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Processo nº 125/2021
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A”, (“甲”), sociedade por quotas constituída e com sede em Macau, (A.), propôs, no Tribunal Judicial de Base, acção declarativa com processo comum contra “B”, (“乙”), sociedade igualmente por quotas constituída e com sede em Macau, (R.), afirmando, a final, que a acção proposta devia ser julgada procedente, por provada, e, que fossem assim resolvidos os contratos com a R. celebrados, com a sua condenação no pagamento a seu favor da quantia de HKD$32.617.680,00 (equivalente ao dobro da caução paga no valor de HKD$16.308.840,00), correspondente a MOP$33.596.210,40, acrescida de juros comerciais de mora à taxa de 11,75% a contar da citação da R. até integral e efectivo pagamento, ou, subsidiariamente, que fosse a mesma R. condenada a restituir a quantia de HKD$16.308.840,00, correspondente a MOP$16.798.105,20, acrescida dos mesmos de juros comerciais de mora à taxa de 11,75% a contar da citação da R. até integral e efectivo pagamento; (cfr., fls. 2 a 12 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Após contestação da R., veio-se a proferir sentença julgando-se a acção totalmente improcedente; (cfr., fls. 445 a 452).

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Inconformada, a A. recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 15.04.2021, (Proc. n.° 740/2020), negou provimento ao recurso; (cfr., fls. 513 a 523).

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Novamente inconformada, traz a mesma A. o presente recurso assacando à decisão recorrida “erro na aplicação do direito” e insistindo no pedido que inicialmente tinha deduzido; (cfr., fls. 532 a 543-v).

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Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, cumpre apreciar.

