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Processo nº 139/2020 Data: 14.07.2021
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : Recurso para o Tribunal de Segunda Instância.
Omissão de pronúncia.
Nulidade.
“Decisão por remissão”.
(art. 631°, n.° 5 do C.P.C.M.).



SUMÁRIO

1. Ocorre “nulidade” por “omissão de pronúncia” quando o Tribunal não se pronuncia sobre questão que lhe cabia conhecer e decidir; (cfr., art. 571°, n.° 1, al. d) do C.P.C.M.).

2. Verificando-se que impugnadas foram várias respostas pelo Tribunal Judicial de Base dadas a quesitos da base instrutória, e que na apreciação do recurso o Tribunal de Segunda Instância nada disse em relação a uma delas, inegável é que se incorreu na dita “omissão de pronúncia” que acarreta a nulidade do Acórdão proferido.

3. Se a decisão recorrida apreciou e decidiu “questões” que voltam a ser (re)colocadas no recurso, possível é a sua “decisão por remissão”, (nos termos do art. 631°, n.° 5, do C.P.C.M.).

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 139/2020
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), propôs no Tribunal Judicial de Base acção declarativa comum sob a forma de processo ordinário contra B (乙), ambos com os sinais dos autos, pedindo a final, que se decidisse:

“- anular as compras e vendas celebradas por escrituras públicas de 20 de Julho de 2016, (…), com o consequente cancelamento das inscrições n.° XXXXXXG e n.° XXXXXXG de 26 de Julho de 2016 da Conservatória do Registo Predial de Macau; e, subsidiariamente,
- condenar a R. a restituir ao A., a título de enriquecimento sem causa, os imóveis objecto das ditas escrituras públicas (…); ou,
- condenar a R. no pagamento ao A. do valor de mercado das fracções ora em causa na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, a quantificar em incidente de liquidação ou em execução de sentença, acrescido de juros moratórias à taxa legal até integral pagamento (ou, no pagamento ao A. da quantia de MOP$2.884.000,00, acrescida de juros moratórios à taxa legal contados desde a data da citação)”; (cfr., fls. 2 a 6 que como as que se vierem a referir dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, proferiu-se sentença julgando-se a acção improcedente e absolvendo-se a R. dos pedidos pelo A. deduzidos; (cfr., fls. 342 a 350-v).

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Inconformado, o A. recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 26.03.2020, (Proc. n.° 1260/2019), julgou improcedente o recurso; (cfr., 501 a 521-v).

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Do assim decidido, o A. recorreu para esta Instância.

Conclui a sua motivação dizendo:

“a) O TSI negou provimento ao recurso lançando mão do disposto no art.° 631.°, n.° 5, do CPC.
b) O Recorrente impugnou as respostas dadas pelo Tribunal de 1.ª instância aos quesitos 2.°, 5.°, 10.°, 14.° e 15.°, sendo que, no tocante aos quesitos 2.°, 10.° e 14.°, fê-lo com recurso à prova gravada.
c) O TSI não se pronunciou sobre a impugnação da resposta dada pelo Tribunal de 1.ª instância ao quesito 10.°, omitindo por completo uma decisão sobre a questão.
d) O acórdão recorrido não fez uma análise concreta dos meios probatórios em causa, fazendo tábua rasa da circunstância do Recorrente ter impugnado as respostas aos quesitos 2.°, 10.° e 14.° com recurso à prova gravada.
e) Não tendo o acórdão recorrido feito a análise crítica das provas, porque dele resultar não ter sido ponderada a prova gravada, o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia - art.° 571.°, n.° 1, alínea d), ex vi art.° 633.°, n.° 1, ambos do CPC.
f) As questões suscitadas nas alíneas h) a v), bb) e cc) das conclusões do recurso da sentença, foram deduzidas pela primeira vez nos autos por via do recurso, precisamente porque a alegação dessas questões foi feita em resultado da decisão proferida em 1.ª instância.
g) O acórdão recorrido não podia, por isso, fundamentar-se na decisão da 1.ª instância ao abrigo do disposto no art.° 631.°, n.° 5, do CPC, porque tal faculdade pressupunha que as questões levantadas no recurso tivessem sido analisadas na decisão recorrida.
h) O que também configura omissão de pronúncia - art.° 571.°, n.° 1, alínea d), ex vi art.° 633.°, n.° 1, ambos do CPC.
i) Consequentemente, o acórdão recorrido deverá ser anulado e o processo mandando baixar, a fim de se fazer a reforma da decisão anulada - art.° 651.°, n.° 2, do CPC.
Cautelarmente, para o caso de se entender que o acórdão não é nulo,
j) Tal como o ora Recorrente configurou a acção, no caso sub judicie estava em causa apurar se se verificava um vício da vontade, seja na modalidade de erro-vício ou na modalidade de erro sobre a base negocial.
k) O Tribunal de 1.ª instância considerou, na esteira de MANUEL DE ANDRADE, que o erro pressupõe 3 elementos: i) determinada circunstância de facto ou de direito; ii) representação dessa circunstância pelo declarante; e iii) falta de correspondência entre a representação e a circunstância.
l) O Tribunal 1.ª instância reconheceu, e bem, que a representação do Autor era efectivamente no sentido de que o divórcio seria formalizado nos termos acordado(s) entre as partes, porque a Ré actuaria em conformidade com o estabelecido no acordo.
m) A propósito da representação da circunstância de facto pelo declarante, a decisão impugnada reconhece que essa representação assentava num acordo celebrado entre o Recorrente e a Recorrida.
n) O acordo em que assentou a representação do declarante, é precisamente aquele a que referem os factos dados como provados em resposta aos quesitos 1.°, 2.°,4.°, 11.°, 13.° e 15.° da base instrutória.
o) Precisamente por porque estes factos foram dados como provados, não se compreende que na sentença se aluda, com referência ao ora Recorrente, que nunca afirmou que, antes da transmissão ou quando a transmissão teve lugar, a Ré tinha ou não intenção de cumprir o acordo divorciando(-se) do Autor por mútuo consentimento.
p) Ao contrário do que consta da fundamentação jurídica da decisão impugnada, ficou apurada a atitude da Recorrida antes da declaração de transmissão dos imóveis, tal como o Tribunal considerou que urgia apurar.
q) E a atitude da Recorrida antes da transmissão dos imóveis era a de se divorciar por mútuo consentimento do Recorrente, como contrapartida dessa transmissão.
r) In casu também se demonstraram os factos integradores da essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro e o conhecimento dessa essencialidade pela Recorrida, requisitos de relevância do erro-vício e da anulabilidade do negócio de transmissão na formação da vontade e no processo de decisão do Recorrente - resposta ao quesito 13.° da base instrutória.
s) Assim, ao contrário do que consta da decisão impugnada, no caso dos autos verificam-se todos os elementos do erro-vício.
t) Ao contrário do que também consta da sentença, a representação do declarante e a circunstância de facto ou de direito não têm que se referir ao momento da emissão da declaração de vontade alegadamente inválida, podendo, como a unanimidade da doutrina reconhece, e na sentença também se escreveu, referir-se a um momento anterior.
u) O negócio jurídico de transmissão dos imóveis, consumado no momento de celebração das escrituras públicas de 20/07/2016 - alíneas E) e F) dos factos assentes - é precisamente o negócio prometido nos contratos-promessa de compra e venda de 25/05/2016 - alíneas C) e D) dos factos assentes.
v) Promessas de compra e venda inicialmente plasmadas no acordo de 24/05/2016, a fls. 8 dos autos - alínea b) dos factos assentes e resposta ao quesito 4.° da base instrutória.
w) Para efeitos de análise da declaração de vontade das partes e a verificação dos pressupostos do erro, a promessa e o negócio prometido são indissociáveis.
x) E se na decisão impugnada se reconhece a verificação da representação do Autor sobre determinada circunstância de facto, o Tribunal a quo está, naturalmente, a confirmar a verificação dessa circunstância de facto, com resulta do mero raciocínio lógico-dedutivo.
y) A decisão impugnada fez uma errada apreciação da matéria dada como assente e provada, para concluir que que nos autos nada foi alegado sobre o 1.° elemento do erro-vício e uma errada interpretação e aplicação dos artigos 240.° e 241.° do Código Civil.
z) Na sentença vem escrito, a propósito da análise feita aos argumentos do Recorrente sobre a figura do erro-vício, que a alegação do Autor correspondia a uma figura jurídica diferente: a da pressuposição.
aa) A figura da pressuposição mencionada na sentença impugnada, e que o Tribunal de 1.ª instância considerou como sendo a que verdadeiramente correspondia à alegação do Autor, mais não é do que a figura do erro sobre a base do negócio, prevista art.° 245.° do Código Civil de Macau e alegada expressamente pelo ora Recorrente na sua p.i.
bb) O Tribunal de 1.ª instância, persistindo no mesmo equívoco, concluiu pela impossibilidade da concretização da análise da figura do erro sobre a base do negócio, por, na sua óptica, nada vir alegado quanto ao 1.° elemento do erro (uma circunstância de facto).
cc) Mas o ora Recorrente alegou - e foi dado como provado - que a Recorrida antes da transmissão tinha intenção de cumprir o acordo de se divorciar dele por mútuo consentimento.
dd) Se assim não fosse, não teria assinado o documento de fls. 8.
ee) A enquadrar-se doutrinariamente a situação dos autos na figura do erro sobre a base do negócio, deverá ser declarada a anulação das compras e vendas identificadas nas alíneas E) e F) dos Factos Assentes, como decorre do art.° 245.° do cc.
ff) Em face da matéria provada, a acção sempre deveria ter sido julgada procedente, com a anulação das compras e vendas identificadas nas alíneas E) e F) dos factos assentes, com fundamento na verificação de erro sobre a base negocial.
gg) O Tribunal cometeu um erro de subsunção, por errado juízo de integração ou inclusão dos factos apurados na previsão no art.° 245.° do CC, e por errónea interpretação dos conceitos utilizados nessa previsão.
hh) O Tribunal entendeu que dada a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa o pedido deveria ser julgado improcedente, porquanto a deslocação patrimonial verificada com a transmissão dos imóveis resultou do acordo de divórcio de que essa transmissão fazia parte, tratando-se, por isso, de uma questão de incumprimento contratual.
ii) O pedido de condenação com fundamento em enriquecimento sem causa, foi formulado pelo Autor a título subsidiário, para o caso da acção não proceder com os fundamentos no erro-vício e no erro sobre a base negocial, que levariam, precisamente, à anulação dos negócios que estiveram na origem nas deslocações patrimoniais.
jj) Não sendo reconhecido ao Recorrente a possibilidade de anulação dos negócios jurídicos que levaram à deslocação patrimonial, e estando reunidos os demais requisitos do enriquecimento sem causa, a decisão impugnada deveria ter julgado procedente o pedido subsidiário.
kk) Assim não sucedeu, pelo que incorreu o Tribunal na errada interpretação e aplicação do disposto no art.° 467.° do CC.
ll) Devendo ser proferida decisão a condenar a Recorrida a restituir ao Recorrente, a título de enriquecimento sem causa, os imóveis vendidos pelas escrituras públicas de 20 de Julho de 2016 ou, não sendo possível tal restituição, condenar a Recorrida no pagamento ao Recorrente da quantia peticionada, acrescida de juros moratórios à taxa legal contados desde a data da citação”; (cfr., fls. 571 a 582-v).

