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Processo n.º 21/2020 Recurso jurisdicional em matéria cível
Recorrente: A
Recorridos: B e C
Data da conferência: 10 de Dezembro de 2021
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Lai Kin Hong

Assuntos: - Escritura pública
- Força probatória material

SUMÁRIO
1. Em recurso cível correspondente a 3.º grau de jurisdição, o Tribunal de Última Instância conhece, em princípio, de matéria de direito e não de facto, sendo em princípio intocável a decisão proferida pelo Tribunal de Segunda Instância quanto à matéria de facto, salvo nos caso expressamente previstos na parte final do n.º 2 do art.º 649.º do CPC, isto é, se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
2. Sendo a escritura pública um documento autêntico, a sua força probatória está prevista no art.º 371.º, n.º 1 do Código Civil, que distingue três categorias de factos:
a) Meros juízos pessoais do documentador, sujeitos à livre apreciação do julgador;
b) Factos que o documento refere como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, cobertos pela força probatória plena do documento autêntico; e
c) Factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora, sendo os factos que o notário pode inteirar-se pelos seus próprios sentidos, sobre os quais a força probatória plena vai até onde alcançam as percepções do notário.
3. A força probatória material da escritura pública não abarca a sinceridade, a veracidade e a validade das declarações emitidas pelas partes.
4. Com as escrituras públicas de compra e venda não está plenamente provado que os valores de compra e venda aí indicados correspondem aos preços reais pelos quais foram vendidos os prédios.
5. E não se vislumbrando a violação de “disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, não pode o Tribunal de Última Instância, impedido de conhecer da matéria de facto, interferir na decisão que recaiu sobre essa matéria, sob pena de violação do disposto nos art.ºs 639.º e 649.º do Código de Processo Civil.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
B, intentou no Tribunal Judicial de Base uma acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinária contra A, ambos melhor identificados nos autos, pedindo a condenação deste a pagar-lhe o montante global de MOP$1,556,005.68, requerendo ainda a intervenção de C como seu assistente.
Após a contestação apresentada pelo Réu, replicou o Autor, por requerimento de fls. 215 a 239 dos autos, pedindo a modificação da causa de pedir e do pedido, pretendendo agora, a título principal:
a) Ser declarada a nulidade parcial, por simulação de preço, da compra e venda titulada pela escritura pública celebrada em 10 de Maio de 2007 referente aos imóveis sitos no [Endereço (1)] n.ºs 4 e 6, declarando-se para os devidos efeitos como preço real do negócio o valor de HK$3,200,000.00; cumulativamente
b) Ser declarada a nulidade parcial, por simulação de preço, da compra e venda titulada pela escritura pública celebrada em 10 de Dezembro de 2010 referente aos imóveis sitos no [Endereço (1)] s/n e [Endereço (2)] s/n, declarando-se para os devidos efeitos como preço real do negócio o valor de HK$2,000,000.00; e consequentemente,
c) Serem os Réus A e D condenados a pagar ao Autor o montante de MOP$963,402.34, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal de 9.75%, que se vierem a vencer desde 4 de Novembro de 2011 até efectivo e integral pagamento, referente a 30% do valor real por que foram vendidos o imóveis sitos no [Endereço (1)] n.ºs 4 e 6, depois operada a compensação com o valor entretanto liquidado pelo Réu; e
d) Serem os Réus A e E condenados a pagar o montante de MOP$592,602.84, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal de 9.75%, que se vierem a vencer desde 4 de Novembro de 2011 até efectivo e integral pagamento, referente a 30% do valor dos imóveis sitos no [Endereço (1)] s/n e [Endereço (2)] s/n, depois operada a compensação com o valor entretanto liquidado pelo Réu;
Ou caso assim não se entenda, SUBSIDIARIAMENTE:
e) Ser o Réu A, por incumprimento do contrato de mandato, condenado a pagar ao Autor o montante global de MOP$1,556,005.68, correspondente a MOP$963,402.34, referente a 30% do valor dos imóveis sitos no [Endereço (1)] n.ºs 4 e 6, depois operada a compensação com o valor entretanto liquidado pelo Réu; e MOP$592,602.84, referente a 30% do valor dos imóveis sitos no [Endereço (1)] s/n e [Endereço (2)] s/n, depois operada a compensação com o valor entretanto liquidado pelo Réu, quantias a que devem acrescer juros de mora contabilizados à taxa legal de 9.75% que se vierem a vencer desde 4 de Novembro de 2011 até efectivo e integral pagamento.
Requerendo, para o efeito, a intervenção principal provocada da D e de E na qualidade dos Réus.
Por requerimento de fls. 246 e 247, C (“Assistente”) requereu a sua intervenção como assistente do Autor.
Veio a ser admitida a alteração do pedido e da causa de pedir formulado pelo Autor, bem como a intervenção espontânea de C enquanto Assistente, assim como a intervenção principal da D e E (“2.º e 3.º Réus”) em associação com o 1.º Réu.
Após realização da audiência de discussão e julgamento, veio o Tribunal Judicial de Base a proferir sentença, decidindo:
- Declarar parcialmente nula a escritura pública celebrada em 10 de Maio de 2007 que tem por objecto os prédios sitos no [Endereço (1)], n.ºs 4 e 6, na parte respeitante ao preço, declarando-se como preço real do negócio o valor mínimo de HKD$3,200,000.00;
- Declarar parcialmente nula a escritura pública celebrada em 10 de Dezembro de 2010 que tem por objecto os prédios sitos no [Endereço (1)], s/n, então com o n.º 16 e no [Endereço (2)] s/n, então com o n.º 17, na parte respeitante ao preço, declarando-se como preço real do negócio o valor mínimo de HKD$2,000,000.00;
- Condenar o 1.º Réu A, a pagar ao Autor B, o montante de MOP$1,547,014.71, ao qual acrescenta os juros legais sobre o montante em MOP$1,458,574.17 a contar desde o dia 5/11/2011 até efectivo e integral pagamento.
- Absolver os Réus D e E dos pedidos formulados pelo Autor.

Inconformado com a sentença, recorreu o 1.º Réu A para o Tribunal de Segunda Instância, que negou provimento ao recurso (Processo n.º 358/2016, fls. 797 a 825 dos autos).
Desse acórdão vem o 1.º Réu A apresentar recurso para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) O Artigo 334.º do Código Civil de Macau determina que “As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.”
B) Por seu turno, determina o Artigo 562.º do CPC que: 1. A sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar; 2. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final; Na fundamentação da sentença, o juiz toma em consideração os factos admitidos por acordo ou não impugnados, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.
C) Dentro dos pressupostos legais, o Juiz pode valorar a prova.
D) Já não pode fazê-lo em relação à prova documental.
E) A prova plena consta do art.º 340.º CC, e é aquela que só cede perante a prova do contrário.
F) Porquanto, produzida a prova plena, é irrelevante gerar-se uma situação de dúvida na mente do julgador, porque a lei manda resolver tal situação de dúvida no sentido indicado pela mesma prova.
G) Quanto ao valor probatório dos documentos consta do art.º 365.º CC, segundo o qual, os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público.
H) A força probatória dos documentos autênticos e autenticados valem erga omnes.
I) Assim, o valor probatório das escrituras de compra e venda, ora em causa, e celebradas pelo ora Recorrente com terceiros, faz prova plena em Tribunal e, como tal, são oponíveis erga omnes.
J) Tais provas só são passíveis de ser ilididas após a alegação da sua falsidade.