Fundamentação

Dos factos

2. As atrás referidas decisões assentam na seguinte matéria de facto considerada provada:

“- A Autora é uma sociedade comercial que tem por objecto a actividade de mediação imobiliária, estando devidamente licenciada como mediadora imobiliária sob o n.º MI-XXXXXXXX-X (cfr. fls. 13 a 19, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (facto provado alínea A)
- A Ré é uma sociedade comercial que se dedica igualmente à actividade de mediação imobiliária, sendo titular da licença de mediadora imobiliária n.º MI-XXXXXXXX-X (cfr. fls. 20 a 23, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (facto provado alínea B)
- Conforme a cláusula 3ª do acordo celebrado a 24 de Outubro de 2016 com a respectiva proprietária, a C (丙), a Ré detém entre 24/10/2016 e 15/03/2017 o direito exclusivo de promoção das vendas das fracções autónomas do [Edifício(1)] ([大廈(1)]), sito no [Endereço(1)], e inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o número XXX (cfr. fls. 24 a 25, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (facto provado alínea C)
- Conforme a cláusula 5ª, n.º 4 do acordo acima referido, tem a Ré a faculdade de cumprir o referido acordo de promoção de vendas mediante colaboração de outros mediadores imobiliários (cfr. fls. 24 a 25, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (facto provado alínea D)
- Conforme a cláusula 1ª do acordo celebrado entre a Autora e a Ré em 25 de Outubro de 2016: "1. Ora através do presente contrato as outorgantes A e B passam a colaborar na venda. A outorgante B promete arranjar para a proprietária um ou mais compradores a fim de vender no modo de promessa ou vender o prédio em causa, a um preço não inferior ao preestabelecido pela outorgante A para cada fracção no prédio (cf. a tabela anexa) e ao preço global de HKD$163.088.400,00, bem como promover a celebração do contrato-promessa de compra e venda entre o promitente-comprador e o representante da proprietária; 2. Ambas as outorgantes acordam em fixar o prazo de validade do presente contrato que vai da data presente até a 28/02/2017." (cfr. fls. 72 a 76, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (facto provado alínea E)
- Conforme a cláusula 2ª do mesmo acordo: "Com vista a assegurar o cumprimento do contrato por parte da outorgante B, esta concorda em pagar a caução à outorgante A nos modos seguintes: 1) À assinatura do presente contrato, a outorgante B já pagou à outorgante A HK$5.000.000,00 a título de antecipação de caução; 2) A 01/11/2016 ou ainda antes, a outorgante B obriga-se a pagar à outorgante A HKD$11.308.840,00, que juntamente com o montante referido supra da antecipação da caução HK$5.000.000,00, totalizando HKD$16.308.840,00, a título de primeira prestação da caução referente ao presente contrato (cf. a tabela anexa para a caução de cada fracção sita no prédio); então as outorgantes A e B assinalarão um contrato de mediação e de colaboração para cada fracção individual do prédio em substituição do presente contrato; 3) A 05/12/2016 ou antes daquela data, se a outorgante B ainda não tiver completado a promoção de compra e venda de todas as fracções do prédio, então a outorgante B obrigar-se-á a pagar a segunda prestação da caução à outorgante A pelas fracções não vendidas (cf. a tabela anexa para a caução de cada fracção sita no prédio); 4) Se no termo do presente contrato, a outorgante B ainda não tiver completado a promoção de compra e venda de todas as fracções do prédio, então as cauções pagas pela outorgante B à outorgante A servirão como sinal, e a outorgante B ou terceiros designados pela outorgante B comprarão as fracções não vendidas. " (cfr. fls. 72 a 76, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (facto provado alínea F)
- Conforme a cláusula 3ª, n.º 2 do mesmo acordo: "2. Antes do termo do presente contrato, se a outorgante B tiver completado a promoção da venda de todas ou de uma parte das fracções do prédio a terceiros, e tendo a proprietária recebido integralmente o preço global pago pelos compradores com a escritura de compra e venda assinada, verificadas as seguintes condições: a) o preço de venda da fracção equivale ao preço mínimo, então a outorgante A restituirá a caução paga correspondente à fracção à outorgante B sem que porém esta segunda possa receber qualquer retribuição; b) o preço de venda da fracção supera o preço mínimo mas é todavia equivalente ou inferior ao preço indicado fixado na tabela anexa ao presente contrato (doravante designado simplesmente por "preço indicado de venda"), então a outorgante A restituirá a caução paga correspondente à fracção à outorgante B e ao mesmo tempo pagará à outorgante B a diferença entre o preço de venda da fracção e o preço mínimo a 100% a título de retribuição; c) o preço de venda da fracção supera o preço indicado, então a outorgante A restituirá a caução paga correspondente à fracção à outorgante B, juntamente com a retribuição que a outorgante A pagará à outorgante B divisível em duas partes, a primeira referindo-se à diferença entre o preço indicado e o preço mínimo a 100%, enquanto a segunda ao prémio no montante da diferença entre o preço de venda e o preço indicado a 87,5%, as duas partes juntas são a retribuição total da outorgante B." (cfr. fls. 72 a 76, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (facto provado alínea G)
- Tendo a Autora pago e a Ré recebido, como antecipação de caução, uma quantia no valor de HKD$5.000.000,00 conforme a cláusula 2º, n.º 1 do mesmo acordo. (facto provado alínea H)
- No dia 28 de Outubro de 2016, Autora e Ré celebraram um outro acordo adicional de colaboração, essencialmente respeitante a questões relativas à repartição e à cobrança das comissões e à duração do acordo, que vigoraria até à mesma data de 28 de Fevereiro de 2017 (cfr. fls. 77, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (facto provado alínea I)
- No dia 1 de Novembro de 2016, conforme previsto no acordo global das fls. 72 a 76 e em substituição deste, Autora e Ré celebraram 24 acordos da mesma natureza e com o mesmo clausulado nuclear, individualizadamente para cada uma das 24 fracções (cfr. fls. 78 a 173, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (facto provado alínea J)
- Tendo a Autora pago e a Ré recebido, como caução conforme a cláusula 2ª, n.º 2 do acordo das fls. 72 a 76, uma quantia no valor de HKD$11.308.840,00, perfazendo assim, juntamente com os HKD$5.000.000,00 anteriormente pagos e recebidos, um total de HKD$16.308.840,00. (facto provado alínea K)
- Conforme a cláusula 5ª, n.º 2 dos acordos das fls. 72 a 76 e 78 a 173: "2. Caso a outorgante B viole o estipulado na cláusula 2 e falte a pagar tempestivamente à outorgante A qualquer prestação de caução do presente contrato, então todas as cauções já pagas pela outorgante B serão confiscadas sem que esta possa levantar embargo. Em caso contrário, porém, se for por causa de incumprimento doloso do presente contrato por parte da outorgante A que a proprietária acaba por não assinar a escritura pública de compra e venda do prédio com os compradores da parte da outorgante B, então a outorgante A se obrigará a restituir o dobro das cauções pagas (incluindo as cauções já pagas) (sic –N. T.) à outorgante B." (cfr. fls. 72 a 76 e 78 a 173, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (facto provado alínea L)
- No dia 5 de Dezembro de 2016, a Autora não procedeu ao pagamento da segunda prestação da caução nos termos acima acordados, no valor de HKD$16.308.840,00. (facto provado alínea M)
- A 14/12/2016 a Ré mandou uma carta de interpelação à Autora, solicitando-a a cumprir a obrigação de pagar a segunda prestação da caução antes do dia 23/12/2016 (cf. os autos a fls.174 e 175, dado por integralmente reproduzido aqui para os devidos efeitos). (facto provado alínea N)
- Como a autora ainda não tinha pago a segunda prestação da caução até 23/12/2016, a 28/12/2016 a ré voltou a avisá-la mediante o seu mandatário da data-limite para o cumprimento: 09/01/2017; informou a autora ainda que não tendo sido efectuado o pagamento antes da data acima referida, se extinguiriam tais "contratos de mediação e de colaboração" (cf. os autos a fls. 176 e 177, dado por integralmente reproduzido aqui para os devidos efeitos). (facto provado alínea O)
- Até 09/01/2017, a Autora não tinha tratado do pagamento da segunda prestação da caução no valor de HKD$16.308.840,00. (facto provado alínea P)
- No dia 27 de Fevereiro de 2017, a Autora teve conhecimento, através da respectiva Informação por Escrito do Registo Predial, que a fracção C2 do edifício em causa foi vendida e apresentada ao registo no dia 13 de Fevereiro de 2017. (facto provado alínea Q)
- Até à presente data, para além da referida fracção C2, encontra-se também transmitida a propriedade das fracções E2, por escritura de 30 de Março de 2017, E3, por escritura de 5 de Janeiro de 2017, G2, por escritura de 20 de Janeiro de 2017, H3, por escritura de 12 de Dezembro de 2016, e H4, por escritura de 5 de Janeiro de 2017 (cfr. fls. 26 a 71, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (facto provado alínea R)
- A Ré continua, até à data, na posse da primeira caução efectuada pela Autora, no valor de HKD$16.308.840,00. (facto provado alínea S)
- Não tendo restituído à Autora, nem em singelo nem em dobro, o montante da referida caução. (facto provado alínea T)
- Dois dias depois da celebração dos contratos individualizados das fls. 78 a 173, no dia 3 de Novembro de 2016, a Autora foi proibida pela Ré de aceder ao Edifício com os potenciais adquirentes que já tinha contactado e outros que viria a arranjar. (resposta à base instrutória quesito n.º 1)
- A partir dessa data até 17/11/2018, inclusive, a Autora ficou materialmente vedada pela Ré de ter acesso ao edifício referido na alínea C) dos factos assentes para promover a venda das fracções. (resposta à base instrutória quesito n.º 2)
- A Autora tentou por várias vezes entrar em contacto com a Ré para se informar da situação e resolver a questão, sem obter resposta e colaboração por parte da Ré. (resposta à base instrutória quesito n.º 3)
- As condutas da Ré descritas nos nº 1º a 3º da Base Instrutória levaram à Autora a não proceder o pagamento da segunda prestação da caução prevista na cláusula 2ª, nº 3 do acordo das fls. 72 a 76 por parte da Autora. (resposta à base instrutória quesito n.º 4)
- Desde 25/10/2016 quando foi celebrado o contrato de mediação e de colaboração, a Autora começou a promover a venda das fracções em causa. (resposta à base instrutória quesito n.º 5)
- Em 31/10/2016 a autora teve êxito em promover a subscrição da fracção "H3" através da "D" (resposta à base instrutória quesito n.º 6)
- Depois de a autora ter pago a primeira prestação da caução prevista na cláusula 2.ª, n.º 2 do contrato de mediação e de colaboração a 01/11/2016, a autora teve sucesso em promover a subscrição, respectivamente, da fracção "H2" em 02/11/2016 directamente, da fracção "H4" em 02/11/2016 através do "E", da fracção "E3" em 02/11/2016 directamente e em 24/11/2016 conseguiu promover directamente a celebração do instrumento para subscrição da fracção "G2" constante dos autos a fls. 208. (resposta à base instrutória quesito n.º 7)
- Dentre os 5 apartamentos acima referidos, a fracção "H2" acabou por não concluir a transacção por causa do comprador e assim não se celebrou o contrato-promessa de compra e venda nem a escritura pública. (resposta à base instrutória quesito n.º 8)
- Nos dias 25, 26 e 27 de Novembro de 2016 a autora organizou uma visita guiada e a actividade promocional "bónus para quem compra apartamentos" no [Edifício(1)] em que ficavam as fracções. (resposta à base instrutória quesito n.º 9)
- Até 05/12/2016 a autora ainda não tinha conseguido promover a compra e venda de todas as 24 fracções. (resposta à base instrutória quesito n.º 10)
- A ré já confiscou a caução paga pela autora supra mencionada (resposta à base instrutória quesito n.º 12)
- Como a autora se decidiu a intentar a presente acção contra a ré, esta por sua vez deveu pagar MOP$200.000,00 a título de honorários do mandatário. (resposta à base instrutória quesito n.º 15)”; (cfr., fls. 446 a 449, 517-v a 520-v, e 44 a 52 do Apenso).