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Em resposta, produziu a R. as seguintes conclusões:

“1) O Recorrente nas suas alegações de recurso imputa à decisão recorrida do Tribunal de Segunda Instância uma errada interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto quando decidiu pela improcedência da acção por não provada a existência de erro essencial sobre os motivos determinantes da vontade do Recorrente, nem o reconhecimento mútuo da essencial idade do motivo em que se verificou o erro do Recorrente, nem tão pouca a existência de erro sobre a base de negócio.
2) Considerou ainda que o acórdão do Venerando Tribunal de Segunda Instância é nulo por omissões de pronúncias por não se ter especificadamente referido quanto à censura que o Recorrente fez do julgamento da matéria de facto constante do quesito 10.°.
3) Sobre o quesito 2.° o Tribunal de Segunda Instância julgou não existirem erros no julgamento deste facto, viste que existe um documento nos autos (a fls. 8, apresentado pelo próprio Autor como documento n.° 2), designado por "acordo da partilha de bens do divórcio", elaborado na presença de um advogado, em 24/5/2016, e no qual não há menção do divórcio por mútuo consentimento, pelo contrário, refere-se que os bens seriam tratados da maneira consignada neste acordo, após o divórcio e, ainda, que não há menção de que o sucesso de divórcio por mútuo consentimento é uma condição de transmissão de 2 imóveis para a mulher/Ré.
4) Depois, concluiu o Tribunal de Segunda Instância que "Repare-se, foi um documento elaborado com testemunha que é um advogado, é de presumir que as partes sabiam expressar correctamente o seu pensamento e o objectivo que pretendiam alcançar", mais que "Tal acordo, resultante da vontade das partes, interessados directos, que vale mais do que o depoimento das testemunhas", e que "Mais, segundo os elementos constantes dos autos, já em 18/12/2013 (fls. 276, FMI-13-0591-CPE) ambos chegaram a requerer o divórcio por mútuo consentimento, mas em 07/01/2014, a Requerente veio a desistir do pedido (fls. 282). E, o acordo acima transcrito foi elaborado em 24/5/2016, as partes já adquiriram "experiências" nestas coisas. Caso fosse uma condição a transmissão dos 2 imóveis em causa, tal deveria ser consignado expressamente nesse acordo. Mas não foi o que sucedeu!".
5) Em relação ao quesito 5.°, o Tribunal concluiu que a resposta dada pelo Mm.° Tribunal Judicial de Base não merecia censura, porquanto "A assinatura do contrato-promessa não visava concretizar o acordo, pelo contrário, há aqui uma antecipação do negócio que deveria ser feita após o divórcio nos termos consignados no acordo acima citado" e "a resposta dada é um espelho da realidade objectiva".
6) Assim, importa ter em conta que não estando provado que a Ré incumpriu o acordo de divórcio nem que recusou o divórcio por mútuo consentimento, e que nem tal acordo de fls. 8 pressupunha um divórcio de mútuo consentimento como condição de transmissão de 2 imóveis para a mulher/Ré, respondido está que não merece também censura o julgamento do quesito 10.°.
7) Isto é, não pode a Ré voltar atrás com a palavra num acordo que não pressupunha o que lhe imputam ter voltado com a palavra atrás. É simples lógica.
8) Ora, o recurso em matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os 'pontos de facto' que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham 'decisão diversa' da recorrida.
9) Deve então improceder também neste ponto o Recurso.
10) O Recorrente alega ainda que as questões suscitadas na sua impugnação do Tribunal Judicial de Base e plasmadas nas alíneas h) a v) e bb) e cc) das Conclusões do Recurso, foram deduzidas pela primeira vez nos autos por via do recurso e que, por essa razão, não podia o acórdão remeter para a fundamentação do Tribunal Judicial de Base.
11) Porém, a questão que levanta nessas alíneas, nada mais é do que a insistência na tese do erro-vício e também na questão da pressuposição que o Recorrente configura como o erro sobre a base do negócio, ou seja, nada tem de novo e a resposta a estes pontos não se tem por omissa, porquanto o Venerando Tribunal de Segunda Instância respondeu em tom de discordância ao seguir exactamente a fundamentação do Tribunal Judicial de Base (vide páginas 36 a 40 do acórdão recorrido).
12) O mesmo, mutatis mutandis, se diz em relação às alíneas bb) e cc), desta vez em relação ao instituto do enriquecimento em causa, pois uma vez mais em discordância com o referido pelo Recorrente o TSI remeteu por completo para a fundamentação do TJB (vide páginas 41 a 43 do acórdão recorrido).
13) Assim, não se pode efectivamente falar em omissão de pronúncia, porquanto esta só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.
14) As concretas controvérsias centrais a dirimir constam da fundamentação da sentença do Tribunal Judicial de Base para a qual o Tribunal.de Segunda Instância remeteu, pelo que deverá também neste ponto improceder o recurso.
15) Vem ainda o Recorrente alegar que o Mm.° Tribunal Judicial de Base e o Venerando Tribunal de Segunda Instância incorreram em erro de direito quando na decisão que tomaram não deram por verificado qualquer erro-vício, erro sobre a base do negócio ou enriquecimento sem causa;
16) Em primeiro lugar, é preciso notar que se é certo que, em geral, a transmissão de fracções tem a configuração de um negócio jurídico, também não se pode olvidar que neste caso concreto as mesmas transmissões são também obrigações resultantes do acordo de fls. 8 dos autos;
17) Não é um mero detalhe, visto que toda a construção jurídica do Recorrente se torna absurda quando se constata que pretende invalidar as obrigações decorrentes desse acordo por "erro-vício" e não o próprio acordo de fls. 8 dos autos;
18) Daí que toda a teoria do Recorrente consista num retalhar da realidade, querendo invalidar a execução de obrigações de um acordo por "erro-vício" (escudando-se na aparência das mesmas se traduzirem na celebração de negócios jurídicos) provocado por conta de um alegado (mas não provado) incumprimento do acordo de fls. 8 onde se encontram previstas essas obrigações;
19) Ainda que fosse admissível dissociar a transmissão das fracções do acordo concluído entre as partes a fls. 8 dos autos, o que o próprio Recorrente não faz, tão-pouco teria qualquer sentido a teoria de que o Recorrente incorreu em erro-vício ao celebrar aquelas transmissões;
20) Como bem notou a na decisão recorrida, não há juridicamente qualquer erro-vício porque os negócios celebrados foram queridos pelo Autor naqueles exactos termos, como de resto resulta dos seus articulados, sendo que o alegado (mas não provado) incumprimento da Ré coloca-se no âmbito do instituto jurídico do incumprimento contratual e não do erro-vício sobre os motivos ou sobre as circunstâncias;
21) Vem ainda o Recorrente alegar que, afinal, o acórdão recorrido estaria viciado porque o TSI não tomou em devida a conta a figura da pressuposição, equiparando-a à figura do erro sobre a base do negócio para assim poder sustentar a sua teoria;
22) Note-se que as referências doutrinárias utilizadas pelo Recorrente distinguem claramente a pressuposição da figura jurídica do erro, designadamente do erro sobre a base do negócio, ao contrário do que aquele pretende fazer crer;
23) Em todo o caso, e partindo do raciocínio de admissibilidade feito na conclusão 32), o que se diz num esforço de síntese, importa considerar que o erro sobre a base do negócio incide sobre circunstâncias externas ao negócio e com base no qual o mesmo foi edificado e não em relação à atitude ou vontade de uma das partes em cumprir o acordado;
24) Ora, não se pode configurar um suposto incumprimento contratual da Ré do acordo de fls. 8 dos autos (que não ficou provado em momento) como sendo uma mera "circunstância" na base do negócio de transmissão das fracções, já que a lógica do Recorrente sobre a matéria do erro-vício leva a que esta figura jurídica englobe não só a alteração de circunstâncias como também o próprio incumprimento contratual;
25) Finalmente, vem o Recorrente alegar que o TSI julgou incorrectamente a questão de direito relativa ao enriquecimento sem causa porque ao reconhecer a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa, o TSI obviou a que o seu pedido de condenação em enriquecimento sem causa havia sido formulado a título subsidiário;
26) Salvo o devido respeito, é uma confusão grosseira entre a natureza subsidiária (questão de direito substantivo) do instituto do enriquecimento sem causa com o facto de, em termos de direito processual, o pedido ser formulado a título subsidiário;
27) Como é evidente, não há transmissão indevida ou sem causa justificativa porque a transmissão dos imóveis foi efectuada com base no acordo de divórcio estabelecido entre as partes;
28) Ademais, não se tendo verificado o divórcio por mútuo consentimento em vista do qual se verificou a deslocação patrimonial, ainda o mesmo poderá se realizar, não havendo efectivamente incumprimento (pelo que também não se pode afirmar que definitivamente não se verificou o escopo pretendido com a causa justificativa, i.e., o acordo de divórcio celebrado entre as partes);
29) Deste modo, deverá também improceder o pedido de condenação da Ré com base em enriquecimento sem causa”; (cfr., fls. 591 a 614).

Adequadamente processados os autos, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Está provada a seguinte matéria de facto:

“Da Matéria de Facto Assente:
- Autor e Réu casaram, em 6 de Junho de 2006, conforme certidão de casamento a fls. 7 dos autos (alínea A) dos factos assentes).
- O Autor e a Ré assinaram, em 24 de Maio de 2016, o documento a fls. 8 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea B) dos factos assentes).
- Em 25 de Maio de 2016, o Autor e a Ré assinaram o contrato promessa de compra e venda da fracção KXX, destinada a habitação, do prédio sita na Taipa, [Endereço(1)], correspondente ao XXº andar K, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, cuja cópia consta de fls. 9 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por conveniente (alínea C) dos factos assentes).
- Na mesma data, o Autor e a Ré assinaram o contrato promessa de compra e venda, de 1/356 avos da fracção JR/C, destinada a estacionamento, do prédio sita na Taipa, na [Endereço(1)], correspondente ao lugar de estacionamento JR/C, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, cuja cópia consta de fls. 10 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por conveniente (alínea D) dos factos assentes).
- A prometida compra e venda da fracção habitacional acabou por ser concretizada por escritura pública celebrada em 20 de Julho de 2016, no Cartório no Notário Privado C, a fls. 135 a 136v. do Livro n.º 79 (fls. 15 a 18 dos autos) (alínea E) dos factos assentes).
- Enquanto a prometida compra e venda da fracção de estacionamento acabou por se concretizada por escritura pública celebrada em 20 de Julho de 2016, no Cartório no Notário Privado C, a fls. 133 a 134v. do Livro n.º 79 (fls. 20 a 23 dos autos) (alínea F) dos factos assentes).
- As aquisições das fracções autónomas foram registadas a favor da Ré em 26 de Julho de 2016 pelas inscrições n.º XXXXXXG e n.º XXXXXXG (fls. 24 a 87) (alínea G) dos factos assentes).
- Os bens imóveis identificados nas alíneas C. e D., foram adquiridos pelo Autor antes do seu casamento com a Ré (cfr. fls. 35 e 83 dos autos) (alínea H) dos factos assentes).
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Da Base Instrutória:
- Em data não apurada, o Autor e a Ré acordaram divorciar-se por mútuo consentimento (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
- Mais acordaram que, depois do divórcio, o Autor transmitiria à Ré uma fracção autónoma destinada a habitação e uma fracção autónoma destinada a estacionamento, sem qualquer contrapartida financeira (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
- O Autor e a Ré assinaram, em 24 de Maio de 2016, o documento a fls. 8 dos autos, em que acordavam, para além de outros pontos, na transmissão, após o divórcio, das fracções autónomas em causa (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
- Procedeu-se no dia seguinte, a assinatura dos contratos-promessa de compra e venda referidos em C) e D) dos factos assentes (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
- Pese embora das escrituras públicas conste que o Autor havia recebido os preços das compras e vendas e dos quais chegou a dar quitação, tal nunca aconteceu (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
- O Autor transmitiu o direito de propriedade sobre os identificados imóveis à Ré porque as partes tinham acordado divorciar-se por mútuo consentimento e porque o Autor estava convencido de que o divórcio se concretizaria (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
- Até à presente data, as partes ainda se encontram casadas (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
- O Autor nunca teria transmitido à Ré, como era do conhecimento desta, o direito de propriedade sobre os imóveis caso não se concretizasse o divórcio por mútuo consentimento (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
- A Ré sabia que acordou com o Autor nos termos referidos na resposta aos quesitos 1º e 2 (resposta ao quesito 15º da base instrutória)”; (cfr., fls. 508-v a 509-v).

Do direito

3. Vem o A. recorrer do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado que negou provimento ao seu anterior recurso da sentença do Tribunal Judicial de Base que, por sua vez, julgou a acção que aí propôs contra a R. improcedente.

Percorrendo as suas alegações de recurso e conclusões aí produzidas verifica-se que imputa ao Acórdão recorrido os vícios de “nulidade por omissão de pronúncia”, e, subsidiariamente, de “erro no enquadramento jurídico da matéria de facto provada”.

–– Em face da “natureza” das questões colocadas (e dos seus “efeitos” em relação à decisão recorrida), começa-se pela assacada “nulidade”.

Pois bem, como sabido é, ocorre a dita “nulidade” quando o Tribunal “omite pronúncia sobre questão que lhe cabia conhecer e decidir”; (cfr., art. 571°, n.° 1, al. d) do C.P.C.M., podendo-se, sobre a questão, e entre outros, ver, v.g., V. Lima in, “Manual de Direito Processual Civil”, pág. 586).

In casu, como “fundamento” da assacada “nulidade” diz o ora recorrente que:

“O TSI não se pronunciou sobre a impugnação da resposta dada pelo Tribunal de 1.ª instância ao quesito 10.°, omitindo por completo uma decisão sobre a questão”, e que,
“O acórdão recorrido não fez uma análise concreta dos meios probatórios em causa, fazendo tábua rasa da circunstância do Recorrente ter impugnado as respostas aos quesitos 2.°, 10.° e 14.° com recurso à prova gravada”; (cfr., conclusões c e d).

E, considerando integrar a mesma “nulidade”, diz também que:

“As questões suscitadas nas alíneas h) a v), bb) e cc) das conclusões do recurso da sentença, foram deduzidas pela primeira vez nos autos por via do recurso, precisamente porque a alegação dessas questões foi feita em resultado da decisão proferida em 1.ª instância”, e que,
“O acórdão recorrido não podia, por isso, fundamentar-se na decisão da 1.ª instância ao abrigo do disposto no art.° 631.°, n.° 5, do CPC, porque tal faculdade pressupunha que as questões levantadas no recurso tivessem sido analisadas na decisão recorrida”; (cfr., conclusões f e g).

Vejamos, então, se tem razão.

Para melhor ponderar e apreciar o que alegado vem, útil é transcrever o que no Acórdão recorrido se decidiu.

Pois bem, o dito Acórdão – após (adequado) “relatório” expondo-se o processado, as pretensões em causa no recurso e a “decisão da matéria de facto” do Tribunal Judicial de Base – tem, em sede de “apreciação do recurso”, (e na parte que agora interessa), o teor seguinte:

“(…)
Prosseguindo, passemos a ver outra parte do recurso que é a impugnação da matéria de facto, feita pelo Autor.

II – Impugnação da matéria de facto pelo Autor
O Recorrente/Autor veio a impugnar a matéria de facto, ou seja, atacando as respostas dadas pelo Colectivo sobre as respostas dos seguintes 5 quesitos:
2º , 5º , 10º , 14º e 15º quesitos.
A propósito da impugnação da matéria de facto, o legislador fixa um regime especial, constante do artigo 599º (Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto) do CPC, que tem o seguinte teor:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
Ora, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.
*
No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio1.
É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
Será com base na convicção desse modo formada pelo Tribunal de recurso que se concluirá ou não pelo acerto ou erro da decisão recorrida.
Repita-se, ao Tribunal de recurso não compete reapreciar todas as provas produzidas e analisadas pelo Tribunal a quo, mas só aqueles pontos concretos indicados pelo Recorrente como errados ou omissos!
*
Vamos ver os quesitos censurados um por um.
– Quesito 2º:

Este quesito tem a seguinte redacção:

A Ré acabou por aceitar divorciar-se do Autor por mútuo consentimento, mas mediante uma condição prévia: o Autor teria de passar para nome da Ré uma fracção autónoma destinada a habitação e uma fracção autónoma destinada a estacionamento, sem qualquer contrapartida financeira?
A resposta dada pelo Colectivo é:
Provado que “Mais acordaram que, depois do divórcio, o Autor transmitiria à Ré uma fracção autónoma destinada a habitação e uma fracção autónoma destinada a estacionamento, sem qualquer contrapartida financeira (resposta ao quesito 2º da base instrutória)”.

Ora, não encontramos erro no julgamento deste facto, visto que existe um documento nos autos (fls. 8, doc. 2, apresentado pelo próprio Autor), designado por “acordo da patilha de bens do divórcio” (tradução literal), elaborado na presença de um advogado, em 24/5/2016, que tem o seguinte teor:
Acordo sobre Partilha de Bens em Divórcio
Parte A: A, titular do BIRP de Macau nº XXXXXXX(X);
Parte B: B, titular do BIRP de Macau nº XXXXXXX(X);
Ambas as Partes acordam em celebrar e cumprir as seguintes cláusulas após o divórcio. Os casos omissos ou situações não explicitadas neste Acordo serão negociados entre as Partes. O presente acordo produz efeitos imediatamente após ser assinado e será entregue ao advogado para proceder às respectivas formalidades.