K) No caso em apreço, nem o A. alegou a respectiva falsidade, nem o TJB ou o TSI declararam que tal prova se encontrava ilidida e porquê, e que como tal era nula e de nenhum efeito.
L) Assim sendo, tais escrituras fazem prova plena em Tribunal, presunção jure et de jure, são oponíveis erga omnes, e devem ser valoradas como tal.
M) Andaram mal, o TJB e o TSI, ao não valorarem tal prova como plena, o que constitui erro manifesto na apreciação da prova e violação e errada aplicação da lei substantiva e do processo nos termos do artigo 639.º do CPC, acarretando a nulidade do Acórdão recorrido.
N) A força probatória dos documentos autênticos – plena qualificada – só pode ser ilidida com base na sua falsidade, ou seja, por virtude de neles se referirem, como tendo sido objecto da percepção do notário ou oficial público algum facto que não ocorreu, ou praticado por eles acto que não o foi (artigo 366.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).
O) No caso dos autos o que o Tribunal deu como provado foi o conhecimento por parte do A., através de terceiro, de que o R. celebrou contratos-promessa de compra e venda do imóvel, e posteriormente, as respectivas escrituras definitivas de compra e venda.
P) No caso vertente nem o A. alegou os pressupostos da simulação, nem da falsidade documental, nem nenhuma prova, testemunhal ou outra, existe nesse sentido.
Q) Assim sendo, não podia nunca o Tribunal dar como provados factos, como não deu, susceptíveis de anular, alterar ou restringir os negócios jurídicos titulados por escrituras públicas nos autos, revelando a errada interpretação, violação e errada aplicação da lei substantiva, nos termos do disposto no artigo 639.º do CPC.
R) E por assim ser, também não podia fixar qualquer percentagem a pagar, porque incidente sobre o valor da venda, senão baseada nesse mesmo valor.
S) Todos os outorgantes das escrituras ora em causa, quiseram a mesma coisa: O R. quiz vender os imóveis; os declaratários quiseram comprá-los: todos consensualisaram o preço no valor determinado que declararam na escritura.
T) Nada faltou de essencial à vontade negocial, à declaração das partes e ao objecto negocial a que se dirigiam.
U) Consequentemente, não sabemos onde foi o Tribunal recorrido buscar o suposto fingimento para o qual, todos, de propósito, se concertaram, com vista a enganarem o Autor.
V) Ora, a disciplina da simulação é inspirada na exigência de proteger terceiros, não frustrando a sua confiança na situação aparente concertada pelas partes.
W) Por isso, faz prevalecer a situação real sobre a situação aparente, desde que a realidade obedeça a requisitos mínimos (Artigo 233.º do CC).
X) Não se pode, assim, benefíciar um eventual contrato falso, contra a validação de um contrato verdadeiro, quando a verdade é invocada – e demonstrada.
Y) Fazendo-o, o Tribunal incorre na errada aplicação do direito.
Z) Com efeito, o uso de presunções não se reconduz a um meio de prova próprio, consistindo antes, como se alcança do art.º 342.º do Cód. Civil, em ilações que o julgador extrái a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos).
AA) A presunção traduz-se e concretiza-se num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência, sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 344.º do Cód. Civil).
BB) A sindicância sobre a decisão de facto das instâncias em matéria de presunções judiciais é muito circunscrita, admitindo-se que o TSI apenas poderá sindicar o uso de tais presunções, porque este uso ofende normas legais concretas, padecendo de evidente ilogicidade e/ou de factos não provados, como é o caso em apreço.
CC) As presunções judiciais só são legítimas quando não alterem os factos que a prova haja fixado, isto é, se o facto desconhecido foi objeto de prova e das respostas do julgador, o sentido destas, em relação a esse facto, não pode ser alterado.
DD) O que não ocorreu no caso em apreço, porquanto toda a matéria de facto relevante para a decisão da causa foi alterada, tendo por base, apenas e só, presunções judiciais, ceifando por completo a prova plena efectuada nos autos.
EE) Devendo por isso o tribunal ad quem apreciar a violação da lei substantiva que consistiu no erro da aplicação dos artigos 232.º, 233.º, 234.º, 342.º, 343.º, 344.º e 351.º, todos do Código Civil.
FF) Pelo que deve o tribunal ad quem suprimir os factos presumidos pela violação das normas supra referidas, uma vez que o tribunal ad quo procedeu a um errado juízo dedutivo e presuntivo sobre factos que ofenderam as supra referidas normas legais.
GG) O TUI pode sindicar o uso de presunções judiciais para averiguar se elas ofendem qualquer norma legal, se padecem de alguma ilogicidade ou se partem de factos não provados.
HH) No caso em apreço é manifesto que para além de ofenderem normas legais, são ilógicas e partem de factos não provados.
II) Os Venerandos Desembargadores, tal como os Meritíssimos do TJB, violaram de forma clamorosa a lei, na medida em que fundamentaram a sua decisão apenas e só em presunções judiciais, quando existem factos provados por documentos com força probatória plena, e que foram ignorados.
JJ) Cabe assim, ao Ilustre TUI sindicar o juízo que o tribunal a quo fez acerca do âmbito e profundidade da tarefa de análise crítica das provas que lhe cumpre realizar.
KK) Existindo violação ao dispositivo do Código Civil no seu artigo 365.º, é evidente que ocorreu má aplicação do artigo 232.º do mesmo diploma legal, referente à simulação.
LL) Também, nesta vertente, o acórdão recorrido é nulo.
MM) Conforme consta destes autos, o ora Recorrido, em sede de alegações, alegou factos novos e ampliou o objecto do pedido.
NN) Factos esses que, quer se admita ou não, foram necessáriamente tidos em conta pelo tribunal a quo para formular a sua convicção.
OO) O acórdão recorrido é totalmente omisso em relação a tal questão.