Do direito

3. Como resulta do que se deixou relatado, vem interposto recurso do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que negou provimento ao (anterior) recurso pela (mesma A.) recorrente interposto da sentença do Tribunal Judicial de Base que decidiu pela improcedência dos pedidos que aí tinha deduzido.

Resultando das alegações e conclusões pela ora recorrente produzidas em sede do seu recurso que a mesma apenas assaca ao dito Acórdão “errada interpretação e aplicação do direito”, (não impugnando a decisão da matéria de facto, nem motivos havendo para a sua alteração), cabe então ver se o decidido merece censura.

Pois bem, tendo o Tribunal de Segunda Instância sufragado, (em grande parte), a fundamentação exposta na sentença do Tribunal Judicial de Base, para uma boa compreensão do que em causa agora está vale a pena atentar nas razões invocadas para a decisão ora recorrida.

Assim, e na parte que agora interessa, assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância:

“Segundo a recorrente, de acordo com os factos assentes, bastaria o acto da recorrida para constituir incumprimento da obrigação, por conseguinte é extinguível o contrato de mediação e de colaboração celebrado entre as duas partes. A recorrente afirma ainda que mesmo não constituído o incumprimento da obrigação, o presente caso pode ser considerado como incumprimento definitivo da obrigação em consequência da conversão da mora nos termos do art.º 797.º do CC. Então seja como for são extinguíveis os 19 contratos suplementares em causa.
Acerca de tal questão, a ver deste tribunal é correcta a decisão do tribunal a quo. Concorda-se em citar os seguintes fundamentos contidos no acórdão para negar provimento ao recurso na parte em apreço:
"Incumprimento por parte da ré
Tendo analisado o contrato celebrado entre a autora e a ré e conhecido com clareza as obrigações contratuais de ambas as partes, ora passa-se a conhecer da questão de se a ré faltou a cumprir a sua obrigação.
Segundo assevera a autora, a ré faltou dolosamente a cumprir a obrigação contratual. Uma vez celebrado o contrato, não deixou à autora entrar no edifício para visitar as fracções com os clientes.
De acordo com os factos provados, está provado que no período que vai de 03 a 17 de Novembro, a ré proibiu à autora entrar no [Edifício(1)] acompanhada pelos potenciais clientes já contactados e pelos outros clientes arranjados, com o resultado de que a autora não conseguiu promover a venda dos apartamentos. A autora contactou a ré por várias vezes na tentativa de resolver o problema mas não encontrou uma solução.
Segundo tal facto, no período que vai de 03 a 17 de Novembro, verdadeiramente a autora não era autorizada a entrar no [Edifício(1)].
Trata-se de um dos procedimentos básicos deixar os potenciais clientes/ compradores visitar o prédio já construído, a fim de vender bens imóveis. A impossibilidade de ver o bem imóvel em venda compromete em larga medida o andamento da venda do prédio. A única obrigação contratual da ré consistia em fornecer à autora o direito de vender as fracções. O modo de proceder concerto de tal obrigação compreendia evidentemente deixar a autora visitar o prédio com os clientes. Negando à autora o acesso ao bem imóvel, a ré certamente violou a obrigação contratual.
No entanto, o incumprimento não durou indefinidamente, mas só por 15 dias. Depois de 18/11 a autora já podia entrar no edifício.
Nos termos do art.º 793.º, n.º 2 do CC, "o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido."
Portanto, o incumprimento da ré foi um caso de mora no cumprimento.