I. Quanto ao filho menor
O filho fica na guarda da Parte A. Caso a Parte A não consiga tratar da vida quotidiana do filho, este será cuidado temporariamente pela Parte B, estando a Parte A obrigada a pagar as despesas necessárias.

II. Partilha de bens e pensão alimentícia
Partilha de bens imóveis
1. A fracção situada no XXº andar – K do [Endereço(1)], Taipa, Macau, e o lugar de estacionamento nº 2, descrito sob o nº XXXXX, ficam com a Parte B. Tal apartamento, na constância do casamento, foi hipotecado em favor de banco no valor de dois milhões dólares de Hong Kong, este empréstimo será liquidado pela Parte A. A Parte A concorda em passar os imóveis para o nome da Parte B e pedir empréstimo hipotecário em nome da Parte B com objectivo de liquidar o empréstimo original. O empréstimo será pago em prestações pela Parte A mas o período de pagamento não pode exceder a 20 anos. No caso de a Parte B vender a fracção antes do termo do período de pagamento ou se casar de novo, a Parte B concorda que a Parte A não precisa de pagar o resto do empréstimo.
2. Pedir, em nome da Parte B, um empréstimo bancário no valor de dois milhões dólares de Hong Kong, que será liquidado, no máximo, em 216 prestações (18 anos), à taxa de juro de 2,5%. O valor de cada prestação é aproximadamente de HKD13.000 (este é o valor de referência. O valor exacto depende da taxa de juro mais favorável da altura). A Parte A está obrigada a assumir a responsabilidade e suportar as despesas resultantes de eventual não pagamento durante o período de pagamento. No caso de a fracção for arrendada para obter lucros, a Parte A pode deixar de pagar as prestações do empréstimo durante o período de arrendamento, salvo no caso de todos os lucros obtidos serem destinados ao pagamento do empréstimo, e a Parte B não pode usar o dinheiro obtido para o uso pessoal, o que não impede que a Parte A continue a pagar o empréstimo conforme os termos fixados. As despesas com a celebração da escritura pública da fracção e a imposto de selo são suportadas pela Parte B e as demais despesas pela Parte A.
Pensão alimentícia
   * Pagar à Parte B uma pensão alimentícia no valor de cinco mil patacas até que esta complete 65 anos de idade ou se case de novo.
   * Caso o filho necessite de ser cuidado pela Parte B, a Parte A está obrigada a pagar mensalmente as despesas necessárias (o valor será negociado entre as Partes), até que o filho deixe de ser cuidado pela Parte B. Quando a Parte B não precisar de cuidar do filho, não é preciso pagar a pensão alimentícia.
   * O valor das despesas referidas deve ser ajustado conforme o índice de custo de vida publicado pelo Governo. A pensão alimentícia à Parte B pode não ser paga se a Parte A perder a capacidade de trabalho por sofrer doença crítica e receber assistência do Governo, situação esta deve ser comprovada pelo documento emitido pelo Governo. Caso haja fraude, a Parte B vai responsabilizar juridicamente a Parte A.

A Parte A: (Assinatura) A Parte B: (Assinatura)
Aos 24 de Maio de 2016.
A Testemunha: (Assinatura)

Neste acordo:
- Não há menção do divórcio por mútuo consentimento, pelo contrário, refere-se que os bens seriam tratados da maneira consignada neste acordo, após o divórcio.
- Não há menção de que o sucesso de divórcio por mútuo consentimento é uma condição de transmissão de 2 imóveis para a mulher/Ré!
- Repare-se, foi um documento elaborado com testemunha que é um advogado, é de presumir que as partes sabiam expressar correctamente o seu pensamento e o objectivo que pretendiam alcançar.
- Tal acordo, resultante da vontade das partes, interessados directos, que vale mais do que o depoimento das testemunhas.
- Mais, segundo os elementos constantes dos autos, já em 18/12/2013 (fls. 276, FMI-13-0591-CPE) ambos chegaram a requerer o divórcio por mútuo consentimento, mas em 07/01/2014, a Requerente veio a desistir do pedido (fls. 282). E, o acordo acima transcrito foi elaborado em 24/5/2016, as partes já adquiriram “experiências” nestas coisas. Caso fosse uma condição a transmissão dos 2 imóveis em causa, tal deveria ser consignado expressamente nesse acordo. Mas não foi o que sucedeu!

Pelo que, não havendo erro no julgamento deste facto, é de julgar improcedente a impugnação da matéria constante do quesito em causa.
*
– Quesito 5º:

Este quesito tem a seguinte redacção:

Para concretização desse acordo foi solicitado ao Autor, no dia seguinte, a assinatura dos contratos-promessa de compra e venda referidos nas alíneas C. e D.?
Provado que “Procedeu-se no dia seguinte, a assinatura dos contratos-promessa de compra e venda referidos em C) e D) dos factos assentes (resposta ao quesito 5º da base instrutória).”
Da mesma lógica e da maneira de pensar e analisar as coisas, a resposta dada pelo distinto Colectivo não merece censura, visto que:
- A assinatura do contrato-promessa não visava concretizar o acordo, pelo contrário, há aqui uma antecipação do negócio que deveria ser feita após o divórcio nos termos consignados no acordo acima citado.
- A resposta dada é um espelho da realidade objectiva!
Também improcede a impugnação desta matéria.
*
– Quesito 14º:

Este quesito tem a seguinte redacção:
Se o Autor soubesse que a Ré não cumpriria o acordado, recusando o divórcio por mútuo consentimento depois de ficar proprietária dos imóveis, o Autor pura e simplesmente não teria vendido os imóveis sem receber o preço, ou teria procedido à venda mediante a inclusão de uma condição na escritura ou de uma cláusula resolutiva?

A resposta dada pelo Colectivo é:
Não provado.

Tal como acima referimos, a transmissão dos 2 imóveis para a mulher/Ré deveria operar-se após o divórcio, mas o Autor consentiu e assim fez antecipar tal transmissão conforme a data da outorga da escritura pública de compra e venda.
O que se pode defender é a alteração da circunstância superveniente, porque o divórcio não se verificou, então poderia pedir a devolução da prestação anteriormente oferecida.
Mas não foi isto invocado.
Pelo que, também improcede esta parte da impugnação da matéria.
*
– Quesito 15º:
(…)”; (cfr., fls. 512-v a 516).

Aqui chegados, que dizer?

Ora, em relação ao pelo recorrente aludido “quesito 10°”, sem esforço se constata que houve efectiva omissão de pronúncia.

Com efeito – e certamente, por lapso – em sede de apreciação da adequação das impugnadas respostas passou-se do “quesito 5°” para o “quesito 14°”, (cfr., fls. 515-v), nada se tendo dito em relação ao “quesito 10°”.

Nesta conformidade, mais não se mostra de dizer sobre esta (omissão e) nulidade que, assim, se impõe declarar; (cfr., conclusão c).

Quanto à falta de “análise crítica das provas” em sede da impugnação às respostas aos “quesitos 2°, 10° e 14°”, vejamos; (cfr., conclusões d e e).

