打印全文
Processo n.º 794/2021
(Autos de recurso em matéria laboral)

Relator: Fong Man Chong
Data: 02 de Dezembro de 2021

ASSUNTOS:

- Regimes diferentes do pagamento de rendas e encargos da coisa locada (imóvel) e mora do devedor

SUMÁRIO:

I – A impugnação da matéria de facto em sede de recurso tem que ser feita nos termos fixados no artigo 599º do CPC, sob pena de o recurso ser rejeitado por incumprir o ónus especificadamente aí consagrado.

II - Em matéria de arrendamento de imóvel e no que se refere ao pagamento de rendas, a mora do devedor, ou atraso no cumprimento, ocorre se a prestação, ainda possível, não for efectuada no tempo devido por causa imputável ao devedor (artº 793º, nº 2 do CCM).

III - Incumbe ao devedor alegar e provar que a falta de cumprimento não depende de culpa sua, que a falta não lhe é imputável (art. 788º, nº 1 do CCM). Designadamente, como forma de demonstrar que a falta de cumprimento não depende de culpa sua, ou não lhe é imputável, incumbe-lhe alegar e provar, sendo caso disso, que ofereceu a prestação ao credor e que este a recusou em situação que não podia recusar. É que esta factualidade tem efeitos impeditivos do direito à indemnização moratória e configura excepção peremptória cujo ónus de alegação e prova recai sobre aquele contra quem o direito a indemnização é invocado (art. 335º, nº 2 do CCM).

IV – No que respeita aos encargos do locado, nos termos do disposto nos arts. 984º a 986º do CCM, as partes podem transferir para o locatário os encargos da coisa locada, tais como as despesas de condomínio. Foi precisamente isso que autora e ré acordaram, como consta da matéria factual assente. A obrigação de pagar os encargos com a coisa locada tem regime diverso da obrigação de pagamento da renda, que partilha do regime especial do contrato de locação.

V - Com ligeiras excepções, a obrigação de pagar os encargos com a coisa locada tem o regime geral das obrigações. Assim, designadamente, a respectiva mora não tem a correspondente obrigação de indemnizar fixada em metade ou na totalidade da quantia em dívida, como acontece com a obrigação de pagar a renda, nem a mora relativa ao pagamento de um determinado encargo concede ao credor o direito de recusar o pagamento dos demais.

O Relator,

________________
Fong Man Chong
Processo nº 794/2021
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 02 de Dezembro de 2021

Recorrente : A

Recorrida : B, Limitada (B有限公司)