Resolução do contrato
Com a justificação de tal incumprimento por parte da ré, a autora pediu que fosse resolvido o contrato celebrado entre si.
Em primeiro lugar, acerca do acordo assinado entre a autora e a ré a 25/10/2016, no contrato as duas partes acordaram em estabelecer mais tarde um acordo individualizado para cada fracção autónoma em substituição do contrato. Posteriormente a 01/11 a autora e a ré assinaram 24 acordos separados para as fracções individuais. Visto que o contrato fixado entre a autora e a ré a 25/10/2016 já foi substituído pelos 24 contratos assinados mais tarde, o primeiro acordo juntamente com o acordo suplementar já não produz mais efeito (caducou) em virtude dos subsequentes acordos bilaterais. Uma vez caduco, não se coloca a questão de resolver o contrato ou não.
No que toca aos 24 contratos celebrados pelas duas partes a 01/11, entre os quais os referentes às 5 fracções autónomas "H2", "H3", "H4", "E3" e "G2", das quais a autora já tinha promovido a subscrição ainda antes de 03/11 quando a ré lhe negou o acesso ao edifício, o acesso contínuo ao edifício concedido pela ré não teria colocado em causa o interesse da autora, então a autora não pode com tal justificação pedir que sejam resolvidos os contratos celebrados entre as duas partes.
Concernente aos restantes 19 contratos individualizados, mencionou-se atrás que foi entre 03/11 e 17/11 que a ré faltou a cumprir a obrigação contratual, mas o incumprimento terminou a 18/11, então o incumprimento da ré não foi senão uma mora.
Nos termos do art.º 793.º, n.º 1 do CC, a mora no cumprimento da obrigação constitui devedor na responsabilidade indemnizatória.
No entanto, se a mora do devedor é conversível em incumprimento definitivo, então o credor pode requerer a resolução do contrato.
O art.º 797 do CC prevê duas situações em que a mora no cumprimento se converte em incumprimento definitivo: a primeira é o credor perder o interesse que tinha na prestação e a segunda é a prestação não ser realizada dentro do prazo que, por interpelação, for razoavelmente fixado pelo credor.
No presente processo segundo demonstram os factos, não ocorreu nenhuma das duas situações acima mencionadas. Primeiro, a partir de 18/11, a ré já deixou a autora entrar no prédio para promover a venda das restantes fracções autónomas; a ré já terminou a mora e estava a cumprir a sua obrigação contratual. Além disso, mais tarde a autora realizou actividades promocionais dentro do edifício, o que mostra claramente que a autora ainda queria dar continuidade ao cumprimento e que não perdeu o interesse que tinha na prestação pela mora no cumprimento por parte da ré.
Portanto, a mora no cumprimento por parte da ré não se converteu em incumprimento definitivo, pelo que a autora não pode requerer a resolução dos restantes 19 contratos estabelecidos entre as duas partes com tal justificação."
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A recorrente indica ainda que a sua falta de cumprimento da obrigação de pagar a segunda prestação da caução se deveu completamente a motivos imputáveis à recorrida e que não foi a recorrente a tomar a iniciativa de faltar dolosamente a cumpri-la. Portanto, a suo ver, devem-se resolver os restantes 19 contratos suplementares, ao mesmo tempo a recorrida deve restituir à recorrente o dobro da caução já paga.
Resulta das informações constantes dos autos que apesar de a recorrida ter negado à recorrente o acesso ao edifício para fins de venda, tal situação se verificou apenas entre 03/11 e 17/11/2016.
Tal como dito atrás, o acto da recorrida não constituiu incumprimento de obrigação, enquanto a recorrente devia ter com toda a razão pago à recorrida a segunda prestação da caução a 05/12/2016 ou antes. No entanto, até 09/01/2017 a recorrente ainda não tinha pago o montante.
Vista a situação acima descrita, como a recorrente não tem direito de pedir a recuperação da primeira prestação da caução confiscada, este tribunal julga improcedente o recurso nesta parte.
*
A recorrente prossegue dizendo que segundo a cláusula 5ª, n.º 2 do contrato a fls. 72-76 e 78-173 dos autos, bem como o art.º 799.º, n.º 1 do CC, foi a recorrida que não cumpriu as cláusulas contratuais. Além disso, entende que mesmo se fosse caso de mora no cumprimento, dever-se-lhe-ia restituir o dobro da caução já paga na mesma.
Resulta do facto provado L) que conforme a cláusula 5ª, n.º 2 do contrato: "caso a outorgante B viole o estipulado na cláusula 2 e falte a pagar tempestivamente à outorgante A qualquer prestação de caução do presente contrato, então todas as cauções já pagas pela outorgante B serão confiscadas sem que esta possa levantar embargo. Em caso contrário, porém, se for por causa de incumprimento doloso do presente contrato por parte da outorgante A que a proprietária acaba por não assinar a escritura pública de compra e venda do prédio com os compradores da parte da outorgante B, então a outorgante A se obrigará a restituir o dobro das cauções pagas (incluindo as cauções já pagas) (sic –N. T.) à outorgante B."
Segundo este tribunal, como no presente caso não há qualquer facto que seja capaz de sustentar e de provar que o acto praticado pela recorrida resultou na não celebração da escritura pública de compra entre a proprietária e o comprador da recorrente referente ao prédio em causa, improcede também o motivo nesta parte.
*
Por fim, indica a recorrente que nos termos do art.º 779.º, n.º 1 e do art.º 784.º do CC, os factos provados no processo já bastam para provar que a recorrente não pode continuar a cumprir a obrigação contratual, pelo que é de extinguir-se a obrigação da recorrente e em seguida a recorrida deve restituir a caução já cobrada à recorrente.
Acerca de tal questão, a ver deste tribunal é correcta a decisão do tribunal a quo. Concorda-se em citar os seguintes fundamentos contidos no acórdão para negar provimento ao recurso na parte em apreço:
"Impossibilidade de cumprimento da obrigação
A autora deseja ver declarada extinta a sua obrigação por motivo de impossibilidade de cumprimento.
Nos termos do art.º 779.º, n.º 1 do CC, "a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor."
Apesar de ter invocado a impossibilidade de cumprimento, a autora não especificou quais prestações são impossíveis.
Visto que dos factos provados não consta qualquer motivo objectivamente existente por que se torne impossível à autora continuar a cumprir a obrigação de pagar a segunda prestação da caução ou ainda a obrigação de comprar as fracções mencionadas no contrato; antes foi a autora que tomou a iniciativa de não pagar a segunda prestação da caução porque antes a ré não tinha cumprido a prestação, não é verdade que algum motivo objectivo faça com que lhe tornou impossível a prestação. No presente caso não está presente a circunstância de impossibilidade objectiva de cumprimento da obrigação; portanto não se pode considerar extinta a obrigação que a autora devia assumir."
(…)”; (cfr., fls. 520-v a 522-v e 52 a 58 do Apenso).

