica levada a cabo na Assembleia Legislativa aquando da discussão e votação na especialidade da proposta da "nova" Lei das Relações de Trabalho, nada esclarece quanto à matéria em apreciação, pelo que deve a mesma ter-se por irrelevante.
*
Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. Entre 22/05/2006 a 14/11/2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
2. Entre 22/05/2006 a 30/06/2006, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$7.500,00, a título de salário de base mensal. (B)
3. Entre 01/07/2006 a 30/06/2007 a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$8.700,00, a título de salário de base mensal. (C)
4. Entre 01/07/2007 a 30/06/2008 a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$8.850,00, a título de salário de base mensal. (D)
5. Entre 01/07/2008 a 14/11/2008 a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$9.210,00, a título de salário de base mensal. (E)
6. O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (1.º)
7. A Ré sempre fixou o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (2.º)
8. O Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré. (3.º)
9. Durante o período da relação de trabalho o Autor gozou de 12 dias de férias por cada ano. (4.º)
10. Entre 22/05/2006 a 14/11/2008, por ordem da Ré, o Autor prestou a sua actividade nos seguintes dias de feriado obrigatório. (5.º)
FERIADOS
ANOS
2006
2007
2008
1 DE JANEIRO
0
1
1
3 DIAS DE ANO
0
3
3
NOVO CHINÊS
1 DE MAIO
0
1
1
1 DE OUTUBRO
1
1
1
11. Pelo trabalho prestado em dia de feriado, a Ré pagou ao Autor o correspondente ao dia de trabalho prestado mais o acréscimo em dobro. (6.º)
12. Durante o período da relação de trabalho, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo aí permanecido às ordens e sob as instruções dos seus superiores hierárquicos. (8.º)
13. Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho, mediante a indicação do seu concreto posto de trabalho para o referido turno. (9.º)
14. A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecediam o início de cada turno. (10.º)
15. Durante o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a Ré num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas de trabalho por dia (N, E, D):
Turno Noite (Nigth): (das 00h às 8h)
Turno tarde (Evening): (das 16h às 00h)
Turno Dia: (Day): das 8h às 16h). (11.º)
16. Os turnos respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (N-E)-(D-N)-(E-D). (12.º)
17. Durante o período da relação de trabalho com a Ré, o Autor respeitou o regime de turnos especificamente fixados pela Ré. (13.º)
18. A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) a título de trabalho prestado pelo Autor durante o período de 8 horas para além do seu período normal de trabalho, em cada ciclo de 21 dias de trabalho. (15.º)
19. Entre 22/05/2006 e 14/11/2008, o Autor prestou trabalho para a Ré num regime de sete dias de trabalho consecutivos. (16.º)
20. A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho. (17.º)
21. Entre 22/05/2006 e 14/11/2008, a Ré nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (18.º)
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
A – Recurso interlocutório:
A Ré/Recorrente defendeu que, ao contestar acção proposta pelo Autor, ela se limitou a defender por impugnação e como tal a peça que o Autor apresentou, a seguir à contestação, não deveria ser admitida e como tal deveria desentranhado do processo, restituindo-se ao seu apresentante.
Mas não foi esta posição do Tribunal recorrido, este decidiu admitir a peça em causa, tendo proferido o despacho com o seguinte teor:
Fls. 120 a 131:
A R. suscita que não se deve admitir a resposta do A., uma vez que na contestação a R. não defendeu por excepção, nem formulou pedido de condenar o A. como litigante de má fé.
Dispõe o art. 33° do CPT: "1. Sendo deduzidas excepções, pode o autor responder à matéria destas no prazo de 8 dias."
Analisado o teor da contestação, alegou a R. nos seus artigos 30°, 61° e 71° que "a Ré não aceite que, caso tivesse sido prestado trabalho... pelo Autor, não lhe tivesse sido pago a devida compensação...", "... a Ré não aceite que o Autor a ter prestado trabalho ... , não tenha sido devidamente compensado ... " e " ... não aceite a Ré que, caso esse trabalho tenha sido prestado pelo Autor, o mesmo não tenha sido pago ... ". Afigura-se-nos que os alegados nestes três artigos negaram meramente, da forma hipotética, os factos alegados na pi. Porém, a R. continuou a alegar no artigo 74° que "aquando da cessação da relação laboral, a Ré pagou ao Autor todos os valores que lhe eram devidos, assinando este o respectivo documento de quitação", juntando o doc. 3 como prova. A pretensão da R. aí é clara, o alegado no artigo 74°, em conjunto com os nos artigos acima referidos visa dizer que a R. pagou ao A. todos os valores que lhe eram devidos, pelo que não tem o A. o direito a reclamar os créditos ora peticionados. Salvo devido respeito, entendemos que se trata de factos que servem de causa extintiva do direito invocado pelo A., e assim se configura a verdadeira excepção peremptória.
Nestes termos, é de admitir a reposta e julgar improcedente o incidente.
Custas pela R., fixando a taxa de justiça em 1 Uc.
*
Fls. 132 a 133:
Vem o Autor reclamar da selecção da matéria de facto, requerendo o aditamento dos 3 quesitos.