PP) Pelo que o acórdão é nulo, nos termos do disposto no artigo 571.º, n.º 1, alínea d) do CPC, porquanto o tribunal não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Contra-alegaram o Autor e o Assistente, ambos defendendo a total improcedência do recurso interposto por A.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos
Foi dada como assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
Da Matéria de Facto Assente:
- O prédio urbano sito em Macau, no [Endereço (1)] n.º 4, fica registado na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número XXXX, a fls. XXXv., do Livro BX, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo XXXXXX. (alínea A) dos factos assentes)
- O prédio urbano sito em Macau, no [Endereço (1)] n.º 6, fica registado na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número XXXX, a fls. XXv., do Livro BXX, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo XXXXXX. (alínea B) dos factos assentes)
- O prédio urbano sito em Macau, no [Endereço (1)] s/n, então com o n.º 16, fica registado na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número XXXX, a fls. XXv., do Livro BXX, omisso na matriz. (alínea C) dos factos assentes)
- O prédio urbano sito em Macau, no [Endereço (2)], s/n, então com o n.º 17, fica registado na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número XXXXX a fls. XXv., do Livro BXX, omisso na matriz. (alínea D) dos factos assentes)
- O A. sabe que o Réu A se dedica há longos anos à actividade de investimento imobiliário. (alínea E) dos factos assentes)
- Os imóveis sitos nos números 4 e 6 do [Endereço (1)], foram então adquiridos em nome do Réu A no dia 24 de Julho de 1992, através da escritura pública de compra e venda celebrada no Cartório Notarial da Ilhas a fls. XXv a XX do livro de notas para escrituras diversas número XXG. (alínea F) dos factos assentes)
- O preço global de venda declarado na referida escritura pública da mesma foi de MOP$600,000.00 (seiscentas mil patacas). (alínea G) dos factos assentes)
- No dia 10 de Maio de 2007, através de escritura pública de compra e venda celebrada no Cartório Notarial do Dr. F, o Réu A vendeu os imóveis sitos no [Endereço (1)] n.ºs 4 e 6, à sociedade “D”. (alínea H) dos factos assentes)
- Os preços das vendas declarados, neste contrato foram os seguintes:
- Relativamente ao prédio com o número 4 do [Endereço (1)], o valor de MOP$420,000.00 (quatrocentos e vinte mil patacas);
- Relativamente ao n.º 6 do [Endereço (1)], o valor de MOP$430,000.00 (quatrocentos e trinta mil patacas). (alínea I) dos factos assentes)
- A escritura de compra e venda dos prédios sitos no [Endereço (1)] n.º 16 e [Endereço (2)] n.º 17 foi celebrada no Cartório Notarial das Ilhas, no dia 11 de Dezembro de 1992. (alínea J) dos factos assentes)
- Tendo o vendedor e o Réu A declarado que os imóveis haviam sido vendidos por MOP$400,000.00 (quatrocentas mil patacas) cada, a que correspondeu o valor global de MOP$800,000.00 (oitocentas mil patacas). (alínea K) dos factos assentes)
- No dia 10 de Dezembro de 2010, através de escritura pública de compra e venda celebrada no Cartório Notarial do Dr. F, o Réu A vendeu a E os imóveis sitos no [Endereço (1)] e [Endereço (2)], registado na C.R.P. de Macau, respectivamente, sob os números XXXX e XXXXX. (alínea L) dos factos assentes)
- Nos termos da referida escritura, as partes declararam que os imóveis foram vendidos pelo preço global de HKD$1,100,000.00 (um milhão e cem mil dólares de Hong Kong), a que correspondiam MOP$1,131,900.00, sendo que o preço declarado para cada um deles de MOP$565,950.00 (quinhentos e sessenta e cinco mil, novecentas e cinquenta patacas). (alínea M) dos factos assentes)

Da Base Instrutória:
- No início de 1992, o Réu A propôs ao Autor que participasse num investimento que tinha por objecto a compra, para revenda, dos quatro prédios referidos nos autos. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- Nos termos da proposta apresentada pelo Réu A ao Autor, este último assumiria uma participação de 30% no mencionado investimento. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- O A. teria que custear 30% do preço de aquisição dos referidos imóveis, e 30% das despesas referentes à celebração dos contratos de compra e venda, tais como, despesas notariais, registrais e impostos, e a final, receberia 30% do produto da venda desses prédios. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- O A. acreditou e confiou que o investimento que lhe era proposto pelo Réu A se iria apresentar vantajoso. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- O R. A era um investidor imobiliário. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- O A. contactou o Senhor C, seu amigo de longa data, e perguntou-lhe se não estaria interessado em participar naquele investimento. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- Sendo que ambos, em partes iguais, assumiriam a posição no investimento que tinha sido proposta pelo Réu A ao Autor. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- O Senhor C aceitou então participar no referido investimento, par do ora Autor, assumindo assim o pagamento de metade de qualquer valor que o Autor devesse efectuar, bem como metade de qualquer ganho que ao Autor coubesse, fruto daquele investimento. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- O Autor informou o Réu A que queria então participar no investimento que tinha por objecto os imóveis supra identificados, assumindo 30% dos encargos e dos lucros ao mesmo inerentes. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- No referido investimento participavam ainda o Réu, A, também com uma participação de 30%, 庚, também com 30%, e 辛 com 10%. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- Os prédios sitos no [Endereço (1)] n.ºs 4 e 6, melhor identificados nos presentes autos, seriam adquiridos em conjunto, pelo valor global de HKD$1,250,000.00 (um milhão e duzentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- Bem como seriam conjuntamente adquiridos os prédios sitos no [Endereço (1)] (então) n.º 16 e [Endereço (2)] (então) n.º 17, melhor identificados nos presentes autos, pelo valor global de HKD$1,280,0000.00 (um milhão, duzentos e oitenta mil dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- Assim, na sequência do acordado entres as partes, não obstante o Autor e os outros investidores co-participarem financeiramente na compra dos imóveis, foi o Réu A quem ficou encarregue e responsável de celebrar os contratos com vista à aquisição dos mesmos, em seu nome próprio, mas no interesse de todos os investidores. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
- Ficando estipulado que os imóveis seriam assim registados em nome do Réu A. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- Ficando este ainda incumbido de administrar os imóveis após a sua aquisição. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- Bem como de tratar e diligenciar, no interesse de todos os investidores, da sua sucessiva alienação lucrativa a terceiros. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
- Tudo sempre no interesse e comum benefício de todos quantos participavam no investimento, e em particular no interesse e em benefício do ora Autor. (resposta ao quesito 20º da base instrutória)
- O preço real pago pelos dois referidos imóveis sitos nos números 4 e 6 do [Endereço (1)], foi de HKD$1,250,000.00 (um milhão, duzentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 21º da base instrutória)
- O Autor entregou ao Réu A HKD$375,200.00 (trezentos e setenta e cinco mil e duzentos dólares de Hong Kong), para pagamento de 30% do preço dos dois referidos imóveis sitos nos n.ºs 4 e 6 do [Endereço (1)]. (resposta ao quesito 22º da base instrutória)
- No dia 02 de Julho de 1992 o Autor entregou ao Réu A o cheque com o número XXXXXX, no valor de HKD$165,200.00 (cento e sessenta e cinco mil e duzentos dólares de Hong Kong), sacado sobre a conta que é titular junto do [Banco]. (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
- No dia 24 de Julho de 1992, o Autor entregou ao Réu A o cheque com o número XXXXXX, no valor de HKD$210,000.00 (duzentos e dez mil dólares de Hong Kong), também sacado sobre a conta que é titular junto do [Banco]. (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
- Ambos os cheques foram recebidos e descontados pelo Réu A. (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
- Para além de 30% do preço dos imóveis, o Autor entregou ainda ao Réu A os seguintes montantes:
* Em 13/07/1992, o valor de MOP$16,160.00 (dezasseis mil, cento e sessenta patacas), através do cheque n.º XXXXXX, sacado sobre o [Banco], correspondente a 30% do imposto de sisa;
* Em 06/10/1992, o valor de MOP$6,184.00 (seis mil, cento e oitenta e quatro patacas), através do cheque n.º XXXXXX, sacado sobre o [Banco], relativos a 30% de honorários;
* Em 24/03/1993, o valor de MOP$5,742.20 (cinco mil, setecentas e quarenta e duas patacas e vinte avos), através do cheque n.º XXXXXX, também sacado sobre o [Banco], relativo também a 30% dos honorários. (resposta ao quesito 26º da base instrutória)
- Todos estes cheques foram recebidos e descontados pelo Réu A. (resposta ao quesito 27º da base instrutória)
