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Processo nº 31/2021 Data: 01.12.2021
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : Responsabilidade civil.
Montante da indemnização.
(Valor de venda/valor de mercado).



SUMÁRIO

  Se o R., sem o consentimento da A., efectua a venda da fracção com esta acordada comprar de forma conjunta, excessivo não é que como indemnização lhe pague a metade do “valor de mercado” da fracção, (e não o da “venda”, se inferior).

O relator,

José Maria Dias Azedo
  

Processo nº 31/2021
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), (A.), instaurou acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra:
B (乙),
C,
D (丁), e,
E (戊), (1°, 2ª, 3° e 4ª RR.), todos com os sinais dos autos, pedindo, a final, (e no que agora interessa):
- a declaração da nulidade da compra e venda da fracção FR/C do [Rua(1)] realizada entre os 1° e 2ª RR. e os 3°e 4ª RR.; e, subsidiariamente,
- a resolução do acordo verbal entre a A. e o 1° R. (antes) celebrado quanto à compra da dita fracção por incumprimento definitivo do aludido 1° R. com a devolução à A. do sinal e dos custos notariais, acrescidos de juros vencidos, no valor global de MOP$445.529,40, e a condenação do mesmo 1° R. no pagamento à A. de um montante não inferior a MOP$3.000.000,00, a título de indemnização pelos danos que lhe foram causados pela venda da dita fracção, perfazendo as quantias pretendidas o total de MOP$3.445.529,40, acrescido de juros contados desde a data da instauração da acção até ao integral pagamento; ou,
- a condenação do 1° R. na restituição à A., por enriquecimento sem causa, do sinal e custos notariais acrescidos de juros vencidos, no valor total de MOP$445.529,40, montante acrescido de juros contados desde a data da instauração da acção até ao integral pagamento; (cfr., fls. 2 a 15 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Oportunamente, (e após vicissitudes processuais várias), proferiu a Mma Juiz Presidente do Tribunal Judicial de Base sentença onde, concedendo parcial provimento à acção pela A. proposta, decidiu:
- condenar o 1° R. a restituir à A. o montante de MOP$2.996.000,00 e seus juros legais; e,
- declarando os 1° e 2ª RR. como “litigantes de má fé”, condenou-os no pagamento da multa de 20 UCs; (cfr., fls. 518 a 529).

*

Inconformados, os ditos 1° e 2ª RR. recorreram para o Tribunal de Segunda Instância, sendo que com este recurso subiu um outro “recurso” pelos mesmos (RR.) antes interposto do “despacho” que lhes tinha indeferido um “pedido de intervenção de terceiros” e que rejeitou a “reconvenção” contra estes deduzida; (cfr., fls. 563 a 579).

*

Adequadamente processados os autos, em 15.10.2020, (Proc. n.° 346/2020), proferiu o Tribunal de Segunda Instância Acórdão julgando:

“I. extinto por inutilidade superveniente da lide os recursos interpostos do incidente de intervenção principal activa de terceiros e de rejeição da Reconvenção (…)”;
“II. Negando-se provimento ao recurso interposto da decisão final (…)”; (cfr., fls. 668 a 696-v).

*

Do assim decidido, vem pelos 1° e 2ª RR. interposto o presente recurso que, sem mais demoras, se passa a apreciar.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal Judicial de Base deu como assente a seguinte matéria de facto (que foi confirmada pelo Tribunal de Segunda Instância):

“- Por escritura Pública de 19/12/2014, o 1.° Réu e a 2.ª Ré venderam ao 3.° Réu e à 4.a Ré, pelo preço de MOP$3.189.900, a fracção autónoma destinada a escritório, designada por “FR/C”, do prédio sito em Macau, no [Rua(1)], n.° 4-12, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° XXXXX. (Alínea A) dos factos assentes)
- Na acção ordinária n.° CV1-15-0026-CAO, o 3.° Réu e a 4.ª Ré reivindicaram contra a aqui autora e contra F a fracção autónoma referida em A). (Alínea B) dos factos assentes)
- A presente acção foi registada por apresentação de 24/05/2016. (Alínea C) dos factos assentes)
- Os réus foram citados por cartas registadas expedidas em 24/02/2016, nos termos que constam de fls. 76 a 83 e aqui se dão por reproduzidos. (Alínea D) dos factos assentes)

