Processo nº 86/2021 Data: 08.09.2021
(Autos de recurso jurisdicional)
Assuntos : Recurso jurisdicional.
Planta cadastral.
Rectificação.
Nulidade.
Acto consequente.
Usurpação de poderes.
SUMÁRIO
1. A nulidade de um “acto consequente” prevista no art. 122°, n.° 2, al. i) do C.P.A., pressupõe que tenha havido prévia “anulação contenciosa” ou “administrativa” do “acto antecedente” – com força de “caso julgado material” ou de “caso decidido” – implicando, assim, a existência de um “processo contencioso” ou de um “procedimento administrativo autónomo” relativamente àquele em que, (eventualmente), se venha a declarar a nulidade do acto consequente.
2. Por sua vez, entre os actos “dependente” e “consequente”, imprescindível é uma relação de “conexão jurídica”, não bastando uma mera “relação” apenas assente em juízos dependentes da “lógica (das coisas)” ou da “proximidade fáctica”, pois que tão só se pode considerar a dita “conexão” existente “quando se possa afirmar que entre os dois actos existe uma relação que seria susceptível de determinar necessariamente a invalidade do segundo, se acaso o mesmo tivesse sido praticado, nos termos em que efectivamente o foi, num momento em que já tivesse sido decretada a anulação do primeiro”.
3. Constatando-se que a (invocada) “rectificação” incidiu, apenas, sobre uma (mera) “menção” constante da planta cadastral, mais concretamente, quanto ao “número da descrição predial do terreno”, (por falta da sua respectiva correspondência entre o terreno cadastrado e o descrito na C.R.P.), não implicando qualquer “alteração da planta quanto à área ou delimitação do terreno…”, adequado não se mostra de considerar que a mesma padeça do vício de “usurpação de poderes”.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 86/2021
(Autos de recurso jurisdicional)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. “O”, (“甲戊”), sociedade com sede em Macau, interpôs, no Tribunal de Segunda Instância, recurso contencioso do despacho do SECRETÁRIO PARA OS TRANSPORTES E OBRAS PÚBLICAS de 10.05.2019 que ordenou a desocupação do terreno situado junto da intersecção da Estrada de Seac Pai Van, da Estrada do Alto de Coloane e da Estrada Militar, no prazo de 30 dias; (cfr., fls. 2 a 40 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 25.02.2021, (Proc. n.° 658/2019), concedeu-se provimento ao recurso, anulando-se o acto administrativo recorrido; (cfr., fls. 327 a 380).
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Em tempo, a entidade administrativa recorreu do assim decidido, motivando para, em conclusões, e a final, dizer o que segue:
“1ª - Constitui objecto do presente recurso jurisdicional o acórdão recorrido que anulou o acto recorrido consubstanciado no despacho do STOP, de 10 de Maio de 2019, que ordenou a desocupação do terreno situado na intersecção da Estrada de Seac Pai Van, da Estrada do Alto de Coloane e da Estrada Militar, por considerar verificado o vício de erro nos pressupostos de facto.
2.ª - O acórdão recorrido padece de erro de julgamento ao concluir que o acto impugnado é inválido por ser consequente de um outro acto viciado de nulidade por usurpação de poder, o qual seja a rectificação oficiosa da planta cadastral n.° 3854/1992, convertida em definitiva pelo Despacho n.° 10/SATOP/98, operada pelo Director da DSCC.
3.ª - Aquele aresto faz uma errada interpretação e aplicação dos preceitos vertidos nos artigos 18.° e 19.° do Decreto Lei n.° 3/94/M, de 17 de Janeiro, por julgar que o Director da DSCC não tinha competência para a rectificação oficiosa da planta cadastral já referida, pois que, não havendo concordância dos interessados, a rectificação da planta cadastral deveria ser promovida judicialmente.
4.ª - O Director da DSCC apercebendo-se de uma irregularidade rectificou oficiosamente, e bem, por possuir competência para o fazer, a planta cadastral n.° 3854/1992, retirando a indicação da descrição predial, alterando a situação jurídica do terreno, que passou a constar como terreno que se presume omisso na CRP e, por isso, integrante do domínio do Estado.
5.ª - Apesar da rectificação oficiosa, a localização, área e confrontações do terreno, que consubstanciam os elementos de identificação física do mesmo, porquanto, nos termos do artigo 14.° do diploma legal já referido são título bastante para a identificação física do prédio, mantiveram-se inalterados, tendo apenas sido modificada a menção à descrição predial, a qual, não constituindo um daqueles elementos, é irrelevante e tem natureza meramente indicativa.
6.ª - O Director da DSCC tem competência para oficiosamente corrigir uma mera irregularidade de uma planta, logo que dela tenha conhecimento, desde que se trate de um erro que se patenteie da própria planta e cuja verificação não prejudique os direitos dos titulares do prédio a que respeita a planta, como preceitua o artigo 18.° do Decreto-Lei n.° 3/94/M, de 17 de Janeiro, o qual, contrariamente ao vertido no acórdão recorrido, é aplicável ao caso em apreço.
7.ª - É claro, do explicitado, que se trata de uma mera irregularidade que se patenteia da própria planta, como é de igual clareza que esta rectificação em nada prejudica os direitos da entidade recorrida.
8.ª - A planta cadastral n.° 3854/1992 encontra-se correctamente demarcada, apenas o prédio aí demarcado não corresponde ao descrito na CRP sob o n.° 6150, propriedade da entidade recorrida, o qual não se mostra demarcado e cuja titularidade o recorrente não contesta.
9.ª - Se o terreno demarcado naquela planta cadastral não é o de propriedade da entidade recorrida e se encontra omisso na CRP, presume-se terreno disponível, integrante do domínio do Estado, sendo que, por outro lado, a entidade recorrida continua a ser proprietária e a poder usufruir do seu terreno, logo, a alteração à planta cadastral, promovida oficiosamente pelo Director da DSCC não constitui qualquer acção capaz de privar aquela de qualquer direito sobre o terreno que detém, prejudicando os seus direitos.
10.ª - Deste modo, porque não há qualquer prejuízo de direitos, a planta cadastral podia, nos termos do artigo 18.° do Decreto-Lei n.° 3/94/M, de 17 de Janeiro, ser oficiosamente promovida pelo Director da DSCC, sem necessidade de acordo dos interessados, sendo a mesma legal, válida e eficaz, sem necessidade de recurso aos Tribunais.
12.ª - É, de igual modo, incorrecta a interpretação dada pelo TSI à norma do artigo 19.° do diploma legar atrás referido, considerando o recorrente que a mesma não é aplicável ao presente caso, porquanto prevê que, não existindo acordo entre interessados, será necessária a rectificação judicial da planta apenas quando o erro provenha de deficiente demarcação ou envolva alteração da área ou delimitação do terreno.
13.ª - Ora, inexiste qualquer erro na planta cadastral, a qual se encontra correctamente demarcada, apenas o terreno demarcado naquela planta não corresponde ao terreno propriedade da entidade recorrida, que se mostra por demarcar, bem como a alteração cadastral levada a efeito não operou qualquer modificação na área ou delimitação do terreno, que se mantêm os mesmos, tendo somente sido retirada a menção relativa à descrição predial. Logo, não é legalmente exigível a rectificação judicial, sendo o Director da DSCC competente para a rectificação oficiosa da planta.
14.ª - Razão pela qual não se verifica, pois, o vício de usurpação de poder, previsto no n.° 2 do artigo 122.° do CPA, nem pode ser procedente o assacado vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, não estando o acto recorrido, consequentemente, inquinado da mesma invalidade.