- Em 29 de Maio de 1992, o Réu A celebrou, enquanto promitente-comprador, o contrato-promessa de compra e venda dos imóveis sitos nos então n.ºs 16 e 17 do [Endereço (1)] e [Endereço (2)], respectivamente. (resposta ao quesito 28º da base instrutória)
- Onde, declarou que o preço de aquisição dos dois imóveis seria de HKD$1,250,000.00 (um milhão e duzentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 29º da base instrutória)
- Sendo que, HKD$350,000.00 (trezentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong) foram entregues pelo Réu A aos promitentes vendedores na data da assinatura do contrato-promessa. (resposta ao quesito 30º da base instrutória)
- Os restantes HKD$900,000.00 (novecentos mil dólares de Hong Kong) na data da celebração da escritura pública de compra e venda. (resposta ao quesito 31º da base instrutória)
- O preço efectivamente pago pelos referidos imóveis foi de HKD$1,280,000.00 (um milhão, duzentos e oitenta mil dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 32º da base instrutória)
- O Autor entregou ao Réu A o valor que lhe cabia pagar a quantia de HKD$105,000.00, que correspondem a 30% de HKD$350,000.00, através de dois cheques. (resposta ao quesito 33º da base instrutória)
- O primeiro cheque com o número XXXXXX, no valor de HKD$90,000.00 (noventa mil dólares de Hong Kong), datado de 30 de Maio de 1992 e sacado sobre a conta que é titular o Autor junto do [Banco]. (resposta ao quesito 34º da base instrutória)
- E o segundo cheque, com o número XXXXXX, no valor de HKD$15,000.00 (quinze mil dólares de Hong Kong), datado de 13 de Julho de 1992 e também sacado sobre a conta que é titular o Autor junto do [Banco]. (resposta ao quesito 35º da base instrutória)
- Ambos os cheques foram recebidos e descontados pelo Réu A. (resposta ao quesito 36º da base instrutória)
- Em 1 de Dezembro de 1992, o Autor entregou ao Réu A para pagamento de 30% do imposto devido pela transmissão do imóvel um cheque no valor de MOP$19,656.00 (dezanove mil, seiscentos e cinquenta e seis patacas). (resposta ao quesito 37º da base instrutória)
- No dia 10 de Dezembro de 1992, o Autor entregou ao Réu A o remanescente do preço que lhe cabia na aquisição dos referidos imóveis, ou seja, HKD$279,000.00 (duzentos e setenta e nove mil dólares de Hong Kong), que correspondem a 30% de HKD$930,000.00. (resposta ao quesito 38º da base instrutória)
- O que fez através do cheque n.º XXXXXX, daquela mesma data, sacado sobre o [Banco]. (resposta ao quesito 39º da base instrutória)
- Todos os cheques supra mencionados foram recebidos e descontados pelo Réu A. (resposta ao quesito 40º da base instrutória)
- Os imóveis sitos no [Endereço (1)] n.º 4 e 6, à data da sua venda à sociedade “D”, ou seja, 10 de Maio de 2007, tinham um valor mínimo de mercado de HKD$3,200,000.00 (três milhões e duzentos mil dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 41º da base instrutória)
- O valor de mercado do prédio sito no [Endereço (1)] s/n (antigo n.º 16) em 10 de Dezembro de 2010, data da sua venda a E, era, pelo menos, de HKD$1,000,000.00 (um milhão de dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 42º da base instrutória)
- Sendo que o prédio sito no [Endereço (2)] s/n (antigo n.º 17), com referência à mesma data, foi também avaliado no valor da pelo menos HKD$1,000,000.00 (um milhão de dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 43º da base instrutória)
- O Réu A na revenda dos imóveis mentiu sobre o valor real dos mesmos, tudo isto, com o intuito de se enriquecer prejudicando o Autor e os demais investidores. (resposta ao quesito 44º da base instrutória)
- Os compradores acederam em declarar nas escrituras de compra e venda um preço inferior ao preço que adquiriram os imóveis. (resposta ao quesito 44º-A da base instrutória)
- Com intenção de suportar um menor encargo a título de impostos, designadamente imposto de selo. (resposta ao quesito 44º-C da base instrutória)
- Durante todo o tempo que mediou entre a aquisição dos imóveis em 1992 e a sua alienação feita em 2007 e 2010, nos termos inicialmente acordados entre todos os intervenientes naquele investimento, o Réu A, depois de adquirir em nome próprio os imóveis, foi sempre quem os administrou. (resposta ao quesito 45º da base instrutória)
- Ao longo de todos estes anos, o Autor por diversas vezes perguntou ao Réu A como estava a situação dos prédios. (resposta ao quesito 46º da base instrutória)
- Se havia compradores interessados ou boas oportunidade de negócio. (resposta ao quesito 47º da base instrutória)
- O Réu A sempre disse ao Autor que a oportunidade certa ainda não tinha surgido, e que continuava a aguardar pelo melhor momento para fazer lucro com a venda dos prédios visto que o mercado imobiliário de Macau estava em pleno acentuado crescimento e que a liberalização do jogo criava grande e crescente expectativas de elevados lucros. (resposta ao quesito 48º da base instrutória)
- O Autor sempre confiou pois que o Réu A administrava os imóveis da melhor forma possível e que conforme acordado, só quando realmente encontrasse uma oportunidade vantajosa e lucrativa os iria alienar. (resposta ao quesito 50º da base instrutória)
- Também o Réu A tinha todo o interesse em obter lucros com a venda dos imóveis. (resposta ao quesito 51º da base instrutória)
- O Autor sempre confiou e aguardou que o Réu A, assim que conseguisse celebrar negócios vantajosos sobre os imóveis, o procurasse a fim de repartir os lucros que lograsse obter. (resposta ao quesito 52º da base instrutória)
- No final do ano de 2010, pressionado pelo seu amigo C, o Autor procurou saber uma vez mais como estava a situação dos prédios sub judice. (resposta ao quesito 53º da base instrutória)
- E veio então, para sua grande surpresa e desapontamento, a descobrir que o Réu A já os havia alienada nas datas supra melhor identificadas. (resposta ao quesito 54º da base instrutória)
- Sem que disso tivesse dado qualquer conhecimento ao Autor. (resposta ao quesito 55º da base instrutória)
- Altura em que, não tendo logrado contactar o Réu A pessoalmente. (resposta ao quesito 56º da base instrutória)
- Solicitou aos seus advogados que escrevessem uma carta ao Réu A, pedindo-lhe que prestasse contas relativas à alienação dos imóveis a fim de se apurar o saldo do investimento. (resposta ao quesito 57º da base instrutória)
- A esta carta dos seus advogados, veio o Réu A, através da sua mandatária, por carta datada de 16 de Março de 2011, responder ao Autor. (resposta ao quesito 58º da base instrutória)
- Nos termos desta carta o Réu A reconhece efectivamente que o Autor assumiu uma participação de 30% das despesas e lucros realizados com a transacção dos imóveis sub judice: “No seguimento do Acordo de Investimento celebrado com o V. Cliente, este tem o direito de participar em 30% (trinta por cento) das despesas e dos lucros realizados com a transacção dos imóveis acima mencionados”. (resposta ao quesito 59º da base instrutória)
- Assim como reconhece que está obrigado a prestar as contas que lhe foram solicitadas: “Assim, vem por este meio prestar contas relativas aos proveitos e despesas efectuadas com os referido móveis, de acordo com o seguinte:”. (resposta ao quesito 60º da base instrutória)
- Passando de seguida, na mencionada carta, a especificar os valores pelos quais alegadamente, vendeu os imóveis, num total de MOP$1,981,900.00 (um milhão, novecentas e oitenta e uma mil, e novecentas patacas), o valor das despesas que alegadamente efectuou quer a título de pagamento de contribuições prediais, quer com obras de melhoramento, num total de MOP$188,507.00 (cento e oitenta e oito mil, quinhentas e sete patacas). (resposta ao quesito 61º da base instrutória)
- E apenas juntou um cheque, datado de 14 de Março de 2011, no valor de MOP$538,017.90 (quinhentas e trinta e oito mil e dezassete patacas e noventa avos), alegadamente “correspondente ao saldo da quota de participação do V. Cliente”. (resposta ao quesito 62º da base instrutória)
- A mencionada carta termina com a afirmação de que o Réu A “Considera, assim, (…), que todas as obrigações decorrentes do mencionado acordo de investimento se encontram cumpridas, nada mais sendo devido. (resposta ao quesito 63º da base instrutória)
- Por carta datada de 22 de Março de 2011, respondeu o Autor ao Réu A. (resposta ao quesito 64º da base instrutória)
- O Autor informou assim o Réu A que não foram juntos nenhuns documentos à sua carta. (resposta ao quesito 65º da base instrutória)
- Que não se conformava com as contas prestadas, requerendo que os valores das transmissões do imóveis fossem comprovados através de outro documentos que não as escrituras públicas de compra e venda, e que aceitava, sob reserva, e como princípio de pagamento dos valores a que terá direito após melhor comprovação do saldo apurado no âmbito do investimento, o cheque no valor de MOP$538,017.90. (resposta ao quesito 66º da base instrutória)
- O Autor não obteve qualquer resposta do Réu A a esta sua última carta. (resposta ao quesito 67º da base instrutória)

3. Direito
Imputa o recorrente o vício de nulidade do acórdão recorrido por violação e errada aplicação da lei substantiva – art.º 639.º do CPC, para o qual teria contribuído uma errada valoração da prova produzida nos autos e a errada aplicação do direito.