*
   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    A, Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 26/03/2021, que julgou parcialmente procedente a acção, dela veio, em 07/06/2021, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 303 a 313, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. Vem o presente recurso interposto da sentença de 26 de Março de 2021, visando a Recorrente arguir a existência de erro na apreciação das provas pelo Tribunal a quo, nomeadamente por ter interpretado e valorado a prova produzida de forma errada, e considerado lícita, nos termos do art. 996° n° 3 do CC, a recusa da Recorrida em receber as rendas, na sequência de haver mora do devedor nos termos do n° 2 do art. 793° do CC.
     2. Foi dado como provado que a autora acordou com a ré em pagar metade das despesas da reparação da referida anomalia de funcionamento da casa de banho (doravante "despesas de reparação"), despesa que havia sido orçada em MOP4,700.00 (o quesito 6°), não tendo a autora, no entanto, respondido à ré sobre o "quando" e o "como" de tal pagamento, muito embora soubesse das contínuas tentativas de contacto da ré e que a questão ainda não se encontrava resolvida.
     3. Porém, foi essa demora da autora na resposta à ré sobre a questão das "despesas de reparação" que deu origem a um mau entendimento entre as partes, aliás causada pela própria funcionária da autora - a Sra. C, o que acabou por afectar o pagamento da renda e dos encargos de Fevereiro de 2018. Vejamos.
     4. Uma coisa é o pagamento da renda, e outra, o pagamento das despesas de reparação - diferença aliás óbvia tanto para a ré como para a autora, como podemos observar das mensagens de Wechat e Whatsapp constantes dos autos, aliás transcritas no início das presentes alegações, nas quais a ré tentou clarificar várias vezes que apenas pretendia saber: 1) como é que devia resolver o assunto das despesas de reparação, e 2) "onde" e "a quem" devia pagar as rendas.
     5. Não tendo a autora respondido a ambas as questões, apenas tendo se limitado a "fugir ao tema" e "passar a bola" para uns "outros sócios" que nunca chegaram a contactar a ré, como aliás foi provado durante a audiência de julgamento, onde em nenhuma passagem das gravações se encontra referência a tais "outros sócios" que tenham entrado em contacto com a ré para tratar dos assuntos relacionados com as rendas.
     6. Tanto as mensagens acima transcritas das fls. 94, 98, 99 e 111 dos autos como também as seguintes passagens da gravação, relativas ao depoimento da testemunha Sra. F, demonstram inequivocamente o desespero da ré em obter resposta às duas questões, mas em especial, à segunda, ou seja, relativa ao pagamento da renda, na sua íntegra.
     7. O que aconteceu foi simplesmente que, devido ao contínuo status duvidoso da questão das despesas de reparação, a Ré, ao ter-se dirigido ao escritório da autora para efectuar o pagamento dos montantes de Fevereiro, perguntou à Sra. C (a aliás testemunha C1) se podia descontar tais despesas de reparação na renda do mês de Fevereiro, tendo esta última respondido, e no seu direito, que não tinha autoridade para decidir sobre o assunto, mas que iria comunicar ao seu patrão, o Sr. D (o sócio D1da Autora), pelo que a Sra. F devia esperar pela resposta da autora. (Para além das mensagens de Wechat e Whatsapp já supra referidas, vide também as passagens da gravação áudio da audiência de julgamento transcritas à pag. 5 das presentes alegações).
     8. Em nome do princípio da aquisição processual enunciado pelo art. 436° do CPC, resulta claramente da prova documental e testemunhal, e ao invés do considerado pelo tribunal a quo no ponto v) da sentença recorrida e quesitos 10° e 11°, que a Ré nunca declarou à Autora ou à Sra. C que pretendia pagar tão somente a renda deduzida das despesas de reparação.
     9. Até porque por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, caso fosse a pretensão da ré realizar um pagamento deduzido, a Sra. F nunca levaria o montante completo em dinheiro para o escritório da autora!
     10. É verdade que a Sra. C não tinha autoridade para aceitar tal pagamento, seja por apenas ser uma funcionária como também por não ter em mão nenhum recibo previamente preparado pelos seus superiores cujo valor correspondesse à renda com a dedução já referida.
     11. No entanto, não passa a ser também verdade que tinha sido a própria Sra. C a confirmar à Ré que esta devia aguardar pela resposta da Autora para realizar o pagamento da renda.
     12. Não tendo a autora, porém, chegado a comunicar à ré depois deste acontecimento, seja para confirmar que a Ré devia pagar a renda na sua íntegra, ou para dizer que aceitava o pagamento da renda com o dito desconto, o que é aliás claramente visível do conteúdo das mensagens inicialmente citadas.
     13. Uma pergunta importante a considerar: será que a Sra. C relatou devidamente tal acontecimento aos sócios da sua entidade patronal - a autora?
     14. Pois do que resulta das mensagens e passagens de gravação até aqui transcritas, assim como do testemunho dos sócios da autora, a Sra. E e do Sr. D, é que houve uma "quebra" de comunicação entre a Sra. C, funcionária da Autora, e os sócios da Autora, nada tendo isso a ver com a ré! (Vide referência dos minutos e segundos da passagem a p. 6 das alegações.)
     15. Onde, por um lado, a Sra. C disse à ré que esta devia esperar pela resposta do Sr. D pois a própria Sra. C iria perguntar ao mesmo se a ré poderia descontar tais despesas na renda de Fevereiro de 2018, e, por outro, a sócia Sra. E e o sócio D1 entenderam, das palavras da Sra. C, que a ré lhes teria imposto a aceitação de um pagamento parcial das rendas e encargos de Fevereiro de 2018, o que sim, legitimaria uma recusa de pagamento, sem mais.
     16. Mas não era esse o caso.
     17. Salvo o devido respeito e para efeitos da valoração e interpretação das provas, não é possível deixar de lado a notória falta de capacidade de expressão e compreensão da Sra. C (C1), que prestou depoimento como testemunha em sede de audiência de julgamento, ainda que com muitas dificuldades ...
     18. Foi observável do seu modo de exposição que estava com sérias dificuldades em relatar o que tinha efectivamente passado. A testemunha encontrava-se em constante contradição com o que tinha respondido a segundos atrás, ao ponto de ser objectivamente questionável se num próximo momento diria o contrário do que haveria dito.
     19. E assim depôs até que lhe foi chamada a atenção pelo Meritíssimo Juiz Presidente do tribunal a quo, a adverti-la do modo como estava a depor (vide passagem de 0:05 a 1:05 da gravação n° "Translator 2 Recorded on 23-Feb-2021 at 12.17.17 (3AMWF##W03520319)").
     20. O princípio da livre apreciação da prova, aliás prevista pelo art. 558° do CPC, não se trata de uma arbitrária apreciação. Usando os termos do Venerando Tribunal de Segunda Instância, hão-de ser considerados factores como a "razão de ciência", a "credibilidade dos testemunhos", a "experiência de vida" e "conhecimentos pessoais" (cfr. Ac. do TSI - processo n.º 831/2016 de 29 de Abril de 2020).
     21. Ou seja, o depoimento da testemunha Sra. C não podia ser valorado apenas por si mesmo.
     22. Devido às dúvidas evidentes em relação à credibilidade do testemunho da Sra. C, o seu depoimento devia ser valorado e interpretado juntamente com a prova documental, ou seja, aquilo que a testemunha efectivamente "disse" através das mensagens que mandara no passado, e que confirmou ser da sua autoria.
     23. Simplesmente: 1) a Ré dirigiu-se ao local de pagamento com o montante total da renda de Fevereiro de 2018 e 2) perguntou à Sra. C sobre o problema das despesas de reparação, e se seria possível deduzirem o montante das despesas, 3) tendo a Sra. C dito que tinha de perguntar primeiramente ao patrão, pelo que 4) A ré deveria aguardar pela resposta.
     24. Dúvidas não restam para concluir que a alegada "demora" no pagamento e "não pagamento" dos montantes devidos pelo mês de Fevereiro de 2018 por parte da ré foram causadas por mora da autora, que por razões internas ou de comunicação, não conseguiu fornecer uma resposta de forma atempada à questão, digamos, "prejudicial" ou "convertida em prejudicial" ao do pagamento das rendas e encargos por conta das instruções dadas, pela funcionária da própria autora,
     25. Não é admissível a conduta da autora de vir a acusar a ré de estar em mora no pagamento das rendas quando a ré simplesmente seguiu as instruções dadas pela funcionária da autora responsável pelo recebimento das rendas, e, não obstante a omissão de resposta por parte da autora, continuou a contactar a autora expressando a vontade de pagar os montantes devidos (como aliás demonstrado pelas mensagens inicialmente transcritas).
     26. Salvo o maior respeito que é devido, o que efectivamente se verificou foi que a ré não efectuou a prestação de Fevereiro de 2018 (e as demais) por causa que NÃO lhe era imputável, nos termos do art. 793º do CC.
     27. Ocorreu mora do credor por a autora não ter praticado, sem motivo justificativo, os actos necessários ao cumprimento da obrigação, tal como previsto pelo art. 802º do CC.
     28. Neste seguimento e de acordo com o previsto pelo art. 803º n° 2 do CC, a dívida do devedor deixa de vencer juros.
     29. Citando as expressões do Acórdão do proc. n° 522/2006 de 8 de Fevereiro de 2007 do Venerando Tribunal de Segunda Instância, deverá haver alteração da matéria de facto "quando haja elementos cuja análise a imponham muito claramente".
     30. Pelo que os quesitos 1°, 2º, 3°, 10° e 11° deviam ser considerados provados nos seguintes termos:
     - Quesito 1°: Provado que em Fevereiro de 2018, a Ré deixou de proceder ao pagamento das quantias mensais contratualmente acordadas entre a Autora e a Ré por a Autora não ter confirmado o montante a ser pago conforme o instruído pela Sra. C, não obstante as várias tentativas de contacto da Ré.
     - Quesito 2º: Provado que desde Fevereiro de 2018 até à presente data (com a excepção do mês de Outubro de 2018), a Ré deixou de realizar o pagamento de todas as rendas e despesas mensais de administração do condomínio por a Autora não ter confirmado o montante a ser pago em Fevereiro de 2018 conforme o instruído pela Sra. C, não obstante as várias tentativas de contacto da Ré, e por a Autora ter recusado receber o pagamento de todas as rendas e despesas mensais de administração a partir de Fevereiro de 2018, não obstante as várias tentativas de pagamento da ré.
     - Quesito 3°: Provado que a Ré apenas foi instada pela Autora a efectuar o pagamento dos montantes em falta através do envio de uma carta de interpelação em 18 de Setembro de 2018.
     Quesito 10° e 11º:
     • Provado que a Ré, através da sua parceira de negócios Sra. F (a testemunha F), se dirigiu, em Fevereiro de 2018, ao local referido na resposta ao quesito n° 1-A onde era paga a renda pretendendo pagar a renda integral de Fevereiro de 2018, tendo perguntado pela possibilidade de dedução de metade das despesas referidas na resposta aos quesitos 6° a 7°.
     • Provado ainda que a pessoa empregada da autora que atendeu a Sra. F em Fevereiro de 2018, a testemunha C1 (a Sra. C), tendo consigo o recibo da renda previamente preparado por outrem com o valor da renda integral, como tinha sido prática anterior, lhe referiu não poder receber a renda com a referida redução por não corresponder ao montante constante de tal recibo previamente preparado, e que ia averiguar de tal possibilidade junto do Sr. D1, pelo que a Sra. F devia esperar pela resposta antes de proceder ao pagamento.
     • Provado ainda que nunca os referidos responsáveis aceitaram tal possibilidade, mas que nunca comunicaram tal conclusão à Ré nem à Sra. F, tanto pessoalmente como através da Sra. C, tendo a Sra. F se dirigido em alguns dos meses posteriores ao local de pagamento da renda para pagar as rendas e a empregada da autora que a atendeu, por não ter o recibo previamente preparado nem a possibilidade de o emitir por tal tarefa competir a outras pessoas da autora, não recebeu as rendas.
     31. Com base nos quais o tribunal a quo devia ter concluído pela existência de mora por parte da Autora-credora.
     32. Por outro lado, a recorrente não concorda com a consideração formulada na decisão recorrida, quando diz na sua página 9 que "a ré não logrou provar que acordou com a autora que a renda seria paga, não no dia 13 como consta do acordo escrito, mas após comunicação da autora das despesas de água e electricidade, nem logrou provar que os escritórios da autora estiveram fechados entre o dia 13 e o dia 22 de Fevereiro de 2018".
     33. Por a prova se mostrar em contradição com a convicção do tribunal a quo.
     34. A testemunha Sra. C, que era a funcionária da autora, responsável pelo recebimento das renas e encargos, confirmou, já depois de ter sido advertida pelo Meritíssimo Juiz Presidente da seriedade e importância do seu testemunho e que deveria se esforçar e dizer o que sabia, que a autora tinha concordado com a ré que a esta apenas teria de pagar a renda e os encargos depois de a própria Sra. C efectuar a leitura do contador de água e contactar a ré para efectuar o pagamento (conforme as passagens transcritas a p. 10 e 11 das presentes alegações).
     35. Logo, por mais livre que seja a apreciação da prova testemunhal, todos os parâmetros orientadores da livre apreciação e já anteriormente mencionados, apontam para a existência de tal acordo em pagar a renda e os encargos não no dia 13 de cada mês - tal como previsto pelo contrato, mas sim após comunicação da autora!
     36. Por outro lado, a ré também não pode concordar com a convicção do tribunal a quo em relação à não prova das datas de encerramento do escritório da Autora, desde já pelas seguintes razões.
     37. As partes encontram-se em Macau, China, onde o Ano Novo Chinês é um dos maiores festivais da sociedade, e onde as datas do dito Festival fazem parte do conhecimento geral da população, e como tal, constituem facto notório nos termos do art. 434º do CPC.
     38. Pelo que não carecem de alegação nem de prova.
     39. Citando do processo n° 595/2006 do Venerando Tribunal de Segunda Instância, de 31 de Março de 2011, "Entende-se por “facto notório" tudo o acontecimento do mundo exterior que é do conhecimento em geral da maioria das pessoas medianamente cultas e informadas", ou sejas, das "pessoas médias".
     40. As datas dos dias principais do Ano Novo Chinês, nomeadamente do período compreendido entre 農曆臘月二十八 (dia 28 do último mês do ano lunar) e 農曆新年年初七/人日 (sétimo dia do primeiro mês do ano lunar / Dia da Pessoa) fazem parte do conhecimento geral da cultura chinesa e é comum o encerramento temporário das empresas durante esse período.
     41. O mesmo se diria em relação ao Natal de vários países ocidentais, onde faz parte do conhecimento geral celebrar-se a véspera de Natal e o Natal nos dias 24 e 25 de Dezembro, assim como também a véspera do Ano Novo e o Ano Novo nos dias 31 de Dezembro e 1 de Janeiro.
     42. ln casu, no ano de 2018, 農曆臘月二十八 (dia 28 do último mês do ano lunar) correspondia a 13 de Fevereiro de 2018, enquanto que 農曆新年年初七/人日 (sétimo dia do primeiro mês do ano lunar / Dia da Pessoa) correspondia a dia 22 de Fevereiro de 2018 (susceptível de confirmação em qualquer calendário físico ou digital, desde já como referência: http://www.nongli.info/index.php?c=solar&year=2018&month=2&date=1).