15.ª - Esclarecida que ficou a inexistência de qualquer vício de nulidade por usurpação de poder, crê o recorrente que o acórdão recorrido conheceu e pronunciou-se sobre matéria da qual não podia tomar conhecimento, a qual seja a questão da rectificação oficiosa da planta cadastral n.° 3854/1992, estando, por essa razão, aquela decisão judicial ferida de nulidade por excesso de pronúncia.
16.ª - Existe excesso de pronúncia quando o Tribunal conhece de causa de pedir, pedido ou excepções que não foram invocados e estes não sejam de conhecimento oficioso, isto porque o Tribunal não pode condenar em objecto diferente daquele que o recorrente veio pedir. Sendo as conclusões que delimitam o objecto do recurso e afigurando-se evidente que nelas a então recorrente e ora entidade recorrida não levantou, em momento algum, qualquer questão relativamente à invalidade da rectificação oficiosamente levada a efeito pelo Director da DSCC naquela planta cadastral, não estando a mesma rectificação ferida de nulidade, de conhecimento oficioso, parece que estava vedada ao tribunal qualquer pronúncia sobre a matéria.
17.ª - Ao fazê-lo, a decisão judicial que ora se impugna está inquinada de nulidade, por excesso de pronúncia, prevista na alínea d) do n.° 1 do artigo 571.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.° do CPAC.
18.ª - De todo o exposto, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente e, em consequência, declarar-se nulo o acórdão recorrido por excesso de pronúncia ou, caso assim se não entenda, revogá-lo por erro de julgamento”; (cfr., fls. 394 a 409).
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Respondendo – e em síntese – diz a recorrida “O”:
“1. O fundamento da tese do Recorrente situa-se na alegação de se tratar de dois terrenos distintos, sendo que o prédio que afirma pertencer à ora Recorrida, que reconhece corresponder à descrição predial n.° 6150, a qual figura na planta cadastral n.° 3854/1992, tornada definitiva pelo Despacho n.° 10/SATOP/98, com a localização, áreas e confrontações tal como aí definidas, de acordo com a inscrição cadastral n.° 1210.005, tem agora, no seu entender, uma localização, área e confrontações desconhecidas;
2. Tal tese mais se alicerça na alegação de, no preciso lugar do terreno acima identificado, ter surgido um novo terreno, com a mesma localização, área e confrontações, tais cerno definidas na planta cadastral n.° 3854/1992, tornada definitiva pelo Despacho n.° 10/SATOP/98, mas este pertence à RAEM…;
3. E tal surgimento tem como génese uma rectificação oficiosa, a qual o Recorrente considera legal, operada pelo Senhor Director da DSCC, no âmbito da qual se retiram 53.866m2 de área ao terreno da ora Recorrida para os fazer surgir num novo terreno da RAEM. mais se colocando o terreno descrito sob o n.° 6150 possivelmente intra muros ou nullo loco;
4. Decorre da factualidade dada por assente, não impugnada pelo Recorrente, que: "Por despacho do Chefe do Executivo n.° 132/CE/2018, de 11 de Setembro de 2018, exarado no "Parecer sobre o terreno relacionado com o projecto de construção do Alto de Coloane" do Ministério Público, a Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC), de acordo com o referido despacho, apresentou a Informação n.° 33/DIR/2018, de 16 de Outubro de 2018 (anexo 5). Ao abrigo do artigo 18.° do Decreto-Lei n.° 3/94/M, a DSCC rectificou oficiosamente as respectivas informações cadastrais, retirando a descrição predial n.° 6150 constante no n.° de cadastro 1210.005, rectificando a situação jurídica do terreno como terreno do Estado, cujos elementos de identificação física não sofreram alterações, correspondendo aos elementos de identificação física constantes na planta cadastral publicitada e convertida em definitiva pelo Despacho n.° 10/SATOP/98.";
5. Em face da factualidade assente e supra transcrita, torna-se evidente que o terreno é o mesmo, afigurando-se de difícil compreensão que o Recorrente considere tratarem-se de terrenos distintos;
6. Retirar 53.866m2 de área ao terreno da ora Recorrida (à descrição predial n.° 6150) para a declarar propriedade da RAEM é expressamente uma rectificação complexa, nunca uma simples rectificação de um erro, e que, acima de tudo, não se patenteia da própria planta, assim como afecta os direitos dos titulares do prédio a que respeita (cfr. o n.° 2 do artigo 18.° do Decreto-lei n.° 3/94/M), como, no caso concreto, provoca irremediavelmente a inviabilidade da prossecução do projecto de construção aprovado, assim como a subsistência jurídica da ora Recorrida, em face dos compromissos financeiros assumidos com instituições bancárias para a promoção e execução do projecto, espelhados na certidão do registo predial através das correspondentes hipotecas;
7. Acresce, aliás como também sobrelevado na Decisão recorrida, a ratio do n.° 2 do artigo 19.° do Decreto-lei n.° 3/94/M, o qual busca e estabelece ampliação da garantia dos interessados que possam ser prejudicados com uma rectificação desta natureza, impondo a intervenção do poder judicial, imparcial e independente, adicionando garantias de defesa a uma acção oficiosa e unilateral por banda da Administração, concedendo oportunidade de cabal defesa;
8. Não é verdade que o terreno propriedade da ora Recorrida, descrito na CRP sob o n.° 6150, não se encontre demarcado, porquanto consta da matéria assente, não impugnada pelo Recorrente, que "3. Esta sociedade, como proprietária, requereu, em Agosto de 1994, junto da Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro ("DSCC") a demarcação do terreno, o que foi feito. 4. Tendo, a 14 de Outubro de 1994, sido emitida, pela primeira vez a planta cadastral 3854/1992. 5. A planta cadastral 3854/1992 foi convertida em definitiva pela Despacho 10/SATOP/98, de 27 de Fevereiro de 1998.";
9. Nunca poderia a DSCC esvaziar de conteúdo uma descrição predial (retirando-lhe a totalidade da sua área - tratando-se de 53.866m2!), via rectificação oficiosa por considerar tratar-se de um simples erro, sem sequer ouvir a proprietária, ou ainda porque o Senhor Chefe do Executivo assim o instruiu, através do Despacho n.° 132/CE/2018, de 11 de Setembro de 2018, procurando satisfazer a conclusão constante do relatório do CCAC, o qual sugeriu que "o Governo da RAEM deve, com recurso aos devidos procedimentos e vias legais, proceder cm conformidade com vista a reaver o terreno em causa.";
10. Tal rectificação oficiosa, ou mesmo a instrução do Senhor Chefe do Executivo, nunca poderá ingressar o referido grupo de devidos procedimentos e vias legais;
11. A vingar a tese do Recorrente, em qualquer altura poderia a RAEM simplesmente instruir a DSCC a retirar conteúdo (área) a qualquer descrição predial, afirmando que aquela área afinal se situa em local diferente, mesmo contra inscrição .dessa área a favor de descrição predial em planta cadastral tornada definitiva, sob o pretexto de não estar a alterar a área e outros elementos físicos do prédio, que continuariam os mesmos, pelo que tais rectificações oficiosas seriam legais… Salvo o devido respeito, tal tese carece de absoluto fundamento, comportamento que configuraria autênticas expropriações dissimuladas e ilegais, assim como atentaria contra a segurança do comércio jurídico na compra e venda de propriedades;
12. Os entendimentos inaceitáveis do Recorrente quanto ao disposto nos artigos 18.° e 19.° do Decreto-lei n.° 3/94/M conduzem à ideia de que o Senhor Director da DSCC pode, livre e oficiosamente, fazer transportar terrenos (descrições prediais) de um local conhecido para outro desconhecido, desde que não intervenha nos elementos de identificação física do prédio;