Vejamos.

3.1. Da força probatória das escrituras públicas
Constata-se nas alegações apresentadas pelo recorrente que, depois duma exposição que parte do conceito de provas desde a antiguidade e passa pelo Código Civil de Seabra de 1867 até ao Código Civil da RAEM, bem como pela ideia de justiça subjacente à resolução de um litígio e outras abstracções sobre a justiça ou injustiça de valoração de provas e sobre o dever de fundamentação, começa o recorrente por impugnar, de forma concreta, o acórdão recorrido, abordando a questão de prova plena resultante das escrituras públicas constantes nos autos.
Alega o recorrente o seguinte:
«106. Ora, … fácil é verificar que o valor probatório das escrituras públicas de compra e venda, ora em causa, e celebradas pelo recorrente com terceiros, faz prova plena em Tribunal e, como tal, são oponíveis erga omnes.
107. Tais Provas só são passíveis de ser ilididas após a alegação da sua falsidade.
108. Nem o A. alegou a respectiva falsidade, nem o TJB ou o TSI declararam que tal prova se encontrava ilidida e porquê, e que como tal era nula e de nenhum efeito.
109. Assim sendo, tais escrituras fazem prova plena em Tribunal, presunção jure et de jure, são oponíveis erga omnes, e devem se valoradas como tal.
110. Andaram mal, o TJB e o TSI, ao não valorarem tal prova como plena, o que constitui erro manifesta na apreciação da prova e violação e errada aplicação da lei substantiva e do processo nos termos do artigo 639.º do CPC, acarretando a nulidade do Acórdão recorrido.»
Defende ainda que o Autor não alegou os pressupostos da simulação, nem da falsidade documental, nem nenhuma prova, testemunhal ou outra, pelo que “não podia nunca o Tribunal dar como provados factos, como não deu, susceptíveis de anular, alterar ou restringir os negócios jurídicos titulados por escrituras públicas nos autos, revelando a errada interpretação, violação e errada aplicação da lei substantiva, nos termos do disposto no artigo 639.º do CPC”.
Com base nestes argumentos, o recorrente reitera que o julgador não está autorizado a destruir a força probatória do documento com força probatória plena por via da sua livre apreciação, não podendo fixar a percentagem a pagar porque incidente sobre o valor da venda e, ainda que o fizesse, teria que seguir necessariamente para liquidação em execução de sentença.
Com o muito respeito pelo esforço do recorrente para tentar demonstrar a sem razão do decidido no acórdão recorrido, afigura-se-nos não ser de acolher o entendimento do recorrente.
Desde logo, é de realçar que, estando as causas da nulidade da sentença expressamente previstas no n.º 1 do art.º 571.º do CPC, o vício imputado pelo recorrente, de “erro manifesta na apreciação da prova e violação e errada aplicação da lei substantiva e do processo” não gera a nulidade do acórdão recorrido.
Diga-se ainda que é falso que o Autor não tenha alegado os pressupostos da simulação visto que tal resulta cabalmente da alteração da causa de pedir e do pedido apresentada em sede de réplica (designadamente a fls. 228 a 234 dos autos).
Ora, como é sabido, em recurso cível correspondente a 3.º grau de jurisdição, o Tribunal de Última Instância conhece, em princípio, de matéria de direito e não de facto, sendo em princípio intocável a decisão proferida pelo Tribunal de Segunda Instância quanto à matéria de facto, salvo nos caso expressamente previstos na parte final do n.º 2 do art.º 649.º do CPC, isto é, se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Cabe ao recorrente indicasse concretamente sobre que factos é que teria recaído um juízo em violação da força probatória plena legalmente fixada.
No presente caso, o recorrente não chegou a apontar clara e expressamente factos concretos dados como provados (ou não provados) com alegada violação da força probatória plena resultante das escrituras públicas juntas aos autos.
De todo o modo, feito um esforço de compreensão de toda a argumentação vertida pelo recorrente, parece-nos que o mesmo se insurge contra o juízo que recaiu sobre a matéria de facto, designadamente na parte em que as Instâncias consideraram que, nas escrituras públicas através das quais o recorrente vendeu os quatro prédios melhor identificados nos autos, o preço declarado pelas partes (entre as quais o recorrente enquanto vendedor) não correspondia à verdade e, desse modo, concluiu que houve uma simulação de preço naquelas escrituras.
Entende o recorrente que as Instâncias não o poderiam ter feito porque as escrituras públicas são documentos autênticos e, assim sendo, têm força probatória plena que só poderia ser contrariada após a alegação da sua falsidade, o que não foi feito pelo Autor ora recorrido.
No entanto, não procede o argumento do recorrente.
Nos termos do art.º 334.º do Código Civil, “as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos”.
É com base na apreciação dos elementos de prova produzidos nos autos que o julgador forma a sua convicção sobre a matéria de facto.
E quanto ao julgamento da prova a lei consagra o princípio da livre apreciação das provas, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízos segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada (art.º 558.º CPC).
E no que respeita à apreciação e graduação do valor das provas, a regra consagrada no direito processual vigente é a da prova livre.
As provas são apreciadas livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que geram realmente no espírito do julgador acerca da existência do facto.
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
Essas excepções sobressaem, em termos gerais, na prova por confissão, na prova por documentos e na prova por presunções legais.1
No caso vertente, coloca o recorrente a questão relativa ao valor probatório das escrituras públicas de compra e venda que, na sua tese, fazem prova plena em Tribunal, daí que vamos ver se, na apreciação da prova documental, o Tribunal a quo violou disposições legais.
Nos termos do art.º 355.º do Código Civil, a prova documental é a que resulta de documentos; e diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.
E os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares, sendo autênticos os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública (art.º 356.º, n.º 2 do Código Civil).
Todos os outros documentos são particulares, avultando entre eles os lavrados pelos particulares (indivíduos que não exerçam nenhum cargo de autoridade, nem desempenhem qualquer função certificadora, dotada de fé pública).
