打印全文
Processo nº 444/2021
Data do Acórdão: 18NOV2021


Assuntos:

Prazo de prescrição
Responsabilidade solidária
Concessionárias de jogo de fortuna e azar
Promotores de jogo de fortuna e azar
Impugnação da matéria de facto
Livre apreciação de provas
Convicção do Tribunal
Princípio da imediação


SUMÁRIO

1. A responsabilidade imposta às concessionárias pelo artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 é meramente objectiva, isto é, responsabilidade pelo risco.

2. Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.

3. Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento. Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.

4. O recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.

5. Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente. Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância, só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.

6. Para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica. Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 444/2021


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CV3-19-0041-CAO, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:
I) RELATÓRIO
  A titular do passaporte da RPC n.ºG50XXXXXX, residente na 中國山西省太原市XXXXXXX, vem intentar a presente
  ACÇÃO ORDINÁRIA contra
  B Limitada(B有限公司), registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.ºXXXXX(SO), com sede em Macau, na XXXXXXX; e
  C S.A.(C股份有限公司), registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.ºXXXXX(SO), com sede em Macau, na XXXXXX.
  
  com os fundamentos apresentados constantes da p.i., de fls. 2 a 7
  Concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada, e em consequência:
  a) Sejam condenadas as 1ª Ré e a 2ª Ré para assumirem solidariamente a obrigação emergente da responsabilidade contratual, devendo pagar ao Autor o montante de MOP$4.797.200,00;
  b) Os juros de mora calculados à taxa legal a contar de 30 de Outubro de 2015 até o integral pagamento; e
  c) Sejam condenadas as 1ª e 2ª Rés no pagamento de todas as custas emergentes da presente acção e da procuradoria.
***
   A 1ª Rés apresentou a contestação constante de fls. 116 a 119, negando que tinha recebido dinheiro alegado pelo Autor. A 2ª Ré contestou, com a excepção da prescrição do direito alegado pelo Autor, impugnando ainda que não há responsabilidade dela na indemnização ao Autor pela obrigação da restituição originada da relação estabelecida entre o Autor e a 1ª Ré, tudo melhor constante de fls. 87 a 109 dos autos.
***
  Saneados os autos no saneador, e em seguida, foram seleccionados factos considerados assentes e os factos que se integram na base instrutória.
***
  Realiza-se a audiência de discussão e julgamento por Tribunal Colectivo de acordo com o formalismo legal.
***
  O Tribunal é competente em razão da matéria, da hierarquia e internacionalmente e o processo é próprio.
  As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
  Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
   ***
II) FACTOS
  Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
  Da Matéria de Facto Assente:
- 第一被告是於2006年7月12日於澳門設立,並於2006年8月22日在澳門商業及動產登記局登記,編號為XXXXX(SO)(見卷宗第11頁至第19頁,其內容在此視為獲完全轉錄)。(已確定事實A)項)
- 其所營事業為推介娛樂場幸運博彩或其他方式的博彩。(已確定事實B項)
- 第二被告於2001年10月17日開設,並同日在澳門商業及動產登記局登記,其編號為XXXXX(SO)(見卷宗第21頁至第43頁,其內容在此視為獲完全轉錄)。(已確定事實C)項)
- 其所營事業為經營娛樂場博彩或其他方式的博彩。(已確定事實D)項)
- 於2002年6月28日,第二被告與澳門特別行政區政府簽訂《澳門特別行政區娛樂場幸運博彩或其他方式的博彩經營批給合同》(見卷宗第44頁至第52頁,其內容在此視為獲完全轉錄)。(已確定事實E)項)
- 於2006年9月8日,第二被告與澳門特別行政區政府簽訂《澳門特別行政區娛樂場幸運博彩或其他方式的博彩經營批給合同的首次修改》(見卷宗第53頁,其內容在此視為獲完全轉錄)。(已確定事實F)項)
- 於2002年6月27日有關合同產生效力。(已確定事實G)項)
- 自2005年起,第一被告為一博彩中介人,其編號為EXXX。(已確定事實H)項)
- 第一被告在第二被告的場所內開設B貴賓會。(已確定事實I)項)
- 經第二被告許可及同意下,第一被告在B貴賓會內設置了獨立帳房以免費供其客戶兌換、寄存及提取籌碼,以及為客戶提供各種的便利。(已確定事實J)項)
   