13. Ao contrário do que afirma o Recorrente, nunca se poderá considerar como irrelevante a menção relativa à descrição predial constante [nos termos do disposto na alínea e) do n.° 1 do artigo 4.° do Decreto-lei n.° 3/94/M] da primeira planta cadastral emitida, tanto que foi a própria DSCC, através de certidão emitida em 15 de Dezembro de 2004 e em 30 de Março de 2006, quem confirmou que: "(…) conforme as informações destes Serviços, a data de demarcação do terreno situado na Estrada de Campo em Coloane, descrito sob o n.° 6150, fl 19V do Livro B24 na Conservatória do Registo Predial de Macau, foi 14 de Outubro de 1994 e a área do terreno é de 53.866m2, (…)" - (cfr. o processo n.° 3854/1992 da DSCC junto aos autos);
14. A montante, todas as teses do Recorrente são alicerçadas na alegação de que a ora Recorrida não é a proprietária do terreno identificado na planta cadastral n.° 3854/1992, tornada definitiva pelo Despacho n.° 10/SATOP/98 (a qual menciona a descrição n.° 6150, reitere-se), mas sim de um outro, o descrito sob o n.° 6150 mas que não sabe onde se situa…;
15. Torna-se de difícil assimilação o facto de a Administração alegar desconhecer onde se situa um terreno de um proprietário particular com uma área de 53.866m2, devidamente demarcado nos termos legais há mais de 30 anos…, tanto que os trabalhos de demarcação executados em 1994 pela DSCC, a pedido da proprietária do terreno descrito sob o n.° 6150, serviram para identificar com precisão o recém-nascido terreno da RAEM, mas não servem para identificar o terreno da requerente de então e da actual proprietária…;
16. Nestes termos, as teses do Recorrente são meras alegações sem factualidade provada que lhe subjaza, muito ao contrário do que afirma mas prova a Recorrida, sendo que o terreno identificado na planta cadastral n.° 3854/1992 é sua propriedade, porquanto o adquiriu em 2004, com a identificação física constante dessa planta cadastral n.° 3854/1992, tornada definitiva pelo Despacho n.° 10/SATOP/98 , a qual menciona e localiza a descrição n.° 6150 através da inscrição cadastral n.° 1210.005, cornos elementos físicos de identificação que resultaram da demarcação efectuada em 1994 pela própria DSCC;
17. E como bem se decidiu no Acórdão aqui colocado em crise, fosse a alegação do Recorrente verdadeira, os artigos 18.° e 19.° do Decreto-lei n.° 3/94/M teriam plena aplicabilidade in casu, porquanto definem o âmbito da competência oficiosa do Director da DSCC para proceder a rectificações, limitando-as às situações de simples erros, o que não é o caso, e excluindo desse âmbito as rectificações que prejudiquem os direitos dos titulares dos prédios em questão ou confinantes: o que é o caso, porquanto a Recorrida é a proprietária;
18. Não se concedendo e só se equacionando em prol da boa execução deste patrocínio judicial, ainda que tivesse existido qualquer eventual irregularidade no processo de demarcação - cuja existência teria sempre de ser provada - deveria então o Recorrente ter reagido atempadamente através dos competentes meios previstos na lei, nomeadamente apresentando pedido de esclarecimento durante os 30 dias seguintes após a planta cadastral n.° 3854/1992 ter ficado patente ao público, ou reclamando, no prazo de 60 dias a contar da sua publicação, quanto aos elementos constantes da planta, designadamente quanto à descrição dela patente (cfr. o n.° 1 do artigo 6.°, o n.° 1 do artigo 7.° e a alínea e) do n.° 1 do artigo 4.°, todos do DL n.° 3/94/M, de 17 de Janeiro), o que o Recorrente nunca fez;
19. Por fim, o Recorrente invoca a nulidade do Acórdão ora recorrido por excesso de pronúncia, o que não poderá proceder, porquanto o vício de usurpação de poder implica a nulidade do Acto visado [cfr. a alínea a) do n.° 2 do artigo 122.° do CPA], que pode ser declarada a todo o tempo por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal (cfr. o n.° 2 do artigo 123.° do CPA);
20. Mais acompanhando a Decisão do Tribunal a quo, a nulidade da rectificação oficiosa operada pela DSCC tem por consequência a nulidade do acto administrativo aqui em crise, o qual ordenou a desocupação do terreno em causa, pelo que o Acórdão ora recorrido não merece reparo”; (cfr., fls. 415 a 434).
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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer opinando no sentido da procedência do recurso (e devolução dos autos ao Tribunal de Segunda Instância); (cfr., fls. 453 a 458).
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Nada parecendo obstar, passa-se a conhecer do recurso.
Fundamentação
Dos factos
2. O Tribunal de Segunda Instância considerou e indicou como relevante e provada a seguinte matéria:
«1. Pelo processo judicial que correu termos sob o n.º 210/91 - Justificação da Qualidade de Herdeiros -, A ou A1 e B foram declarados únicos e universais herdeiros do seu avô C ou C1, tendo, em consequência, herdado o terreno descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau, em regime de propriedade privada, que confrontava a Norte e Leste com a Estrada do Campo, a Sul com a casa n.º 2 e a Oeste com o Beco da Porta.
2. Por escritura pública lavrada, a 16 de Outubro de 1993, no [Cartório do Notário Privado(1)] foi o prédio vendido à D.
3. Esta sociedade, como proprietária, requereu, em Agosto de 1994, junto da Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (“DSCC”) a demarcação do terreno, o que foi feito.
4. Tendo, a 14 de Outubro de 1994, sido emitida, pela primeira vez a planta cadastral 3854/1992.
5. A Planta Cadastral 3854/1992 foi convertida em definitiva pelo Despacho 10/SATOP/98, de 27 de Fevereiro de 1998.
6. Em Abril de 2004, a proprietária do terreno iniciou um leilão para venda do mesmo.
7. No ponto 1 (The Land) dos detalhes (Particulars) do leilão se descreve o terreno em causa como estando inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 6150, com uma área de 53.866m2 (-5% do que a área mencionada no registo predial), com as seguintes confrontações:
NE - terreno junto da Estrada de Seac Pai Van e da Estrada do Alto de Coloane (n.º 22624), terreno que se presume omisso na Conservatória do Registo Predial junto da Estrada Militar e da Estrada do Alto de Coloane;
SE - terreno junto da Estrada Militar (n.º 19232), terreno que se presume omisso na Conservatória do Registo Predial junto da Estrada Militar e Estrada do Alto de Coloane e Estrada Militar;
SW - terreno que se presume omisso na Conservatória do Registo Predial junto da Estrada do Alto de Coloane e Estrada do Campo;
NW - terreno que se presume omisso na Conservatória do Registo Predial junto da Estrada de Seac Pai Van, Estrada de Seac Pai Van e Estrada do Alto de Coloane.
8. Conforme o ponto 5 (Documents Inspection) do mesmo documento, na altura foi emitida uma planta pelos Serviços de Cartografia e Cadastro identificando e localizando o terreno em causa nos termos mencionados no artigo anterior, cujas confrontações correspondem às da planta cadastral emitida em Outubro de 1994 na sequência do processo de demarcação do terreno descrito na Conservatória do Registo Predial sob a descrição n.º 6150.
9. A ora Recorrente obteve vencimento no leilão e, por escritura pública lavrada, no dia 06 de Maio de 2004, no [Cartório da Notária Privada(2)], adquiriu o prédio em causa.