A distinção entre documentos autênticos e documentos particulares reveste assinalável interesse, por virtude da diferente força probatória de que gozam uns e outros.
A meio termo entre os documentos autênticos e os particulares, situam-se os documentos autenticados, que são documentos particulares na sua origem, que trazem consigo um reconhecimento especial (autêntico) do notário (art.º 356.º, n.º 3 do Código Civil e art.º 50.º, n.º 3 do Código do Notariado).
Não obstante a natureza particular da sua origem, o documento autenticado é equiparado, quanto à sua força probatória, aos documentos autênticos (art.º 371.º do Código Civil).
No que concerne à força probatória dos documentos, distinguem-se força probatória formal da força probatória material: a primeira refere-se ao aspecto de proveniência ou paternidade do documento, ou seja, para saber se o documento provém realmente da pessoa ou entidade a quem é imputado; a segunda reside em saber em que medida os actos nele referidos e os factos nele mencionados se consideram como correspondentes à realidade.
A autenticidade dos documentos autênticos é presumida e pode ser ilidida mediante prova em contrário, ao abrigo do art.º 364.º, n.º 1 do Código Civil, que dispõe que “presume-se que o documento provém da autoridade pública ou oficial público a quem é atribuído, quando estiver subscrito pelo autor com assinatura reconhecida por notário ou com o selo do respectivo serviço”.
Quanto à força probatória formal dos documentos particulares, as situações são diferentes. 2
E no que respeita à força probatória material dos documentos, tudo depende: enquanto há factos compreendidos nas declarações constantes dos documentos que são de considerar provados face às normas substantivas do Código Civil, há outros que estão sujeitos à livre apreciação da prova.
Ora, a força probatória material dos documentos autênticos vem definida no art.º 365.º, n.º 1 do Código Civil, segundo o qual “os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público ou notário respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador”.
Diz-se prova plena aquela que só cede perante prova do contrário. “Produzida uma prova plena, é irrelevante gerar uma situação de dúvida no espírito do julgador, porque a lei manda resolver tal situação de dúvida no sentido indicado pela mesma prova. No entanto, fica salva à contraparte a possibilidade de provar a irrealidade do facto”. 3
E “a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei” (art.º 340.º do Código Civil).
Sobre a força probatória das escrituras públicas, num caso semelhante, o TUI teve já a oportunidade de emitir a pronúncia com o seguinte teor4:
“A escritura pública é um documento autêntico.
Não está em causa a força probatória formal da escritura (que esta provém realmente da entidade a quem é atribuída, nos termos do art. 370.º do mesmo Código).
A força probatória material dos documentos autênticos (saber em que medida os actos referidos no documento e os factos nele mencionados se consideram como correspondentes à realidade) está prevista no art. 371.º, n.º 1, do mesmo Código Civil:
«Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador».
Esta disposição distingue três categorias de factos:
d) Meros juízos pessoais do documentador.
Por exemplo, no testamento, o notário declara que o testador se encontrava na plena posse das suas faculdades mentais.
São elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.
e) Factos que o documento refere como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo.
No caso dos autos, que o notário leu o documento às partes, que o explicou.
Estes factos têm-se por verdadeiros e estão cobertos pela força probatória plena do documento autêntico.
f) Factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.
São os factos que o notário pôde inteirar-se pelos seus próprios sentidos.
Diz-se na escritura que o 1.º réu declarou vender o domínio directo dos prédios e que os autores declararam aceitar a venda (ou seja, comprar) do mesmo domínio directo.
Diz-se também que o 1.º réu declarou já ter recebido o valor da venda.
A força probatória plena vai até onde alcançam as percepções do notário (que os autores declararam comprar o domínio directo dos prédios e que o 1.º réu declarou vender o mesmo domínio directo).
Mas da norma em apreço já não resulta que a força probatória do documento autêntico abrange os factos segundo os quais os autores quiseram efectivamente comprar o domínio directo, nem que o 1.º réu quis efectivamente vender o domínio directo dos prédios.
Como explicam ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO e NORA,5 numa escritura em que um dos outorgantes declarou perante notário querer comprar certa coisa e que o outro, declarando querer vendê-la, afirmou já ter recebido, no dia anterior, o preço de 500 contos, entre eles convencionado, «ter-se-á assim como plenamente provado (até prova em contrário, feita no incidente de falsidade) que um dos outorgantes declarou perante o notário querer comprar e que o outro declarou na presença do mesmo oficial querer vender e ter recebido determinada quantia, a título de preço da coisa.
Mas já se não tem por provado que o primeiro quis realmente comprar e que o segundo quis na realidade vender, nem que este recebeu efectivamente a quantia indicada, nem que essa quantia corresponde, de facto, ao preço convencionado entre as partes.
A essa zona de factos do foro interno dos outorgantes ou de factos exteriores, não ocorridos no acto da escritura e fora até do cartório notarial, não chegam as percepções do funcionário documentador.
São factos que podem, consequentemente, ser impugnados por qualquer das partes, sem necessidade de arguir a falsidade do documento, por não estarem cobertos pela força probatória plena deste.
O documento autêntico faz prova plena em relação à materialidade das afirmações atestadas; mas não quanto à sinceridade, à veracidade ou à validade das declarações emitidas pelas partes».
Também VAZ SERRA, o autor do capítulo das provas, entre outros, do anteprojecto do Código Civil, na exposição das soluções propostas para o Código, dizia, a propósito da força probatória material dos documentos autênticos6:
«O documento prova, pois, plenamente os factos que foram objecto das acções ou percepções do documentador: aqueles que não estiverem nessas condições (v.g., saber se as declarações foram sinceras e livres ou simuladas ou prestadas por erro na declaração ou com reserva mental ou viciadas por erro, dolo, ou coacção) não são plenamente provadas pelo documento, pelo que podem ser impugnadas, nos termos gerais as declarações documentadas, sem que o impugnante careça de arguir a falsidade do documento7».
Revertendo ao nosso caso e aplicando o que ficou dito, temos que:
- Está plenamente provado que o notário leu o documento às partes, que o explicou, por intermédio de intérprete;
- Está plenamente provado que os autores declararam comprar o domínio directo dos prédios e que o 1.º réu declarou vender o mesmo domínio directo e já ter recebido o valor da venda;
- Mas já não está provado, face ao documento, que os autores quisessem efectivamente comprar o domínio directo dos prédios8 e que o 1.º réu quisesse efectivamente vender o mesmo domínio directo;
- Também não está provado, face ao documento, que os autores, quando declararam comprar o domínio directo dos prédios, soubessem qual o significado de tal aquisição, que não se tratava da aquisição do direito de propriedade dos imóveis9.”
Subscrevendo inteiramente as considerações acimas transcritas, e sem mais delongas, é de concluir que a força probatória material dos documentos autênticos não abarca a sinceridade, a veracidade e a validade das declarações emitidas pelas partes, tal como reconhece o próprio recorrente, e com as escrituras públicas em causa não está plenamente provado que os valores de compra e venda aí indicados correspondem aos preços reais pelos quais foram vendidos os prédios.
Improcede assim o argumento do recorrente, nada obstando à consideração de que se verifica uma simulação dos preços declarados nas escrituras públicas, sem necessidade de arguir a falsidade dos mesmos documentos autênticos.
E não se vislumbrando a violação de “disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, não pode o Tribunal de Última Instância, impedido de conhecer da matéria de facto, interferir na decisão que recaiu sobre essa matéria, sob pena de violação do disposto nos art.ºs 639.º e 649.º do CPC.