  Da Base Instrutória:
- 由於第一被告與第二被告簽訂了《博彩中介合同》及《信貸許可協議》,故第一被告獲第二被告的許可在其場所內從事博彩中介業務及信貸許可的活動。(對調查基礎內容第1條的答覆)
- 原告是第一被告所經營的B貴賓會的客戶。(對調查基礎內容第2條的答覆)
- 原告在B貴賓會內開設了博彩戶口,其編號為80XXXXXX。(對調查基礎內容第3條的答覆)
- No dia 28 de Abril de 2014, como o Autor pretendia jogar, no futuro, na sala VIP B explorada pela 1ª Ré, transferiu dois milhões, cento e sessenta mil renminbis (RMB¥2.160.000.00) da sua conta bancária para a conta bancária do interior da China indicada pela 1ª Ré a pedido desta última (vide fls. 58 a 59, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (對調查基礎內容第4條的答覆)
- No mesmo dia, igualmente para jogar, o Autor transferiu um milhão, oitocentos e quarenta mil renminbis (RMB¥1.840.000,00) da sua conta bancária do interior da China para a conta do Banco da China indicada pela 1ª Ré (vide fls. 60 a 61, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (對調查基礎內容第5條的答覆)
- 於原告將合共人民幣肆佰萬圓正(RMB¥4.000.000.00)之款項存入第一被告所指定之銀行帳戶後,第一被告於同日(2014年4月28日)向原告開了一張編號為DA00XXXX的“存碼單”,內容為“茲證明(存款人)A,存入現金人民幣肆佰萬元正※(人民幣¥4,000,000-)”(見卷宗第62頁至第63頁,其內容在此視為獲完全轉錄)。(對調查基礎內容第6條的答覆)
- 原告自2014年4月28日將上述人民幣肆佰萬圓正(人民幣¥4,000,000.00)存入第一被告所經營的B貴賓會後,便從未將有關款項提取。(對調查基礎內容第7條的答覆)
- 於2015年9月份,原告曾要求第一被告返還上述人民幣肆佰萬圓正(人民幣¥4,000,000.00)。(對調查基礎內容第8條的答覆)
- 但第一被告拒絕原告提取上述存款。(對調查基礎內容第9條的答覆)
- 第二被告沒有監察第一被告在其娛樂場所開展之活動,尤其帳房之存款活動。(對調查基礎內容第10條答覆)
- A 2ª Ré não tem acesso à escrituração da B. (對調查基礎內容第12條的答覆)
***
III) FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
  Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
  Com a presente acção, pretendeu o Autor que seja indemnizado pelas Rés do montante de MOP$4.797.200,00, com os respectivos juros moratórios a partir do dia 30 de Outubro de 2015, alegando que era membro da Sala VIP B explorada pela 1ª Ré, em 28/04/2014, depositou o montante total de RMB¥4.000.000,00 na referida Sala VIP, através das duas transferência bancárias da seu conta bancária para a conta bancária interior da China indicada pela 1ª Ré, tendo esta, posteriormente, lhe emitido um talão de depósito com assinatura do seu funcionário. Em Setembro de 2015, o Autor exigiu o levantamento do valor depositado mas foi recusado pela 1ª Ré, entendendo que 1ª Ré, na qualidade de depositário, tem a obrigação da restituição dessa quantia e tem também a 2ª Ré a obrigação solidária pela restituição, por ser esta concessionária de jogo e nessa qualidade, assume a responsabilidade de indemnizar aos terceiros os danos causados pelos actos da 1ª Ré, ao abrigo do disposto do art° 23° e 29° do Regulamento Administrativo n°6/2002.
  Na contestação, a 1ª Ré impugnou os factos alegados pelo Autor de que aquela tinha recebido a quantia alegada por este. A 2ª Ré invocou a excepção de prescrição do direito alegado pelo Autor, alegando que a responsabilidade solidária prevista no art°29° do Regulamento Administrativo é extra-contratual, cujo prazo de prescrição é de 3 anos, mas o Autor só exerceu o direito após o decurso desse prazo, e pugnou ainda que a responsabilidade solidária imposta por norma acima referida visa tutelar o interesse colectivo da RAEM e não interesse particular, não sendo aplicável à eventual obrigação da indemnização por parte da 1ª Ré perante o Autor resultante meramente duma relação jurídica tecida entre eles.
  
  Relação jurídica estabelecida entre o Autor e a 1ª Ré
  O Autor alegou que depositou o montante no valor de RMB¥4.000.000,00 na sala VIP B, tendo este emitido talão de depósito, mas recusou a sua restituição.
  Dispõe-se o art°1111° do C.C., “Depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que o guarde, e a restitua quando for exigida.”
  Prevê-se, por outro lado, o art°1131° C.C., “Diz-se irregular o depósito que tem por objecto coisas fungíveis.” A este é aplicável o regime de contrato de mútuo, na medida possível. (art°1132° C.C.)
  Resulta da factuladade apurada que não houve entrega directa nem dos numerários nem das fichas de jogo pelo Autor na tesouraria explorada pela 1ª Ré, no entanto, o montante de RMB¥4.000.000,00 foi transferida da conta bancária do Autor para uma conta bancária do interior da China indicada pela 1ª Ré, no dia 28 de Abril de 2014. Feitas as transferências, ao Autor foi emitido e entregue pela 1ª Ré um talão de depósito com o n°DA00XXXX, onde consta que foi depositado RMB¥4.000.000,00 em numerários.
  Apesar de o Autor não ter efectuado a entrega directa por numerários ou fichas de jogos na tesouraria da sala VIP B, a emissão do talão de depósito ao Autor, no mesmo dia e depois das duas transferências bancárias feitas pela 1ª Ré, não deixa de ser acto de reconhecimento por parte da 1ª Ré de recebimento do dinheiro transferido pelo Autor e considerar o mesmo ter sido depositado pelo Autor na tesouraria de sala VIP de B.
  Assim, é de concluir que entre o Autor e a 1ª Ré foi estabelecida relação de depósito.
  No entanto, o depósito não tem por objecto coisas fungíveis, visto que as transferência bancárias foram feitas em RMB e no talão emitido pela 1ª Ré consta também o depósito de RMB¥4.000.000,00 em numerários e nada se menciona que o depósito foi feito em fichas de jogo ou a Ré tem o dever de restituir em fichas de jogo. Assim, a relação estabelecida entre o Autor e a 1ª ré consubstancia-se em contrato de depósito e não em depósito irregular.
  De acordo com o preceito acima transcrito, recaindo sobre o depositário a obrigação de restituir a coisa quando for exigida
  Nada consta dos factos assentes qualquer prazo estipulado pelas partes para a restituição da quantia depositada, pelo que a 1ª Ré tem o dever de a restituir quando for exigido. (art°766°, n°1 do C.C.)
  Conforme os factos assentes, o Autor solicitou à 1ª Ré, em Setembro de 2015 a restituição do montante depositado, assim, tem a 1ª Ré a obrigação de restituir ao Autor o valor depois da interpelação, que se presume em último dia de Setembro, ou seja, 30 de Setembro de 2015,
  Assim, é de julgar procedente o pedido do Autor em relação à 1ª Ré, devendo esta ser condenada a indemnizar ao Autor o montante de RMB¥4.000.000,00, correspondente a MOP$4.797.200,00.
  