10. Como proprietária de um imóvel em regime de propriedade privada, a Recorrente iniciou os procedimentos tendentes à sua utilização e aproveitamento, tendo para o efeito e nos termos do artigo 32.º do Regime Geral da Construção Urbana (“RGCU”), requerido a emissão de plantas cadastrais e iniciado, em 2013, o procedimento de licenciamento de um projecto de construção, onde chegaram a ser emitidas Plantas de Alinhamento Oficial, e, antes, sido emitida a licença n.º 659/2012, que permitiu à Recorrente a instalação de tapumes e contentores no terreno cuja desocupação ora se ordena.
11. Em 2018, após a publicação de um relatório do Comissariado contra a Corrupção e de um Parecer do Ministério Público que se lhe seguiu, a localização do terreno descrito sob o n.º 6150 passou, no entender da Administração e da Entidade Recorrida, a ser controvertida,
12. Tendo resultado na extinção do procedimento de licenciamento (Processo n.º 16/CT/2013/L).
13. O técnico do DSSOPT elaborou, em 09/05/2019, a seguinte informação (nº 47/DJUDEP/2019):
“…
1. Através da CSI n.º 490/DURDEP/2019, de 25 de Março, o Departamento de Urbanização (DURDEP) solicitou ao Departamento Jurídico (DJUDEP) a emissão de parecer jurídico sobre o assunto referido em epígrafe.
I. Enquadramento
2. Por Despacho do Chefe do Executivo n.º 132/CE/2018, de 11 de Setembro, esta entidade manifestou a sua concordância com o "Parecer sobre o terreno do projecto de construção do Alto de Coloane" elaborado pelo Ministério Público (MP) em 28 de Março de 2018 e determinou que o Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP) iniciasse os procedimentos referidos nos pontos 6.3 e 6.4 do parecer.
3. De acordo com o ponto 6.3 do parecer acima referido "no intuito de assegurar a estabilidade e determinação da lei, caso a planta de alinhamento e a planta cadastral elaboradas nos termos do Regulamento Geral da Construção Urbana (RGCU) ainda sejam válidas, a autoridade administrativa deverá declarar, com a maior brevidade possível, a nulidade dos respectivos actos administrativos".
O ponto 6.4 refere que "a fim de proteger os terrenos do Estado e de defender o prestígio de governação do Governo de Macau, a Administração tem fundamentos legais suficientes para determinar a desocupação do terreno onde se localiza o projecto de construção do Alto de Coloane".
4. Seguidamente, por despacho de 29 de Novembro de 2018 exarado na informação n.º 113/DJUDEP/2018, de 26 de Novembro, o STOP manifestou a sua concordância com a análise constante da informação, tendo-se procedido à audiência prévia do interessado.
II. Notificação da interessada e sua resposta
5. Assim, nos termos dos artigos 93.º e 94.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), através do ofício n.º 19648/DURDEP/2018, de 19 de Dezembro, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) notificou a sociedade O, doravante designada por ocupante, da realização da audiência prévia relativa à intenção de tomada de decisão final sobre a ocupação ilegal de terreno, para se pronunciar sobre as questões de facto e de direito relevantes inerentes ao respectivo procedimento, por escrito, no prazo de 10 dias, contados a partir da notificação.
6. Posteriormente, em 18 de Janeiro de 2019, o Senhor Dr. E, na qualidade de advogado da ocupante, apresentou à DSSOPT a resposta à audiência prévia, por escrito, alegando que, ao abrigo dos artigos 70.º, 113.º e 114.º do CPA, a sociedade não podia exercer o direito de audiência uma vez que a DSSOPT não tinha enviado as informações necessárias no ofício da notificação, não produzindo por isso quaisquer efeitos. Assim, solicitou o novo envio da notificação com as informações necessárias e a indicação do prazo de exercício de direito de audiência.
7. Mais tarde, em 23 de Janeiro de 2019, o referido mandatário, apresentou à DSSOPT a resposta à audiência escrita, cujo texto se transcreve de seguida:
"1. Refere o ofício que a O deve desocupar e devolver o terreno em causa ao Estado porque (1) não possui licença de ocupação temporária, (2) trata-se de terreno disponível do Estado uma vez que não existe qualquer registo de propriedade ou outro direito real sobre o mesmo, e (3) a sociedade não tem contrato de concessão nem licença de ocupação temporária, pelo que o terreno está a ser ilegalmente ocupado, actuação que é punida, nos termos da Lei de Terras, com multa.
2. Ora, diga-se, em primeiro lugar que a O, conforme certidão predial a que essa Direcção pode ter acesso por via informática, é, desde 6 de Maio de 2004. proprietária de um terreno com a área de 56592 (cinquenta e seis mil quinhentos e noventa e dois) metros quadrados, que confronta a Norte e Este com a Estrada do Campo, a Sul com a casa n.º 2 e a Oeste com o Beco da Porta, vide inscrição n.º 85096G.
3. Terreno este que sempre foi considerado como sendo aquele indicado a sombreado na planta anexa ao Ofício, nunca tendo sido posta em causa a identificação e titularidade do mesmo.
4. Na verdade, essa Direcção chegou a emitir as plantas de alinhamento e a dar parecer favorável a um projecto de arquitectura apresentado pela O, tendo também emitido a licença de obra n. o 659/2012, que possibilitou à O a instalação tapumes e contentores no terreno, cujo remoção agora se pretende ordenar.
5. De igual forma, os outros departamentos da administração que intervieram, nos termos do Regulamento Geral da Construção Urbana, no procedimento de aprovação do projecto de arquitectura apresentado e na emissão da licença supre identificada, nunca, nos seus pareceres, questionaram a legitimidade da O como proprietária do terreno, num a localização deste, identificando-o como aquele que está sombreado na planta anexa ao Ofício.
6. Pelo exposto, a Administração e essa Direcção sempre identificaram o terreno de que a O é proprietária com aquele que vem identificado na planta, desconhecendo-se qual o motivo para essa Direcção vir agora alegar que o terreno não se encontra registado, que a sociedade não tem qualquer direito de propriedade sobre ele, que ali colocou tapumes e contentores sem ter licença para tal, devendo, em consequência, desocupá-lo e devolvê-lo.
7. Esta decisão apenas pode ter como base o Relatório do Comissariado contra a Corrupção e o Parecer do Ministério Público que alegam que o terreno registado sob o n.º 6150 não é o terreno em causa no presente processo, mas outro, sem que indiquem qual.
8. Não obstante a base factual em que o relatório e o parecer assentam, bem como as respectivas conclusões, a verdade é que ambos os documentos carecem de força jurídica para, por si só, modificarem a realidade registra] e jurídica, isto é, que o terreno em causa é o terreno cuja propriedade pertence à O.
9. Na verdade, é o próprio relatório do Comissariado contra a Corrupção que conclui sugerindo que o Governo da RAEM recorra aos devidos procedimentos e vias legais para reaver o terreno em causa,
10. o que o Governo nunca fez, nem o pode fazer administrativamente, através dessa Direcção de Serviço, com base num parecer do Ministério Público, que, legalmente, não tem tal efeito jurídico.
11. Assim, para todos os efeitos legais, atendendo aos elementos da descrição predial que constam do registo, até hoje, o terreno em causa é propriedade da O, facto, repete-se, admitido por essa Direcção, o que se comprova pela emissão da licença de construção n.º 659/2012 e por outros procedimentos administrativos que aí correram em que se analisaram projectos de construção para esse mesmo terreno.
12. Nos termos do artigo 7.º do Código de Registo Predial, o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
13. Sendo que o artigo 25.º do mesmo diploma estatui que as descrições prediais não podem ser feitas nem actualizadas em contradição com os elementos fornecidos pelo cadastro, quanto à localização, área e confrontações dos prédios.