Base instrutória:
- Entre finais de 2009 e Janeiro de 2010, a Autora, pretendendo mudar com a família para uma casa maior, mandatou a K da [Agência Imobiliária(1)] para mediar a compra da fracção autónoma referida em A) dos factos assentes. (artigo 1.° da Base instrutória)
- Para o efeito, a Autora tentou obter empréstimo junto do [Banco(1)], não o tendo conseguido por causa da idade. (artigo 2.° da Base instrutória)
- Por isso, a Autora, o seu filho B, 1.° Réu, e a sua filha G e o pai destes, F, acordaram verbalmente fazer o pedido de empréstimo em nome do 1° Réu, prestando garantia a filha da Autora G e sendo as prestações de restituição suportadas juntamente pelo 1° Réu e por G, através de contribuições mensais de quantias semelhantes dadas por estes para as despesas familiares nelas incluindo as de amortização do empréstimo bancário a obter para a aquisição da fracção autónoma. (artigo 4.° da Base instrutória)
- E acordaram ainda que a fracção autónoma em causa pertenceria à Autora e ao 1° Réu em compropriedade. (artigo 5.° da Base instrutória)
- O 1° Réu sabia que a fracção autónoma em causa foi adquirida para permitir que toda sua família nela vivesse. (artigo 6.° da Base instrutória)
- No dia 7 de Janeiro de 2010 e depois da celebração do acordo junto a fls 243 aos autos, a Autora prometeu comprar a fracção autónoma a H e a sua esposa I e estes prometeram vender-lha, pelo preço de HK$1.660.000,00, tendo o acordo sido celebrado no escritório de advogados do Dr. J. (artigo 7.° da Base instrutória)
- Para a celebração de tal acordo, a Autora efectuou o pagamento de HK$150.000,00 aos promitentes-vendedores H e I. (artigo 8.° da Base instrutória)
- Para a celebração da escritura pública de compra e venda, a Autora pagou mais HK$210.000,00 aos promitentes-vendedores. (artigos 9.° e 12.° da Base instrutória
- A Autora pagou o montante de MOP$45.360,00 no escritório de advogados do Dr. J, a título de despesas para a outorga da escritura pública de compra e venda. (artigo 11.° da Base instrutória)
- Depois da celebração do acordo junto a fls 243 aos autos e antes da celebração do acordo referido na resposta ao quesito 7°, o 1.° Réu e a sua irmã, G, esta na qualidade de fiadora, dirigiram-se ao [Banco(1)], Sucursal de Macau, para pedir o empréstimo. (artigo 14.° da Base instrutória)
- Embora fosse o 1.° Réu o único mutuário, a responsabilidade pelo pagamento das prestações bancárias foi assumida pelo 1.° Réu e pela sua irmã através de contribuições mensais de quantias semelhantes dadas por estes para as despesas familiares nelas incluindo as de amortização do empréstimo bancário obtido para a aquisição da fracção autónoma. (artigo 16.° da Base instrutória)