–– Exposta a fundamentação da decisão objecto do presente recurso, e antes de se entrar na sua apreciação, adequada é uma nota prévia.

Como resposta ao “quesito 1°” da base instrutória consta que:

“Dois dias depois da celebração dos contratos individualizados das fls. 78 a 173, no dia 3 de Novembro de 2016, a Autora foi proibida pela Ré de aceder ao Edifício com os potenciais adquirentes que já tinha contactado e outros que viria a arranjar”.

E como resposta ao “quesito 2°” consta que:

“A partir dessa data até 17/11/2018, inclusive, a Autora ficou materialmente vedada pela Ré de ter acesso ao edifício referido na alínea C) dos factos assentes para promover a venda das fracções”.

Porém, (como sem esforço se mostra de concluir), há lapso (manifesto) nesta dada de “17.11.2018”, que atento o teor da própria sentença e Acórdão recorrido se deve ter como sendo “17.11.2016”; (bastando também para tal notar que a própria acção pela A., ora recorrente, proposta, deu entrada no Tribunal Judicial de Base em 04.09.2017, e que o “despacho saneador” aí prolatado é datado de 05.10.2018).

–– Esclarecido o referido lapso, continuemos.

Em síntese, (que temos como adequada e para a decisão a proferir relevante), eis o que (de forma cronológica e lógica) se extrai da matéria de facto dada como provada:
- A. e R., agora, recorrente e recorrida, são sociedades comerciais licenciadas para o exercício da actividade de “mediação imobiliária”;
- em 24.10.2016, a sociedade proprietária do “[Edifício(1)]” celebrou com a R. um contrato no âmbito do qual esta passou a proceder à promoção da venda das fracções autónomas do dito imóvel até o dia 15.03.2017;
- em 25.10.2016, e tendo a R. a faculdade de efectuar a dita promoção com a colaboração de outros mediadores imobiliários, a mesma celebrou com a A. contrato onde se incluía tal “prestação de serviço” com validade até 28.02.2017, e no âmbito do qual a A. pagou àquela HKD$5.000.000,00 a título de antecipação de caução;
- em 01.11.2016, e em substituição do anterior acordo, A. e R. celebraram “24 contratos”, (fazendo com que cada um dissesse apenas respeito a uma fracção autónoma), tendo a A. pago o remanescente da caução acordada, no valor de HKD$11.308.840,00, totalizando o valor (acordado) de HKD$16.308.840,00;
- ficou acordado que se a venda das 24 fracções não estivesse concluída em 05.12.2016, teria a A. de pagar um outro montante a título de 2ª caução no valor de HKD$16.308.840,00;
- depois de promover a venda de 4 fracções, uma em 31.10.2016, e as restantes três em 02.11.2016, a A. foi pela R. proibida de aceder ao Edifício (para promover a venda das fracções) desde o dia 03 a 17 de Novembro de 2016;
- por várias vezes a A. tentou resolver a situação, não obtendo resposta da R.;
- em 24.11.2016, a A. promoveu a venda de uma outra fracção, e nos dias 25, 26 e 27 do mesmo mês organizou visitas para promover a venda de fracções;
- em 05.12.2016, a A. não procedeu ao (acordado) pagamento (da 2ª caução no valor) de HKD$16.308.840,00;
- em 14.12.2016, a R. interpelou a A. para que esta efectuasse o pagamento de HKD$16.308.840,00 (em dívida) até ao dia 23.12.2016; e,
- em 28.12.2016, a R. voltou a avisar a A. que a data limite para o pagamento seria a de 09.01.2017, e que, no caso de não ser feito, extintos ficavam os contratos celebrados sem a restituição das quantias recebidas.