14. Referindo o n.º 2 deste inciso legal que a apresentação da planta cadastral é obrigatória para a realização de qualquer acto de registo que determine a abertura de descrição ou a sua actualização quanto aos elementos de identificação física mencionados no número anterior, bem como quando não constem ainda da descrição existente o número e data da planta cadastral.
15. Por sua vez o artigo 71.º do diploma em causa estipula que a descrição tem por fim a identificação física dos prédios e a referência à sua situação matricial e cadastral e que de cada prédio é feita uma descrição distinta.
16. Ora, no caso, a descrição a que corresponde o terreno em causa e que tem o n.º 6150 é bem clara na identificação da localização do prédio e da sua área, não podendo a Administração, como base em suposições não demonstradas em sede própria, vir afirmar o contrário e retirar daí a conclusão que retira e que deu origem ao despacho em crise.
17. Para o fazer teria a Administração, como diz o Comissariado contra a Corrupção no aludido relatório, que iniciar os procedimentos legais necessários para anular a inscrição de propriedade do imóvel ou alterar a descrição predial em causa, nomeadamente através da competente acção judicial nos termos prescritos no Código de Registo Predial.
18. Não podendo, em consequência, por portas travessas, pôr em causa a verdade registral.
19. Por outro lacto, ao afirmar que o terreno não pertence à O e que deve ser declarado terreno do Estado, sem indicar qual o terreno de que a mesma sociedade é, afinal proprietária, está a Administração a praticar um acto com os efeitos de uma expropriação sem que seja dada à sociedade qualquer compensação, pelo que esta actuação é contrária à Lei Básica, nomeadamente ao seu artigo 103.º.
20. Pelo exposto, não pode a Administração afirmar que a O não detém qualquer direito de propriedade sobre o terreno, que este não se encontra registado em nome da mesma sociedade e que esta não tem licença para o ocupar, declarando-o terreno disponível do Estado e, em consequência, ordenando que a sociedade o desocupe e devolva nos termos da Lei de Terras.
21. A O é, para todos os efeitos legais, e atenta a realidade registral, proprietária, e não concessionária, do terreno em causa, pelo que a Lei de Terras e o procedimento de despejo não se podem aplicar ao caso em concreto.
22. Por outro lado, atenta a emissão de licença de obra já mencionada, a O foi autorizada por essa Direcção a vedar o terreno de forma a iniciar os trabalhos de construção, razão pela qual não existe, qualquer motivo para o desocupar.
Termos em que, por não se verificam os pressupostos de facto e de direito para que seja ordenado o despejo, desocupação e devolução do terreno, deve o presente procedimento ser arquivado, com as devidas consequências legais, sugerindo, ao abrigo do n.º 3 do artigo 94.º do CPA, a inquirição de testemunhas apresentadas por si."
8. Relativamente aos elementos em falta na notificação apontados pela ocupante, foi determinada a suspensão da contagem do prazo de audiência, por despacho do Director da DSSOPT, de 27 de Fevereiro de 2019, exarado na proposta n.º 1303/DURDEP/2019, de 21 de Fevereiro e foi autorizado o envio de nova notificação com os conteúdos anteriormente em falta, sendo o prazo de resposta de 10 dias a contar da data de a notificação.
9. Por sua vez, considerando que nos termos da inscrição predial n.º 229979C, a ocupante tinha constituído uma hipoteca sobre o terreno descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o n.º 6150 a favor do [Banco(1)], impendia sobre esta Direcção de Serviços o dever de realizar a audiência prévia ao banco credor sobre o sentido provável da decisão em causa, de acordo com os artigos 93.º e 94.º do CPA.
10. Deste modo, a DSSOPT, através do ofício n.º 2865/DURDEP/2019, de 28 de Fevereiro, notificou o [Banco(1)], para se pronunciar no prazo de 10 dias a contar da data da recepção da notificação, não tendo recebido, no entanto, a sua resposta dentro do prazo indicado.
11. Para além disso, através do ofício n.º 2866/DURDEP/2019, de 28 de Fevereiro, a DSSOPT remeteu as respectivas informações ao Senhor Dr. E, advogado da requerente.
12. Em 14 de Março de 2019, este mandatário apresentou à DSSOPT, uma vez mais, a audiência escrita, cujo texto se transcreve de seguida:
"1. Refere o Ofício que a Sociedade deve desocupar e devolver o terreno em causa ao Estado porque (1) não possui licença de ocupação temporária, (2) trata-se de terreno disponível do Estado uma vez que não existe qualquer registo de propriedade ou outro direito real sobre o mesmo, e (3) a Sociedade não tem contrato de concessão nem licença de ocupação temporária, pelo que o terreno está a ser ilegalmente ocupado, actuação que é punida, nos termos da lei de Terras, com multa.
2. Ora, diga-se, em primeiro lugar que a Sociedade, conforme certidão predial a que essa Direcção pode ter acesso por via informática, é, desde 6 de Maio de 2004, proprietária de um terreno com a área de 56592m2 (cinquenta e seis mil quinhentos e noventa e dois metros quadrados), que confronta a Norte e Este com a Estrada do Campo, a Sul com a casa n.º 2 e a Oeste com o Beco da Porta, vide inscrição n.º 85096G confrontações estas registadas desde 1903.
3. Terreno este que sempre foi considerado como sendo aquele indicado a sombreado na planta emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro anexa ao Ofício, nunca tendo sido, até ao presente, posta em causa a identificação e titularidade do mesmo.
4. Na verdade, essa Direcção chegou a emitir as plantas de alinhamento e a dar parecer favorável a um projecto de arquitectura apresentado pela Sociedade, tendo também emitido a licença de obra n.º 659/2012, que possibilitou à Sociedade a instalação tapumes e contentores no terreno, cujo remoção agora se pretende ordenar.
5. De igual forma, os outros departamentos da administração que intervieram, nos termos do Regulamento Geral da Construção Urbana, no procedimento de aprovação do projecto de arquitectura apresentado e na emissão da licença supra identificada, nunca, nos seus pareceres, questionaram a legitimidade da Sociedade como proprietária do terreno, nem a localização deste, identificando-o como aquele que está sombreado na planta anexa ao Ofício.
6. Pelo exposto, a Administração e essa Direcção sempre identificaram o terreno de que a Sociedade é proprietária com aquele que vem identificado na planta.
7. A alegação de que o terreno não se encontra registado assenta, em primeiro lugar numa certidão do registo predial emitida com base numa planta cadastral cujas confrontações nada têm a ver com as confrontações originais do terreno em causa, razão pela qual a conservatória emitiu uma certidão negativa.
8. Tivesse-se solicitado uma certidão com base nas confrontações do registo e a resposta da conservatória seria totalmente distinta.
9. Por outro lado, importa frisar que a própria Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro emitiu anteriormente plantas cadastrais tendo por base as confrontações constantes do registo predial e, nessas plantas, identificou o terreno como sendo aquele que agora diz presumir-se omisso.
10. Acresce que, no início de 2018, a Sociedade requereu emissão de nova planta cadastral que até hoje não chegou a ser emitida, tendo a Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro informado que o pedido estava a ser processado, pelo que muito se estranha a emissão da planta junta como anexo 4 ao Ofício em Outubro de 2018 e a não emissão daquela que a Sociedade requereu no início desse mesmo ano.
11. Assim, atendendo a que os anexos 3 e 4 enfermam de vício nos pressupostos de facto, uma vez que as confrontações são diferentes das que constam do registo, devem os mesmos ser desconsiderados,
12. não podendo, com base neles, afirmar-se que a Sociedade não tem qualquer direito de propriedade sobre o terreno e, em consequência, que ali colocou tapumes e contentores sem ter licença para tal, devendo, como tal, desocupá-lo e devolvê-lo,
13. Porque não foi pedida à Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro uma planta com as confrontações constantes do registo?