- A Autora, o 1.° Réu, o pai e a irmã do 1.° Réu sempre viveram na referida fracção autónoma, servindo este local como a casa de morada de família. (artigo 17.° da Base instrutória)
- A Autora sempre considerou que era proprietária de metade indivisa da fracção autónoma. (artigo 20.° da Base instrutória)
- A filha da Autora tem sempre contribuído para permitir o pagamento das prestações do empréstimo contraído para a compra da fracção referida em A) dos factos assentes através de contribuições mensais de quantias semelhantes dadas por estes para as despesas familiares nelas incluindo as de amortização do empréstimo bancário obtido para a aquisição da fracção autónoma. (artigo 22.° da Base instrutória)
- Antes de contrair matrimónio com o 1.° Réu, a 2.ª Ré residia na fracção autónoma juntamente com a família da Autora. (artigo 24.° da Base instrutória)
- O 1.° Réu sabia que a fracção autónoma referida em A) dos factos assentes também pertencia à Autora. (artigo 27.° da Base instrutória)
- Em 2012, devido a desavenças entre a 2.ª Ré e a Autora, os 1.° e 2.ª Réus deixaram de residir na fracção autónoma referida em A) dos factos assentes. (artigo 29.° da Base instrutória)
- No dia 9 de Novembro de 2012, o 1.° Réu casou com a 2.ª Ré no regime da comunhão geral. (artigo 30.° da Base instrutória)
- A Autora não sabia que os 1.° e 2.ª Réus se casaram no regime da comunhão geral. (artigo 31.° da Base instrutória)
- Um ano depois do seu casamento, devido a aumento de renda, os 1.° e 2.ª Réus voltaram a residir na fracção autónoma referida em A) dos factos assentes com a família da Autora, mantendo-se o mau relacionamento. (artigo 32.° da Base instrutória)
- Em Novembro de 2014, os 1.° e 2.ª Réus disseram à Autora que iriam vender a fracção autónoma referida em A) dos factos assentes, mas a Autora e a sua família disseram-lhe que não estavam de acordo e que consideravam que o 1.° Réu não era o único proprietário da fracção autónoma. (artigo 33.° da Base instrutória)
- Os 1.° e 2.ª Réus, sabendo do acordo referido na resposta ao quesito 5°, venderam a fracção autónoma aos 3.° e 4.ª Réus sem autorização da Autora e da família e receberam o preço. (artigo 34.° da Base instrutória)
- Na data em que os 1.° e 2.ª Réus venderam a fracção aos 3.° e 4.ª Réus, a mesma valia no mercado quantia não inferior a MOP5.992.000,00. (artigo 35.° da Base instrutória)
- O que consta da resposta aos quesitos 8.°, 9.°, 11.° e 12.°. (artigo 39.° da Base instrutória)
- A Autora recusou desocupar a fracção apesar de tal lhe ter sido solicitado pelos Réus. (artigo 45.° da Base instrutória)
- Os 3° e 4.ª Réus não solicitaram quaisquer indemnizações na acção de reivindicação referida em B) dos factos assentes que intentaram contra a Autora e o pai do 1.° Réu. (artigo 47.° da Base instrutória)”; (cfr., fls. 519 a 521 e 675-v a 677).