Aqui chegados, vejamos.

Pois bem, resulta do que se deixou consignado que os “pedidos” pela A. ora recorrente deduzidos nos autos assim como a “questão” que agora coloca tem a sua “razão de ser” – origem – numa “relação jurídica” resultado de um “acordo” pela mesma e a R., ora recorrida, celebrado, e, do qual, resultaram “obrigações” para ambas as partes.

Invocando a ora recorrente como “causa de pedir” o “incumprimento” das obrigações que à R., ora recorrida, cabiam no âmbito do acordado, importa proceder à apreciação do presente recurso em conformidade.

Como sabido é, entre outros, constituem princípios fundamentais do Direito das Obrigações o (princípio) da “liberdade contratual”, (art. 399° do C.C.M.) e o da “força vinculativa”, “obrigatoriedade” ou “pontualidade”, (no cumprimento dos contratos); (cfr., art. 400°, n.° 1 do mesmo C.C.M.).

Exemplo do primeiro, é o entre A. e R. acordado que, em nossa opinião, põe em evidência a sua utilidade prática, (pois que o mesmo, em nossa opinião, apresenta-se-nos como um “contrato misto”, com elementos do contrato de “agência”, de “mediação” e de “contrato-promessa”; cfr., a matéria de facto assente na alínea E a L).

Porém, relevante sendo agora o segundo, cabe pois recordar que nos termos do referido comando do art. 400°, n.° 1: “O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”.

Com efeito, e como nota o Prof. M. Trigo, “As obrigações constituem-se para serem cumpridas, para satisfazer o interesse do credor, com o que se desonera o devedor, extinguindo-se por consequência as obrigações. Na verdade, definindo-se (no art. 391.°) obrigação como vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação, que deve corresponder a um interesse do credor digno de protecção legal (2.ª parte do n.° 2 do art. 392.°) como se enuncia no n.° 1 do art. 752.°, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado. A função da obrigação realiza-se pelo cumprimento”; (in “Lições de Direito das Obrigações”, F.D.U.M., 2014, pág. 529, onde sobre o tema se cita abundante doutrina).

Assim não sucedendo, verifica-se aquilo que (em termos gerais) se denomina de “não cumprimento”, “incumprimento” ou “inadimplemento”, e que, como é bom de ver, ocorre sempre que – como no caso, e como pela A. recorrente vem alegado – um “contrato” e as “obrigações” (ou prestações) nele previstas, não são efectuadas nos termos “adequados”, ou seja, nos termos “acordados e/ou legalmente previstos”.

Porém, e como se mostra pelo que já se deixou consignado, o termo “incumprimento”, (“não cumprimento”, ou “inadimplemento”), representa, todavia, um simples “ponto de partida”, visto que na sua formulação incluem-se situações (várias) com consequências e efeitos jurídicos (muito) diversos; (sobre o tema, cfr., v.g., A. Varela in, “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, pág. 25 e segs., I. Galvão Telles in, “Direito das Obrigações”, pág. 293 e segs., e M. das Neves Pereira in, “Introdução ao Direito e às Obrigações”, pág. 463 e segs.).

Dois são (essencialmente) os critérios que permitem a definição das modalidades mais importantes.

Um deles, atende à “causa do não cumprimento”, cabendo distinguir se a prestação debitória deixa de ser realizada por “culpa do devedor” ou do “credor”, (ou, ainda, por “mero caso fortuito ou de força maior”).

Conforme a hipótese, o não cumprimento ou inadimplemento dir-se-á “imputável” ou “não imputável”.

O outro critério, baseia-se no “efeito” (ou estado de facto) criado pelo não cumprimento.

É o que se pode apelidar de “inadimplemento definitivo”, de “simples retardamento no cumprimento” ou de “cumprimento imperfeito”.

A primeira hipótese – também designada por “inadimplemento propriamente dito” ou “impossibilidade definitiva” – ocorre quando a prestação que ficou por cumprir na altura própria, não pode mais ser efectuada, tendo-se tornado “impossível”, (podendo também esta impossibilidade do cumprimento resultar do facto de ter desparecido o interesse do credor).

Porém, cabe distinguir entre o “não cumprimento definitivo” e o “simples retardamento” na prestação, a que se dá o nome de “mora”, e que ocorre quando a prestação ainda pode ser cumprida, embora já não pontualmente.

Às duas formas de não cumprimento – “impossibilidade definitiva” e “mora” – veio a doutrina acrescentar a de “cumprimento imperfeito”, incluindo-se nesta modalidade várias hipóteses de ofensa do direito do credor que não cabem nas outras; isto é, em que se verifica uma violação do crédito, apesar de o devedor não se encontrar em mora, nem haver impossibilidade definitiva, sendo por exemplo, o caso de o devedor efectuar uma “prestação defeituosa”.

No que toca ao que se deixou consignado, e com expressa referência aos preceitos legais do C.C.M. que regulam a “matéria” considera também o Prof. M. Trigo que:

“O não cumprimento das obrigações pode ter causas diversas e diversos efeitos, com base no que se distinguem as modalidades de não cumprimento quanto à causa e quanto aos efeitos e se sistematiza o regime do não cumprimento.
Primeiro, quanto à causa, distingue-se o não cumprimento não imputável ao devedor (cfr, arts. 779.° e ss, compreendendo a impossibilidade de cumprimento e a mora não imputáveis ao devedor), o não cumprimento imputável ao devedor (arts. 787.° e ss, incluindo o não cumprimento definitivo, por falta de cumprimento ou impossibilidade culposa, e a mora), e o não cumprimento imputável ao credor (cfr. arts. 784.°, n.° 2, e 802.° e ss, definitivo ou por mora).
Em segundo lugar, quanto aos efeitos, distingue-se a falta de cumprimento (falta de cumprimento não imputável ao devedor: arts. 779.° e ss, impossibilidade de cumprimento imputável ao devedor: 790.° e ss, não cumprimento imputável ao devedor por perda do interesse do credor no cumprimento emergente de mora do devedor ou de recusa de cumprimento do devedor em mora: 797.°, n.° 1), a mora, atraso ou retardamento do cumprimento (imputável ao devedor: arts. 793.° e ss, imputável ao credor: 802.° e ss, e não imputável ao credor nem ao devedor: 781.°, n.° 1), e o cumprimento defeituoso (cfr. art. 788.°, n.° 1)”; (in ob. cit., pág. 566 a 567).