     43. Portanto, o tribunal a quo, que tinha aliás até considerado como provado na decisão sobre os factos, no seu quesito 8°, que “por causa das férias do Ano Novo Chinês, o Escritório da Autora esteve fechado um período de tempo não concretamente apurado", reconhecendo a existência de um festival de tal modo importante que causasse um encerramento temporário, devia ter considerado o encerramento do escritório da autora no período de 13 a 22 de Fevereiro de 2018 como um facto do conhecimento geral que não carece de mais provas, nos termos do art. 434° do CC.
     44. Com efeito, não se verificou mora da ré tanto: 1) por existir acordo entre as partes relativamente ao tempo do pagamento, como também 2) por estar provado, como facto notório, que o escritório não estava aberto ao público durante o dito período.
     45. Os quesitos 1°A, 8° e 9° deviam ter sido considerados provados nos seguintes termos:
     - Quesito 1°A: Provado que Autora e Ré, consensualmente e sem oposição de nenhuma delas, sempre praticaram como método de pagamento a entrega em numerário dos montantes relativos à Renda na morada indicada no contrato de arrendamento, ou seja, na XXXXXXXX , Edf. XXXXX, 2° andar, Macau, não no dia 13 como consta do acordo escrito, mas depois de a ré ser informada pela autora das despesas de água e eletricidade feitas no locado.
     - Quesito 8°: Provado que por causa das férias do Ano Novo Chinês, o Escritório da Autora esteve fechado durante um período de tempo não concretamente apurado, mas pelo menos de 13 a 22 de Fevereiro de 2018.
     46. Com base nos quais o tribunal a quo devia ter concluído pela existência de um acordo entre as partes de pagar as rendas e os encargos apenas após comunicação da autora das despesas de água e electricidade, o que permite concluir que não houve mora por parte da Ré-devedora.
*
    A Recorrida, B, Limitada (B有限公司), veio, 23/07/2021, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 330 a 351, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. O recurso a que ora se responde tem por objecto a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo de 26 de Março de 2021 que condenou a Ré, ora Recorrente, ao pagamento dos montantes melhor identificados na decisão recorrida, considerando a Recorrente que a decisão em crise enferma de erro na apreciação da prova;
     2. E entendimento da Recorrida que o recurso interposto pela Recorrente está forçosamente condenado a não colher, dada a improcedência dos argumentos em si utilizados;
     3. Genericamente, a ora Recorrente fundamenta o seu recurso alegando que o Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação das provas reclamando que a decisão da matéria de facto quanto aos quesitos 1.°, 2.°, 3.°, 10.° e 11.°, por referência à alegada existência de mora do credor, e os quesitos 1.º-A e 8.°, relativamente à questão do alegado acordo sobre o tempo de pagamento das rendas e das datas do Ano Novo Chinês de 2018, deveriam ter sido decididos em sentido inverso;
     4. Assim, quanto à alegada mora do credor, a Recorrente assaca ao douto Tribunal a quo um erro na apreciação da prova porquanto considerou lícita a recusa da Recorrida em receber as rendas, reclamando, nesta sede, que a resposta dada aos quesitos 1.°, 2.°, 3.°, 10.° e 11.° deveria ser a inversa;
     5. As passagens escolhidas das mensagens trocadas entre as partes (ou associadas às partes) e, bem assim, passagens do depoimento da Sra. F, parecem selecionadas a dedo, descurando outras partes que tornam claro e manifesto que a decisão recorrida é isenta de erros e deverá ser mantida intacta, por correcta e de acordo com a factualidade produzida nos presentes autos;
     6. Tal como resulta das passagens selecionadas pela Recorrida, as alegações da Recorrente são totalmente infirmada pois, na verdade, ao contrário do alegado, não houve qualquer fuga à resposta por parte da Recorrente, sendo manifesto que tanto o representante da Autora como a funcionária desta, a Sra. C, informaram a Ré, ou a pessoa associada à Ré, ora Recorrente, que não aceitavam a dedução do montante das obras da renda devida pelo arrendamento;
     7. Pelo contrário, o que é provado - e à saciedade - é que a Sra. F e a Ré, mesmo sabendo que não era aceite a dedução na renda, optaram por deixar de pagar a renda mensal devida com o pretexto das obras de reparação ("Advogado da Autora: e a senhora Lei, qual é a reacção dela, foi pagar a renda ou continuou a pedir? C: continua a pedir.");
     8. Ademais, também não é verdade o que afirma a Recorrente nas suas alegações de recurso, quando refere que a Ré nunca disse que pretendia pagar apenas a renda deduzida das despesas de reparação. As passagens acima confirmam que esse foi o caso e, ademais, as regras da experiência também suportam essa conclusão, porque na verdade a Ré pura e simplesmente deixou de pagar todas as rendas mensais devidas, e não apenas a de Fevereiro onde o alegado problema se suscitou;
     9. De resto, o facto de a Autora ter um recibo correspondente à renda completa (e não deduzida) era indício mais do que suficiente de que não aceitava deduzir as despesas de reparação na renda;
     10. Nesse sentido, rejeita-se terminantemente a tentativa, vã, infrutífera e desesperada da Recorrente em descredibilizar o depoimento da testemunha C, até porque tudo quanto disse é igualmente suportado pela prova documental junta aos autos;
     11. Note-se, ademais, que não obstante tentar descredibilizar o depoimento da testemunha C, não deixa a Recorrente de se socorrer de passagens do seu testemunha - ao sabor da conveniência;
     12. Ora, tal como refere, e bem, a Recorrente, no início das suas alegações de recurso, "uma coisa é o pagamento da renda, e outra, o pagamento das despesas de reparação";
     13. Sendo tal facto amplamente reconhecido por ambas as partes, qualquer tentativa de justificar o não cumprimento da obrigação de pagamento das rendas mensalmente, tal como contratualmente acordado entre as partes, com o pagamento de uma outra obrigação relacionada com a existência de obras, é puramente descabida;
     14. Com efeito, a questão que se coloca - e, aliás, foi colocada nos presentes autos ad nauseum - é por que é que o pagamento das rendas não foi efectuado a partir de Fevereiro de 2018;
     15. Com excepção da renda e despesas de administração referentes ao mês de Outubro de 2018, pagas pontualmente aos mandatários da Autora, ora Recorrida, e as rendas e despesas de administração referentes aos meses de Novembro de 2019 a Novembro de 2020 que foram depositadas numa conta bancária aberta pela Ré em nome da Autora junto do BNU, todas as demais rendas e despesas de administração ou foram pagas extemporaneamente - como foi o caso das rendas e despesas de administração referentes aos meses de Fevereiro de 2018 a Setembro de 2018 -, ou não foram sequer pagas, apesar de a Ré, ora Recorrente, ter continuado a explorar a Fracção Autónoma e a usufruir da mesma na íntegra até recentemente - aliás, até ao momento, nenhum montante a título de renda e despesas de administração foi pago desde Dezembro de 2019 até recentemente, data da cessação do contrato de arrendamento;
     16. Assim, a questão controvertida no presente recurso prende-se com uma alegada mora do credor imputável à Autora, ora Recorrida, mas tal como resulta das passagens transcritas e ainda do conteúdo dos documentos juntos aos autos (Doc. n.º 1 e Doc. n.º 6), foi a Ré que permaneceu, e fez questão que tal situação se mantivesse, em circunstância de não pagamento das rendas e despesas de administração devidas, fazendo finca-pé para não pagar enquanto que a dedução das despesas de reparação fossem deduzidas e não a Autora, ora Recorrida, que incorreu em recusa ilícita de pagamento,
     17. Com o devido respeito, a factualidade dada como provada infirma a possibilidade de a Recorrida não ter motivo justificado para recusar o pagamento por parte da Recorrente;
     18. Nos termos do artigo 802.° do CC e artigo 753.° do CC, a obrigação deve ser paga na sua íntegra e não parcial, sendo que tal como resulta provado nos presentes autos, a prestação oferecida pela Ré jamais foi a prestação integral mas tão somente parte da mesma;
     19. Assim, e mesmo tomando como verdadeiro a existência de acordo entre Recorrida e Recorrente sobre a partilha do custo com as obras de reparação, essa putativa obrigação nada tem de ver com a obrigação de pagamento da renda e demais montantes acordados no contrato de arrendamento;
     20. De facto, a obrigação do locador a que corresponde o pagamento da renda e despesas de administração por parte do arrendatário é a de proporcionar o gozo integral da Fracção Autónoma e isso, como ficou provado, sucedeu;
     21. De resto, a Ré não só teve o gozo da fracção autónoma desde o início do Contrato de Arrendamento como até recentemente, aquando da sua cessação, não obstante a falta de pagamento dos montantes acordados, dela disfrutou incondicionalmente;
     22. A eventual obrigação de realização de obras por parte do locador, a existir, e o seu pagamento não têm, manifestamente, como contraponto ou obrigação correspectiva, a do pagamento da renda e dos montantes contratualmente acordados;
     23. A lei prevê mecanismos, perante situações de redução ou impedimento do gozo, para situações de redução da renda, como é o caso expressamente previsto no artigo 998.° do CC, onde se estipula que se o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta;
     24. A jurisprudência citada é lapidar quanto à questão dos presentes autos, ou seja, jamais a Recorrente poder-se-ia furtar ao cumprimento das suas obrigações de pagamento (da renda e das despesas de administração) contratualmente acordadas no contrato de arrendamento em virtude de um qualquer crédito que detivesse sobre o Recorrido, independentemente da sua origem ou montante, e como tal, a obrigação da Ré de pagar a renda e as despesas de administração sempre se mantém independentemente de outras obrigações do Autor (cuja existência, sempre se reitere, se disputa);
     25. Ademais, é pacifico nas doutrina e jurisprudência que a compensação de tais dívidas com créditos gerais está excluída, percebendo-se que a ratio de tal entendimento subjaz na ideia de impedir que um qualquer inquilino, arrogando-se um direito de crédito sobre o senhorio, independentemente do seu montante e da sua existência comprovada, de o poder opor à obrigação de pagamento da renda e outros montantes acordados, mantendo-se no gozo da coisa locada sem que cumpra a obrigação correspectiva a tal gozo;
     26. Como é óbvio, se não pode o inquilino, in casu a Recorrente, eximir-se ao pagamento da renda e das despesas de administração com fundamento na necessidade de realização de obras ou do seu pagamento, muito menos se poderá valer de tal facto para reclamar a existência de mora do credor, por alegada recusa de recepção dos montantes acordados a título de renda e de despesas de administração;
     27. De mais a mais, é firme convicção da Recorrida que, ainda que se considere a existência de acordo entre as partes relativamente às despesas efectuadas na coisa locada pela Recorrente, o alegado crédito desta sobre a Recorrida não contende com a sua obrigação mensal de pagamento das quantias acordadas;
     28. Ademais, ficou provado à saciedade, como decorre das resposta do douto Tribunal aos quesitos, que a Autora não recusou o pagamento da renda e das despesas de administração mas tão-somente, e de forma reiterada, uniforme, congruente e justificada, do montante reduzido proposto ser pago pela Ré;
     29. Sendo que tal pretensão - i.e., o pagamento dos montantes acordados deduzidos das despesas - foi reclamada pela Ré nos mesmos termos durante os meses seguidos, acompanhado da falta de pagamento das rendas e despesas de administração acordados pelas partes;
     30. Pelo que, por um lado, não poderá chegar-se a outra conclusão que não a de que a Ré incorreu em mora no pagamento das rendas e outras quantias acordadas;
     31. Por outro lado, que não ocorreu qualquer mora do credor assacável à Autora, ora Recorrida, na medida em que as obrigações em casa não são correspondentes e não é possível a compensação entre a dívida da Ré, ora Recorrente, e o seu alegado crédito;
     32. Ainda que se pudesse considerar a possibilidade de dedução de metade dos montantes suportados pela Recorrente - como considerou o douto Tribunal acordado pelas partes (convicção que, reitere-se, se disputa) - a possibilidade excepcional de dedução (operando-se uma o compensação de natureza excepcional), tal qual prevista no artigo 992.° do CC, não deixa margem para dúvidas que o seu campo de aplicação está restrito às obras identificadas nos artigos 990.° e 991.° do CC, ou seja, as obras de conservação extraordinária ou de beneficiação e de beneficiação e obras urgentes - não tendo, de resto, sido alegado qualquer facto no sentido de as obras em causa serem urgentes ou de conservação extraordinária ou de beneficiação;
     33. Pelo contrário, tanto quanto resultou dos depoimentos e testemunhos, ficou medianamente provado que se tratavam de obras de conservação ordinária, o que aliás é suportado pelo facto de, por um lado, as obras terem sido realizadas numa casa de banho - ou seja, em zona não essencial para o desenvolvimento da actividade explorada pela Ré na coisa locada -, e, por outro lado, por as obras serem de reduzida complexidade, tendo ficado identificadas e realizadas no mesmo dia em que se iniciaram. Assim, a possibilidade de usar a faculdade de compensação excepcional prevista no referido artigo 992.° do CC, permitindo a dedução directamente na renda, não se verificaria nos presentes autos;
     34. Mas, ainda que o douto Tribunal considere diferentemente, o que não se concede e apenas se admite por mera hipótese académica, jamais a possibilidade de compensação especial permitida à Ré poder-se-ia prolongar indefinidamente no tempo, pois chocaria que à liça das obras de reparação no montante de pouco de MOP2.3500,00, a Ré não pague atempadamente a renda e as despesas de administração - ou não pague de todo - desde Fevereiro de 2018 até Abril de 2021 (data da cessação do contrato), com excepção dos meses de Outubro de 2018 (recebido pela Autora) e de Novembro de 2018 a Novembro de 2019 (pagos mediante depósito tempestivamente);
     35. E nesse caso, verdadeiramente só poderia, em tese, considerar-se mora da Recorrida relativamente à primeira renda em que a Ré pretenderia deduzir da renda e das despesas de administração as despesas com as reparações;
     36. Donde resultaria - reitere-se, caso se considere que o artigo 992.° do CC poderia ter aplicação sub judice, o que não se concede nem admite - que as rendas e despesas de administração referentes a Março de 2018 até Setembro de 2018 foram todas pagas extemporaneamente (recorde-se que o seu depósito apenas ocorreu em Novembro de 2018) e que as rendas e despesas de administração referentes a Dezembro de 2019 até ao fim do contrato, ou seja, Abril de 2021, ainda se encontram por pagar, isto debalde a Ré continuar, a seu bel prazer, a deter o gozo sobre a Fracção Autónoma;