Do direito

3. Como resulta do que se deixou relatado, vem interposto recurso da decisão ínsita no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 15.10.2020, (Proc. n.° 346/2020), que – recorde-se – (a) julgou extinto por inutilidade superveniente da lide os recursos interpostos do incidente de intervenção principal activa de terceiros e de rejeição da reconvenção, (b) negando provimento ao recurso interposto da decisão final.

Reagindo ao assim decidido, e nas conclusões do seu recurso, dizem os 1° e 2ª RR., ora recorrentes, que:

“1. O recurso incide sobre o acórdão de 15/10/2020.
2. Num primeiro ponto, considera-se que a decisão recorrida violou o disposto no art. 229.° al. e) do Cód. Proc. Civil ao determinar-se a existência de uma situação de inutilidade superveniente e como tal ficando prejudicado o conhecimento do recurso.
3. O Tribunal a quo inclusivamente reconhece que o 1. R. tinha razão na argumentação que opõe à decisão da primeira instância de não admissão da reconvenção (parcial) e do chamamento dos terceiros contra quem a mesma também é formulada (in casu, o pai e irmã do 1. R.).
4. Deveria o Tribunal a quo ter aplicado o art. 218.° e 267.° do Cód. do Proc. Civil no sentido de admitir tanto a reconvenção na sua íntegra como o chamamento dos terceiros contra quem o pedido reconvencional do 1. R. também foi deduzido.
5. Num segundo plano, em face da matéria dada como provada, o 1. R. concorda que a determinação da indemnização a que este está obrigado terá de se fixar com base no disposto no art. 560.° do Cód. Civil, nomeadamente números 1 e 5, e eventualmente o 6.
6. No entanto, consideramos que essa norma foi violada na forma como foi aplicada pelo Tribunal a quo (bem como na primeira instância) no cálculo da indemnização com base nesse normativo.
7. O referido normativo deixa claro que a indemnização em dinheiro terá de corresponder à diferença entre a situação patrimonial do lesado (actual) e aquela que existiria caso não se tivessem verificado os danos.
8. Em primeiro lugar, tem de se aferir qual era o direito que a A. tinha sobre a fracção e que neste caso, não constando do título aquisitivo, fazia parte de um acordo com o 1. R.
9. Assim, o direito da A. não incide directamente sobre o valor da propriedade do imóvel, mas antes, atendendo às contribuições que fez (directa e indiretamente através da filha), sobre o valor de realização desse bem – ou seja, atendendo ao "investimento" que realizou na aquisição, tem um direito sobre o valor de disposição desse bem.
10. Mas ainda que assim não se considerasse, consideramos ainda violada a dita norma do art. 560.° do Cód. Civil quando interpretada no sentido de que os danos sofridos pela A. em decorrência da alienação do imóvel correspondem ao valor de mercado do mesmo.
11. O valor de mercado é um conceito extremamente subjectivo e basta atender à forma como na prática foi fixado nos presentes autos.
12. De facto, não há qualquer menção na lei ao valor de mercado como base para o cálculo da indemnização devida no âmbito do art. 560.° do Cód. Civil.
13. O valor de mercado pode ser um "x", mas na prática os interessados apenas estarem dispostos a dar um valor determinado – são esses interessados que vão adquirir o bem e não o avaliador que apenas está a pressupor o que seria a vontade negocial destes.
14. Certo é que se o valor pelo qual o 1. R. alienou o imóvel fosse superior ao de mercado, seria esse que serviria de base para fundar o valor da indemnização a atribuir à A.
15. Não cabia ao 1. R. o ónus de alegar os danos sofridos pela A., cabendo sim a esta de demonstrar que, ou teria havido uma simulação, ou o 1. R. foi negligente na alienação da fracção (por exemplo, apenas dialogando com um potencial comprador quando existiriam mais interessados).
16. A solução afigurava-se tanto mais desrazoável que o montante da indemnização que o 1. R. foi condenado a pagar à A. anula na quase totalidade o benefício que o 1. R. teria direito atendendo ao acordo informal com a A. de que cada um teria direito sobre metade do valor realizado da fracção.
17. Aliás, a diferença entre o valor recebido pelo 1. R. com a alienação da fracção e aquilo que foi condenado a pagar à A. nem sequer chega para cobrir o investimento que o 1. R. realizou na aquisição da fracção (através do pagamento das prestações do empréstimo ao banco).
18. A correcta aplicação do normativo em causa (art. 560.° do Cód. Civil) seria, na nossa humilde opinião, no sentido de que a indemnização devida à A. pela transmissão da fracção corresponde a metade do valor do preço, ou seja, $1,594,950”; (cfr., fls. 706 a 712-v).

Ora, tendo presente o (claro) teor e sentido da “decisão recorrida”, cremos que nenhuma razão tem os ora recorrentes, muito não se apresentando de consignar para se demonstrar este nosso ponto de vista.

Importa, contudo, e antes de mais, dar conta do que, em abreviada síntese, da matéria de facto provada (e do processado) releva para a apreciação e decisão da presente lide recursória.

E, nesta conformidade, vejamos.

Tentando-se apresentar (de forma o mais simplificada possível) o que – infelizmente – constitui a génese dos presentes autos, mostra-se de consignar que a “razão” de ser da acção pela A. contra os atrás referidos 1°, 2ª, 3° e 4ª RR. proposta, assenta no incumprimento de um “acordo (verbal)” de compra conjunta da atrás aludida “fracção FR/C” entre a A. e o 1° R. celebrado em 2010, em virtude do qual suportou a A. despesas várias, e que, posteriormente, por este 1° R., (filho da A.), casado com a 2ª R., foi vendida aos 3° e 4ª RR. por escritura pública outorgada em 19.12.2014.