E, pronunciando-se sobre a mesma matéria também já teve esta Instância oportunidade de consignar que:

“A violação do dever de prestar, por causa imputável ao devedor, pode revestir várias formas:
- A impossibilidade da prestação;
- O não cumprimento definitivo;
- A mora.1
Afastando, agora, a hipótese de impossibilidade da prestação, que não está em causa, podemos definir a mora do devedor, como o atraso culposo no cumprimento da obrigação.
O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido (n.º 2 do artigo 793.º do Código Civil vigente).
Importa considerar o momento da constituição em mora.
Como se sabe, se a obrigação é pura2 só há mora depois de o devedor ser interpelado para cumprir (artigo 794.º, n.º 1, do Código Civil).
Haverá mora, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo, se a obrigação provier de facto ilícito3 ou se o devedor impedir a interpelação (artigo 794.º, n.º 2).
Por outro lado, o incumprimento definitivo dá-se quando, no momento do cumprimento, o devedor não acate o comportamento devido, sendo este possível e não se verificando os requisitos do cumprimento defeituoso ou da mora.4
Mas, em certas circunstâncias a mora pode converter-se em incumprimento definitivo.
Na verdade, dispõe o artigo 797.º do Código Civil:
“Artigo 797.º
(Perda do interesse do credor ou recusa do cumprimento)
1. Considera-se para os efeitos constantes do artigo 790.º como não cumprida a obrigação se, em consequência da mora:
a) O credor perder o interesse que tinha na prestação; ou
b) A prestação não for realizada dentro do prazo que, por interpelação, for razoavelmente fixado pelo credor.
2. A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente.
3. No caso da alínea b) do n.º 1, o credor pode, em alternativa às sanções cominadas pelo artigo 790.º, optar por exigir a realização coactiva da prestação e a indemnização pela mora, se o contrário não resultar da interpelação; contudo, o devedor pode fixar ao credor um prazo razoável para o exercício desta opção, sob pena de caducidade do direito do credor a exigir a realização coactiva da prestação.
4. O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação, com as necessárias adaptações, do regime constante do artigo 791.º para os casos de incumprimento parcial”

Quer isto dizer que, em duas situações, a mora do devedor pode transformar-se em incumprimento definitivo:
- Se, por causa da mora do devedor, o credor perder o interesse na prestação;
- Se, após a mora do devedor, a prestação não for realizada no prazo (suplementar) que for fixado pelo credor.5
Tem-se entendido, pacificamente, que a declaração expressa do devedor de não querer cumprir, também constitui incumprimento definitivo.6
De outra banda, como explica J. BAPTISTA MACHADO,7 o remédio concedido por lei ao credor para resolução do contrato, em consequência da mora, por via da concessão de prazo suplementar ao devedor para cumprir, só se aplica se, por causa da mora, o credor não perder o interesse na prestação ou se as partes não tiverem previsto uma cláusula resolutiva8 ou um termo essencial.
Contratos com termo essencial são aqueles em que desaparece a utilidade, para o credor, da prestação fora de prazo.
O termo pode ser objectivo se a sua essencialidade resulta da natureza da própria prestação, atento o respectivo fim, como acontece com a entrega de um vestido para um certo baile. O termo essencial é subjectivo se respeita ao desaparecimento da utilidade da prestação para o credor após o vencimento do termo e resulta de pactuação expressa ou tácita dos contraentes.9
Quanto aos efeitos do não cumprimento, temos que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (artigo 793.º, n.º 1), enquanto que havendo incumprimento definitivo, além desta obrigação de indemnizar os prejuízos (“O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” – artigo 787.º do Código Civil),10 tem o credor direito à resolução do contrato se este for bilateral (artigo 790.º, n.º 2, do Código Civil).11”; (cfr., v.g., os Acs. de 30.04.2003, Proc. n.° 2/2003 e de 30.11.2011, Proc. n.° 44/2011).

Em face do que se deixou consignado, vejamos se o “enquadramento legal” que pelas Instâncias foi efectuado se mostra adequado à situação dos autos.

E, ponderando na “factualidade provada” que atrás se deixou retratada, cremos que censura não merece a decisão recorrida que, em síntese, (apenas) deu como verificada a “mora” por parte da R. no cumprimento da (sua) prestação para com a A., ora recorrente, (muito não havendo a acrescentar ao que já se consignou).