No que diz respeito ao atrás referido “quesito 10°”, se nada se disse sobre o mesmo, evidente se apresenta que não foi feita a dita “análise”.

Em relação aos “quesitos 2° e 14°”, eis o que se nos mostra dever ser a solução.

Nos termos do art. 599° do C.P.C.M.:

“1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º”.

Por sua vez, preceitua o art. 629° do mesmo C.P.C.M. que:

“1. A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 599.º, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
2. No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, o Tribunal de Segunda Instância reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham servido de fundamento à decisão de facto impugnada.
3. O Tribunal de Segunda Instância pode determinar a renovação dos meios de prova produzidos em primeira instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto objecto da decisão impugnada, aplicando-se às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na primeira instância e podendo o relator determinar a comparência pessoal dos depoentes.
4. Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode o Tribunal de Segunda Instância anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na primeira instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.
5. Se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode o Tribunal de Segunda Instância, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de primeira instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou escritos ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limita-se a justificar a razão da impossibilidade”.

Atento ao que consta da motivação de recurso pelo ora recorrente então apresentada ao Tribunal de Segunda Instância, (cfr., fls. 399 a 486), motivos não existem para não ser ter por observado o “ónus” que lhe cabia nos termos do transcrito art. 599°.

Porém, e sem prejuízo do muito respeito a outro entendimento, o mesmo se mostra de dizer em relação ao pelo Tribunal de Segunda Instância decidido.

Como cremos que resulta do que se deixou transcrito, o Tribunal de Segunda Instância não deixou de analisar e ponderar sobre os “motivos” do sentido das respostas pelo Tribunal Judicial de Base dadas aos ditos quesitos, expondo, cabalmente, as “razões” que levaram à decisão que proferiu, nelas explicitando claramente o porque da improcedência do recurso na parte em questão.

Admite-se, que não fez expressa referência à “prova testemunhal” pelo recorrente invocada, (e até se nos mostra de dizer que melhor seria que tivesse feito).

Porém, em face do que fez constar, motivos não existem para se considerar que aquela não tenha sido objecto de ponderação para a decisão que proferiu, (sob pena de se ter de concluir pela imputada “falta” no caso de indicados estarem uma dezena de depoimentos e se omitir a referência ainda que a um deles).

Há que ponderar no que exposto foi, sendo de concluir que houve (efectiva) análise (crítica) da decisão do Tribunal Judicial de Base, com (efectiva) ponderação de todos os seus motivos, daqui resultando – chamemos – uma “nova convicção” sobre o decidido, evidente se nos apresentando, assim, a solução para a questão em apreciação.

Avancemos.

A mesma nulidade – por “omissão de pronúncia” – imputa o recorrente ao Acórdão recorrido referindo-se às questões suscitadas nas “alíneas h) a v) e bb) e cc) das conclusões” apresentadas em sede do seu (anterior) recurso para o Tribunal de Segunda Instância.

Diz que as mesmas “foram deduzidas pela primeira vez nos autos por via do recurso”, pelo que “O acórdão recorrido não podia, por isso, fundamentar-se na decisão da 1.ª instância ao abrigo do disposto no art.° 631.°, n.° 5, do CPC, porque tal faculdade pressupunha que as questões levantadas no recurso tivessem sido analisadas na decisão recorrida”; (cfr., conclusões f e g).

Não se mostra de reconhecer razão ao ora recorrente, (muito não sendo necessário dizer).

Com efeito, relativamente a “estas questões” – que vem (novamente) repetidas nas alegações do presente recurso (cujas conclusões atrás se deixaram transcritas) – a sentença do Tribunal Judicial de Base (para cujo teor o Tribunal de Segunda Instância remeteu a sua fundamentação) contém, clara e cabal resposta, nestes termos exposta:

“Pretende o Autor que as vendas fracção autónoma designada por “KXX” do XXº andar K, destinada a habitação, e de 1/356 avos da fracção JR/C, destinada a estacionamento, ambos do prédio sito na Taipa na [Endereço(1)], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXXX, por si feitas à Ré, em 20 de Julho de 2016, sejam declaradas nulas; ou que seja a Ré condenada a restituir ao Autor os imóveis referidos acimas ou a pagar ao Autor do valor dos imóveis acrescido de juros legais.
Para o efeito alega que o Autor, casado com a Ré e pretendendo dissolver o casamento entre ambos, propôs o divórcio à Ré; que esta aceitou o pedido com a condição de aquele lhe transmitir os dois imóveis acima referidos sem qualquer contrapartida financeira; que as partes acordaram, então, proceder à transmissão nesses termos depois do divórcio; que, entretanto, a Ré exigiu que o Autor procedesse à transmissão antes sob pena de não haver lugar ao divórcio pretendido pelo Autor; que, nessas circunstâncias, o Autor transmitiu os citados imóveis à Ré celebrando as respectivas escritura públicas de compra e venda; que, depois da transmissão, a Ré recusou-se divorciar; que o Autor apenas transmitiu os identificados imóveis à Ré porque esta tinha aceitado divorciar-se logo após a transmissão e porque estava convencido que a Ré concretizaria o combinado; que o Autor nunca teria transmitido à Ré os imóveis caso não se concretizasse o divórcio por mútuo consentimento, facto este do conhecimento da Ré; que a Ré sabia que a transmissão dos imóveis tinha como pressuposto o divórcio por mútuo consentimento e e tal era a condição de o Autor concretizar a compra e venda.
Conforme o Autor, o mesmo incorrera em erro quando declarou vender os imóveis à Ré porque pensava que esta iria cumprir o acordo divorciando-se de si e, caso não tivesse tido esta falsa representação, nunca teria transmitido os imóveis à Ré, razão por que as compras e vendas são anuláveis. Além disso, por o divórcio em vista do qual foi feita a transmissão nunca se concretizara, a Ré enriqueceu-se à custa do Autor razão por que lhe devia restituir os imóveis ou o valor dos mesmos.
Contestando a acção, a Ré refuta o alegado pelo Autor afirmando que nunca impôs qualquer condição ao acordo de divórcio por mútuo consentimento entre as partes destinando-se a transmissão impugnada tão-só a proceder à partilha dos bens e a garantir que a Ré e o filho das partes pudessem continuar a habitar na casa de morada de família. Mas defende que nunca recusou divorciar por mútuo consentimento.
*
Tendo em conta a ordem por que foram formulados os pedidos, a título principal, a anulação das compras e vendas por erros incorridos pelo Autor e, subsidiariamente, a restituição dos imóveis ou o respectivo valor com fundamento no enriquecimento sem causa, proceder-se-á, em primeiro lugar, à apreciação do problema relacionado com os vícios de vontade alegados pelo Autor. Só no caso de improcedência do pedido de anulação é que se equaciona a questão do enriquecimento sem causa.
*
Erro
Pretende o Autor que as compras e vendas dos imóveis a que se referem os autos sejam anuladas com base nos seguintes vícios de vontade: erro sobre os motivos determinantes da vontade; reconhecimento mútuo da essencialidade do motivo em que se verificou o erro; e erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio.
Todos esses vícios têm por base uma errónea percepção da realidade que o declarante tem quando a declaração negocial é emitida. Em qualquer desses casos, o problema funda-se num engano cometido pelo declarante, pois, foi este quem fez uma representação inexacta da realidade.
A ser assim, a tutela do declarante não pode ir ao ponto de ignorar totalmente os interesses do declaratório que presumivelmente pretende a manutenção do negócio. É que não raras vezes, o erro é espontâneo sem que o declaratório tenha tido algo a ver com o problema ignorando não menos vezes a sua existência.
Uma vez que a invalidação de um negócio jurídico sem ter em conta os interesses do declaratório põe não apenas em causa os interesses deste como também e necessariamente a certeza e segurança jurídica, o legislador fez rodear os respectivos regimes de certos cuidados impondo uma série de requisitos sem a verificação dos quais o negócio não pode ser invalidado.
É exactamente o que foi feito com as normas constantes dos artigos 240º, 241º e 245º do CC, respectivamente no que diz respeito ao erro sobre os motivos determinantes da vontade, ao reconhecimento mútuo da essencialidade do motivo em que se verificou o erro e ao erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio acima referido.
*
Tendo isso presente, segue-se a análise da situação dos autos começando por apurar se o Autor incorreu efectivamente em erro quando transmitiu os imóveis à Ré.
Só se vier a concluir que sim, é que se debruçará sobre a questão de saber se as circunstâncias em que o erro teve lugar correspondem à previsão das normas acima citadas.
Conforme Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico, Reimpressão, Coimbra 1992, pág. 233, “O erro-vício consiste na ignorância (falta de representação exacta) ou numa falsa ideia (representação inexacta), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito ...”.
O erro pressupõe, portanto, a verificação de três elementos: em primeiro lugar, há uma determinada circunstância de facto ou de direito; em segundo lugar, há uma representação dessa circunstância pelo declarante; e em terceiro lugar, há uma falta de correspondência entre a mesma circunstância e a representação tida sendo os 1º e 2º elementos os termos da comparação para daí se aferir se há ou não erro.
Procura-se, então, ver se existem esses elementos começando pelo 2º.
*
Representação do Autor
No presente caso, o Autor alega ter tido uma determinada representação sobre a atitude da Ré no que concerne ao cumprimento ou não por parte desta do acordo de divórcio estabelecido entre as partes, quando vendeu os imóveis sub judice à Ré. Com efeito, o Autor afirma que, anuiu transmitir os citados bens à Ré porque acreditava que a Ré iria cumprir o acordo de divórcio participando no respectivo processo de divórcio por mútuo consentimento.
Dos factos assentes verifica-se que as partes acordaram em divorciar-se e em proceder à transmissão à Ré sem qualquer contrapartida financeira dos bens a que se referem os presentes autos, então, pertencentes ao Autor, depois de formalizado o divórcio. Apesar disso, a transmissão teve lugar antes do divórcio porque o Autor estava convencido de que o divórcio se concretizaria.
Desses factos vê-se que a representação do Autor era efectivamente no sentido de que o divórcio seria formalizado nos termos acordado entre as partes porque a Ré actuaria em conformidade com o estabelecido no acordo.
Está verificado o 2º elemento.
*
Circunstância de facto ou de direito
Quanto ao 1º elemento, isto é, a circunstância de facto ou de direito em que alegadamente o Autor se enganou, ou seja, a verdadeira atitude da Ré antes ou no momento em que a transmissão foi feita, depara-se que o Autor nunca fez qualquer referência à mesma.
Pois, nunca afirmou que, antes da transmissão ou quando a transmissão teve lugar, a Ré tinha ou não intenção de cumprir o acordo divorciando do Autor por mútuo consentimento. O Autor limitou-se a referir que, antes da transmissão dos imóveis, instara a Ré para dar início ao processo de divórcio mas sem êxito (cfr. artigo 11º da petição inicial).
O Autor somente fez alusão à atitude da Ré quando ao cumprimento ou não do acordo, no artigo 18º da petição, onde o próprio Autor acusou a Ré de ter voltado com a sua palavra atrás, recusando cumprir o acordo depois de aquele lhe transmitir os bens (cfr. quesito 10º da base instrutória).
Como se pode constatar facilmente a partir da forma como esse facto vem alegado, a atitude da Ré de não cumprir o acordo era a que esta tinha depois da transmissão.
Contudo, o que aqui urge apurar é a atitude da Ré antes ou no momento em que a declaração de transmissão dos imóveis feita pelo Autor foi emitida. Pois, está-se perante um vício genético que põe em causa a validade dessa declaração e os dois elementos acima mencionados, representação do Autor e circunstância de facto ou de direito, têm que se referir ao momento da emissão da declaração de vontade alegadamente inválida.
A alegação feita pelo Autor corresponde à figura de pressuposição (Voraussetzung), na esteira de Windscheid, citado por Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição actualizada, Coimbra Editora, pág. 506.