  Juros de mora
  Para além da quantia depositada, peticiona o Autor os juros moratórios contados a partir de 30 de Outubro de 2015.data de citação.
  Nos termos do art°793° do C.C., “1. A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor 2. O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.”
  Para que haja mora, carece de reclamação por parte do credor do cumprimento das obrigações, excepto dos casos dispensados por lei. A interpelação extrajudicial pode ser feita por qualquer via.
  De acordo com o disposto do n°1 e 2 do art°795° do C.C. e a ordem executiva n°29/2006 de 6 de Julho, por se tratar de obrigação pecuniária, a indemnização corresponde ao juros à taxa de 9.75% a contar do dia da constituição em mora.
  No caso sub judice, ficou provado que, em Setembro de 2015, o Autor solicitou ao levantamento do valor depositado na sala VIP B, mas foi recusado pela 1ª Ré. Esta encontrou-se em mora desde a interpelação ocorrida em Setembro de 2015.
  Assim, a obrigação de restituir as fichas de jogo vence-se a partir do dia 30 de Setembro de 2015, a partir do qual deverá pagar ao Autor os juros moratórios à taxa legal de 9.75%.
  No entanto, o Autor só exigiu os juros contados a partir do dia 30 de Outubro de 2015, por força do disposto do art°564°, n°1 do C.P.C., só é de condenar o pagamento de juros a partir do dia de 30 de Outubro de 2015.

  Responsabilidade da 2ª Ré
  Alegou o Autor que impende sobre a 2ª Ré a obrigação solidária de indemnização por força do disposto do art°29° do Regulamento Administrativo n°6/2002.
  Invocou a Ré com a excepção de prescrição do direito do Autor, e, a inaplicabilidade da regra prevista no R.A. n°6/2002, ao presente caso.
  
  Prescrição
  Debruçamos, em primeiro lugar, sobre a questão de prescrição, visto que o seu conhecimento faz extinguir do direito invocado pelo Autor.
  Argumenta a 2ª Ré que a responsabilidade solidária referida no art°29° do R.A. n°6/2002, é extra-contratual, estando sujeito ao prazo de prescrição de 3 anos, previsto no art°491° do C.C., no momento da instauração da presente acção pelo Autor, já se encontrou decorrido o prazo de prescrição.
  Apesar de admitir o Autor que a responsabilidade a assumir pela 2ª Ré não é responsabilidade contratual, refutando que, como a fonte da obrigação de indemnização da 1ª Ré é da responsabilidade contratual, a solidariedade das obrigações dos concessionários faz com que a estes é aplicável o mesmo prazo geral de prescrição aplicável à obrigação fundamental (contrato) e não o prazo de prescrição de 3 anos.
  Vejamos.
  Conforme os factos assentes, a 1ª Ré era promotora de jogo da 2ª Ré e a ela foi permitida a instalação da Sala VIP B no estabelecimento explorado por esta, em que aquela tinha tesouraria autónoma destinada à troca, depósito e levantamento das fichas de jogo por aquela.
  No exercício da actividade de promoção de jogo, a 1ª Ré aceitou o depósito de RMB¥4.000.000,00 do Autor, seu cliente.
  A obrigação da 1ª Ré de restituir o montante de RMB¥4.000.000,00 nasce do contrato de depósito. A fonte dessa obrigação é, sem dúvida, responsabilidade contratual.
  Mas, o contrato de depósito foi apenas celebrado entre o Autor e a 1ª Ré, sendo a 2ª Ré alheia em relação a este vínculo, portanto, o contrato de depósito não poderá produzir qualquer efeito em relação à 2ª Ré.
  Porém, estatui-se o art°29° do R.A. n°6/2002 “As concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administraBs e colaboraBs destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normais legais e regulamentares aplicáveis.”
  Como é consabido, a actividade de promoção de jogo é componente essencial na ecologia de jogo de RAEM, a principal função dos promotores de jogo é angariar clientes para jogar nos casinos duma concessionária, sendo uma das condições do acesso ao exercício da actividade de promoção de jogo o registo junto de uma das concessionárias.
  A exploração da actividade de promoção de jogo está condicionada com a autorização das concessionárias ou subconcessionárias. Razão pela qual as concessionárias têm que apresentar uma lista dos promotores de jogo que vão operar no seu casino ao D.I.C.J por cada ano. (art°23°, n°5 da Lei n°16/2001)
  Parece ser pacífico que não existe entre os promotores de jogo e concessionárias uma relação de dependência, a actividade de promoção de jogo prestada pelos promotores de jogo não está sujeita às ordens ou instruções das concessionárias. A relação entre elas não é considerada como comitente e comissário.
  Sendo certo que a actividade prestada pelos promotores de jogo é em benefício das concessionárias, pois todas as facilidades prestadas pelos promotores de jogo aos clientes/jogadores têm o único objectivo de estes jogarem no casino das concessionárias, a partir daí estas poderão obter lucros.
  As concessionárias gozam do direito exclusivo de explorar os casinos, os seus proveitos principais provêm dos jogadores que façam apostas de jogo e azar nos seus casinos. A procura dos jogadores a jogar no casino é relevante para que as concessionárias obtenham lucros da exploração de jogo.
  O legislador não ignora o papel desempenhado pelos promotores de jogo na exploração de jogo de fortuna ou azar, assim, no momento da regulamentação do regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino prevista pela Lei n° 16/2001, tem previsto a figura dos promotores de jogo, permitindo às concessionárias, em vez de angariar por si próprias os clientes para jogar, a serem colaborados por terceiros, por escolha sua. Os promotores de jogo são, sob essa perspectiva, colaboraBs ou auxiliares das concessionárias.
  É justamente por essa relação especial entre as concessionárias e promotores de jogo, o legislador exige àquelas a responsabilidade solidária pelas actividades desenvolvidas no casino pelos dos promotores jogos.
  Julgaremos que essa opção legislativa se baseia na ideia semelhante da responsabilidade pelo risco ou objectiva, sobre a qual se aplica o regime jurídico da responsabilidade extra-contratual.
  Entretanto, a solidariedade dessas obrigações dos promotores do jogo e dos concessionários não irá alterar a fonte das obrigações da cada um nem do regime jurídico que lhe é aplicável.
  Com efeito, a noção de solidariedade consagrada na nossa lei é ampla. São notas típicas da solidariedade passiva o dever de prestação integral, que recai sobre qualquer dos devedores e o efeito extintivo recíproco da satisfação, dado por qualquer deles aos direitos do credor. (Antunes Varelas, in Obrigações em Geral, Vol. I., pg. 747)
  Portanto, nada impede que a causa da obrigação de cada responsável seja diferente para cada um dos responsáveis solidários e que as obrigações nasçam de factos distintos
  A solidariedade das obrigações do promotor de jogo e dos concessionários não resulta da causa das obrigações de qualquer deles mas sim da lei que entende haver interesse de arcar as concessionários com a responsabilidade pelos actos praticados pelos promotores de jogo escolhidos por elas.
  No caso em jogo, a 1ª Ré assumirá a responsabilidade contratual e a 2ª Ré só assumirá a responsabilidade extra-contratual ou pelo risco, sendo a cada uma aplicável o regime jurídico correspondente à sua responsabilidade.
  Assim, atenta à natureza jurídica da responsabilidade extra-contratural que a 2ª Ré eventualmente assumirá, é-lhe aplicável a regra de prescrição mais curta de três anos prevista no art°491°, ex vi, art°492° do C.C..
  Volvido ao caso, o direito do Autor de ser restituída a quantia depositada encontra-se vencido em 30 de Setembro de 2015, o prazo de três anos para exercer o direito contra a 2ª Ré terminou em 30 de Setembro de 2018, mas a presente acção só deu entrada em 25 de Março de 2019, cerca de 3 anos e 6 meses depois dessa data.
  Assim, o direito que o Autor invoca contra a 2ª Ré já se encontra prescrito, nos termos do disposto do art°491°, n°1 do C.C.M.
  Verificada está a prescrição do direito invocado, outra solução não poderá ser senão julgar-se improcedente o pedido do Autor em relação a esta.
  