Antes de mais, alegou o Autor que "A mudança de turno ocorrida ao fim de 7 dias de trabalho consecutivo, em cada uma das segundas feiras de início de cada semana de calendário" e "Em cada segunda-feira, o Autor mudava de turno, sem que implicasse uma qualquer paragem e/ou período de descanso entre turnos?". De acordo com o alegado, conjugado com os artigos da petição inicial, Autor começava um dos três turnos sempre na Segunda-feira, trabalhava no mesmo turno durante 7 dias consecutivo, pelo que o Autor acabava o horário do mesmo turno no Domingo. Supomos que o Autor começasse pelo horário do turno "N", significaria que o Autor prestasse trabalho das 00h às 08h durante toda a semana (Segunda feira a Domingo). Na Segunda-feira seguinte, o Autor mudasse para o turno "E", ou seja, o Autor prestasse trabalho das 16h às 00h. Assim, não se entende como podiam o Autor prestar a sua actividade num total de 16 horas de trabalho (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) num período de 24 horas, entre o fim da prestação de trabalho no turno N (das 00h às 08h no Domingo) e o início da prestação de trabalho no turno E (das 16h às 00h à Segunda feira seguinte).
Nestes termos, notifique o Autor para esclarecer a dúvida referida.
*
Notifique.
*
Aos 25 de Janeiro de 2021
Quid Juris?
Ora, o que está em causa é a classificação dos argumentos invocados pela Ré na sua contestação, nomeadamente no que se refere ao facto de “pagamento total das indemnizações devidas ao Autor”. Ou seja, o facto de pagamento da obrigação é configurado como uma impugnação ou como uma excepção?
A este propósito, observou o Prof. Antunes Varela (cfr. Manual do Direito de Processo Civil, 2a edição, Coimbra Editora, pág. 285 e seguintes):
“(…)
91. Contestação. Conceito. Modalidades.
Diz-se contestação a peça escrita na qual o réu, chamado a juízo para se defender, responde à petição apresentada pelo autor.
Num sentido material (ou substancial), a contestação é o acto (que pode revestir várias formas) pelo qual o demandado responde à pretensão formulada pelo requerente.
No seu sentido usual, mais preso ao lado substancial da linguagem, o termo contestar significa negar, contrariar, desdizer, regatear, discutir.
Na sua acepção formal (como acto de resposta escrita à petição do autor), a contestação pode, no entanto, revestir uma dupla variante, em função do seu conteúdo, com relevante interesse para a definição do seu regime: a contestação-defesa e a contestação-reconvenção.
Na contestação-defesa, a que por via de regra se reconduz a generalidade das contestações, o réu limita-se a repelir, directa ou indirectamente, a pretensão do autor, nos termos em que esta é deduzida.
Há contestação-defesa se, na acção de condenação, por exemplo, o réu se limita a alegar que o crédito invocado pelo autor nunca chegou a constituir-se validamente, ou se extinguiu entretanto por pagamento, novação ou prescrição, que o tribunal carece de competência para conhecer da acção ou que o autor não tem legitimidade para propor a acção.
(...)
A contestação por simples juncão de documentos assenta no puro oferecimento real da prova documental, desacompanhada de qualquer alegação escrita sobre os próprios factos a que o documento se refere. Não é mencionada nos textos legais, mas cabe sem dúvida no espírito da lei, como forma válida de contestação.
A mera junção de documento comprovativo de um pagamento, de uma renúncia, de uma revogação, ou de outro acto jurídico, pode bem constituir um meio concludente de contrariar um facto articulado pelo autor, não menos expressivo do que a alegação do facto em contestação articulada. Um sistema processual como o português, mais empenhado na descoberta da verdade dos factos do que na observância dos puros ritos de forma, não pode recusar in limine tal forma de contestação.
Se, numa acção de condenação, o réu se limita a requerer a junção aos autos do documento comprovativo do pagamento, remissão, novação ou compensação da dívida cuja cobrança lhe é exigida, não será lícito ao juiz ignorar a contrariedade dos factos articulados pelo autor, de que ele deve conhecer ex officio, nem será lícito duvidar do animus compensandi (art. 848.° do Cód. Civil) do réu, no caso de o documento se referir a uma dívida compensatória.
(...)
93. Defesa por excepção. Classificação legal das excepções.
À defesa por impugnação, na sua dupla variante (impugnação dos factos, de um lado; impugnação do efeito jurídico deles extraídos, do outro), contrapõem a lei e a doutrina a defesa por excepção (art. 487.°, 2).
Num sentido lato, a defesa por excepção compreende toda a defesa indirecta, assente num ataque de flanco contra a pretensão formulada pelo autor.
Trata-se da defesa que, sem negar propriamente a realidade dos factos articulados na petição, nem atacar isoladamente o efeito jurídico que deles se pretende extrair, assenta na alegação de factos novos tendentes a repelir a pretensão do autor.
O afastamento da pretensão do autor visado pela defesa por excepção em sentido lato pode revestir as mais variadas formas: a improcedência (total ou parcial) do pedido; a absolvição da instância (ou seja, a negação da sentença de mérito requerida pelo autor); o indeferimento da petição por ineptidão (sinal de que a relação processual não tem as necessária condições de existência, v.g., por contradição entre o pedido e a causa de pedir: cfr., a propósito, o disposto no art. 206.°, 1, 1.ª parte): a remessa do processo para outro tribunal; a nomeação de outrem à acção; e, em certos termos, o chamamento de terceiro à autoria ou à demanda, etc.