     37. Aliás, outra solução não se compreenderá, porque de outra forma estar-se-á a dar guarida a situações em que um inquilino, por arrogar a existência de uma dívida sobre o respectivo senhorio, simplesmente deixa de pagar a renda a partir desse facto, com fundamento em alegada mora do credor por o senhorio recusar o desconto ou dedução na obrigação de pagamento da renda (e outros montantes acordados);
     38. Como supra se disse, em situações dessas a lei já permite aos inquilinos reagir relativamente o não pagamento, e a compensação (salvo caso excepcional que não se verifica no presente caso) não é admitida entre a dívida de pagamento da renda e quaisquer outros créditos (de obras ou outros) do inquilino;
     39. Pelo que aqui chegados, carecem de total lógica e fundamento jurídico as propostas alterações ao teor das respostas aos quesitos 1.°, 2.°, 3.°, 10.° e 11.°, por as mesmas não terem qualquer suporte na prova produzida e carreada para os autos;
     40. Será caso para dizer que a errada apreciação da prova foi a feita pela Recorrente no presente recurso, pelo que, em suma, deverá o presente recurso ser, nesta parte, considerado totalmente improcedente e, nessa senda, ser mantida na integra a decisão recorrida, por inatacável e insusceptível de reparo;
     41. O outro fundamento de recurso mobilizado pela Ré, ora Recorrente, prende-se com a convicção formulada pelo douto Tribunal a quo na sentença recorrida relativamente a um alegado acordo entre as partes relativamente ao pagamento da renda apenas ocorrer após a Autora, ora Recorrida, proceder à comunicação das despesas da água e electricidade à Ré, ora Recorrente e, ademais, de que não ficou provado que o escritório da Autora, ora Recorrido esteve encerrado entre o dia 13 e o dia 22 de Fevereiro de 2018, na senda da resposta proferida pelo douto Tribunal a quo aos quesitos 1.º-A e 8.°;
     42. Com o devido respeito, também relativamente a esta parte entende a Recorrida que a decisão recorrida não é susceptível de ser posta em causa, devendo manter-se integralmente;
     43. A Recorrida conclui existir erro na apreciação da prova por parte do Tribunal a quo, requerendo que a resposta do quesito 1.º-A seja invertida no sentido de ter existido entre as partes um acordo nos termos do qual o pagamento das rendas devidas apenas ocorreria após comunicação das despesas com a água por parte de funcionária da Autora, ora Recorrida, à Sra. F, parceira de negócios da Ré, ora Recorrente, pessoa responsável pela exploração do cabeleireiro e pelo pagamento dos montantes referentes às rendas e outros encargos;
     44. Para o efeito, a Recorrida lança mão, de forma descontextualizada e incompleta, de uma passagem do depoimento prestado pela funcionária da Recorrida, a Sra. C, acerca da matéria;
     45. Não deixa de ser caricato que a Recorrida opte por não incluir nenhuma passagem adicional de tal testemunha, nomeadamente onde aquela afirma que preparava o recibo da renda (e só da renda) na data de vencimento do contrato (id est dia 13 de cada mês), ou onde distingue a renda desses encargos, ou ainda, e com mais relevo para o presente ponto, onde esta expressamente refere que as despesas relativas ao fornecimento de água tanto eram pagas com a renda, como mais tarde, por referência a esse mês, ou em conjunto com outros meses;
     46. Da mesma forma, é também curioso que a Ré, ora Recorrente, tenha igualmente omitido qualquer passagem do depoimento da Sra. F, ou seja, a pessoa que explorava o cabeleireiro e que era responsável pelo pagamento da renda e outros encargos relacionados com a referida actividade;
     47. Das passagens seleccionadas pela Recorrida, resulta de forma clara e manifesta que o único acordo existente entre as partes relativamente ao pagamento da renda era o que constava do contrato de arrendamento entre estas;
     48. De facto, não obstante em certas ocasiões a renda ter sido paga ao mesmo tempo com o pagamento das despesas da água, a verdade é que também o foi noutros momentos, não coincidentes com o momento, contratualmente acordado, do pagamento da renda;
     49. Nesse sentido, as passagens supra são impressivas, quer as da testemunha C quer, sobretudo, as da testemunha (e beneficiária da actividade formalmente em nome da Ré, ora Recorrente) F;
     50. Relativamente à Sra. C, não pode deixar de se salientar que esta era uma mera funcionária da Autora, ora Recorrida, relativamente à qual a Ré, ora Recorrente, pretende assacar responsabilidade de gestão e definição da politica negocial da Autora, nomeadamente que ela é que definia as regras do pagamento;
     51. Como resulta de forma óbvia das passagens supra, esta apenas tinha como responsabilidade receber a renda e pagar os respectivos recibos na "data de vencimento do contrato" e, bem assim, que recebia os encargos com a água, ou com a renda, ou noutros momentos, mas deixando claro que se tratava de coisas diferentes;
     52. Relativamente à segunda, a Sra. F, esta declarou que tanto pagou as despesas da água com a renda, como em momento posterior, como despesas de vários meses acumulados;
     53. Ademais, deixou de forma clara referido que nos casos em que não recebeu a comunicação das despesas da água sempre procedeu ao pagamento da renda, "em meados do mês", reconhecendo a diferente natureza - e prazo - das duas obrigações, a do pagamento da renda e a do pagamento dos encargos com a água;
     54. Pelo que, aqui chegados, não poderá, de modo algum, colher a argumentação da Recorrente no sentido de que havia um acordo para pagar a renda após a comunicação dos encargos com a água;
     55. Andou bem, portanto, nesta sede, o Tribunal a quo, devendo, assim, ser mantida a sua convicção e resposta ao quesito 1.º-A, improcedendo o recurso da Recorrente também nesta parte;
     56. Por sua vez, quanto a resposta ao Quesito 8.°, segundo a Recorrente, o facto de o escritório da Autora ter estado fechado no Ano Novo Chinês e as concretas datas em que tal sucedeu configura um facto notório porquanto o Ano Novo Chinês é um dos maiores festivais da sociedade e as suas datas são do conhecimento geral da população, o que torna tal circunstância um facto notório, nos termos e para os efeitos do artigo 434.° do CPC;
     57. Com o devido respeito, estamos em crer que a Ré, ora Recorrente, labora num erro de raciocínio lógico, pois apesar de não se discutir que o Ano Novo Chinês é uma das maiores festividades da sociedade colectiva de Macau e da China e, bem assim, as datas da sua comemoração anual sejam um facto notório, o que está em causa nestes autos não era saber isso mas sim apurar se durante essa celebração o escritório da Autora estava fechado e, em caso afirmativo, qual o período efectivo;
     58. Como é óbvio, o facto de o escritório da Autora ter estado fechado e as datas em que tal sucedeu não podem, de modo algum, ser considerados facto notório estando, portanto, sujeitas ao regime probatório normal prescrito nas regras jurídicas substantivas e adjectivas aplicáveis;
     59. Note-se que é a própria Recorrente que comprova isso mesmo, ao dizer, nas suas alegações, que "fazem parte do conhecimento geral da cultura chinesa e é comum o encerramento temporário das empresas durante esse período";
     60. Ora bem, se é comum, isso significa que não acontece com todos, nem acontece durante todo esse período, e inclusivamente haver escritórios, empresas, pessoas que trabalham durante esse período;
     61. Mas não deixa de ser relevante que a Recorrente, então Ré, não tenha suscitado essa questão aquando da seleção da matéria de facto. Com efeito, e como é consabido, os factos notórios não podem constar da base instrutória e só poderão constar da matéria de facto assente se forem alegado por qualquer uma das partes (cfr. Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Manual de Direito Processual Civil, 2.ª edição, 2008, pg. 402);
     62. Pois bem, não só Recorrente, então Ré, não alegou tal facto nos seus articulados como também, aquando da fase de reclamação do despacho saneador, não suscitou a questão, pelo que a alegação nesta sede apresenta-se sem cabimento, com finalidade totalmente dilatória;
     63. De todo o modo, sempre se diga que o dia 13 de Fevereiro de 2018 caiu numa 4.ª-feira, sendo que os feriados oficiais apenas se iniciariam a 16 de Fevereiro de 2018, sendo conhecida uma tolerância de ponto na parte da tarde de 15 de Fevereiro de 2018;
     64. Ou seja, ainda que se saiba que o Ano Novo Chinês é uma festividade de grandeza nacional de grande importância local, jamais se poderia considerar um facto notório que o escritório da Autora esteve fechado de 13 a 22 de Fevereiro de 2018, quando, de facto, as festividades do Ano Novo Chinês só se iniciaram verdadeiramente no dia 15 de Fevereiro de 2018;
     65. Pelo que, caem aqui também as alegações da Recorrente, totalmente infundadas, pelo que há de concluir-se que a decisão do Tribunal a quo nesta sede não merece qualquer reparo, devendo ser declarado improcedente o fundamento da Recorrente também nesta parte.
*
    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
  III – FACTOS ASSENTES:
    A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
     a) A Autora é dona da Fracção Autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXXX e inscrita a seu favor sob o n.º XXXXXG, designada por “AR/C”, do prédio denominado “Edifício XXXXX”, sito no XXXXXXXX, em Macau.
     b) Por escrito particular assinado em 30 de Novembro de 2016 a Autora deu de arrendamento à Ré a referida fracção autónoma.
     c) A referida Fracção Autónoma encontra-se inscrita na matriz predial sob o n.º XXXXX.
     d) A referida Fracção Autónoma foi dada de arrendamento com a finalidade de comércio, em particular para a exploração de um salão de cabeleireiro.
     e) O arrendamento tinha a duração de 2 anos, com início em 1 de Dezembro de 2016 e termo em 30 de Novembro de 2018, tendo renovado até 30 de Novembro de 2021.
     f) Nos termos da Cláusula 3.ª do Contrato, a Ré comprometeu-se a pagar mensalmente, no período compreendido entre 30 de Novembro de 2016 a 30 de Novembro de 2018, o montante de HKD14.000,00 (catorze mil Dólares de Hong Kong), equivalente a MOP14.420,00 (catorze mil quatrocentas e vinte Patacas) a título de renda mensal, acrescido da quantia de HKD10.000,00 (dez mil dólares de Hong Kong), equivalente a MOP10.300,00, a título de despesas mensais de administração do condomínio.
     g) No período entre 1 de Dezembro de 2018 e 30 de Novembro de 2020, a renda é de HKD16.000,00 (dezasseis mil Dólares de Hong Kong), equivalente a MOP16.480,00 (dezasseis mil quatrocentas e oitenta patacas) acrescido da quantia de HKD12.000,00 (doze mil Dólares de Hong Kong), equivalente a MOP12.360,00 (doze mil trezentas e sessenta patacas) a título de despesas mensais de administração do condomínio.
     h) No período de 1 de Dezembro de 2020 até 30 de Novembro de 2021, a renda é de HKD18.000,00 (dezoito mil Dólares de Hong Kong), equivalente a MOP18.540,00 (dezoito mil quinhentas e quarenta patacas) a título de renda mensal, acrescido da quantia de HKD15.000,00 (quinze mil Dólares de Hong Kong), equivalente a MOP15.450,00 (quinze mil quatrocentas e cinquenta patacas) a título de despesas mensais de administração do condomínio.
     i) Nos termos da Clásula 5.ª, as rendas e despesas mensais de administração do condomínio deveriam ser pagas antecipadamente, até ao dia 13 de cada mês.
     j) No dia 24 de Setembro de 2018, a Ré apresentou aos mandatários da Autora uma ordem de pagamento no valor de HKD192.000,00 (cento e noventa e dois mil Dólares de Hong Kong), equivalente a MOP197.760,00 (cento e noventa e sete mil setecentas e sessenta Patacas).
     k) A Ré, no dia 13 de Outubro de 2018, tinha entregue aos mandatários da Autora uma outra ordem de pagamento bancária como meio de pagamento da renda do mês de Outubro.
     l) A referida ordem bancária de pagamento foi aceite pela Autora e imputada ao pagamento da renda e das despesas mensais de administração do condomínio do mês de Outubro.
     m) Em Fevereiro de 2018 a Ré, deixou de proceder ao pagamento das quantias mensais contratualmente acordadas entre a Autora e a Ré (Quesito 1.º).
     n) Autora e Ré, consensualmente e sem oposição de nenhuma delas, sempre praticaram como método de pagamento a entrega em numerário dos montantes relativos à Renda na morada indicada no contrato de arrendamento, ou seja, na XXXXXXXX, Edf. XXXXX, 2º andar, Macau (Quesito 1.ºA).
     o) Desde Fevereiro de 2018 até à presente (com a excepção do mês de Outubro de 2018), a Ré deixou de realizar o pagamento de todas as rendas e despesas mensais de administração do condomínio (Quesito 2.º).
     p) A Ré foi, por diversas vezes, instada pela Autora a efectuar o pagamento dos montantes em falta, designadamente através do envio de uma carta de interpelação em 18 de Setembro de 2018 (Quesito 3.º).
     q) A Ré, à data da entrega da ordem de pagamento referida em j) (24/09/2018), não tinha pago as rendas e despesas relativas aos meses de Fevereiro a Setembro de 2018 (Quesito 4.º).
     r) Em data anterior a 24 de Dezembro de 2017 a Ré verificou que a casa de banho da Fracção se encontrava inoperacional, designadamente, a canalização da mesma se encontrava danificada, ou seja, ao puxar o autoclismo não havia sucção/vazamento (Quesito 5.º).
     s) A autora acordou com a ré que pagaria metade das despesas da reparação da referida anomalia de funcionamento da casa de banho, despesa que havia sido orçada em MOP4.700,00 com o acordo da autora (Quesito 6.º).
     t) O canalizador iniciou e terminou as obras de reparação em finais de Dezembro de 2017, tendo a Sra. F pago o montante de MOP4.700,00 no dia 26 de Dezembro de 2017 quando as obras já estavam concluídas (Quesito 7.º).
     u) Por causa das férias do Ano Novo Chinês, o Escritório da Autora esteve fechado um período de tempo não concretamente apurado (Quesito 8.º).
     v) A Ré, através da sua parceira de negócios Srª Lei (a testemunha F), dirigiu-se, em Fevereiro de 2018, ao local referido em n) onde era paga a renda pretendendo pagar a renda de Fevereiro de 2018 com dedução de metade das despesas referidas em s) e t). A pessoa empregada da autora que atendeu a Srª Lei em Fevereiro de 2018, a testemunha C1, tendo consigo o recibo da renda previamente preparado por outrem com o valor da renda integral, como tinha sido prática anterior, referiu-lhe não poder receber a renda com a referida redução e que ia averiguar de tal possibilidade junto de outros responsáveis da autora. Nunca os referidos responsáveis aceitaram tal possibilidade e a Srª Lei dirigiu-se em alguns dos meses posteriores ao local de pagamento da renda para pagar as rendas e a empregada da autora que a atendeu não tinha o recibo previamente preparado nem possibilidade de o emitir por tal tarefa competir a outras pessoas da autora e não recebeu as rendas (Quesitos 10.º e 11.º).
     w) No dia 26 de Outubro de 2018, os mandatários da Autora devolveram a ordem de pagamento entregue no dia 24 de Setembro de 2018 (Quesito 12.º).
     x) Em Novembro de 2018, a Ré abriu uma conta junto do Banco Nacional Ultramarino, em nome da Autora, de modo a depositar os montantes relativos às Rendas (Quesito 13.º).
     y) Desde Novembro de 2018 até Novembro de 2019, os montantes relativos às rendas foram depositados naquela conta à ordem da Autora (Quesito 14.º).
     z) A Autora foi informando da existência de depósitos de renda efectuados no BNU (Quesito 15.º).

* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
    A Recorrente/Ré começou por impugnar a matéria de facto, atacando as respostas dadas pelo Colectivo aos seguintes quesitos 1º, 2º , 3º, 10º e 11º (1ª Parte da impugnação), 1º-A, 8º e 9º (2ª Parte da impugnação):

    1ª Parte da impugnação:
  
1.º
Em Fevereiro de 2018 a Ré, deixou de proceder ao pagamento das quantias mensais contratualmente acordadas entre a Autora e a Ré?
  
2.º
Desde Fevereiro de 2018 até à presente (com a excepção do mês de Outubro de 2018,) a Ré deixou de realizar o pagamento de todas as rendas e despesas mensais de administração do condomínio?

3.º
A Ré foi, por diversas vezes, instada pela Autora a efectuar o pagamento dos montantes em falta, designadamente através do envio de uma carta de interpelação em 18 de Setembro de 2018?


(…)
10º
A Autora recusou-se de receber as rendas?

11º
A R. tentou pagar as rendas todos os meses desde Fevereiro de 2018 a Novembro de 2018 pelo método então acordado?

    2ª Parte da impugnação:
  
1.º-A
Autora e Ré sempre definiram e consentiram como método de pagamento a entrega em numerário dos montantes relativos à Renda na morada indicada no contrato de arrendamento, ou seja, na XXXXXXXXX, Edf. XXXXX, 2º andar, Macau, depois de a Ré ser informada pela Autora das despesas com consumo de água e electricidade feitas no locado?



Por causa das férias do Ano Novo Chinês, o Escritório da Autora encontrava-se fechado naquela altura (ou seja, entre 13 a 22 de Fevereiro de 2018)?


Por causa das férias do Ano Novo Chinês, a renda do mês de Fevereiro deveria ser liquidada logo após a reabertura do Escritório da Autora?
  
*
    A propósito da impugnação da matéria de facto, o legislador fixa um regime especial, constante do artigo 599º (Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto) do CPC, que tem o seguinte teor:
     1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
     a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
     b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
     2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
     3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
     4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º

    Ora, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
    É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.
*
    No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio1.
    É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
    Será com base na convicção desse modo formada pelo Tribunal de recurso que se concluirá ou não pelo acerto ou erro da decisão recorrida.
    Repita-se, ao Tribunal de recurso não compete reapreciar todas as provas produzidas e analisadas pelo Tribunal a quo, mas só aqueles pontos concretos indicados pelo Recorrente como errados ou omissos!
*
    Bem analisados os argumentos invocados e as versões das respostas que a Recorrente/Ré sugeriu, é fácil perceber que o que está em causa não é a errada apreciação das provas ou incorrectas respostas dadas pelo Colectivo, mas sim as respostas “desejadas” pela Recorrente (à maneira que lhe apeteça), ora, mesmo que fossem aceitas as respostas “sugeridas”, não se vê razão bastante para ser alterada a decisão do mérito.
    Vejamos então.
    1ª Parte da impugnação:
    A Recorrente/Ré sugeriu que as respostas devessem ter as seguintes redacções:
    Relativamente ao quesito 1º:
  

    Em Fevereiro de 2018 a Ré, deixou de proceder ao pagamento das quantias mensais contratualmente acordadas entre a Autora e a Ré?
     Provado que em Fevereiro de 2018, a Ré deixou de proceder ao pagamento das quantias mensais contratualmente acordadas entre a Autora e a Ré por a Autora não ter confirmado o montante a ser pago conforme o instruído pela Sra. C, não obstante as várias tentativas de contacto da Ré.