Daí, na sequência do que processado foi – onde se “indeferiu um pedido de intervenção e respectiva reconvenção”, e em face da “matéria de facto” que do julgamento efectuado pelo Tribunal Judicial de Base resultou “provada, de onde se extrai como adquirido o aludido “incumprimento do acordado (em 2010)” com efectivos prejuízos patrimoniais para a A., e, perante os “pedidos” pela mesma deduzidos – veio-se a proferir a “decisão de condenação” do 1° R. no pagamento de MOP$2.996.000,00 (com a sentença da Mma Juiz Presidente do Tribunal Judicial de Base, cfr., fls. 3 deste aresto), e, posteriormente, em sede do seu recurso, o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que confirmou as “decisões” impugnadas e que agora constitui objecto do presente recurso.

Isto dito, e visto que “ambos os segmentos decisórios” do dito Acórdão vem impugnados, (o referente à “inutilidade da lide quanto à intervenção e reconvenção” e o que diz respeito à “decisão final de condenação”, cabendo também notar que nada mais do que decidido foi vem impugnado), eis como se nos apresenta de decidir.

–– Quanto à decidida “inutilidade superveniente” e “rejeição da reconvenção”.

Como se deixou adiantado, (apresenta-se-nos, aliás, evidente que) não merece a decisão recorrida qualquer censura.

Vejamos.

A pelos 1° e 2ª RR., ora recorrentes, pretendida “intervenção de terceiros”, (no caso, do marido e filha da A.), tinha como motivo justificativo alegadas “despesas” por estes (terceiros) também efectuadas (em montante não apurado) relativamente à compra do imóvel identificado nos autos aquando do acordado entre a A. e o 1° R..

E, desta forma, invocando-se que estes terceiros tinham de certa forma “contribuído” para o reclamado direito da A., e que sobre os mesmos tinham também os 1° e 2ª RR. créditos em virtude do já referido imóvel, pugnava-se pela sua intervenção nos autos a fim de melhor (total) esclarecimento da “situação”.

Ponderando na decisão da sua não admissão pela Mma Juiz do Tribunal Judicial de Base, considerou, porém, o Tribunal de Segunda Instância que, embora se pudesse (eventualmente) decidir pela sua admissão, era a mesma “absolutamente inútil”, atenta a fase processual em que se encontravam os autos, (em recurso no Tribunal de Segunda Instância), e dado que assente e definitivamente fixada estava a factualidade relevante para a questão.

Isto é, considerando-se que já tinha havido “instrução” e “decisão da matéria de facto”, onde se tinha dado como “provado” que foi a “A. quem pagou todos os valores em questão”, e não tendo havido “recurso” do assim decidido, (especialmente, pelos RR. recorrentes), entendeu-se, pois, que “manifestamente inútil era apreciar e decidir da questão”, julgando-se, nesta parte, extinta a instância de recurso por inutilidade superveniente nos termos do estatuído no art. 229°, al. e) do C.P.C.M..

Ora, perante o assim “decidido”, (sem perder de vista o que alegado vem), e cabendo-nos emitir pronúncia sobre o acerto da referida decisão do Tribunal de Segunda Instância, apresenta-se-nos claro que nenhuma censura merece, pois que, (como demonstrado cremos que ficou), com a mesma efectuou-se uma adequada apreciação da “situação processual dos autos” e da “matéria de facto provada” (e definitivamente fixada), assim como uma correcta aplicação do regime legal que sobre o mesmo incidia, mais não se mostrando de dizer porque ocioso.

–– Quanto à “confirmação da condenação no pagamento de MOP$2.996.000,00” à A..

Como se viu, foi o 1° R. condenado a pagar à A. o montante de MOP$2.996.000,00 e juros, o que foi (igualmente) confirmado pelo Acórdão ora recorrido.

E, assim, adequada se apesenta – uma “nota prévia” (apenas) para – dizer que, não obstante os “termos” do presente recurso, apresentado, em nome dos 1° e 2ª RR., (e sem limitações ou excepções), não se vislumbra a que “título” surge esta 2ª R. a (tentar) contestar o que decidido foi.