A lei dá, porém, a esta categoria de defesa um sentido mais restrito.
No sentido legal, a defesa por excepção abrange apenas a que, baseada em factos capazes de obstar à apreciação do mérito da acção, provoca a absolvição da instância ou a remessa do processo para outro tribunal e a que, fundada em factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo autor, determina a improcedência (total ou parcial) do pedido (arts. 487.°, 2, 2.ª parte, e 493.º).
Ao núcleo ou grupo das excepções que obstam ao conhecimento do mérito da acção (sem obstarem à proposição de nova acção sobre o mesmo objecto), como sucede com a incompetência absoluta do tribunal, a ilegitimidade, a falta de personalidade judiciária, a incapacidade judiciária ou a irregularidade da representação não devidamente sanadas, a litispendência ou a coligação ilegal de partes, dão a lei e a doutrina o nome de excepções dilatórias (art. 494.º).
Àquelas que se baseiam em causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do autor e apontam para a improcedência da acção dá-se, em contrapartida, o nome de excepções peremptórias.
Constituem exemplos típicos de excepções peremptórias, nas acções de condenação, o pagamento, a remissão, a novação, a prescrição, a caducidade, o erro, o dolo, a coacção, a simulação, etc.”
Ora, o que a Ré fez foi justamente alegou que já tinha pago todas as quantias que o Autor tinha direito face aos termos da legislação laboral vigente, tendo juntado os respectivos documentos para esta finalidade.
Independentemente de entender que se trata de uma impugnação ou uma excepção, como a Ré apresentou documentos, é de entender que ao Autor deve conferir a oportunidade de se pronunciar sobre os mesmos, foi o que o Tribunal recorrido fez, pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao admitir a peça apresentada pelo Autor.
Improcede assim o recurso da Ré nesta parte.
*
Passemos a ver uma outra questão suscitada neste recurso: Erro na apreciação de provas
Sobre a matéria referente ao trabalho extraordinário de 30 minutos em cada dia de trabalho, constante dos quesitos 8º, 9º e 10º, 16º a 18º, defende a Ré que as respostas deviam ser NEGATIVAS.
Os quesitos têm o seguinte conteúdo:
8º
Durante o período da relação de trabalho, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo aí permanecido às ordens e sob as instruções dos seus superiores hierárquicos?
9º
Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho, mediante a indicação do seu concreto posto de trabalho para o referido turno?
10º
A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecediam o início de cada turno?
(…)
16º
Entre 22/05/2006 e 14/11/2008, o Autor prestou trabalho para a Ré num regime de turnos de sete dias de trabalho consecutivos?
17º
A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno?
18º
Entre 22/05/2006 e 14/11/2008, a Ré nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo?
A propósito da impugnação da matéria de facto, o legislador fixa um regime especial, constante do artigo 599º (Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto) do CPC, que tem o seguinte teor:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
Ora, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.
*
No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio1.
É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
Será com base na convicção desse modo formada pelo Tribunal de recurso que se concluirá ou não pelo acerto ou erro da decisão recorrida.
Repita-se, ao Tribunal de recurso não compete reapreciar todas as provas produzidas e analisadas pelo Tribunal a quo, mas só aqueles pontos concretos indicados pela Recorrente como errados ou omissos!
Porém, a Ré/Recorrente não cumpriu este ónus, pois, limitou-se a alegar que o Tribunal recorrido acreditou no depoimento de testemunha X, e não acolheu o depoimento da testemunha arrolada pela Ré/Recorrente, o que não passou de atacar a convicção do julgador, por não chegar a indicar concretamente os elementos probatórios constantes dos autos que imponham uma conclusão diversa daquela tirada pelo Tribunal recorrido, o que é razão bastante para rejeitar esta parte do recurso.
*
Prosseguindo, como as outras questões têm a ver com o mérito, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:
1. – RELATÓRIO
B (cuja identificação consta dos autos), veio intentar a presente Acção de Processo Comum do Trabalho contra
A Ré-A CASINO, S.A.,
Concluindo pedindo que fosse julgada procedente por provada a presente acção e, em consequência fosse a Ré condenada a pagar ao Autor:
a) MOP$7.804,00, pela prestação de trabalho em dia de feriado obrigatório remunerado, acrescido de juros até efectivo e integral pagamento;
b) MOP$14.003,00, pela prestação de 30 minutos de trabalho prestado para além do período normal de trabalho, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
c) MOP$12.482,00, pela prestação de 8 horas de trabalho para além do período normal de trabalho, acrescido de juros até efectivo e integral pagamento;
d) MOP$73.780,00, pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
e) Em custas e procuradoria condigna.
*
Realizada a tentativa de conciliação pelo MP, não chegou a acordo entre as partes.
*
A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 39 a 66 dos autos.
Observando de todo o formalismo legal, cumpre decidir.
*
O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e internacional.
O processo é próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
*
2. – FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
Resulta dos autos assente a seguinte matéria fáctica com interesse para a decisão em causa:
(...)
*
2.2 –DE DIREITO
Cumpre analisar a matéria que vem alegada, os factos provados e aplicar o direito.
*
Nos termos do art. 1079º, n 1º do Código Civil, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.”