Segundo Carlos Alberto da Mota Pinto, ob. cit., pág. 506 e 507, “… Podemos caracterizar a pressuposição como a convicção por parte do declarante, decisiva para a sua vontade de efectuar o negócio, de que certa circunstância se verificará no futuro ou de que se manterá um certo estado de coisas. A alteração anormal das circunstâncias pressupostas constitui, nos termos do artigo 437.º, fundamento de resolução ou modificação do contrato, quando a manutenção do conteúdo contratual contrarie a boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.
Segundo o ensinamento tradicional a pressuposição refere-se ao futuro (faltará quando houver uma alteração superveniente de circunstâncias) e o erro refere-se ao presente ou ao passado. O erro consiste numa ignorância ou falsa representação, relativas a circunstâncias passadas ou presentes, isto é, à situação existente no momento da celebração do negócio. A pressuposição consiste na representação inexacta de um acontecimento ou realidade futura que se não vêm a verificar (a pressuposição, quando falha, não traduz um erro, mas uma imprevisão).” (sublinhado nosso).
Nessa sequência, por nada ter sido alegado quanto ao 1º elemento do erro, não é possível na pesquisa ora encetada concluir pela sua existência, muito menos, pela sua concreta configuração.
*
Mesmo que assim não se entenda, ou seja, mesmo que se considere que, no presente caso, o citado facto alegado pelo Autor constante do quesito 10º da base instrutória (Após a venda das fracções autónomas a Ré voltou com a sua palavra atrás, recusando cumprir o acordo e divorciar-se do Autor por mútuo consentimento, pese embora as solicitações deste nesse sentido?) corresponde ao 1º elemento do erro, ainda assim, a desfecho é exactamente igual.
É que, feito o julgamento da matéria de facto, o tribunal não considerou demonstrado tal facto, com o que nada nos permite afirmar acerca da verdadeira atitude da Ré quanto ao cumprimento ou não do acordo de divórcio, ainda que tão-só no momento em que a transmissão dos imóveis tenha sido já efectuada.
Portanto, em qualquer circunstância, ignora-se qual era a verdadeira atitude da Ré relativamente ao cumprimento ou não do acordo de divórcio por mútuo consentimento, ou seja, qual era a circunstância de facto a que o 1º elemento do erro se refere.
*
Falta de correspondência
Flui do acima exposto que apenas está apurada o 1º elemento do erro.
Ora, faltando o 1º elemento, elemento este indispensável para se proceder à sua comparação com o 2º elemento a fim de concluir pela existência ou não de falta de correspondência entre os mesmos, não se pode proceder à comparação destes dois elementos.
Não sendo possível estabelecer essa comparação, nunca se pode afirmar que está verificado o 3º elemento do erro e, consequentemente, que o Autor incorrera em erro quando emitiu a declaração de vontade de transmissão dos imóveis à Ré.
*
Anulação dos contratos
Flui da exposição feita que o Autor não logrou demonstrar que incorrera em erro quando transmitiu os imóveis à Ré.
Assim, nunca por nunca se pode afirmar que, nas vendas impugnadas, houve erro essencial sobre os motivos determinantes da vontade do Autor, ou reconhecimento mútuo da essencialidade do motivo em que se verificou o erro do Autor; ou erro sobre as circunstâncias que constituíram a base destas vendas.
Pelo que, sem necessidade de se debruçar sobre os demais requisitos previstos nos artigos 240º, 241º e 245º do CC, é de julgar improcedente o pedido de anulação formulado pelo Autor.
*
Enriquecimento sem causa
Julgado improcedente o pedido principal, urge analisar se assiste ao Autor o direito de restituição ou de pagamento por alegado enriquecimento sem causa à sua custa.
Quanto aos pedidos formulados com esse fundamento, o que o Autor defende é, no fundo, o seguinte: como a transmissão dos imóveis feita pelo Autor tinha em vista o divórcio prometido pela Ré, esta, ao recusar cumprir o acordo, fez com que o efeito pretendido pelo Autor deixasse de verificar; por isso, a deslocação patrimonial decorrente da transmissão tornou-se indevida e foi obtida pela Ré à custa do Autor.
Nos termos do artigo 467º do CC, “1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. 2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”
No plano dos factos, o que se verificou é o seguinte: as partes acordaram divorciar-se e, em virtude disto, acordaram também na transmissão que veio a concretizar-se sem que o divórcio tivesse tido lugar mantendo as partes ainda ligadas pelo casamento.
Numa primeira aproximação, a qualificação feita pelo Autor podia ser acertada visto que, conforme a matéria assente, as partes ainda estão casadas entre si. Ou seja, o efeito pretendido com a transmissão ainda não se verificou.
*
Porém, não se pode esquecer que a tutela facultada pelo instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária nos termos do artigo 468º do CC.
Sobre isso, ensina o João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 485 a 486 “Num grande número de casos em que a deslocação patrimonial carece de causa justificativa, a lei faculta aos interessados meios específicos de reacção contra a situação.
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Outras vezes, é a resolução ou a revogação do contrato que sana a irregularidade, como sucede quando, nos contratos bilaterais onerosos, uma das prestações se torna impossível por causa imputável ao devedor (art. 801.º, 2) e a outra parte decide, com esse fundamento, resolver o negócio. Permitindo ao contraente não culpado, que já tenha efectuado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro, o artigo 801.º, 2, afasta-se decididamente, nesse caso, dos termos mitigados em que funciona, como princípio, a restituição fundada no enriquecimento injustificado.” (sublinhado nosso).
Ora, conforme a matéria assente, a deslocação patrimonial resultou do acordo de divórcio de que a transmissão dos bens fazia parte e, segundo o Autor, a Ré enriqueceu-se à sua custa porque, depois de adquirir os imóveis, voltou com a sua palavra atrás, recusando formalizar o divórcio com o Autor.
Trata-se, como é bom de ver, de uma mera questão de incumprimento contratual disciplinada pelas regras relativas à falta de cumprimento e mora do devedor.
Assim, dada a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa, os pedidos formulados com base neste regime não podem deixar de ser julgado improcedentes com o que fica precludida a necessidade de se debruçar sobre a verificação ou não dos demais pressupostos previstos para o instituto.
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Mesmo que não se entenda que o carácter subsidiário do instituto do enriquecimento sem causa deva ser entendido nos termos acima sufragados, ainda assim, a pretensão do Autor continua a não poder proceder.
É que, nos presentes autos, não estão preenchidos os requisitos previstos no artigo 467º, nº 2, do CC.
Em primeiro lugar, os dois imóveis não foram transmitidos indevidamente porque a transmissão foi feita em virtude do acordo de divórcio estabelecido entre as partes.
Em segundo lugar, o acordo de divórcio é a causa da respectiva deslocação patrimonial, acordo este ainda em vigor porque nunca foi extinto, designadamente por resolução ou revogação.
A propósito da resolução, salienta-se que não está demonstrado que, depois da transmissão, a Ré voltara com a sua palavra atrás e recusou cumprir o acordo, como foi já referido. Se não tivesse sido o caso, a pretensão do Autor de ver resolvido o contrato2 poderia eventualmente proceder. Contudo, mesmo nesse cenário, o pedido de restituição com fundamento no enriquecimento sem causa não procederia porque a restituição seria processada nos termos do artigo 790º do CC.
Em terceiro lugar, apesar de ainda não se ter verificado o divórcio por mútuo consentimento em vista do qual a transmissão foi feita, o certo é que nenhum facto permite concluir que jamais poderia formalizar-se este divórcio. Uma vez que não foi estabelecido qualquer prazo para a sua concretização e não está demonstrado que alguma das partes se recusa a cumprir o acordo,3 as mesmas podem sempre tratar das formalidades respectivas para obter o divórcio.
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Por força do expendido, nenhuma razão há para considerar indevida a prestação feita pelo Autor em virtude do acordo de divórcio estabelecido entre as partes ou sem causa a respectiva deslocação patrimonial.
Assim, também não pode proceder o pedido de restituição dos imóveis com fundamento no enriquecimento sem causa.
(…)”; (cfr., fls. 516-v a 520).

