Processo n.º 882/2020 Data do acórdão: 2021-11-25
Assuntos:
– abuso de confiança
– pedido de não transcrição da sentença no registo criminal
– art.o 27.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 27/96/M
– arguido revel sem sentido de responsabilidade
– perigo de prática de novo crime
S U M Á R I O
O arguido saiu de Macau sem paradeiro conhecido, depois do telefonema feito para ele pela pessoa ofendida para se inteirar do destino do dinheiro então entregue a ele, o que revela a falta, por parte dele, do sentido de responsabilidade para com a pessoa ofendida, pelo que ainda que não se tenha detectado a existência de novos processos em juízo contra ele, tal falta do sentido de responsabilidade não pode merecer o benefício de não transcrição da sentença que o condenou, à revelia, por conduta criminal de abuso de confiança nos termos do art.o 27.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 27/96/M, isto porque do seu acto de fuga à responsabilidade não se pode deduzir a inexistência do perigo de prática de novo crime.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 882/2020
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho judicial que lhe indeferiu o pedido de não transcrição da decisão condenatória penal então proferida contra ele no âmbito dos ora subjacentes autos de Processo Comum Colectivo n.° CR2-11-0060-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), veio o arguido A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, no essencial, na sua motivação de fls. 255 a 266 dos presentes autos correspondentes, que tal decisão de indeferimento violou o disposto no art.o 27.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 27/96/M, de 3 de Junho, devendo, pois, passar-se a ordenar a não transcrição da decisão condenatória.
Ao recurso, respondeu o Digno Procurador-Adjunto a fls. 270 a 273 dos autos, no sentido de não se opor ao deferimento do pedido do arguido.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 286 a 287, afrimando também não se opor à pretensão do arguido.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
O arguido ora recorrente foi julgado à revelia no subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR2-11-0060-PCC do 2.o Juízo Criminal do TJB, e aí condenado em 11 de Janeiro de 2013 como autor material de dois crimes de abuso de confiança, p. e p. pelo art.o 199.o, n.o 1, do Código Penal, em seis meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico, finalmente na pena única de nove meses de prisão, suspensa na sua execução por 18 meses (cfr. sobretudo o teor desse acórdão, a fls. 147 a 152v dos autos).
Segundo a matéria de facto então provada: o arguido, então como mediador imobiliário, apropriou-se, por duas vezes, do dinheiro entregue pela pessoa ofendida seu cliente dos autos, respectivamente em finais de Fevereiro de 2009 e em finais de Março do mesmo ano, num total de HKD24.500,00 (vinte e quatro mil e quinhentos dólares de Hong Kong), e ele, após o telefonema feito para ele pela pessoa ofendida em 7 de Maio de 2009 para se inteirar do destino do referido dinheiro, saiu de Macau, sem paradeiro conhecido.
Foram passados mandados de detenção em 17 de Janeiro de 2013, para efeitos de notificação pessoal do arguido do referido acórdão condenatório, e o arguido acabou por ser notificado pessoalmente desse acórdão em 9 de Agosto de 2016 (cfr. o processado nomeadamente constante de fls. 158 a 177 dos autos).
Por despacho judicial de 18 de Maio de 2018 (a fl. 209 dos autos), foi declarada extinta a pena do arguido, devido ao decurso integral do prazo da suspensão da pena sem que tenha havido cometimento de novo crime pelo arguido.
Em 20 de Abril de 2020, o arguido escreveu ao Tribunal titular do subjacente Processo n.o CR2-11-0060-PCC, para pedir a não transcrição da decisão condenatória acima referida no seu registo criminal, tendo para o efeito exposto que ele, desde Outubro, já tinha começado a trabalhar numa companhia, mas por influência da pandemia se encontrava actualmente, a partir de Fevereiro de 2020, em situação de licença sem vencimento, e no decurso da licença tentou procurar outro trabalho e já foi recrutado por uma companhia com preparação do começo do trabalho em finais do ano, e depois descobriu ele próprio que ainda existia o registo criminal, pelo que tendo sido passados mais do que sete anos, sem cometimento de novos ilícitos, querendo tão-só trabalhar dedicadamente para viver, pretendia agora a não transcrição da dita decisão condenatória (cfr. o teor do requerimento de fl. 215 dos autos).
Por despacho de 27 de Abril de 2020 (a fl. 220), foi inclusivamente determinada a notificação do arguido para este apresentar, em 20 dias, prova da prestação da indemnização a favor da pessoa ofendida dos autos.
O arguido respondeu em 29 de Abril de 2020 (a fl. 228) que sendo a pessoa ofendida residente no estrangeiro, ele próprio o arguido, após regressado a Macau em 2016, já queria entrar em contacto com a pessoa ofendida para efeitos de indemnização, mas todos os dados de comunicação já tinham sido depois extraviados em 2009 aquando da emigração, e estando actualmente em situação de licença sem vencimento por causa da pandemia se viesse a conseguir encontrar a pessoa ofendida após a cessação da pandemia, queria prestar indemnização à pessoa ofendida.
Conforme o teor do relatório social (de fls. 231 a 233v dos autos), elaborado em 18 de Maio de 2020 a pedido judicial sob promoção do Ministério Público: o arguido emigrou em 2006 para o Reino Unido, e em Agosto de 2019 regressou a Macau, trabalhando como motorista numa companhia de diversões, e para poder trabalhar noutro tipo de posto, com melhores condições, pretende a não transcrição da decisão condenatória no registo criminal.
Não se detecta a existência de novos processos em juízo contra o arguido.
Por decisão judicial de 29 de Junho de 2020 (a fl. 249 a 249v dos autos), foi indeferido o pedido do arguido, nos termos do art.o 27.o, n.o 1 (a contrario sensu), do Decreto-Lei n.o 27/96/M.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente julgador do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
No caso dos autos, o Tribunal recorrido indeferiu o pedido do arguido de não transcrição da decisão condenatória penal então proferida no âmbito do mesmo ora subjacente processo, com fundamento na inverificação do critério material exigido no n.o 1 do art.o 27.o do Decreto-Lei n.o 27/96/M, que estatui o seguinte: <>.
Dos elementos coligidos dos autos, e já acima referidos na Parte II do presente acórdão de recurso, sabe-se que o arguido, depois do telefonema feito para ele pela pessoa ofendida para se inteirar do destino do dinheiro então entregue a ele, saiu de Macau, sem paradeiro conhecido.
Esta circunstância de ter saído de Macau sem paradeiro conhecido revela a falta de sentido de responsabilidade do próprio arguido para com a pessoa ofendida. Ainda que não se tenha detectado a existência de novos processos em juízo contra ele, tal falta de sentido de responsabilidade não pode merecer o benefício de não transcrição da decisão condenatória nos termos do art.o 27.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 27/96/M, preceito este que não foi violado na decisão recorrida. Na verdade, do seu referido acto de fuga à responsabilidade não se pode deduzir a inexistência do perigo de prática, por parte dele, de novo crime.
Razões por que há que naufragar o recurso, sem mais indagação por ociosa ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com duas UC de taxa de justiça.
Macau, 25 de Novembro de 2021.
___________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
___________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
__________________________
Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
Processo n.º 882/2020 Pág. 1/8