Desse preceito resulta que são três elementos do contrato de trabalho: 1) prestação da actividade; 2) retribuição; e 3) subordinação jurídica.
No contrato de trabalho, a uma parte (trabalhador) incumbe a prestação duma actividade quer intelectual quer manual, bem como a sua disponibilidade junto de outra parte (empregador), por forma de que esta possa obter o resultado pretendido com outros meios de produção.
Em contrapartida, o trabalhador ganha retribuição como preço do trabalho prestado por ele, sendo essa retribuição paga normalmente em dinheiro.
A subordinação jurídica é característica mais importante do contrato de trabalho, que se traduz numa relação de dependência do trabalhador face às ordens, directivas e instruções do empregador na prestação da actividade daquele.
Segundo os factos provados, ficou demonstrado que, o Autor esteve ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direcção, instruções e fiscalização e com o local e horário de trabalho fixados por ela, exercer funções de guarda de segurança, ganhando remuneração paga pela Ré como preço do trabalho seu.
Nestes termos, dúvidas não restam em qualificar como relação laboral, as relações existentes entre o Autor e a Ré.
*
Nos termos do art. 1079º, n 2º do Código Civil, “o contrato de trabalho está sujeito a legislação especial.”
Quanto à lei especial aplicável, encontram-se no ordenamento jurídico de Macau regimes diferentes consoante o caso de trabalhadores-residentes e o de não residentes.
Sendo o Autor em causa trabalhador não-residente, aplica-se-lhe o respectivo regime. Como se sabe, a legislação especial relativa à relação laboral não residente é actualmente a Lei nº 21/2009, que entrou em vigor em 26 de Abril de 2010. Antes disso, aplica-se o Despacho n. 49/GM/88 e o n. 12/GM/88, consoante trabalhador especializado e não especializado. Conforme os factos provados nos autos, o Autor trabalhou, como mão-de-obra não especializada, junto da Ré e manteve a relação de trabalho antes da entrada em vigor a Lei nº 21/2009, deve aplicar-lhe o Despacho n. 12/GM/88.
Acompanhando o referido diploma, as entidades empregadoras celebraram contratos de prestação de serviços com terceiras entidades fornecedoras de mão-de-obra não residente para a importação dos trabalhadores não residentes, tal qual acontece no presente caso. Suscita-se um problema de saber que valor os mesmos contratos têm dizendo respeito à relação de trabalho entre o empregador e o trabalhador não residente e se e a que título se aplicam esses contratos à referida relação para definir os direitos e deveres entre um e outro.
Em resposta a essas questões, a jurisprudência de Macau entende unanimamente, e bem, esses contratos ser qualificados como contratos a favor de terceiro, aplicáveis à relação de trabalho entre o empregador e o trabalhador não residente. (vide os Ac. do TSI n.os 557/2010, 780/2011, 372/2012, 322/2013…e mais recentemente, 966/2015, 893/2016, 894/2016…)
Ao mesmo tempo, é também aplicável, por analogia, a lei de relações de trabalho de Macau então vigente, isto é, o DL nº 24/89/M e a LEI n.º 7/2008 após a sua entrada em vigor no dia 01/01/2009 (vide os Ac do TSI n. 596/2010 e 805/2010).
*
Do trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado
No que concerne aos dias de feriado obrigatório não remunerado, ficou provado que entre 22/05/2006 a 14/11/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança no total de 13 dias em dia de feriado obrigatório, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela Ré.
Todavia, também ficou provado que pelo trabalho prestado em dia de feriado, a Ré pagou ao Autor o correspondente ao dia de trabalho prestado mais o acréscimo em dobro.
Tendo em conta o disposto nos artigos 19.º, n.º 1, 2 e 3 e 20.º, n.º 1 ambos do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, o Autor já não tem o direito a exigir mais compensação.
*
De trabalho extraordinário prestado
No presente caso em apreço, segundo os factos provados, o Autor comparecia, no lugar de trabalho no início de cada turno com antecedência de 30 minutos para a preparação do trabalho, mas a Ré não pagou ao Autor quaisquer compensações a título de trabalho extraordinário.
A Ré confirma a existência deste “briefing” antes de cada turno mas entende que isto não é obrigatório.
Vejamos.
A Ré entende que o “briefing” antes de cada turno é apenas para facilitar o trabalho dos guardas de segurança, nomeadamente para estes últimos saberem o seu concreto posto de trabalho de cada turno.
Porém, não se pode olvidar que o “briefing” tem uma função dupla: além de facilitar o trabalho dos guardas de segurança, a entidade empregadora, ou seja, o gerente do departamento de segurança da Ré, neste “briefing”, conta o número dos guardas de segurança ausentes de cada turno a fim de arranjar outro guarda de segurança para substituir o ausente. Como se sabe, a segurança é importantíssima nos casinos. Se o “briefing” não fosse obrigatório e todos os guardas de segurança não viessem, como é que o gerente do departamento de segurança podia saber o número total dos ausentes e arranjar a urgente substituição antes de cada turno?