*
IV) DECISÃO
  Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e, em consequência, decide:
  - Condenar a Ré B Limitada pagar ao Autor A uma quantia de MOP$4.797.200 (quatro milhões e setecentas e noventa e sete mil e duzentas Patacas), acrescida de juros de mora, a taxa legal, contados a partir de 30 de Outubro de 2015 até ao integral e efectivo pagamento.
  - Absolver a Ré C S.A. do pedido formulado pelo Autor.
*
  Custas pelo Autor e 1ª Ré na parte do seu decaimento, em proporção de 10% e 90%.
*
  Registe e Notifique.
***
  據上論結,本法庭裁定訴訟理由部份成立,裁決如下:
  - 判處被告B有限公司向原告A支付MOP$4,797,200元(澳門幣肆佰柒拾玖萬柒仟貳佰圓),附加自2015年10月30日起以法定利率計算的遲延利息;
  - 裁定原告針對被告C股份有限公司提出的請求不能成立,並開釋此名被告。
*
  訴訟費用由原告及第一被告按敗訴10/100及90/100的比例承擔。
*
  依法作出通知及登錄本判決。

Não se conformando com o decidido, vieram o Autor A e a 1ª Ré B Limitada recorrer da mesma para este Tribunal de Segunda Instância.

O Autor A formulou as seguintes conclusões e pedidos:
1. 若果按原審法院的見解,第二被告的責任屬非合同責任,且原告亦需陳述及證明第二被告有過錯地沒有履行監管義務時,似乎原告可直接根據《民法典》第477條第1款之規定針對第二被告C提起因不法事實而生的責任之訴。
2. 但實際上,立法者在第6/2002號行政法規第29條明確規定了承批人需與博彩中介人就其在賭場內作出的活動而生的損害負起連帶責任。
3. 那麼,為何立法者需明文規定就上指的賭場內所發生的活動兩者需負連帶責任呢?似乎立法者是另有意圖的。
4. 根據《民法典》第400條第2款之規定,“僅在法律特別規定之情況及條件下,合同方對第三人產生效力”。
5. 仔細閱讀第6/2002號行政法規第29條規定的行文可見,立法者似乎沒有設定任何條件以限制有關連帶責任的適用,亦即立法者並沒有明文規定凡承批人或轉承批人沒有履行同一行政法規第30條所列明的義務才需要為此與博彩中介人共同承擔連帶責任。
6. 因此,上訴人認為第二被告C需與第一被告B共同負起連帶責任並不取決於前者有否履行監管義務。
7. 既然第6/2002號行政法規第29條所規定的連帶責任不取決於過錯及違反法律,那麼,似乎有關責任的類型並不屬於因不法事實而生的民事責任及風險責任。
8. 既然有關責任不屬於非合同責任,那麼根據第6/2002號行政法規第29條的文義而言,似乎立法者就是想將博彩中介人在娛樂場內所作之活動(包括所設定的合同)的範圍擴展至承批人及轉承批人的權利義務範圍內,亦即將合同的效力延伸至合同以外的特定第三人。
9. 綜上所述,上訴人認為第6/2002號行政法規第29條所規定的連帶責任就是《民法典》第400條第2款所規定的合同效力延伸至第三人的體現。
10. 既然如此,似乎《民法典》第491條第1款之規定是不應該適用於本案中,因為本案中並不存在任何非合同民事責任。
11. 基於此,應裁定本上訴理由成立。
***
  基於上述所有事實及法律理由,懇求各位尊敬的法官 閣下裁定本上訴理由成立,因而廢止原審法院駁回上訴人針對第二被告所提出的所有請求之部分裁判,並改判第二被告需與第一被告以連帶責任方式向上訴人支付澳門幣肆佰柒拾玖萬柒仟貳佰圓正(MOP4,797,200.00)及自2015年10月30日起計至完全支付為止以法定年利率計算之遲延利息。