    Conforme o que foi alegado pela Recorrente, não resta dúvida que o que pretende é tentar obter uma versão que lhe seja favorável, mas ela não resulta dos elementos probatórios dos autos, mas sim do simples “querer” da impugnante, para além de não se compatibilizar com a lógica das coisas. Pois, pergunta-se, por causa de quatro mil e tal patacas emergentes da reparação de instalações, ela acha que ela própria tem razão justificativa para não pagar as rendas atempadamente? Mais, não são as palavras da Senhora C que determinavam as coisas, mas sim o conteúdo constante do contrato de arrendamento que a Recorrente assinou e sabe perfeitamente, sobretudo o tempo certo para cumprir as obrigações a que ela estava vinculada!
    Pelo que, na ausência dos elementos para sustentar factualmente a resposta querida pela impugnante, é de julgar improcedente a impugnação nesta parte.
*

    Relativamente aos quesitos 2º e 3º :
  
     Provado que desde Fevereiro de 2018 até à presente data (com a excepção do mês de Outubro de 2018), a Ré deixou de realizar o pagamento de todas as rendas e despesas mensais de administração do condomínio por a Autora não ter confirmado o montante a ser pago em Fevereiro de 2018 conforme o instruído pela Sra. C, não obstante as várias tentativas de contacto da Ré, e por a Autora ter recusado receber o pagamento de todas as rendas e despesas mensais de administração a partir de Fevereiro de 2018, não obstante as várias tentativas de pagamento da ré.
     - Quesito 3°: Provado que a Ré apenas foi instada pela Autora a efectuar o pagamento dos montantes em falta através do envio de uma carta de interpelação em 18 de Setembro de 2018.

    Pela mesma razão e lógica, a parte que a Recorrente pretende aditar é irrelevante, para além de falta de base factual para a sustentar. Pois não encontramos elementos nos autos que imponham necessariamente a versão pretendida pela Recorrente.
    Improcede assim esta parte de impugnação.
*
    Relativamente aos quesitos 10º e 11º:
     
    A resposta sugerida pela Recorrente é:
     - Quesito 10° e 11º:
     • Provado que a Ré, através da sua parceira de negócios Sra. F (a testemunha F), se dirigiu, em Fevereiro de 2018, ao local referido na resposta ao quesito n° 1-A onde era paga a renda pretendendo pagar a renda integral de Fevereiro de 2018, tendo perguntado pela possibilidade de dedução de metade das despesas referidas na resposta aos quesitos 6° a 7°.
     • Provado ainda que a pessoa empregada da autora que atendeu a Sra. F em Fevereiro de 2018, a testemunha C1 (a Sra. C), tendo consigo o recibo da renda previamente preparado por outrem com o valor da renda integral, como tinha sido prática anterior, lhe referiu não poder receber a renda com a referida redução por não corresponder ao montante constante de tal recibo previamente preparado, e que ia averiguar de tal possibilidade junto do Sr. D1, pelo que a Sra. F devia esperar pela resposta antes de proceder ao pagamento.
     • Provado ainda que nunca os referidos responsáveis aceitaram tal possibilidade, mas que nunca comunicaram tal conclusão à Ré nem à Sra. F, tanto pessoalmente como através da Sra. C, tendo a Sra. F se dirigido em alguns dos meses posteriores ao local de pagamento da renda para pagar as rendas e a empregada da autora que a atendeu, por não ter o recibo previamente preparado nem a possibilidade de o emitir por tal tarefa competir a outras pessoas da autora, não recebeu as rendas.

    Esta resposta, para além de extravagar o âmbito material dos 2 quesitos em causa, vem alterar a lógica das coisas. Se a pessoa contactada disse que não aceitou as alterações unilateralmente apresentadas pela Recorrente, então o que vale é o conteúdo constante do contrato de arrendamento! Não é aquilo que a Recorrente pensava que devia valer!
    Na falta de elementos probatórios para sustentar a versão defendida e para demonstrar o erro cometido pelo Colectivo, há de julgar improcedente esta parte de impugnação, mantendo-se as respostas dadas pelo Tribunal recorrido.
*

    2ª Parte da impugnação:
    
    Relativamente ao quesito 1º-A:

1.º-A
    Autora e Ré sempre definiram e consentiram como método de pagamento a entrega em numerário dos montantes relativos à Renda na morada indicada no contrato de arrendamento, ou seja, na XXXXXXXX, Edf. XXXXX, 2º andar, Macau, depois de a Ré ser informada pela Autora das despesas com consumo de água e electricidade feitas no locado?
    
    A resposta sugerida pela Recorrente é:
    
     Provado que Autora e Ré, consensualmente e sem oposição de nenhuma delas, sempre praticaram como método de pagamento a entrega em numerário dos montantes relativos à Renda na morada indicada no contrato de arrendamento, ou seja, na XXXXXXXX, Edf. XXXXX, 2° andar, Macau, não no dia 13 como consta do acordo escrito, mas depois de a ré ser informada pela autora das despesas de água e eletricidade feitas no locado.
  
    A mesma lógica impõe a mesma resposta negativa, pois o que a Recorrente pretende é através do acordo verbal (ainda por cima, que não foi chegado pelas partes iniciais do contrato de arrendamento) alterar o conteúdo das cláusulas do mesmo contrato, pode? Obviamente que não!
    A razão é muito simples: não deve atrasar o pagamento das rendas com a razão de que as despesas da electricidade e de água não fossem notificadas, porque estão em causa duas rubricas de despesas diferentes.
    Pelo que, improcede também esta parte de impugnação feita pela Recorrente.
*
    Relativamente aos quesitos 8º e 9º:

    Por causa das férias do Ano Novo Chinês, o Escritório da Autora encontrava-se fechado naquela altura (ou seja, entre 13 a 22 de Fevereiro de 2018)?

    Por causa das férias do Ano Novo Chinês, a renda do mês de Fevereiro deveria ser liquidada logo após a reabertura do Escritório da Autora?
  
    O Colectivo respondeu aos quesito da seguinte maneira:
     Por causa das férias do Ano Novo Chinês, o Escritório da Autora esteve fechado um período de tempo não concretamente apurado (Quesito 8.º)
  
    A resposta sugerida pela Recorrente é:
     Provado que por causa das férias do Ano Novo Chinês, o Escritório da Autora esteve fechado durante um período de tempo não concretamente apurado, mas pelo menos de 13 a 22 de Fevereiro de 2018.
  
    O que a Recorrente pretende é empurrar a sua responsabilidade, alegando que no período de 13 a 22 de Fevereiro de 2018 o escritório encontrava-se encerrado. Mais uma vez, a versão alegada não tem lógica, pois, ela, a Recorrente, sabe que o dia 13 é o dia de pagamento de rendas, e depois a seguir vinham as férias do ano novo chinês, em nome da boa fé, ela devia pagar ou antes ou no dia 12, ou procurava saber quando o escritório da Autora se encontrava fechado. Nada isto foi feito. E, mesmo que seja acolhida a versão sugerida, a decisão final não será alterada por falta de elementos probatórios nesse sentido.
    Pelo que, a versão pretendida não nos convence, para além de não ter base factual nos autos.
    Assim, improcede igualmente esta parte de impugnação da matéria de facto.
  
    Resolvidas as questões ligadas à impugnação da matéria de facto, passemos a ver o mérito da decisão ora posta em crise.
*
    Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:

     I – RELATÓRIO
     Alegando que, como senhoria, celebrou com a ré, como inquilina, um contrato de arrendamento para comércio e que a ré, em Fevereiro de 2018, deixou de pagar as rendas e encargos com o locado correspondentes a despesas de administração do condomínio, veio B LIMITADA, sociedade comercial com sede na RAEM, intentar a presente acção declarativa que segue termos sob a forma ordinária de processo comum contra A, com outros elementos de identificação nos autos, pretendendo a condenação da ré a pagar as quantias em dívida, as que se vençam futuramente e indemnização moratória correspondente ao valor das rendas e a juros legais sobre as referidas despesas de administração do condomínio.
     
     Contestou a ré e, em suma, disse que as partes definiram como método de pagamento das rendas, não o constante do contrato escrito (dia 13 de cada mês), mas o pagamento após prévia comunicação pela autora à ré do cálculo das despesas com água e electricidade no locado e disse ainda que sempre quis pagar as rendas e os encargos e para isso se deslocou várias vezes, como costumava fazer antes, aos escritórios da autora, mas a ré não quis receber, ocorrendo mora do credor e não mora do devedor.
     Mais concretamente disse a ré que, por ter suportado despesas com o pagamento de obras realizadas no locado e por a autora se ter comprometido a reembolsar metade das referidas despesas, quando foi pagar a renda de Fevereiro de 2018 nos termos que costumava ser paga, no dia 22 de Fevereiro de 2018, porquanto os escritórios da autora estiveram fechados entre 13 e 22, perguntou à empregada da autora se poderia deduzir na renda as despesas a cargo da autora, tendo a empregada referido que ia averiguar junto da autora, mas nunca tendo dado resposta apesar de questionada várias vezes nem tendo recebido as rendas que a ré posteriormente pretendeu pagar nos termos em que vinha fazendo, tendo a ré ficado surpreendida quando recebeu carta dos mandatários da autora a interpelá-la para pagar rendas com indemnização moratória e tendo-lhes entregue ordem de caixa para pagamento das rendas em singelo, que aqueles mandatários recusaram receber e tendo a ré passado a depositar as rendas em conta bancária à ordem da autora, com excepção da renda de Outubro de 2018 que a autora aceitou receber.
     Na contestação a ré ainda requereu a intervenção principal da pessoa que tentou pagar as rendas (F) dizendo que era ela quem usufruía o locado.
     