Aliás, nos termos do art. 10º, n. 4º do DL nº 24/89/M, “4. Os períodos fixados no n.º 1 não incluem o tempo necessário à preparação para o início do trabalho e à conclusão de transacções, operações e serviços começados e não acabados, desde que no seu conjunto não ultrapassem a duração de trinta minutos diários.” Entende-se, que essa tolerância de 30 minutos para a preparação de trabalho só tem a natureza excepcional, mas não como regra para a prestação antecipada de trabalho antes do início do horário normal de trabalho (cfr., a título de exemplo, os Ac. do Venerando TSI n. 407/2017, 313/2017 e 167/2017). Pelo que os 30 minutos de trabalho prestados no início de cada turno devem considerar-se como trabalho extraordinário.
De 22/05/2006 a 30/06/2006 perfaz-se um total de 40 dias.
De período referido, descontados os dias de descanso, em regra no oitavo dia em sequência de sete dias de trabalho consecutivo, o Autor prestou um total de 35 (40-(40/8)) dias efectivos de trabalho.
Nestes termos, a Ré deve pagar ao Autor as compensações no montante de MOP546,88 (MOP$7.500,00 / 30 dias / 8 horas * 35 dias * 0,5horas).
De 01/07/2006 a 30/06/2007 perfaz-se um total de 365 dias.
De período referido, descontados os dias de descanso, em regra no oitavo dia em sequência de sete dias de trabalho consecutivo, mais os 12 dias de descanso anual, o Autor prestou um total de 309 (365-12-((365-12)/8)) dias efectivos de trabalho.
Nestes termos, a Ré deve pagar ao Autor as compensações no montante de MOP5.600,63 (MOP$8.700,00 / 30 dias / 8 horas * 309 dias * 0,5horas).
De 01/07/2007 a 30/06/2008 perfaz-se um total de 366 dias.
De período referido, descontados os dias de descanso, em regra no oitavo dia em sequência de sete dias de trabalho consecutivo, mais os 12 dias de descanso anual, o Autor prestou um total de 310 (366-12-((366-12)/8)) dias efectivos de trabalho.
Nestes termos, a Ré deve pagar ao Autor as compensações no montante de MOP5.715,63 (MOP$8.850,00 / 30 dias / 8 horas * 310 dias * 0,5horas).
De 01/07/2008 a 14/11/2008 perfaz-se um total de 137 dias.
De período referido, descontados os dias de descanso, em regra no oitavo dia em sequência de sete dias de trabalho consecutivo, mais os 12 dias de descanso anual, o Autor prestou um total de 109 (137-12-((137-12)/8)) dias efectivos de trabalho.
Nestes termos, a Ré deve pagar ao Autor as compensações no montante de MOP2.091,44 (MOP$9.210,00 / 30 dias / 8 horas * 109 dias * 0,5horas).
Em suma, o Autor tem o direito a receber contra a Ré o montante de MOP13.954,58 (MOP546,88 + MOP 5.600,63 + MOP 5.715,63 + MOP 2.091,44), a título de trabalho extraordinário prestado ao período de 28/04/2006 a 28/11/2008.
*
Das 8 horas de trabalho prestado para além do período normal de trabablho
Alega o Autor que durante o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a Ré num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas de trabalho por dia (N, E, D):Turno Noite (Nigth): (das 00h às 8h);Turno tarde (Evening): (das 16h às 00h); e Turno Dia: (Day): das 8h às 16h).
Alega mais o Autor que os turnos respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (N-E)-(D-N)-(E-D) e entre o fim da prestação de trabalho no turno N (00h às 08h) e o início da prestação de trabalho no turno E (16h às 00h), o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) num período de 24 horas.
Uma vez que não se provou que entre o fim da prestação de trabalho no turno N e o início da prestação de trabalho no turno E, o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho num período de 24 horas, não tem o Autor o direito a receber a peticionada compensação das 8 horas de trabalho prestado para além do período normal de trabalho.
*
De trabalho prestado em dia de descanso semanal
O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril, com redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho dispõe:
Artigo 17.º
(Descanso semanal)
1. Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no n.º1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dia de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago:
a) Aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal;
b) Aos trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado, pelo montante acordado com os empregadores, com observância dos limites estabelecidos nos usos e costumes.
Quanto às compensações pelos dias de descanso semanal reclamadas pelo Autor, o mesmo alegou que a Ré não garantiu o gozo do descanso semanal no 7º dia após 6 dias de trabalho, mas somente o do 8º dia, que corresponde a trabalho prestado em dia de descanso e confere ao Autor o direito a receber o dobro da retribuição normal por cada um dos 7os dias de trabalho prestado.
Das normas resulta que, na vigência do DL 24/89/M, a lei garantia o gozo do descanso semanal em 7º dia após 6 dias de trabalho como regra geral nas legislações laborais de Macau. No entanto, tendo em consideração a necessidade do funcionamento dalguns sectores de actividade, o legislador abriu uma excepção de que permitia razoavelmente o trabalho contínuo mais de 7 dias, no máximo 26 ou 27 dias mensais, e garantia o gozo dum descanso consecutivo de quatro dias no mês corrente.
Repare-se que aqui se trata duma norma excepcional em que o legislador sublinhou o adjectivo “consecutivo” para o gozo de descanso semanal. Isto significa que esse modo do gozo de 4 dias de descanso semanal tem que ser contínuo, mas não separado, sob pena de violar a regra geral prevista no art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M.