3.2. Da errada aplicação do direito
Na óptica do recorrente, o acórdão recorrido desenvolve uma lógica extraordinária para, por esse caminho, concluir pela suposta simulação dos negócios jurídicos titulados, sem nunca falar em falsidade das respectivas declarações, dos seus pressupostos e da respectiva prova.
Alega o recorrente que não existe qualquer prova de que existe divergência entre a vontade real e a vontade declarada e muito menos que tenha existido uma eventual combinação entre ele e os compradores, com o intuito de enganar o Autor (só assim se compreende a total absolvição dos compradores), defendendo que não se sabe “onde foi o Tribunal recorrido buscar o suposto fingimento para o qual, todos, de propósito, se concertaram, com vista a engarem o Autor”, não se podendo assim “beneficiar um eventual contrato falso, ou meramente hipotético, contra a validação de um contrato verdadeiro, quando a verdade é invocada – e demonstrada”.
Antes de mais, é de notar que o recorrente nem sequer chegar a indicar qual a norma jurídica que, no seu entender, foi incorrectamente aplicada ou qual o sentido em que tal norma deveria ter sido aplicada, sendo que a única norma por si referido, o art.º 233.º do Código Civil, não se mostra relevante para a sua pretensão.
Ora, resulta claramente das alegações do recorrente que, não obstante a invocação do vício de errada aplicação do direito, o que pretende o recorrente é continuar a impugnar a matéria de facto, não sendo colocada nenhuma questão jurídica de que o TUI pode conhecer.
Daí que é de reiterar a nossa posição, acima exposta, quanto aos poderes de cognição do TUI.
Repetindo, nos termos do n.º 2 do art.º 649.º do CPC, a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Por exemplo, “Quando o Tribunal de Segunda Instância considere não provado um facto que esteja provado por meio de prova que constitua prova plena, pode o Tribunal de Última Instância alterar a decisão, nos termos do n.º 2 do artigo 649.º do Código de Processo Civil”.10
E “O apuramento da vontade real das partes de um negócio, incluindo a sua intenção na redacção de uma cláusula do mesmo, constitui questão de facto, para o qual o TUI não tem poder de cognição”, sendo certo que “pertence à esfera dos factos, a existência da declaração em si, pertencendo à esfera do direito as questões de qualificação e de eficácia jurídicas do que se prove ter sido declarado”.11
Por outro lado, não é verdade que não existe qualquer prova que demonstre a divergência entre a vontade real e a vontade declarada.
De facto, constata-se no acórdão de fls. 425 a 431 dos autos, na parte em que se expôs os motivos da convicção do tribunal sobre a matéria de facto, designadamente fls. 429v e seguintes, já transitada no acórdão ora recorrido, foram indicadas as provas que levaram o tribunal a formar a sua convicção sobre o preço real das compra e venda dos prédios.
E a absolvição dos 2.º e 3.º Réus (compradores dos prédios) deveu-se ao facto de estar provado somente que eles “assim fizeram com intenção de suportar menor imposto, e não tendo sido alegado nem provado que não houveram pagamento do preço da venda pelos respectivos compradores, carece de qualquer fundamento legal para imputar a responsabilidade a estes dois Réus” (fls. 492v e 493 dos autos), sendo que não se deu como provada a eventual combinação entre o recorrente e os compradores, com o intuito de enganar o Autor.
Resumindo, o alegado pelo recorrente integra-se evidentemente na matéria de facto, não se tratando da questão de direito, pelo que não pode este TUI conhecê-la.
Destarte, é de concluir que, em bom rigor, o recorrente apenas manifesta, mais uma vez, a sua discordância com as decisões que recaíram sobre a matéria de facto, matéria para a qual o TUI carece dos necessários poderes de cognição atento o disposto nos artigos 639.º e 649.º do CPC.

3.3. Da questão da indemnização
Desde logo, e tal como se refere no acórdão recorrido, é de notar que, pese embora a utilização da expressão “indemnização” na sentença do TJB, não está em causa uma verdadeira questão de indemnização, pois “com o decidido limitou-se o tribunal a ir de encontro ao pedido deduzido e que, no fundo, era uma pretendida ‘compensação pelos prejuízos’ que o A. sofreu em consequência da conduta (ilícita) dos RR.”. (fls. 824v dos autos)
Colocando a questão de presunção judicial, sustenta o recorrente que “toda a matéria de facto relevante para a decisão da causa foi manobrada, tendo por base, apenas e só, presunções judiciais, ceifando por completo a prova plena efectuada nos autos” e que tanto o TSI como o TJB “violaram de forma clamorosa a lei, na medida em que fundamentaram a sua decisão apenas e só em presunções judiciais, quando existem factos provados por documentos com força probatória plena, e que foram ignorados”.
Alega ainda que não há base para as presunções judiciais e que, como tal, se deve considerar que houve um erro de aplicação dos art.ºs 232.º, 233.º, 234.º, 342.º, 343.º, 344.º e 351.º do Código Civil, devendo o TUI “suprimir os factos presumidos pela violação das normas supra referidas, uma vez que o tribunal ad quo procedeu a um errado juízo dedutivo e presuntivo sobre factos que ofenderam as supra referidas normas legais.”.
Considerando que a sindicância do uso das presunções judiciais é matéria de direito, pelo que sujeita a apreciação pelo TUI.
Ora, conforme o disposto no art.º 342.º do Código Civil, “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.”, sendo que “As presunções judiciais, naturais ou de facto são aquelas que se fundam nas regras práticas da experiência, e que o juiz usa na apreciação de muitas situações de facto.
A presunção assenta sobre uma base (um facto) que tem de ser provada. E esta há-de ser feita por qualquer dos procedimentos probatórios regulados na lei (documentos, testemunhas, etc.).”12
Como já se disse, o recorrente nunca concretiza os factos a que se refere nem indica que presunções em concreto é que foram abusivamente retiradas da matéria de facto, o que por si só implicaria a improcedência do seu recurso nesta matéria, já que nunca se compreenderia que factos é que o TUI deve “suprimir”, tal como pretende o recorrente.
O que se pode constatar nas alegações do recurso é que o recorrente volta a insistir no equívoco quanto à suposta força probatória plena das escrituras públicas em relação ao preço declarado para daí retirar que as Instâncias não poderiam recorrer a “presunções” quanto à existência de uma simulação de preço, mas sem nenhuma razão.
Desde logo, tal como já foi dito, a força probatória plena das escrituras públicas não abrange o preço declarado pelas partes.
E também não é certo que as Instâncias não pudessem recorrer a um raciocínio dedutivo quanto à existência de uma simulação de preço.
Tal como nota Manuel de Andrade, “Os simuladores, em geral, procuram as trevas, fogem de testemunhas. (…) Em regra, portanto, não há prova directa da simulação. A prova tem de ser feita, quase sempre, por meio de indícios ou presunções, mais ou menos frisantes, de onde transpareça e se deixe inferir a existência da simulação. Assim, por ex., tratando-se de uma venda: a insolvência do vendedor ou a iminência de procedimento executivo contra ele; o parentesco ou amizade dos outorgantes; não ter o vendedor necessidade ou não ter o hábito de vender; não ter o comprador posses nem condições de vida que pudessem justificar ou explicar a compra; ter o vendedor continuado na posse dos bens vendidos (seja embora a título de arrendatário) ou a pagar os respectivos impostos; a reserva do usufruto para o vendedor; o modo precipitado ou clandestino da celebração do contrato; referir-se a venda a todos ou quase todos os bens do vendedor.