Por sua vez a 1ª Ré B Limitada apresentou as alegações, concluindo e pedindo:
1) O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto, no que se refere às respostas dadas aos quesitos 4.º, 5.º 6.º e 7.º da base instrutória e sobre a douta sentença que deu provimento ao pedido formulado pelo Autor contra a ora Recorrente, ao pagamento do montante de MOP$4,797,000.00 (quatro milhões setecentas e noventa e sete mil e duzentas Patacas) acrescido de juros de mora a contar a partir de 30 de Outubro de 2015, correspondente a um alegado depósito no montante de RMB4,000,000.00 (quatro milhões de Renmimbis).
2) A açcão que deu origem ao presente recurso, fundou-se num depósito alegadamente realizado a 28 de Abril de 2014, no montante supra melhor mencionado.
3) De forma a provar que os quesitos 4.º, 5.º, 6.º e 7.º da base instrutória deveriam ter sido dados como não provados, a Recorrente lançou mão dos seguintes meios que, a seu ver, impunham um julgamento diferente daquele que foi proferido pelo Tribunal Colectivo, i.e., a prova testemunhal produzida pela testemunha do Autor, D, em contraposição com a prova documental, mormente, o talão de depósito apresentado pelo Autor, junto como doc. n.º 11 da petição inicial e o formulário de abertura de conta junto pela ora Recorrente a 3 de Outubro de 2019.
4) Os quesitos 4.º, 5.º, 6.º e 7.º da base instrutória foram quesitados da seguinte maneira: 4. “No dia 28 de Abril de 2014, como o Autor pretendia jogar e proceder no futuro, às actividades de bate-ficha na sala VIP B explorada pela 1.ª Ré, transferiu dois milhões, cento e sessenta mil Renmimbis (RMB2.160.000,00) da sua conta bancária para a conta bancária no interior da China indicada pela 1.ª Ré a pedido desta última (vide fl.s 58 a 59, cjuo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)?”
5. “No mesmo dia, igualmente para jogar e proceder, no futuro, às actividades de bate-ficha na sala VIP B explorada pela 1.ª Ré, mais uma vez a pedido da mesma, o Autor transferiu um milhão, oiticenios e quarenta mil Renmimbis (RMB1.840.000,00) da sua conta bancária do interior da China para a conta do Banco da China indicada pela 1.ª Ré (vide fl.s 60 a 61, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)?”
6. “Depois de o Autor depositar a quantia total de quatro milhões de Renmimbis (RMB4.000.000,00) na conta indicada pela 1.a Ré, ela emitiu no mesmo dia (28 de Abril de 2014) ao Autor o “Talão de depósito de fichas” n.º DA00XXXX, com o teor de “certifico que (depositante) Yan Haiwen depositou quatro milhões de Renmimbis (RMB4.000.000,00 em numerário) (vide fl.s 62 a 63, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)?”
7. “Desde o dia 28 de Abril de 2014, data em que o Autor depositou quatro milhões de Renmimbis (RMB4.000.000,00)na sala VIP B explorada pela 1.ª Ré, ele nunca mais a levantou ? “
5) Tendo sido a resposta dada aos quesitos da seguinte forma: “4. “No dia 28 de Abril de 2014, como o Autor pretendia jogar e proceder no futuro, às actividades de bate-ficha na sala VIP B explorada pela 1.ª Ré, transferiru dois milhões, ceno e sessenta mil Renmimbis (RMB2.160.000,00) da sua conta bancária para a conta bancária no interior da China indicada pela 1.ª Ré a pedido desta última (vide fl.s 58 a 59, cjuo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)?”
5. “No mesmo dia, igualmente para jogar e proceder, no futuro, às activiades de bate-ficha na sala VIP B explorada pela 1.ª Ré, mais uma vez a pedido da mesma, o Autor transferiu um milhão, oiticentos e quarenta mil Renmimbis (RMB1.840.000,00) da sua conta bancária do interior da China para a conta do Banco da China indicada pela 1.ª Ré (vide fl.s 60 a 61, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)?”
6. “Depois de o Autor depositar a quantia total de quatro milhões de Renmimbis (RMB4.000.000,00) na conta indicada pela 1.ª Ré, ela emitiu no mesmo dia (28 de Abril de 2014) ao Autor o “Talão de depósito de fichas” n.º DA00XXXX, com o teor de “certifico que (depositante) Yan Haiwen depositou quatro milhões de Renmimbis (RMB4.000.000,00 em numerário) (vide fl.s 62 a 63, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)?”
7. “Desde o dia 28 de Abril de 2014, data em que o Autor depositou quatro milhões de Renmimbis (RMB4.000.000,00)na sala VIP B explorada pela 1.ª Ré, ele nunca mais a levantou? “
6) A convicção do tribunal baseou-se depoimento das testemunhas ouvidas em audiência e na prova documental junta aos autos, mormente, documentos a fls. 11 a 63, 120 a 214, 173 a 181 e 185.
7) Os documentos em que o tribunal a quo se apoiou, a ora Recorrente irá demonstrar como através destes, que o tribunal a quo poderia e deveria ter chegado a uma conclusão diferente da que chegou nos presentes autos, relacionando-os também como a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
8) Como já referido, o depósito (alegado) em questão nestes autos diz respeito a RMB4,000,000.00 (quatro milhões de Renrnimbis).
9) Sucede que, não só o montante em questão não foi depositado na conta do Autor em Macau, como também foi depositada numa divisa que não é aceite nem pelos promotores de jogo, sequer pelas concessionárias em Macau.
10) Do depoimento da testemunha do Autor, ressaltam importantes conclusões, nomeadamente que o conhecimento que esta testemunha tem dos factos é indirecto, que não acompanhou o Autor a Macau, que também não sabe quem deu instruções para que o depósito fosse feito e a quem, apesar de referir sempre o nome da Recorrente com grande propriedade.
11) Salienta-se também, que a própria testemunha também tem um litígio contra a Recorrente e a 2.a Ré a decorrer nos tribunais de Macau, também relacionado com um depósito alegadamente realizado junto da ora Recorrente.
12) Deste depoimento também resultam factos curiosos que não abonam a favor da credibilidade do depoimento desta testemunha, pois, se o Autor vem no dia a seguir a fazer um depósito em Zhuhai a Macau, por que não trouxe o dinheiro consigo e fez o depósito junto das instalações da ora Recorrente?
13) E se o intuito era jogar, também não se entende o porquê de tal quantia ter ficado aparentemente “lá” na B. Tal como está bom de ver, o montante nunca poderia ter ficado “lá” porque nunca foi depositada junto das instalações da ora Recorrente nem com a ora Recorrente!
14) E tal alcança-se através da inexistência de registos em nome do Autor junto do sistema informático da ora Recorrente.
15) Outro aspecto curioso prende-se com o facto de só em 2019 o Autor ter intentado a presente a acção para reclamar a quantia em crise nos presentes autos.