14. Se, com base numa planta em que as confrontações não coincidem com as registadas, essa Direcção decide que o terreno não pertence à Sociedade, deveria, para sustentar melhor a sua tese, ter, pelo menos, simultaneamente, requerido uma planta com as confrontações correctas.
15. Em segundo lugar diz o Ofício que o "Parecer sobre o Terreno Envolvido no Projecto de Construção do Alto de Coloane" elaborado pelo Ministério Público entende que a Administração tem fundamentos de direito suficientes para ordenar a sua desocupação.
16. É verdade que o referido Parecer do Ministério Público alega que o terreno registado sob o n.º 6150 não é o terreno em causa no presente processo, mas outro.
17. No entanto nunca indica de qual terreno se trata,
18. Não obstante a base factual em que o parecer assenta, bem como as respectivas conclusões, a verdade é que o documento carece de força jurídica para, por si só, modificar a realidade registral e jurídica, isto é. que o terreno em causa é o terreno cuja propriedade pertence à Sociedade.
19. Veja-se que o relatório do Comissariado contra a Corrupção elaborado relativamente ao mesmo terreno conclui sugerindo que o Governo da RAEM recorra aos devidos procedimentos e vias legais para reaver o terreno em causa.
20. Acontece que o Governo nunca o fez e não o pode fazer administrativamente, através dessa Direcção de Serviços, com base na homologação de um parecer do Ministério Público, que, legalmente, não tem tal efeito jurídico.
21. Para todos os efeitos legais, atendendo aos elementos da descrição predial que constam do registo, até hoje, o terreno em causa é propriedade da Sociedade, facto, repete-se, admitido por essa Direcção, o que comprova pela emissão da licença de construção n.º 659/2012 e por outros procedimentos administrativos que aí correram em que se analisaram projectos de construção para esse mesmo terreno.
22. Nos termos do artigo 7.º do Código de Registo Predial, o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
23. Sendo que o artigo 25.º do mesmo diploma estatui que as descrições prediais não podem ser feitas nem actualizadas em contradição com os elementos fornecidos pelo cadastro, quanto à localização, área e confrontações dos prédios.
24. Referindo o n.º 2 deste inciso legal que a apresentação da planta cadastral é obrigatória para a realização de qualquer acto de registo que determine a abertura de descrição ou a sua actualização quanto aos elementos de identificação física mencionados no número anterior; bem como quando não constem ainda da descrição existente o número e data da planta cadastral.
25. Por sua vez o artigo 71.º do diploma em causa estipula que a descrição tem por fim a identificação física dos prédios e a referência à sua situação matricial e cadastral e que de cada prédio é feita uma descrição distinta.
26. Ora, no caso, a descrição a que corresponde o terreno em causa e que tem o n.º 6150 é bem clara na identificação da localização do prédio e da sua área, não podendo a Administração, como base em suposições não demonstradas em sede própria, vir afirmar o contrário e retirar daí a conclusão que retira e que deu origem ao despacho em crise.
27. Para o fazer teria a Administração, como diz o Comissariado contra a Corrupção no aludido relatório, que iniciar os procedimentos legais necessários para anular a inscrição de propriedade do imóvel ou alterar a descrição predial em causa, nomeadamente através da competente acção judicial nos termos prescritos no Código de Registo Predial.
28. Não podendo, em consequência, por portas travessas, pôr em causa a verdade registral.
29. Por outro lado, ao afirmar que o terreno não pertence à Sociedade e que deve ser declarado terreno do Estado, sem indicar qual o terreno de que a Sociedade é, afinal, proprietária, está a Administração a praticar um acto com os efeitos de uma expropriação sem que seja dada à Sociedade qualquer compensação, pelo que esta actuação viola a Lei Básica, nomeadamente ao seu artigo 103.º.
30. Pelo exposto, não pode a Administração afirmar que a Sociedade não detém qualquer direito de propriedade sobre o terreno, que este não se encontra registado em nome da Sociedade e que esta não tem licença para o ocupar, declarando-o terreno disponível do Estado e, em consequência, ordenando que a Sociedade o desocupe e devolva nos termos da Lei de Terras.
31. A Sociedade é, para todos os efeitos legais, e atenta a realidade registral, proprietária, e não concessionária, do terreno em causa, pelo que a Lei de Terras e o procedimento de despejo não se podem aplicar ao caso em concreto.
32. Por outro lado, atenta a emissão de licença de obra já mencionada, a Sociedade foi autorizada por essa Direcção a vedar o terreno de forma a iniciar os trabalhos de construção, razão pela qual não existe, qualquer motivo para o desocupar.
Uma vez que não se verificam os pressupostos de facto e de direito para que sejam ordenadas a desocupação e devolução do terreno, a requerente considera que o respectivo procedimento deve ser suspenso, sugerindo, ao abrigo do n.º 3 do artigo 94.º do CPA, a inquirição de testemunhas apresentadas por si."
III. Análise
13. A requerente começa por alegar nos pontos 4 e 5 da sua resposta, que a Administração emitiu a planta de alinhamento oficial e deu parecer favorável ao projecto de arquitectura por si apresentado e emitiu a licença de obra n.º 659/2012, o que permitiu à ocupante a instalação de tapumes e contentores no terreno, cuja remoção agora se pretende ordenar. E que, durante o procedimento de licenciamento (aprovação do projecto de arquitectura e a emissão da licença supra-identificada), nunca a Administração, nos seus pareceres, questionou a sua legitimidade como proprietária do terreno, nem a localização deste.
14. Quanto ao argumento de que esta Direcção chegou a emitir plantas de alinhamento e a dar parecer favorável ao projecto de arquitectura, dir-se-á que apesar de a DSSOPT ter efectivamente emitido a PAO n.º 96A082, esta não confere qualquer direito real sobre o terreno dela objecto, nem tal emissão põe em causa a conclusão a que entretanto se chegou que o terreno onde se pretende implantar o projecto de construção cujo licenciamento se requereu não é o terreno em questão no presente processo.
Por outro lado, o parecer favorável aos projectos de arquitectura e de alteração de arquitectura, constante do despacho do Subdirector da DSSOPT, Substituto, de 29 de Outubro de 2015, foi emitido no pressuposto, conforme a planta cadastral, de que o referido terreno se situava naquele local e, portanto, que o dono da obra era titular do mesmo, pelo que detinha legitimidade para executar a obra.
15. Ora, uma vez que, posteriormente, se chegou à conclusão que afinal o terreno em causa não se encontra situado naquele local, mas noutro, e que se trata de um terreno do Estado, há que desencadear os procedimentos legais necessários para se repor a legalidade e reaver a posse do dito terreno
16. Nesta conformidade, verificando-se na pendência do procedimento de licenciamento que o terreno identificado na planta cadastral emitida pela DSCC, bem como na PAO emitida pela DSSOPT para o respectivo projecto de construção é propriedade do Estado e que sobre ele o requerente, dono da obra, não dispõe de qualquer direito que lhe confira poderes de construção e transformação, não restava à DSSOPT outra opção que não a de declarar, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 103.º do Código do Procedimento Administrativo, a extinção do procedimento de licenciamento por o objecto da decisão se revelar impossível e inútil (falta de legitimidade da parte no procedimento), bem como de iniciar o presente procedimento de desocupação do terreno em apreço.
17. No ponto 11 e ss da resposta a ocupante alega que os anexos 3 e 4 do ofício de Outubro de 2018 padecem de vício nos pressupostos de facto, uma vez que as confrontações são diferentes das que constam do registo, considerando que devem os mesmos ser desconsiderados.