Netses termos, não deixa de considerar o não gozo de descanso semanal em 7º dia ou em 4 dias consecutivas como facto violador do direito de repouso conferido ao Autor nos termos do art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M, devendo considerar-se o 8º dia de descanso após 7 dias de trabalho apenas como descanso compensatório gozado pelo Autor nos termos do art. 17º, n. 4º do mesmo diploma.
No caso subjudice, segundo os factos provados, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré num regime de sete dias de trabalho consecutivos e a Ré não fixou até ao Autor descanso semanal. Por outro lado, não se provou nenhum facto que se consubstancia as excepções previstas no n.° 3 do artigo supre citado. Assim sendo, a Autor tem direito de receber a compensação dos dias de descanso semanal em que prestou trabalho.
No tocante ao quantum compensatório, de acordo com a Jurisprudência supra citada, “o trabalhador tem o direito de receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da remuneração correspondente, para além do salário-base já recebido, ou seja, o quantum compensatório é calculado pela fórmula seguinte: Nºs de dias não gozados X salário diário X 2”.
Por isso, entre 22/05/2006 e 14/11/2008, descontando o número dos dias de férias anunais e dispensas de trabalho não remuneradas, tem este direito de receber contra Ré, ao lado do salário normal já recebido, a quantia de MOP73.142,00 ((MOP$7.500,00 / 30 dias * 6(40/7) dias * 2) + (MOP$8.700,00 / 30 dias * 50((365-12)/7) dias * 2) + (MOP$8.850,00 / 30 dias * 51((366-12)/7) dias * 2) + (MOP$9.210,00 / 30 dias * 18((137-12)/7) dias * 2), a títluo de trabalho prestado ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo.
*
De juros da mora
Ao abrigo do disposto no artigo 794°, n° 4 do Código Civil, condena-se a Ré pagar ao Autor os respectivos juros de mora, à taxa legal, contados conforme fixado no acórdão de uniformização de jurisprudência n.° 69/2010.
*
3 - DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente, e em consequência decide:
1). Condena-se A Ré-A CASINO, S.A. a pagar ao Autor B a quantia global de MOP87.096,58, sendo:
MOP13.954,58 a título de trabalho extraordinário prestado;
MOP73.142,00 a título de trabalho prestado ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo;
2). Acrescida juros de mora à taxa legal contados conforme fixado no acórdão de uniformização de jurisprudência n.° 69/2010;
3). Absolve-se a Ré dos restantes pedidos.
*
Custas a cargo do Autor e da Ré na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
Quid Juris?
Uma 3ª questão suscitada neste recurso: Erra qualificação jurídica das reuniões pré-turno:
A este propósito, a Ré/Recorrente entende que, em virtude da errada qualificação da reunião pré-turno como trabalho extraordinário, deveria ter o Tribunal a quo absolvido a Ré quanto ao pedido do Autor que se condene no pagamento de compensação por trabalho extraordinário de 30 minutos em cada dia de trabalho.
O Tribunal recorrido fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:
“(...)
關於第1至3、13疑問點的事宜,原告證人,即與原告一起工作的保安員聲稱原告是一名好員工,一直聽令於被告工作,沒有違反被告安排的工作時間表。事實上,被告證人D亦表示從檔案紀錄中,沒有發現以前的保安員因違反規定而被提起紀律程序,因此,本庭認為此四點應獲得證實。
*
原告證人聲稱每年年假為12天,一般均會全部享用,此外有需要還可以請無薪假期,因此,只認定每年年假為12天。
*
結合原告證人的證言及其他同類案件保安員的出勤紀錄,可認定在勞動關係存續期間,原告確於強制性假日工作,然而,被告除了支付了工作日的工資外,亦支付原告額外兩倍報酬。這樣,第5及6疑問點獲得證實,第7疑問點則不獲證實。
*
關於每天需提早30分鐘到達事宜,原告證人作出清晰陳述,被告的證人D亦稱保安員於每一更工作前,確實於保安室有 “briefing”,即確認出席情況,分派工作崗位,如有保安員缺勤需立即安排人代替,還會介紹上一更有何特別事情發生了,以及本更需注意事項等。該證人並確認沒有額外支付各保安員這部份的工資,原因是被告認為這個會議並非強制性質,保安員非強制出席,會議只是便利各人的工作,紀錄中亦無人因缺席或遲於30分鐘出席受到紀錄處分,但同時證人亦表示保安員很少會缺席或遲到。
本庭認為,保安工作對於博彩娛樂場來說是重要一環,在保安員臨時缺勤時,需馬上安排人手補上,調度上需要時間,故在每一更前提早知道當值保安員是否有上班屬必需,因此,不可能如辯方證人所言,出席會議是任意性。
此外,考慮到每更實際工作的保安員人數為三十多人,對這個數目的保安員進行點人數、檢查制服、分派工作崗位及講解注意事項等工作,需要30分鐘屬合情合理。
基於此,本庭認為第8至10疑問點應獲得證實。
(...)”
A Recorrente invocou as respostas dadas aos quesitos nesta matéria em vários processos, defendendo que das diversas respostas dadas resulta um indício de erro na apreciação de provas, mas não chegou a indicar concretamente qual ou quais pontos factuais que foram erroneamente apreciados pelo Tribunal recorrido.