Ora, compreende-se que se possa eventualmente considerar que (muito) interessante não seja a leitura de uma peça judicial quando nela se rebatem argumentos apresentados para se obter determinada pretensão.

Porém, inegável se nos apresenta que (todas) as “razões” pelo recorrente alegadas em sede do seu recurso para o Tribunal de Segunda Instância a fim de obter a desejada “declaração de nulidade das vendas” foram objecto de (adequado) escrutínio na sentença do Tribunal Judicial de Base, o mesmo sucedendo com o pedido de “condenação da R.” na restituição de quantias monetárias, (ainda que a título de enriquecimento sem causa), razoável não se mostrando assim a crítica que dirige ao Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que, (efectivamente), invocando o art. 631°, n.° 5 do C.P.C.M., decidiu das ditas “questões” que lhe foram colocadas por “remissão”, fazendo seus os fundamentos sobre as mesmas antes invocados na decisão recorrida.

Dest’arte, à vista se nos apresenta a solução a adoptar, devendo pois os presentes autos voltar ao Tribunal de Segunda Instância para, nada obstando, aí se sanar a detectada “nulidade” – por omissão de pronúncia em relação ao “quesito 10°” – com nova decisão em conformidade.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam conceder parcial provimento ao recurso, devendo os autos voltar ao Tribunal de Segunda Instância nos exactos termos consignados.

Pelo seu decaimento, pagará o recorrente a taxa de justiça de 8 UCs.

Registe e notifique.

Baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 14 de Julho de 2021


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

1 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
2 Formulado apenas nas alegações de direito mas não admitido por este tribunal por despacho proferido a fls 327v a 328.
3 Novamente, no caso de isso se verificar, continuam a ser aplicáveis as regras dos artigos 779º e seguintes do CC, relativas ao não cumprimento.
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