Esses indícios ou presunções, claro está, hão-de provar-se por testemunhas, por documentos, etc. Há que salientar, porém a decisiva importância que reveste, quanto à prova indiciária ou conjectural da simulação, o demonstrar-se uma causa simulando apropriada, ou seja, o motivo ou interesse que determinou a simulação.”13 (o sublinhado é nosso)
Ora, constata-se na fundamentação da sentença TJB, sobre a matéria relativa às simulações, o seguinte:
“No que concerne ao valor dos prédios à data da sua venda, o Tribunal considera provados esses factos com base nos relatórios de avaliação feitos pela [Limitada] de fls. 121 a 132, 133 a 143 e 144 a 154, não impugnados pelas partes contrárias, os quais se mostram adequados para comprovar os factos quesitados, tendo em consideração ainda o facto notório da subida dos valores dos imóveis, nos últimos dez anos que se iniciou desde 2004, não se afiguram exagerados os valores avaliados.
No tocante aos factos de simulações das compras e vendas entre o Réu e os intervenientes, a convicção do Tribunal assenta no facto de ter considerado os prédios valerem mais do que os valores declarados na altura da revenda, pois em relação aos prédios n.º 4 e 6 do [Endereço (1)], o valor da venda era apenas 1/4 do valor mínimo de mercado, enquanto os prédios do então n.º 16 e do n.º 17 do [Endereço (2)], o preço da venda era HKD1.100.000,00, 1/2 do valor do mercado e que, quanto a esses, o preço declarado era ainda inferior ao preço real (HKD1.250.000,00) da aquisição, tomando em conta que a pretensão dos investidores era obter lucros através da compra e venda dos imóveis e que eles já aguardaram por mais de dez anos por um melhor preço, daí se retira que não seja provável, segundo a experiência do homem médio, a revenda por um valor inferior ao do mercado e até inferior ao valor de aquisição, sem qualquer justificação plausível e razoável de tais actos, perante a manifesta recuperação do mercado imobiliário e a óptima expectativa da subida dos preços dos bens imobiliários na altura, por tudo isso, o Tribunal está convencido que os valores reais da venda não eram os valores constantes das respectivas escrituras públicas, consequentemente e por lógica, havia intenção simulatória quanto ao preço tanto por parte do Réu como dos compradores, pois, quanto a estes últimos, o manifesto benefício a obter no pagamento dos impostos de selos com a declaração dum preço inferior ao preço verdadeiramente acordado.” (fls. 431 dos autos).
Por seu lado, e na sequência de recurso apresentado também pelo ora recorrente, o Tribunal de Segunda Instância limitou-se a defender o acerto da decisão tomada pelo Tribunal Judicial de Base nos seguintes termos:
«(…) relativamente a tais declarações, manifesto é que as respectivas escrituras públicas não fazem “prova plena” quanto às mesmas, nada obstando ao Colectivo a quo que decidisse como decidiu.
Dest’arte, tendo presente a exposição constante no trecho do Acórdão do Tribunal a quo (que atrás se deixou transcrito), e em face do que aí se explicita quanto aos motivos da sua convicção quanto ao “preço de venda dos imóveis (aos 2.º e 3.º RR.)”, adequado se nos apresenta consignar que nenhum “erro na apreciação da prova” existiu.
O mesmo se diga também quanto à “divergências de vontades” – a real e a declarada – dos outorgantes, pois que o Colectivo a quo limitou-se a apreciar a prova produzida de acordo com as regras de experiência e da normalidade das coisas, mostrando-se-nos ter proferido uma decisão (adequadamente) fundamentada e correcta.» (o sublinhado é nosso, fls. 823 dos autos).
Assim, é evidente a sem razão do recorrente, ao alegar que “o Recorrido nada provou acerca da simulação que invocou, sendo que o ónus da prova, recaía sobre si, nos termos do disposto no artigo 335.º do CC.” e que foram violadas as normas legais dos artigos 232.º, 233.º, 234.º, 342.º, 343.º, 344.º e 351.º do Código Civil.

Finalmente, imputa ainda o recorrente a nulidade do acórdão recorrido, invocando que em sede de alegações do recurso para o TSI o Autor alegou factos novos e ampliou o objecto do pedido, os quais foram necessariamente tidos em conta pelo Tribunal a quo para formular a sua convicção, mas o acórdão recorrido é totalmente omisso “em relação a tal questão”, pelo que é nulo nos termos do art.º 571.º, n.º 1, al. d) do CPC, porque não se pronunciou sobre questões que devia apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Uma vez mais, o recorrente limita-se a vagas alusões a “factos” sem indicar especificamente ao que se refere, não se compreendendo, em absoluto, que factos é que foram carreados para o processo e que influenciaram, no entender do recorrente, a decisão do Tribunal recorrido.
Ora, o pedido de ampliação do âmbito do recurso foi apresentado pelo Autor recorrido nas suas contra-alegações, a título subsidiário e nos termos do art.º 590.º do CPC.
E o Tribunal recorrido fez consignar, correctamente, na parte final do acórdão ora recorrido que, “apreciadas toda as questões colocadas no recurso do R., e alcançando-se a conclusão da sua improcedência, necessária não é qualquer pronúncia sobre a questão da ‘ampliação do âmbito do recurso’ pelo A. (recorrido) suscitada nas suas contra-alegações.” (fls. 824v e 825 dos autos)
Ora, em face de não pronúncia sobre a questão, é claro que o ora recorrente não tem legitimidade para recorrer dessa decisão, insistindo na apreciação do pedido de ampliação do âmbito do recurso suscitada pelo Autor, uma vez que não era o interessado nem ficou vencido quanto a essa matéria e, sobretudo, não diz respeito ao objecto do recurso por si apresentado.
Assim sendo, não se vislumbrando a alegada omissão de pronúncia (e muito menos excesso de pronúncia), não se verifica a nulidade imputada pelo recorrente.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso.
Custas pelo recorrente.

                 10 de Dezembro de 2021
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
Sam Hou Fai
Lai Kin Hong

1 Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, 2.ª edição, p. 467 e segs..
2 Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, 2.ª edição, p. 509 a 519.
3 J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, AAFDL, Lisboa, 1987, II vol., p. 675.
4 Ac, do TUI, de 13 de Junho de 2001, Proc. n.º 3/2001.
5 ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO e NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, 2.ª ed., p. 522, que se seguiu muito de perto na exposição antecedente.
6 VAZ SERRA, Provas (Direito Probatório Material), BMJ 111, p. 131.
7 No mesmo sentido, ALMEIDA COSTA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 129.º, p. 348 e segs. e 360 e segs. e PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1987, 4.ª ed., volume I, p. 327 e 328.
8 Embora saibamos, por outros factos, que os autores queriam efectivamente comprar o domínio directo dos prédios, que a vontade real coincidia com a vontade declarada. Mas que, por força de vício na formação da vontade, eles pensavam que estavam a adquirir a propriedade plena dos prédios, como se verá melhor, adiante.
9 Cfr. a nota anterior.
10 Ac. do TUI, de 23 de Abril de 2003, Proc. n.º 6/2003.
11 Ac. do TUI, de 29 de Novembro de 2019, Proc. n.º 111/2019.
12 Viriato de Lima, Manual de Direito Processual Civil – Acção Declarativa Comum, 3.ª Edição, p. 469.
13 Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II – Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico, Coimbra, 1987, p. 213.
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Processo n.º 21/2020