Por outro lado, como alternativa e solução preferível, na óptica da Recorrente, em vez de o Tribunal condenar directamente a Ré/Recorrente nesta matéria, deveria optar pela solução de relegar para a sede de execução da sentença a condenação da indemnização em causa. Ora, mais uma vez, nos termos da lei de processo laboral e civil, este não é o fundamento bastante do recurso. Ou seja, desde que não se detecta e prova que o Tribunal recorrido errou na apreciação de facto e na aplicação de Direito, em regra, a solução tomada deverá ser mantida, e nestes termos improcedem os argumentos invocados pela Recorrente.
Pelo que, é de julgar improcedente o recurso nesta parte interposto pela Ré/Recorrente.
*
A 4ª questão levantada neste recurso: Erro na fórmula de cálculo respeitante às compensações devidas nos termos do artigo 17º/6 do DL nº 24/83/M:
No essencial a Ré/Recorrente veio a defender que o Autor não tem direito a receber o triplo da remuneração reclamada nos termos do artigo 17º do DL citado.
A propósito da aplicação do artigo 17º do diploma legal em causa, tem sido o entendimento quase uniforme por parte deste TSI nos termos já constantes vários arestos.
Em face do normativo do artigo 17.° do DL n.º 24/89/M, de 3 de Abril, que “Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada sete dias, um período de descanso se vinte e quatro horas consecutivas (...)”, pergunta-se, ao fim de quantos dias consecutivos de trabalho deve ter lugar o referido período de descanso?
Ou seja, que limite assinala a Lei à série de dias consecutivos máximos de trabalho prestado? Ou ainda, após quantos dias de trabalho consecutivo tem o trabalhador direito a usufruir de um período de vinte e quatro horas de descanso consecutivo?
Diferentemente, no entender do Recorrido/Autor, sendo o período de descanso motivado por razões de ordem física e psicológica, o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo em sentido contrário. Mas tal sétimo dia é sempre compensado nos termos legalmente permissíveis.
É este entendimento que vem sendo defendido pela jurisprudência e doutrina de Macau, e sem excepção em relação ao ordenamento jurídico português, aqui invocado em termos de direito comparado.
Vejam-se, entre outras, as posições de Bernardo da Gama Lobo Xavier, Fernanda Agria e Maria Luísa Cardoso Pinto, Barros Moura, Jorge Leite e Coutinho de Almeida e Luis Miguel Monteiro para quem: o descanso semanal deve, nos termos do n.º 2 do art. 51.º da LCT, ter lugar dentro de cada período de sete dias: deve ter lugar no sétimo dia e nunca no oitavo; ou que, a lei é bem clara: o descanso é semanal ‒ o trabalhador tem direito a um dia de descanso em cada 7; isto é, em cada sete dias consecutivos, seis são dedicados ao serviço efectivo e um ao repouso", constituindo uma ilegalidade atribuir aos trabalhadores que prestam serviços em empresas de laboração contínua, o repouso semanal depois de sete dias, isto é, no 8.º dia;2
Com especial interesse, veja-se a posição de Catarina Carvalho e de Liberal Fernandes, quando concluem que: “(...) o dia de descanso em cada turno não pode ser precedido por mais de seis dias consecutivos de trabalho; quando tal se verifique, a atividade prestada no sétimo dia deverá ser considerada trabalho suplementar realizado em dia de descanso obrigatório”.3
Na jurisprudência de Portugal e para um preceito similar ao art. 17.° n.º 1 do DL n.º 24/89/M, veja-se, entre outros, o Ac. do STA, de 19/10/2016, nos termos do qual de decidiu que: O descanso semanal deve, assim, ter lugar ao fim de de seis dias de trabalho. Deve ter lugar no «sétimo, e nunca no oitavo» dia”;
Mais recentemente, veja-se, o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, Recurso n.º 5286/15.3T8MTS.P1, 11/07/2016, nos termos do qual se decidiu que: (...) o dia de descanso em cada turno não pode ser precedido por mais de seis dias consecutivos de trabalho; quando tal se verifique, a atividade prestada no sétimo dia deverá ser considerada trabalho suplementar realizado em dia de descanso obrigatório. (...) não podendo a trabalhadora trabalhar mais de seis dias consecutivos sem descansar no sétimo, o trabalho prestado neste terá de ser considerado trabalho suplementar e, como tal, retribuído, porque prestado em dia de descanso.
Entre nós, Augusto Teixeira Garcia, desde há muito sublinha que: “(...) o dia de descanso deve sempre seguir-se aos dias de trabalho prestado que são a sua razão de ser e não, portanto e em princípio, precedê-los. A regra deve ser a de que o dia de descanso semanal deve seguir-se imediatamente ao sexto dia de trabalho”.4
Pelo que, conclui-se forçosamente que: o período de vinte e quatro horas consecutivas de descanso a que se refere o n.º 1 do artigo 17.° do DL n.º 24/89/M, deve necessariamente ocorrer dentro de um período de sete dias e, no máximo, após seis dias de trabalho consecutivo, não sendo lícito que o mesmo apenas ocorra ao oitavo, ao nono ou em qualquer outro dia posterior, contrariamente ao que vem alegado pela Recorrente.
Se assim não suceder, o trabalho efectuado no sétimo dia de trabalho, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivos corresponde a trabalho prestado em dia que deveria ter sido destinado a descanso semanal e, como tal, deve ser pago pelo dobro da retribuição normal, tal qual acertadamente concluiu o Tribunal de Primeira Instância.