     Na réplica que apresentou, além de se bater pela improcedência do incidente de intervenção de terceiros, a autora impugnou a matéria das excepções invocadas na contestação, negou a existência de qualquer acordo de pagamento das despesas com obras no locado e negou que tivesse sido informada do depósito das rendas.
     
      Por despacho de fls. 148 foi julgado improcedente o incidente de intervenção de terceiros.
     
     A fls. 157 a 159 foi proferido despacho saneador e de selecção da matéria de facto relevante.
     
     Procedeu-se a julgamento.
     *
     II – SANEAMENTO
     A instância mantém-se válida e regular como decidido no despacho saneador.
     *
     III – QUESTÕES A DECIDIR
     Do exposto resulta que as questões a decidir consistem em saber se ocorreu mora da ré no cumprimento da sua obrigação de pagar a renda e as outras quantias acordadas correspondentes a encargos com a coisa locada e, caso se conclua pela ocorrência da mora, consistem ainda em saber quais as consequências de tal mora para o devedor.
     *
     IV – FUNDAMENTAÇÃO
     A) – Motivação de facto
     Estão assentes os seguintes factos:
     (...)
     
     B) – Motivação de direito
     Entre autora e ré foi celebrado um contrato de arrendamento para comércio. Não há controvérsia entre as partes quanto a esta qualificação nem se vêm razões para dúvidas, razão por que não há outras considerações a fazer sobre a questão.
     
     A autora afirma que a ré está em mora quanto ao cumprimento da sua obrigação de pagar as rendas e a quantia relativa a despesas de administração do condomínio e pretende a condenação da ré a cumprir e a indemnizar em consequência do atraso no cumprimento. A ré afirma que é a autora que está em mora creditoris, embora não tenha pedido a título reconvencional indemnização com fundamento na mora da autora.
     Ambas as partes se acusam mutuamente de incumprirem os respectivos deveres contratuais relativos ao cumprimento da obrigação da ré de pagar as rendas. A autora diz que a ré não pagou no tempo e local acordados no contrato e a ré diz que quis pagar e que a autora não recebeu. A autora acusa a ré de usar um falso pretexto para não pagar: a compensação de despesas que fez com obras no locado. A ré acusa a autora de aproveitar o pedido de compensação para, protelando a resposta, criar a aparência de que a ré está em mora e, assim, receber indemnização moratória. Ambas as partes qualificam a actuação da outra de ardilosa e desleal.
     
     Vejamos.
     Diga-se antes de mais que a prestação da ré que a autora afirma incumprida tem dois componentes distintos: a renda e os encargos da coisa locada relativos a despesas de administração do condomínio. Diga-se também que tais componentes da prestação têm regimes jurídicos diferentes, no que respeita à mora e às consequências desta, sendo que também os pedidos da autora são diferentes no que tange às consequências da mora, embora a causa de pedir seja igual no que respeita à constituição da situação moratória. Por isso se apreciará separadamente a controvérsia no que tange às rendas e no que tange aos encargos com o locado.
     
     Quanto às rendas.
     É obrigação do arrendatário pagar a renda no tempo e no local acordados (arts. 983º, al. a) e 993º do CC).
     Está provado que a ré não pagou no tempo e local acordados no contrato as rendas relativas a Fevereiro de 2018 e aos meses posteriores, com excepção de Outubro de 2018. Com efeito, a ré aceitou tal falta e assim consta das alíneas m), o), q), da factualidade provada. Por outro lado, a ré não logrou provar que acordou com a autora que a renda seria paga, não no dia 13 como consta do acordo escrito, mas após comunicação da autora das despesas de água e electricidade, nem logrou provar que os escritórios da autora estiveram fechados entre o dia 13 e o dia 22 de Fevereiro de 2018.
     Em certos casos o atraso no cumprimento das obrigações configura mora e cria para o contraente atrasado o dever de indemnizar.
     A mora do devedor, ou atraso no cumprimento, ocorre se a prestação, ainda possível, não for efectuada no tempo devido por causa imputável ao devedor (artº 793º, nº 2 do CC).
     Incumbe ao devedor alegar e provar que a falta de cumprimento não depende de culpa sua, que a falta não lhe é imputável (art. 788º, nº 1 do CC). Designadamente, como forma de demonstrar que a falta de cumprimento não depende de culpa sua, ou não lhe é imputável, incumbe-lhe alegar e provar, sendo caso disso, que ofereceu a prestação ao credor e que este a recusou em situação que não podia recusar. É que esta factualidade tem efeitos impeditivos do direito à indemnização moratória e configura excepção peremptória cujo ónus de alegação e prova recai sobre aquele contra quem o direito a indemnização é invocado (art. 335º, nº 2 do CC).
     Cabe, pois concluir que a ré não pagou a renda de Fevereiro de 2018 no tempo e local devidos e presume-se que a sua falta lhe é censurável, que podia ter actuado como devia, pagando a renda em tempo, presumindo-se, pois, a culpa ou nexo subjectivo de ligação entre o agente e o seu indevido facto, o atraso no pagamento.
     Ocorre, pois, mora da ré, a qual não cessou porquanto nenhum facto foi praticado que tivesse eficácia suficiente para a fazer cessar, designadamente as tentativas da ré de pagar as rendas sem qualquer indemnização moratória. Com efeito, sem que a ré pague ou deposite as rendas em dívida e a indemnização moratória, a mora não cessa (art. 996º, nº 3 e 997º do CC).
     Como a própria ré afirma, em conformidade com o alegado pela autora na petição inicial, o pagamento da renda de Fevereiro de 2018 foi oferecido com atraso em relação à data acordada2 – dia 13 – e, apesar de a ré ter dito que o atraso foi devido a estarem fechados os escritórios da autora por altura das festividades do ano novo chinês, não logrou provar este facto. A renda era devida no dia 13 e a ré alegou que a ofereceu no dia 22, pelo que, mesmo que se tivesse provado que a renda foi oferecida no dia 22, a ré não poderia beneficiar da regra especial provinda do regime do contrato de locação que dispõe que cessam os efeitos da mora se o locatário a fizer cessar no prazo de oito dias a contar do começo (art. 996º, nº 2 do CC). Entre 13 e 22 decorreram mais de oito dias.
     Enquanto não forem pagas as rendas anteriormente devidas e a indemnização consequente ao atraso no pagamento, o senhorio pode recusar o pagamento das rendas seguintes, sendo as mesmas consideradas em dívida, inclusivamente para efeitos resolutórios e moratórios – art. 996º, nº 3 do CC. Assim, é lícita a recusa da autora em receber as rendas, quer tacitamente não providenciando recibos nem dando resposta cabal aos pedido da ré de compensação de um crédito muito inferior à renda de um mês e à respectiva indemnização moratória, quer formalmente com devolução da ordem de caixa que a ré lhe entregou para pagamento das rendas em singelo. É que a ré não demonstrou que pretendeu pagar as rendas e a indemnização e, portanto, qualquer recusa da autora em receber não constitui mora do credor, uma vez que o credor só incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação (art. 802º do CC) e a autora tinha motivo justificado para recusar as rendas.
     Assim, nos termos do disposto no nº 3 do art. 996º do CC, todas as rendas são consideradas em dívida para efeitos da pretendida indemnização moratória, com excepção da renda de Outubro de 2018 que a autora aceitou.
     
     A mora do locatário tem como consequência a constituição na esfera jurídica do locador do direito a receber, além da renda em dívida, metade do seu valor ou a sua totalidade conforme a mora não exceda ou exceda trinta dias. Ora, com excepção da renda do corrente mês de Março de 2021, todas as rendas em dívida estão em mora há mais de 30 dias.
     
     No que respeita às rendas vencidas antes da propositura da acção, procede a pretensão da autora por força da regra sobre a eficácia dos contratos constante do art. 400º do CC, devendo os mesmos ser pontualmente cumpridos.
     
     No que respeita às rendas vencidas após a propositura da acção, à respectiva indemnização e às rendas ainda vincendas até ao termo do contrato, tendo em conta a referida eficácia dos contratos, não se vê como negar a procedência desta pretensão, que, tratando-se de obrigação ainda não vencida, apenas poderia ter efeito quanto a custas se a ré a não contestasse (art. 565º do CPC). No pedido que formulou (al. d) da parte final da petição inicial), a autora fala em resolução do contrato, mas vê-se claramente que se trata de manifesto lapso de escrita, pois não pediu a resolução. Trata-se, pois, de termo do contrato e não de resolução.
     Porém, quanto à condenação em indemnização moratória para o caso de a ré vir a incorrer futuramente em mora será uma condenação condicional, pois não se sabe se tal mora irá ocorrer. É diferente de condenação no cumprimento de obrigação ainda não vencida mas que já se sabe que existe. Não pode, pois, ser proferida a pretendida condenação condicional em indemnização moratória.
     
     Quanto aos encargos com a coisa locada.
     Nos termos do disposto nos arts. 984º a 986º do CC, as partes podem transferir para o locatário os encargos da coisa locada, tais como as despesas de condomínio. Foi precisamente isso que autora e ré acordaram, como consta das alíneas f), g) e h) da factualidade provada.
     A obrigação de pagar os encargos com a coisa locada tem regime diverso da obrigação de pagamento da renda, que, como se viu, partilha do regime especial do contrato de locação. Com ligeiras excepções, a obrigação de pagar os encargos com a coisa locada tem o regime geral das obrigações. Assim, designadamente, a respectiva mora não tem a correspondente obrigação de indemnizar fixada em metade ou na totalidade da quantia em dívida, como acontece com a obrigação de pagar a renda, nem a mora relativa ao pagamento de um determinado encargo concede ao credor o direito de recusar o pagamento dos demais.
     