16) Da contraposição do depoimento desta testemunha com os documentos oferecidos aos autos, mormente, o talão de depósito junto com a petição inicial como doc. n.º 11 pelo Autor e o formulário de abertura de conta pela Recorrente, em 3 de Outubro de 2019, em nada cimentam o (pouco) alegado e conducente ao provimento da acção nos termos em que foi intentada.
17) Isto porque, o talão de depósito constante dos autos, encerra não um, não dois, mas três carimbos, quando essa não é prática da Recorrente.
18) Por outro lado, o campo relativo ao montante depositado está preenchido à mão, quando deveriam ser impressos numa máquina.
19) Outro ponto, é o depósito realizado em Renmimbis, como já referido, a ora Recorrente não aceita depósitos em outras divisas que não dólares de Hong Kong.
20) E a pretensão do Recorrido claudica, também, neste aspecto, pois, não se encontra o nome da Recorrente no campo do beneficiário do alegado depósito em Renmimbis feito em nome da Recorrente.
21) Sequer, em momento algum, foi explicado de onde essa instrução teria vindo, melhor dizendo, por quem teria sido dada.
22) Portanto, salvo o devido respeito, não nos podemos bastar a prova testemunhal (insuficiente) e a proximidade de data de abertura de conta pelo Autor e levantamento do alegado talão de depósito no dia seguinte em Macau e supostas semelhanças entre as assinaturas apostas no talão de depósito e no formulário de abertura de conta para que se possa concluir, tout court que a Recorrente recebeu um depósito por parte do Autor realizado fora de Macau e fora das instalações onde a Recorrente (está autorizada para) e exerce a sua actividade comercial, para uma conta que nem sequer tem a designação comercial da Ré no campo do beneficiário.
23) A prova documental a que nos referimos foi oferecida aos autos pelo Autor, e havendo dúvidas sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova, deverá recair sobre quem contra quem aproveita o facto, tudo nos termos do artigo 437.° do Código de Processo Civil.
24) Pelo que, ao dar como provados os quesitos 4.º, 5.º 6.º e 7.º da base instrutória nos termos em que o fez, o acórdão de matéria de facto e sentença final, incorreram em erro de julgamento, por a decisão ter incorrido no vício de contradição, deficiência, falta de fundamentação tudo nos termos dos artigos 370.º e 386.º e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil. (sublinhado e negrito nosso)
25) Devendo assim, o acórdão proferido sobre a matéria de facto ser revogado por violação dos artigos 370.º e 386 e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 566.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, com base nos meios de prova supra melhor mencionados, e os quesitos 4,° 5.°, 6.° e 7.° base instrutória sejam dados como não provados, ou, subsidiariamente, caso não se entenda pela solução dada aos quesitos em questão, deverá ser anulada a sentença no que a estes quesitos concerne e ordenado um novo julgamento da matéria de facto.
26) Com o devido respeito, mal andou o tribunal a quo, ao condenar a ora Recorrente, pois, a relação de depósito pressupõe que haja uma obrigação de entrega e uma obrigação de restituição, tudo nos termos do artigo 1111.° do Código Civil.
27) A ora Recorrente, não pode devolver aquilo que nunca esteve consigo, sob pena de estarmos perante uma situação de enriquecimento sem causa.
28) Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de Fevereiro de 2010, reza o seguinte:” “- O enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia.
II - A obrigação de restituir/indemnizar fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos quatro seguintes requisitos: a) a existência de um enriquecimento; b) que ele careça de causa justificativa; c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado.”
29) A ora Recorrente não se encontra numa situação de enriquecimento sem causa, por não se encontrarem preenchidos cumulativamente os quatro requisitos, i.e.( não há um enriquecimento, sem razão atendível, à custa do empobrecimento de outrém, e quanto à questão de outro mecanismo da lei, facto é que não se pode indemnizar/restituir algo que não está na sua esfera.
30) Como já referido, a ora Recorrente na prossecução da sua actividade comercial, promoção de jogos de fortuna e azar, teve sempre que se nortear pelas suas regras internas, que são o que valem para qualquer procedimento de levantamento e depósito, e não regras arbitrárias.
31) Com isto queremos dizer, é virtualmente impossível, que a ora Recorrente possa devolver um montante contra a apresentação de um título que não é um título verdadeiro ou sequer foi emitido nas suas instalações.
32) A isto acresce que, as promotoras de jogo exercem a sua actividade na Região Administrativa Especial de Macau e, de acordo com o Regulamento Administrativo n.º 6/2002, artigo 23.° “Após a atribuição de uma licença de promotor de jogo, o promotor de jogo só pode exercer a sua actividade se estiver registado junto de uma concessionária.”
33) Autorização que decorre através de contrato celebrado com a concessionária, tudo nos termos do artigo seguinte do referido Regulamento Administrativo.
34) E, nos termos gerais da Lei 16/2001, artigo 5.° “A exploração de jogos de fortuna ou azar em casino é confinada aos locais e recintos autorizados pelo Governo”.
35) Ora, um alegado depósito a decorrer fora de Macau, num lugar não autorizado pelo Governo de Macau, não é um depósito para efeitos de jogo.
36) Pelo que, a ora Recorrente nunca poderia ser onerada por um depósito que tenha ocorrido neste moldes, i.e., fora das instalações em que a Recorrente está autorizada para exercer a acividade de promoção de jogos de fortuna e azar.
37) Decaindo a obrigação de restituição, terá que decair a responsabilização da Recorrente, porque não estão reunidas as condições para que a ora Recorrente seja obrigada a restituir qualquer valor ao Autor, ora Recorrido.
38) No que aos juros de mora concerne, semelhante raciocínio se impõe, i.e., por se entender que a obrigação de restituição não existe, não poderia a Recorrente ter sido condenada ao pagamento de juros a contar a partir de 30 de Outubro de 2015.
  Face ao exposto, requer, muito respeitosamente, finalmente a V. Exa. se digne dar provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra em que: (i) sejam alterados as resposta aos quesitos 4.º, 5º,6.º e 7.º da base instrutória no sentido de serem dados como não provados; (ii) subsidiariamente, seja anulado o julgamento de matéria de facto nos autos, ordenando-se a repetição dos mesmos; e que seja revogada a sentença recorrida, determinando a improcedência do pedido da condenação da Recorrente.