Nesta conformidade, visto estando que tão só o 1° R. foi o “atingido” com o decidido, evidente se apresenta que, para esta parte da presente lide recursória à 2ª R. não assiste qualquer legitimidade, o que ora se declara.

Feito o esclarecimento que se deixou consignado, continuemos.

Pois bem, (em relação ao “ponto” em apreciação), diz, apenas, o 1° R., que o “montante” em questão é excessivo, e alegando o que atrás se deixou transcrito, bate-se pela sua redução.

Considera (essencialmente) que se devia de ter em conta o “valor de venda” e não o de “mercado” da fracção dos autos.

Como se deixou adiantado, também aqui não se mostra de acolher a pretensão apresentada.

Com (especial) relevância para o que se considera ser a boa e adequada solução da questão que nos é apresentada, mostra-se de considerar que nos termos do art. 560° do C.C.M.:

“1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível.
2. Quando a reconstituição natural seja possível mas não repare integralmente os danos, é fixada em dinheiro a indemnização correspondente à parte dos danos por ela não cobertos.
3. A indemnização é igualmente fixada em dinheiro quando a reconstituição natural seja excessivamente onerosa para o devedor.
4. Quando, todavia, o evento causador do dano não haja cessado, o lesado tem sempre o direito a exigir a sua cessação, sem as limitações constantes do número anterior, salvo se os interesses lesados se revelarem de diminuta importância.
5. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
6. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julga equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.

In casu, provado está que os 1° e 2ª RR. vendaram o imóvel (aos 3° e 4ª RR.) pelo preço de MOP$3.189.900,00, mas que o seu valor (preço) no mercado era, no mínimo, de MOP$5.992.000,00.

E, ponderando no estatuído no transcrito comando legal, (pelo Tribunal de Segunda Instância também invocado na sua decisão), nenhuma censura merece o decidido.

Como – com mérito – se nota no Acórdão recorrido: “a Autora é alheia ao preço pelo qual os Réus venderam a fracção autónoma e, o certo é que, servindo aquela fracção autónoma de habitação da Autora e seu agregado familiar, a venda da mesma causa à Autora um prejuízo que vai para além da perda de metade do valor pelo qual haja sido vendida mas que consiste na necessidade de adquirir uma outra onde possa residir.
Destarte, a medida do seu dano tem de ser aferido pelo valor de mercado da fracção no momento em que a decisão é proferida de acordo com o nº 5 do artº 560º do C.Civ., pois esse valor é aquele que melhor corresponde ao prejuízo efectivo que a Autora sofreu.”; (cfr., fls. 694 a 694-v).

Ora, ponderando no consignado – e sem olvidar o “triste episódio de vida” que os presentes autos nos dão conta, e que, recorde-se, originou também uma condenação como “litigantes de má fé” dos 1° e 2ª RR. – cremos que a “decisão” em questão reflecte um raciocínio lúcido, equilibrado e justo sobre a “realidade dos factos adquiridos” e da sua “relevância jurídica”, (e que mesmo sem necessidade de recurso à “equidade” conferida pelo n.° 6 do dispositivo legal invocado), torna evidente a ausência de qualquer motivo de censura.

Não se pode pois esquecer que o “montante” em que o 1° R. foi condenado a pagar, constitui, tão só, a “metade” da quantia correspondente ao “valor de mercado da fracção” que – em manifesta ofensa aos direitos e expectativas que de forma legítima à A. assistiam – por própria conta e risco entendeu vender, razoável se mostrando que em sua conformidade se pondere da sua responsabilidade.

Na verdade, importa ter presente que também nos termos do art. 477°, n.° 1 do C.C.M. constitui “princípio geral em matéria de responsabilidade civil” que: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Dest’arte, e apreciadas que se apresentam (todas) as questões que com o presente recurso nos foram colocadas, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes, com a taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 01 de Dezembro de 2021


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

Proc. 31/2021 Pág. 12

Proc. 31/2021 Pág. 13