     Provou-se que a ré não pagou os encargos com a coisa locada a cujo pagamento se havia obrigado contratualmente. Também se presume a culpa da ré pela falta de pagamento. Porém, provou-se que a ré ofereceu o seu pagamento ainda em Fevereiro, relativamente ao que era devido nesse mês, pelo que a autora não se podia ter recusado a recebê-lo. Como a ré não provou o dia de Fevereiro de 2018 em que ofereceu o pagamento e lhe cabia fazer tal prova, há-de concluir-se que a sua mora ocorreu entre o dia 14 e o dia 28 e que cessou aí por se verificar mora do credor, pois que, nos termos do art. 802º do CC, este incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação. Provou-se que, depois, em Setembro de 2018 a autora voltou a interpelar a ré para o pagamento, mas não se provou o dia em que a ré foi interpelada, mas apenas o dia em que a autora lhe enviou uma carta. Provou-se também que a ré tentou pagar em Setembro através de uma ordem bancária de caixa. Porém juntou as rendas e os encargos num mesmo meio de pagamento, pelo que a autora para exercer o seu direito de recusar as rendas que lhe eram pagas sem indemnização moratória, não poderia aceitar uma parte da ordem de caixa e recusar outra. Em 24/09/2018, dia que se sabe que a ré fora interpelada, voltou, pois a ocorrer mora da ré relativamente à dívida de encargos do mês de Fevereiro. E não se provou qualquer outro facto capaz de ter feito cessar esta mora, designadamente o depósito bancário.
     Quanto aos encargos relativos aos demais meses de duração do contrato, com excepção do mês de Outubro de 2018 em que não ocorreu mora do credor, não ocorre qualquer facto capaz de fazer cessar a mora da ré. Mesmo tendo-se provado que depois de Fevereiro de 2018 a ré tentou pagar e não conseguiu, não se provou a data em que isso ocorreu e, tendo sido a ré novamente interpelada por carta de 18/09/2018, não fez cessar a mora, como referido.
     Trata-se de uma obrigação pecuniária, que, como acordado, devia ser cumprida no dia 13 de cada mês. A mora inicia-se, pois, no dia 14, nos termos do disposto no art. 794º, nº 2, al. a) do CC.
     A mora do devedor constitui-o na obrigação de reparar os danos causados ao credor (art. 793º, nº 1 do CC).
     Sobre o montante da obrigação tem a autora direito a receber juros moratórios desde a data da constituição em mora. Terá a ré de ser condenada na indemnização moratória (art. 787º e 793º CC), que no caso das obrigações pecuniárias, como é a dos autos (art. 543º e segs. CC), corresponde aos juros legais, salvo se antes da mora for devido juro mais elevado, designadamente remuneratório, ou se o lesado demonstrar que a mora lhe causou prejuízos superiores aos juros referidos (art. 795º CC). No caso dos autos, a autora peticionou os juros à taxa legal para as obrigações não comerciais, que disse ser de 9,75%. Depois, nas alegações de direito, referiu-se à taxa legal para as obrigações comerciais. As alegações de direito não são o local adequado para modificar o pedido, razão por que, a pretendida modificação não pode ser atendida, nos termos do disposto no art. 217º, nº 2 do CPC.
     Conclui-se, pois que a autora tem direito a receber os juros de mora à taxa legal sem o acréscimo relativo às obrigações comerciais e durante o período em que ocorrer tal mora.
     Não tendo sido pedidas prestações vincendas, procede, também por força da regra sobre a eficácia dos contratos, a pretensão da autora no que respeita às prestações vencidas antes da propositura da acção.
     No que respeita à indemnização por falta de pagamento das prestações de encargos de condomínio vencidas até à propositura da acção, procede a pretensão da autora nos termos sobreditos. Porém, a autora calculou os juros de mora vencidos até à propositura da acção e pediu que sobre eles se vencessem juros de mora (al. b) da parte final da petição inicial). Capitalizou, pois os juros. Porém a capitalização de juros só é possível havendo convenção escrita (art. 554º do CC). Não procede, pois, a pretensão de anatocismo.
     
     Procede, assim, nos termos sobreditos esta parte da pretensão da autora.
     *
     Como a ré não invocou a compensação como excepção relativamente ao montante da dívida, mas apenas para obstar à procedência da mora do devedor, pois que apenas a invocou na tentativa de demonstrar a mora do credor, e tendo já sido conhecida na medida exceptiva invocada, não há que conhecer de tal excepção enquanto eficaz para redução do crédito da autora, sem prejuízo de a ré a exercer extrajudicialmente ou noutras instâncias, querendo. Com efeito, se o tribunal considerar a compensação com a faceta não alegada excede os seus poderes de cognição.
     *
     Tendo a ré procedido ao depósito bancário à ordem da autora das rendas e encargos do locado relativos aos meses de Fevereiro de 2018 a Setembro de 2018 e aos meses de Novembro de 2018 a Novembro de 2019, estão estes montantes na disponibilidade da autora e só da autora, razão por que terão se ser considerados já pagos. Na verdade a imputação deste pagamento parcial ao valor global em dívida deve ser feita nos termos do disposto no art. 772º, nº 1 do CC e deve entender-se que foi essa a designação da ré devedora. Porém, para efeitos de cessação da indemnização moratória, apenas poderão ser considerados a partir da data da presente sentença, pois que se desconhece a data em que a autora teve conhecimento de tais depósitos.
     Considerando que a autora não pediu a condenação da ré no pagamento das prestações vincendas após a entrada da petição inicial em juízo (21/01/2019) a título de encargos do locado com administração do condomínio e considerando que as prestações peticionadas já se mostram depositadas, a ré não deve ser condenada no pagamento de qualquer uma destas prestações.
     *
     V – DECISÃO
     Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência:
     
     1) Condena-se a ré a pagar à autora, a título de rendas vencidas e vincendas não pagas, a quantia de HKD16.000,00 (dezasseis mil dólares de Hong Kong) por cada um dos meses de Dezembro de 2019 a Novembro de 2020 e a quantia de HKD18.000,00 (dezoito mil dólares de Hong Kong) por cada um dos meses de Dezembro de 2020 até cessar o contrato de arrendamento entre autora e ré;
     
     2) Condena-se a ré a pagar à autora, a título de indemnização por atraso no pagamento das rendas, as seguintes quantias:
     - A quantia de HKD14.000,00 (catorze mil dólares de Hong Kong) por cada um dos meses de Fevereiro de 2018 a Novembro de 2018;
     - A quantia de HKD16.000,00 (dezasseis mil dólares de Hong Kong) por cada um dos meses de Dezembro de 2018 a Novembro de 2020;
     - A quantia de HKD18.000,00 (dezoito mil dólares de Hong Kong) por cada um dos meses de Dezembro de 2020 a Fevereiro de 2021;
     - A quantia de HKD9.000,00 (nove mil dólares de Hong Kong) pelo corrente mês de Março de 2021.
     
     3) Condena-se a ré, a título de indemnização moratória relativa ao incumprimento da prestação de Fevereiro de 2018 consistente nos encargos do locado com despesas de condomínio, a pagar à autora juros de mora à taxa legal contados desde o dia 14 até ao dia 28 de Fevereiro de 2018 e desde o dia 24 de Setembro de 2018 até à data da presente sentença, sobre a quantia de HKD10.000,00 (dez mil dólares de Hong Kong);
     
     4) Condena-se a ré, a título de indemnização moratória relativa ao atraso no cumprimento das demais prestações mensais correspondentes aos encargos com o condomínio que se venceram após Fevereiro de 2018 até à entrada da petição inicial em juízo (21/01/2019), a pagar à autora juros de mora à taxa legal contados desde a data do início da mora de cada uma dessas prestações (o dia 14 do mês a que respeitam) até à data da presente sentença, nos seguintes termos:
     - Quanto às prestações dos meses de Março a Novembro de 2018, inclusive, sobre a quantia mensal de HKD10.000,00 (dez mil dólares de Hong Kong);
     - Quanto às prestações dos meses de Dezembro de 2018 a Janeiro de 2019, inclusive, sobre a quantia mensal de HKD12.000,00 (doze mil dólares de Hong Kong);
     
     5) Absolve-se a ré dos demais pedidos formulados pela autora.
     
     Custas a cargo de autora e ré na proporção de 2/8 para a primeira e 6/8 para a segunda.

*
    Quid Juris?
    Ora, como a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo não foi alterada, e também não encontramos erros na aplicação de direito, , é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a sentença recorrida
    
*
    Síntese conclusiva:
    I – A impugnação da matéria de facto em sede de recurso tem que ser feita nos termos fixados no artigo 599º do CPC, sob pena de o recurso ser rejeitado por incumprir o ónus especificadamente aí consagrado.
    II - Em matéria de arrendamento de imóvel e no que se refere ao pagamento de rendas, a mora do devedor, ou atraso no cumprimento, ocorre se a prestação, ainda possível, não for efectuada no tempo devido por causa imputável ao devedor (artº 793º, nº 2 do CCM).
     III - Incumbe ao devedor alegar e provar que a falta de cumprimento não depende de culpa sua, que a falta não lhe é imputável (art. 788º, nº 1 do CCM). Designadamente, como forma de demonstrar que a falta de cumprimento não depende de culpa sua, ou não lhe é imputável, incumbe-lhe alegar e provar, sendo caso disso, que ofereceu a prestação ao credor e que este a recusou em situação que não podia recusar. É que esta factualidade tem efeitos impeditivos do direito à indemnização moratória e configura excepção peremptória cujo ónus de alegação e prova recai sobre aquele contra quem o direito a indemnização é invocado (art. 335º, nº 2 do CCM).
    IV – No que respeita aos encargos do locado, nos termos do disposto nos arts. 984º a 986º do CCM, as partes podem transferir para o locatário os encargos da coisa locada, tais como as despesas de condomínio. Foi precisamente isso que autora e ré acordaram, como consta da matéria factual assente. A obrigação de pagar os encargos com a coisa locada tem regime diverso da obrigação de pagamento da renda, que partilha do regime especial do contrato de locação.
    V - Com ligeiras excepções, a obrigação de pagar os encargos com a coisa locada tem o regime geral das obrigações. Assim, designadamente, a respectiva mora não tem a correspondente obrigação de indemnizar fixada em metade ou na totalidade da quantia em dívida, como acontece com a obrigação de pagar a renda, nem a mora relativa ao pagamento de um determinado encargo concede ao credor o direito de recusar o pagamento dos demais.
*
    Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
*
    Custas pela Recorrente, sem prejuízo da isenção decorrente de apoio judiciário concedido.
*
    Registe e Notifique.
*
RAEM, 02 de Dezembro de 2021.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong




1 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
2 Facto a considerar nos termos do disposto no art. 562º, nº 2 do CPC.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------





2021-794-arrendamento-impugnar-factos 43