Com efeito, no caso, e como igualmente se ponderou na(s) decisão(ões) recorrida(s), não ocorreu o pela ora recorrente alegado “incumprimento definitivo” – motivo bastante e justificativo do seu pedido de “resolução dos contratos e de condenação da R. no pagamento de …” – pois que a situação da sua “proibição de acesso” ao prédio para promover a venda de fracções, (ainda que muito possivelmente prejudicial aos seus interesses), foi apenas “temporária”, (com duração limitada no tempo), apresentando-se assim de considerar efectivamente que o que em causa esteve foi tão só um “atraso no cumprimento” da prestação – ou seja, a referida “mora” – que não se chegou a converter em “incumprimento definitivo” porque a ora recorrente, (na altura), não perdeu, (objectivamente), o interesse na prestação, (já que continuou a promover a venda de fracções, agindo como se nada tivesse sucedido e como se o acordado se mantinha na íntegra válido e eficaz), nem tão pouco interpelou a recorrida fixando-lhe prazo (ou data) para a realização da prestação nos termos do preceituado no atrás transcrito art. 797° do C.C.M..

Dest’arte, e não tendo havido “incumprimento definitivo”, visto está que motivos não há para a pela ora recorrente pretendida “resolução” do(s) contrato(s) com a recorrida celebrado(s) com a sua condenação nos pagamentos nos termos peticionados, pois que verificados (também) não estão os seus legais pressupostos previstos no art. 790° do C.C.M. igualmente atrás transcrito; (sobre a questão da “resolução”, pode-se, v.g., ver, A. Vaz Serra in, “Resolução do Contrato”, B.M.J. n.° 47, 1958, pág. 153 a 291; Baptista Machado in, “Pressupostos da resolução por incumprimento”, Separata do B.F.D.U.C., 1979; C. Monteiro Pires in, “Resolução do Contrato por Incumprimento e Impossibilidade de Restituição em espécie”; F. Ferreira Pinto in, “Resolução dos Contratos Duradouros”; C. Brandão Proença in, “A Resolução do Contrato no Direito Civil – Do Enquadramento e do Regime”; P. Romano Martinez in, “Da Cessação do Contrato”, pág. 122 a 228; A. Rathenau in, “O cumprimento e incumprimento das obrigações no direito português”; A. M. Serra Baptista in, “Resolução do Contrato no Direito Civil”; e A. Menezes Cordeiro in, “Da Resolução do Contrato”).

Na verdade, in casu, e não obstante a dita “mora”, em face do que provado ficou, mais adequado cremos que é mesmo considerar-se que a origem da “extinção do acordado” se deve à conduta da ora recorrente que, (após manter interesse no acordado), não efectuou a prestação que lhe cabia fazer, pois que provado está que no “prazo (inicialmente) acordado”, (05.12.2016), e, posteriormente, pela recorrida (novamente) fixado como “data limite”, (09.01.2017), não efectuou o pagamento da “2ª caução” no valor de HKD$16.308.840,00.

Não se nega também que, como se disse, a referida “mora”, com a “falta de acesso temporário” da ora recorrente ao prédio, ter-lhe-á sido (muito possivelmente) “prejudicial”.

Porém, “provados” não estão quaisquer “prejuízos”, (com eventuais vendas ou projectos de vendas frustrados), nada mais se mostrando assim de consignar para se decidir como segue.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 19 de Novembro de 2021


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

1 Cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Almedina, Coimbra, Volume II, 7.ª ed., 1999, p. 91, que se seguirá muito de perto na exposição subsequente
2 Obrigações puras são as que se vencem logo que o credor exija o seu cumprimento e que se contrapõem às obrigações a prazo ou a termo, que são aquelas que cujo cumprimento não pode ser exigido ou imposto à outra parte antes de decorrido certo período ou chegada certa data.
3 Facto ilícito extracontratual, como refere ANTUNES VARELA, Das Obrigações ..., Volume II, p. 119.
4 A. MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, AAFDL, Lisboa, 1999, 2.º volume, p. 456.
5 Notificação essa que a doutrina designa por notificação admonitória ou interpelação cominatória.
6 Cfr., por todos, J. C. BRANDÃO PROENÇA, Do incumprimento do Contrato-promessa Bilateral, a Dualidade Execução Específica - Resolução, Coimbra, 1996, 2.ª ed., p. 87 e segs., ANTUNES VARELA, Das Obrigações ..., II Volume, p. 92 e 107, nota (1), A. MENEZES CORDEIRO, Direito ..., 2.º volume, p. 457 e VAZ SERRA, Impossibilidade superveniente. Desaparecimento do Interesse do Credor. Casos de Não Cumprimento da Obrigação, 1955, p. 192.
7 J. BAPTISTA MACHADO, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in Obra Dispersa, Scientia Iuridica, Braga, 1991, vol. I, p. 164 e Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro, II Iuridica, p. 343 e segs..
8 Cláusula resolutiva é a cláusula contratual que prevê o direito de resolução quando ocorra determinado facto.
9 J. BAPTISTA MACHADO, Pressupostos…, p. 187 e segs.
10 A indemnização do interesse contratual negativo, isto é, o prejuízo que ele não sofreria se o contrato não tivesse sido celebrado, segundo a doutrina ainda dominante ou a indemnização do interesse contratual positivo, segundo outros. Cfr. CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, Coimbra, 1995, 2.ª ed., p. 300, nota 540.
11 Isto se o credor não preferir requerer a realização coactiva da prestação (artigo 807.º do Código Civil) e pedir a indemnização dos prejuízos sofridos com a falta de cumprimento do devedor (interesse contratual positivo). Ou, em alternativa, como dispõe o n.º 3 do artigo 797.º, do Código Civil, no caso da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo, o credor pode, em alternativa às sanções cominadas pelo artigo 790.º, optar por exigir a realização coactiva da prestação e a indemnização pela mora, se o contrário não resultar da interpelação; contudo, o devedor pode fixar ao credor um prazo razoável para o exercício desta opção, sob pena de caducidade do direito do credor a exigir a realização coactiva da prestação.
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