18. Os referidos documentos (anexos 3 e 4) são certidões emitidas pela CRP, em 8 de Novembro de 2018, que comprovam que o terreno em apreço se encontra assinalado na planta cadastral n.º 71210005 (Proc. n.º 3854/1992), emitida pela DSCC em 16 de Outubro de 2018, e que não existe qualquer registo de direito de propriedade ou outro direito real, designadamente domínio útil ou direito resultante de concessão por arrendamento a favor de particular (pessoa singular ou pessoa colectiva). Deste modo, de acordo com as disposições do artigo 7.º da Lei Básica da RAEM e do artigo 8.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), o mesmo é propriedade do Estado considerando-se terreno disponível.
19. De facto, de acordo com a planta cadastral acima referida, as confrontações e pontos coordenados do terreno em apreço estão claramente definidos e consta indicação especifica que o mesmo se presume omisso na CRP, pelo que não colhem os argumentos invocados pela ocupante, uma vez que os factos constantes dos documentos referidos como anexos 3 e 4 encontram-se devidamente comprovados.
20. Nos pontos 16 e 21 da resposta, a ocupante alega que o parecer do Ministério Público que demonstra que o terreno registado sob o n.º 6150 não é o terreno em causa no presente processo, mas outro, não indicando, no entanto, qual é este outro terreno, carece de força jurídica.
21. Invocando que "é o próprio relatório do CCAC que conclui sugerindo que o Governo da RAEM recorra aos devidos procedimentos e vias legais para reaver o terreno em causa".
22. Conforme referido supra, estes documentos deram origem ao despacho do Chefe do Executivo n.º 132/CE/2018, de 11 de Setembro que veio concordar com o parecer do MP e determinar que o STOP desse início aos procedimentos referidos nos pontos 6.3 e 6.4 do parecer.
23. Nestes termos, no cumprimento do despacho do STOP, a DSSOPT elaborou a informação n.º 113/DJUDEP/2018, de 8 de Novembro, que contém a análise, os pareceres e os factos invocados pelos CCAC e MP, assim como, o ofício da DSCC n.º 1701/CADV/02.01.l07/3854/2018, de 29 de Outubro, o qual comprova que os limites definidos na planta cadastral n.º 3854/1992, emitida em 16 de Outubro de 2018, pela DSCC correspondem aos da planta cadastral publicada e convertida em definitiva através do Despacho n.º 10/SATOP/98. Além disso, informou ainda que a CRP presume que o terreno objecto do presente caso não se encontra registado (Anexo 1).
24. Tendo, por outro lado, a DSCC através do ofício n.º 1715/CADV/02.01.107/3854/2018, de 30 de Outubro, comprovado que a planta cadastral oficial n.º 3854/1992 tinha sido emitida ao abrigo da alínea b) do n.º 6 do artigo 19.º e do n.º 2 do artigo 32.º do RGCU, aprovado pelo Decreto-lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto. E conforme o n.º 3 do artigo 32.º a planta cadastral oficial tem um prazo de validade de 12 meses (Anexo 2).
25. Relativamente ao invocado no ponto 23 supra quanto à sugestão do CCAC, note-se que no ponto 22 da informação n.º 113/DJUDEP/2018, elaborada pela DSSOPT em 8 de Novembro, conclui-se que "De acordo com o artigo 7.º da Lei Básica da RAEM, o terreno onde se encontra localizado o projecto de construção do Alto de Coloane é propriedade do Estado. Nestes termos, propõe-se superiormente que seja aberto um processo relativo à ocupação ilegal de terreno do Estado, no sentido de dar início à sua desocupação.".
26. Tendo a proposta acima mencionada merecido a concordância do STOP, por despacho de 29 de Novembro de 2018, exarado naquela informação n.º 113/DJUDEP/2018, na sequência do que a DSSOPT deu início ao presente procedimento de recuperação do terreno em epígrafe (processo n.º 23/DC/2018/F).
27. Relativamente às alegações dos (pontos 22 a 27) sobre os artigos 7.º, 25.º e 71.º do Código de Registo Predial tal como consta do parecer do MP, a localização do terreno para o projecto de construção do Alto de Coloane não corresponde à do terreno descrito sob o n.º 6150, conforme passamos a explicar.
Primeiro, o lado oeste e o lado sul do terreno onde se encontra localizado o projecto de construção do Alto de Coloane confinam com a Estrada do Campo, no entanto, o lado norte e o lado leste do terreno sob a descrição n.º 6150 confrontam com a Estrada do Campo, sendo totalmente opostos, ou seja, os dois terrenos situam-se nos dois lados da Estrada do Campo e não se sobrepõem um ao outro.
Em segundo lugar, de acordo com as informações da CRP, o lado oeste do terreno descrito sob o n.º 6150 confina com o Beco da Porta. Apesar de não se terem encontrado informações cadastrais relativas ao Beco da Porta, tendo em conta que o terreno descrito sob o n.º 6150 confronta do lado oeste com o Beco da Porta, o mesmo terreno deve situar-se na Estrada do Campo, perto da zona onde se situam actualmente o Posto de Saúde de Coloane e a Escola Superior das Forças de Segurança de Macau, julgando-se que não é possível que se trate do mesmo terreno mas de um outro terreno situado no extremo norte da Estrada do Campo (cfr. ponto 1 do parecer do MP).
28. Ademais, o artigo 7.º do Código do Registo Predial estipula: "O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define." Sendo assim, quer o impresso de "Contribuição Predial" passado pela DSF, quer a planta cadastral emitida pela DSCC nos termos do RGCU, quer a planta de alinhamento oficial emitida pela DSSOPT para o respectivo projecto não constituem prova legal do facto registado.
29. Deste modo, o terreno descrito na CRP sob o n.º 6150 e o terreno onde seria implementado projecto de construção do Alto de Coloane são dois terrenos completamente diferentes, que não se sobrepõem um ao outro, pelo que mesmo que o proprietário do terreno descrito sob o n.º 6150 tenha obtido os documentos comprovativos emitidos pela Administração respeitantes ao terreno para execução do projecto de construção do Alto de Coloane, tais como o impresso relativo ao pagamento da contribuição predial, a planta cadastral emitida nos termos do RGCU e a planta de alinhamento oficial, esses documentos não configuram título de aquisição formal da propriedade ou de outro direito real sobre o terreno do empreendimento do Alto de Coloane (cfr. ponto 2 do parecer do MP).
30. Por sua vez, o ponto 27 da resposta refere que "Para o fazer teria a Administração, como diz o CCAC no aludido relatório, que iniciar os procedimentos legais necessários para anular a inscrição de propriedade do imóvel ou alterar a descrição predial em causa, nomeadamente através da competente acção judicial nos termos prescritos no Código do Registo Predial.".
31. É de sublinhar que o CCAC não afirma o que a ocupante pretende fazer crer. O que o CCAC diz é que o actual lote de terreno onde se encontra localizado o projecto de construção do Alto de Coloane faz parte dos terrenos do Estado na RAEM, pelo que o Governo da RAEM deve, com recurso aos devidos procedimentos e vias legais, proceder em conformidade com vista a reaver o terreno em causa, que é precisamente o que a Administração está a fazer com o presente procedimento de desocupação do terreno em causa.
32. Não se acolhe o alegado pela ocupante no ponto 29 da resposta "...ao afirmar que o terreno não pertence à Sociedade e que deve ser declarado terreno do Estado, sem indicar qual o terreno de que a Sociedade é, afinal, proprietária, está a Administração a praticar um acto com os efeitos de uma expropriação sem que seja dada à Sociedade qualquer compensação, pelo que esta actuação viola a Lei Básica, nomeadamente ao seu artigo 103.º." , porquanto não se põe em causa que a ocupante seja proprietária de um terreno, a questão que aqui se coloca é que o terreno propriedade da ocupante não é o terreno objecto do projecto de licenciamento no Alto de Coloane, pelo que vir invocar efeitos de uma expropriação e eventuais compensações indemnizatórias não faz qualquer sentido.