Ao recurso interposto pelo Autor respondeu a 2ª Ré C S.A. e ao recurso da 1ª Ré respondeu o Autor, ambos pugnando pela improcedência.
II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

1. Recurso do Autor A

Na petição da acção, o Autor pede a condenação solidária de ambas as Rés, a promotora de jogos e a concessionária, na restituição das quantias depositadas.

Não obstante o reconhecimento da natureza contratual à fonte do direito de indemnização ora invocado pelo Autor contra a 1ª Ré e a solidariedade da responsabilidade da 2ª Ré, enquanto concessionária, nos termos do artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, o Tribunal a quo entendeu que, dada a natureza extracontratual, por fundada na lei e não em qualquer contrato, da responsabilidade da 2ª Ré, o direito de indemnização, ora invocado contra a 2ª Ré, fica sujeito ao regime geral da responsabilidade extracontratual e já se encontrou prescrito no momento da instauração da presente acção, por ter entretanto decorrido o prazo de 3 anos nos termos do artº 491º/1 do CC.

O Autor reagiu contra esse entendimento, tendo para o efeito defendido a não prescrição do direito invocado contra a 2ª Ré.

Para nós, a decisão de 1ª instância não merece qualquer censura.

Pois, não obstante a solidariedade imposta pelo artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, o certo é que, enquanto a responsabilidade de restituir da 1ª Ré nasceu de um contrato, a responsabilidade pela indemnização foi feita recair sobre a 2ª Ré por uma norma legal.

Tendo nascido nas fontes diversas, o direito à restituição invocado contra 1ª Ré e o à indemnização contra a 2ª Ré ficam sujeitos ao regime diferente.

Aliás sobre a mesma questão, este Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou recentemente no Acórdão datado de 04NOV2021, tirado no proc. nº 431/2021, onde se preconiza que a aqui 2ª Ré, numa relação controvertida idêntica à apreciada nos presentes autos, só assumiu uma responsabilidade meramente objectiva, isto é, responsabilidade pelo risco, nos termos do citado artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.

Assim sendo, bem andou o Tribunal a quo, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui a sentença recorrida na parte que julgou prescrito o direito invocado contra a 2ª Ré, e nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, remeter para os Doutos fundamentos invocados na decisão recorrida, julgando improcedente o recurso do Autor e confirmando a absolvição da 2 Ré.

2. Recurso da Ré B Limitada

Constatando-se nas conclusões tecidas na minuta do recurso interposto pela 1ª Ré B Limitada, que esta pretende ver não provada a matéria dos quesitos 4º, 5º, 6º e 7º da base instrutória, que foi parcialmente julgada provada pelo Tribunal a quo e, subsidiariamente reagiu contra a decisão de direito quanto à obrigação de restituir o montante e aos juros de mora.

Versando a parte da matéria de facto impugnada sobre o depósito pelo Autor na conta aberta junto da 1ª Ré do montante de RMB4.000,000,00 a fim de jogar no futuro na sala de jogos exploradas pela 1ª Ré, e o não levantamento do tal depósito, o eventual êxito da impugnação abalará necessariamente a base fáctica em que se alicerçou a sentença recorrida.

Assim, é de nos debruçarmos primeiro sobre a impugnação da matéria de facto.

Ora, se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.

Diz o artº 629º/1-a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida.

Reza, por sua vez, o artº 599º, para o qual remete o artº 629º/1-a), todos do CPC, que:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
A recorrente identificou a matéria que considera incorrectamente julgada provada.

Os meios probatórios que, na óptica da recorrente, impunham decisão diversa são documentos juntos aos autos e os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas na audiência de julgamento.

No caso dos autos, houve gravação dos depoimentos.

Foi transcrito o teor dos depoimentos que a recorrente entendeu mal valorados pelo Tribunal a quo.

Todavia, não obstante a verificação dos pressupostos formais da reapreciação da decisão de facto, por razões que passemos a expor infra, este Tribunal de recurso não é permitido pela lei processual a proceder à reapreciação das tais provas nos termos requeridos.