Tal como se refere supra, sobre este assunto, tem este TSI vindo a decidir de forma insistente (v.g., ver os Acs. TSI de 15/05/2014, Proc. nº 61/2014, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014, de 29/05/2014, Proc. nº 627/2014; 29/01/2015, Proc. nº 713/2014; 4/02/2015, Proc. nº 956/2015; de 8/06/2016, Proc. nº 301/2016; de 6/07/2017, Proc. nº 405/2017) que a fórmula utilizada pelo TJB não é mais correcta.
Com efeito, no que a este assunto concerne, vale o disposto no art. 17º, nºs 1, 4 e 6, al. a), do DL nº 24/89/M.
Nº1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
Nº4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
Nº6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Portanto, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.º 6, al. a)).
Como remunerar, então, este dia de trabalho prestado em dia que seria de descanso semanal?
Ora bem. Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o valor devido (pagou o dia de descanso que sempre teria que ser pago), falta pagar o trabalho prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.º 1);
E, em qualquer caso, sem prejuízo da remuneração correspondente ao dia de “descanso compensatório” a que se refere o art. 17º, nº4 - desde que peticionada, como foi o caso, - quando nele se tenha prestado serviço (neste sentido, v.g., Ac. TSI, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014).
Quanto à remuneração pelo dia de descanso semanal, temos, portanto, que a fórmula a utilizar será sempre AxBx2.
Não faria, aliás, sentido que fosse de outra maneira. Na verdade, se o trabalhador, mesmo sem prestar serviço nesse dia de descanso (v.g., domingo), sempre auferiria o correspondente valor (a entidade patronal não lho poderia descontar, visto que o salário é mensal), não faria sentido que, indo trabalhar nesse dia, apenas passasse a receber em singelo o trabalho efectivamente prestado. Seria injusto que apenas se pagasse ao trabalhador esse dia de serviço, que deveria ser de folga e descanso. Que vantagem teria então o trabalhador por prestar serviço a um domingo, se, além do que receberia mesmo sem trabalhar, apenas lhe fosse pago o valor do trabalho efectivamente prestado nesse dia de folga como se tratasse de uma dia normal de trabalho?!
Por isso é que o legislador previu que o trabalho efectivamente prestado nesses dias pelo trabalhador, além do valor que já lhes seria devido em qualquer caso, fosse compensado em dobro pelo valor da retribuição normal diária. Quando a lei fala em dobro refere-se, obviamente, à forma de remunerar esse serviço efectivamente prestado nesses dias de descanso, sem prejuízo, como é bom de ver, do valor da remuneração a que sempre teria direito correspondente a cada um desses dias de descanso e que já recebeu.
Trata-se, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma quase uniforme por este TSI, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2.
É esta decisão mais correcta e em sintonia com as normas aplicáveis já acima ciadas.
Pelo exposto, o Tribunal a quo procedeu a uma correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: salário diário X n.º de dias de descanso não gozados X 2.
Julga-se, deste modo, improcedente o recurso interposto pela Ré/Recorrente.
*
Síntese conclusiva:
I – Para impugnar a matéria de facto em sede de recurso, o artigo 599º do CPC impõe ao impugnante o ónus de especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, para além de constituir uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC. É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.
II - O artigo 17° do DL n.º 24/89/M, de 3 de Abril, dispõe que “todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas (...)”, sendo o período de descanso motivado por razões de ordem física e psicológica, o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”, mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade.
III - No âmbito do artigo 17º do DL acima referido, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo Recorrente em dia de descanso semanal, se a entidade patronal não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no artigo 17º citado, este deve ser compensado a esse título com o montante devido a título do dobro do salário e não só de apenas mais um montante em singelo.
*
Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento aos recursos (interlocutório e final) interpostos pela Recorrente, mantendo-se as decisões recorridas.
*
Custas pela Recorrente.
*
Registe e Notifique.
*
RAEM, 11 de Novembro de 2021.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Declaração de voto vencido
Para o trabalho prestado em dias de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, o trabalhador tem direito a receber o dobro da retribuição (“dobro” esse que consiste na soma do salário diário e um dia de acréscimo). Sendo assim, provado que entre 22/5/2006 e 14/11/2008 o autor já recebeu da ré A Casino, S.A. o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá direito a receber apenas mais um dia de acréscimo, sob pena de estar o autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório previsto no n.º 4 do artigo 17.º, o autor estará a ser pago pelo quádruplo.
Pelo que merece, a meu ver, reparo a fórmula aplicada pelo Tribunal recorrido para cálculo da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, no âmbito no Decreto-Lei n.º 24/89/M.
1 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
2 Cfr. Código do Trabalho Anotado, Almedina, Coord. Pedro Romano Martinez, 4.ª ed., 2005, pá. 372.
3 Cfr. “O Tempo de Trabalho: Comentário aos Artigos 197º a 236º do Código do Trabalho Revisto pela Lei N.º 23/2012, de 25 de Junho”, Coimbra Editora, 2012, pág.200 a 203.
4 Cfr. Lições de Direito de Trabalho (II Parte), Boletim da Faculdade de Direito da UM, nº 25, pág. 185 e seguintes.
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