Como se sabe, na matéria da valoração das provas, documental e testemunhal, vigora o princípio da livre apreciação da prova, à luz do qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

O Colectivo da 1ª instância fundamentou a sua convicção nos termos seguintes:
  A convicção do Tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência que depuseram sobre os quesitos da base instrutória, nos documentos de fls. 11 a 63, 120 a 124, 173 a 181 e 185 dos autos, cujo teor se dá reproduzido aqui para todos os efeitos legais, o que permite formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos.
  Os factos relativos à celebração do contrato de promoção de jogo e da concessão de crédito para jogo entre as Rés e à abertura da conta na Sala VIP explorada pela 1ª Ré e da transferência do montante de RM$4.000.000,00 através da conta bancária do Autor para outra conta bancária no continente interior da China são bastantes para suportar os respectivos factos com os documentos juntos aos autos de fls. 58 a 61, 173 a 181 e 185.
  Sobre os factos se houve depósito alegado pelo Autor na tesouraria da Sala VIP, consta dos autos o talão de depósito de fls. 63, cujo original foi junto aos autos na audiência. A 1ª Ré não reconheceu ter emitido o talão, desconhecendo as assinaturas nelas apostas em representação dela e que não é prática dela de ter aposto carimbo nesse tipo de documento. Uma assinatura aposta no campo de funcionário responsável da tesouraria no talão de depósito é igual com a assinatura constante no formulário de abertura da conta que foi preenchido um dia antes do de depósito, portanto, sendo muito provável que o talão é emitido pelo mesmo funcionário da 1ª Ré. Também não foi posta em causa que o documento- o talão de depósito n° DA00XXXX com a sua denominação é da 1ª Ré e a autenticidade dos três carimbos. Alegou a 1ª Ré que não é o seu hábito a aposta do carimbo no talão de depósito, mas não foram produzidas provas nesse sentido. A isso acresce que a testemunha do Autor deu conta de que acompanhou o Réu em Zhuhai para proceder a transferência bancária do RM$4.000.000,00, sendo a conta bancária para a qual foi transferido o dinheiro indicada pela 1ª Ré, após a transferência, o Autor foi sozinho a Macau buscar o referido talão de depósito. Considerando a proximidade da data da abertura da conta (em 27/04/2014) e da data de transferência do dinheiro e da emissão da talão de depósito (28/04/2014), a alta semelhança da assinatura constante na ficha da abertura da conta do funcionário da 1ª Ré e da assinatura aposta no talão de depósito, sendo o Autor residente da China e a existência, de facto, da restrição da movimentação livre do capital entre interior da China e Macau, acreditamos que essa é a prática usada para ultrapassar essa restrição, para obter o fundo provindo da China e foi na consequência das transferências bancárias feitas pelo Autor em Zhuhai, foi emitido no mesmo dia o referido talão de depósito pela 1ª Ré. Assim, deram-se por provados os factos dos quesitos 4° a 7° nos termos respondidos e não se deu por provado o facto do quesito 11°.
  De acordo com o depoimento da testemunha do Autor, ele tinha acompanhado o Autor à sala VIP para o levantamento do depósito, mas foi recusado, conjugado com o facto de instauração da presente acção pela Autora, podemos concluir positivamente os factos constantes dos quesitos 8° e 9°.
  Segundo as testemunhas da 2a Ré, esta não inspecionou a actividade de depósito e contabilidade da 1ª Ré, por, no entendimento da 2a Ré, ela não tem poderes para esse efeito, assim, deram-se por provado os factos dos quesitos 10° e 12° nos termos respondidos.
  
Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento.

Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.

Segundo o ensinamento de Amâncio Ferreira, a admissibilidade dos meios de impugnação, incluindo o recurso ordinário, funda-se na falibilidade humana e na possibilidade de erro por parte dos juízes.

O recurso ordinário visa atacar a decisão judicial por ser errada ou injusta.

A decisão é errada ou por padecer de error in procedendo, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento, ou de error in iudicando, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e à aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado.

A decisão é injusta quando resulta duma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos. – in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª ed. pág. 69 e s.s.

Ou seja, o recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada.

Na esteira dessa doutrina autorizada sobre a função do recurso ordinário no processo civil, para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.

Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente.

Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.

Portanto, para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica.

Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.

In casu, nenhum de tais erros manifestos foi demonstrado em relação à valoração dos elementos probatórios em que se apoiou a convicção do Colectivo a quo.

Improcede assim a impugnação da matéria de facto.

Finalmente, temos o recurso quanto à decisão de direito.

Insurgiu-se o Autor contra a sentença na parte que o condenou na restituição da quantia de RMB4.000.000,00 e o pagamento dos juros de mora.

O Tribunal a quo concluiu pela existência de uma relação jurídica de depósito irregular estabelecida entre o Autor e a 1ª Ré, e com fundamento nisso condenou a 1ª Ré a indemnizar o Autor pelo montante de RMB4.000.000,00, equivalente a MOP$4.797.200,00, e pelos juros moratórios legais.

Para nós, o Tribunal a quo já demonstrou, quanto a estas questões de direito, com raciocínio inteligível e razões sensatas e convincentes, a procedência do pedido do Autor, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui a decisão recorrida e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, remeter para os Doutos fundamentos invocados na decisão recorrida, julgando improcedente o recurso da 1ª Ré e confirmando a decisão de direito ora impugnada.

Concluindo e resumindo:

7. A responsabilidade imposta às concessionárias pelo artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 é meramente objectiva, isto é, responsabilidade pelo risco.

8. Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.

9. Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento. Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.

10. O recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.

11. Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente. Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância, só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.

12. Para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica. Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.

Resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedentes ambos os recursos, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Registe e notifique.

RAEM, 18NOV2021

Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng

Ac. 444/2021-1