33. Também não colhe o alegado pela ocupante no ponto 31 da resposta, de que "A sociedade é, para todos os efeitos legais, e atenta a realidade registrai, proprietária, e não concessionária, do terreno em causa, pelo que a Lei de terras e o procedimento de despejo não se podem aplicar ao caso em concreto.".
34. Pois que ficando plenamente demonstrado que o terreno em apreço não se encontra registado, não oferece dúvidas que a Lei n.º 10/2013 (Lei de terras) se aplica ao presente caso, designadamente o previsto no seu artigo 208.º: "1. Compete ao Chefe do Executivo determinar a ordem de desocupação do terreno do domínio público ou do domínio privado ilegalmente ocupado, fixando um prazo para o efeito. 2. Decorrido o prazo referido no número anterior sem que o terreno tenha sido desocupado, a DSSOPT pode executar a desocupação ao abrigo do disposto no Código do Procedimento Administrativo.".
Neste contexto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 208.º da Lei de terras, pode e deve o Chefe do Executivo determinar a desocupação do terreno em apreço e fixar um prazo para o efeito.
35. Por último, a ocupante propôs a inquirição de duas testemunhas nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 94.º do Código do Procedimento Administrativo. Considerando que a ocupante já apresentou as suas alegações na audiência escrita e que para o caso vertente é irrelevante a prova testemunhal já que a questão factual está plenamente demonstrada," entendemos que não há necessidade de realizar a inquirição de testemunhas.
IV. Conclusão
36. O terreno descrito na CRP sob o n.º 6150 e o terreno objecto do projecto de construção do Alto de Coloane, são dois terrenos distintos que não se sobrepõem um ao outro.
37. Ora, uma vez que em relação ao terreno em apreço não existe qualquer registo de direito de propriedade ou de outro direito real a favor de particular, designadamente direito resultante de concessão por aforamento (domínio útil) ou por arrendamento, nem foi emitida qualquer licença de ocupação temporária, de acordo com as disposições do artigo 7.º da Lei Básica da RAEM e do artigo 8.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), o mesmo integra o domínio do Estado, devendo a ocupante proceder à desocupação e entrega do terreno ao Governo da RAEM.
38. Visto que os argumentos trazidos pela ocupante em sede de audiência prévia não contribuíram para uma alteração do projecto de decisão, deve ser mantido o sentido da decisão de ordenar ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 208.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras) a desocupação do terreno, no prazo para o efeito fixado e com a cominação que, caso a ocupante não cumpra esta ordem, a DSSOPT procederá à sua execução a expensas da ocupante, nos termos do disposto no Código do Procedimento Administrativo. (cfr. n.º 2 do mesmo artigo 208º da Lei de terras).
A consideração superior.
…”.
14. Em 10/05/2019, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferiu, na informação n.º 47/DJUDEP/2019, o seguinte despacho: “Concordo”.
15. Pela Ordem Executiva n.º 113/2014, o Chefe do Executivo delegou no STOP as competências executivas em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 6.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999.
16. A Ordem Executiva nº 113/2014, de 20/12/2014, foi publicada no B.O. de 20/12/2014, I Série, Número Extraordinário.
17. Em consequência da solicitação oficiosa do Relator dos presentes autos, a DSCC informou o seguinte (fls. 260 dos autos):
“…
1. As plantas cadastrais emitidas em 28/07/2004, 08/05/2008 e 22/02/2013, todas referentes à planta cadastral RGCU n.º 3854/1992 (anexos 1 a 3), foram emitidas nos termos dos artigos 19.º e 32.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M «Regulamento Geral da Construção Urbana», tratando-se de plantas cadastrais oficiais na escala 1/1000, adiante designadas por "plantas cadastrais RGCU". Nos termos do «Regulamento Geral da Construção Urbana», as plantas cadastrais RGCU só servem para pedidos de aprovação de projectos e têm um prazo de validade de 12 meses, nos termos do n.º 3 do artigo 32.º do Regulamento. As plantas cadastrais RGCU em causa foram emitidas com base na primeira planta cadastral RGCU emitida em 14 de Outubro de 1994 (anexo 4).
2. Por despacho do Chefe do Executivo n.º 132/CE/2018, de 11 de Setembro de 2018, exarado no "Parecer sobre o terreno relacionado com o projecto de construção do Alto de Coloane" do Ministério Público, a Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC), de acordo com o referido despacho, apresentou a Informação n.º 33/DIR/2018, de 16 de Outubro de 2018 (anexo 5). Ao abrigo do artigo 18.º do Decreto-Lei nº 3/94/M, a DSCC rectificou oficiosamente as respectivas informações cadastrais, retirando a descrição predial n.º 6150 constante no n.º de cadastro 1210.005, rectificando a situação jurídica do terreno como terreno do Estado, cujos elementos de identificação física não sofreram alterações, correspondendo aos elementos de identificação física constantes na planta cadastral publicitada e convertida em definitiva pelo Despacho n.º 10/SATOP/98.
3. Pelo ofício da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), de 11 de Outubro de 2018 (anexo 6), para a resolução de um caso de ocupação ilegal, foi solicitada à DSCC a emissão de uma planta cadastral de um terreno junto à Estrada do Campo, em Coloane. Os elementos de confrontações, localização e identificação física do terreno referido no respectivo ofício correspondem à da planta cadastral definitiva com o n.º de cadastro 1210.005. As informações nela constantes já tinham sido actualizadas de acordo com a supracitada Informação n.º 33/DIR/2018; assim, a planta cadastral RGCU n.º 3854/1992, emitida em 16 de Outubro de 2018 (anexo 7), foi emitida com base nos elementos de identificação física e informações cadastrais actualizadas da planta cadastral definitiva com o n.º de cadastro 1210.005. Os elementos de identificação física do terreno constantes na planta, correspondem tanto: às das plantas cadastrais RGCU n.º 3854/1992 emitidas anteriormente, à planta cadastral definitiva com o n.º de cadastro 1210.005 elaborada nos. termos do Decreto-Lei n.º 3/94/M, assim como, ao do processo de cadastro, não tendo sido alterados.
4. Pelo ofício de 19 de Outubro de 2018 (anexo 8), a DSSOPT solicitou à DSCC, que informasse sobre planta cadastral RGCU n.º 3854/1992. Em resposta, a DSCC remeteu em 29 de Outubro de 2018, uma cópia da planta cadastral RGCU n.º 3854/1992, de 16 de Outubro de 2018 (anexo 9)…”.
18. A supra informação foi notificada às partes por cartas registadas datadas de 20/08/2020.
19. Em 07/09/2020, a Recorrente pronunciou-se sobre a informação da DSCC nos termos constantes a fls. 297 a 301 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
20. O relatório do CCAC supra referido tem o seguinte teor:
“Relatório de investigação sobre o projecto de
construção do Alto de Coloane
Introdução
1. Em Março de 2012, órgãos de comunicação social referiram que o lote do terreno sito no Alto de Coloane, próximo da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van, tinha já uma planta de alinhamento oficial (adiante designada por planta de alinhamento) emitida pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (adiante designada por DSSOPT), no qual se iriam construir edifícios destinados a habitação e comércio com altura até 100 metros. Devido ao facto de aquele projecto de construção se situar em Coloane, e o seu desenvolvimento envolver a escavação de colinas numa grande área, o público mostrou-se alerta e levantou preocupações face à eventual destruição do ambiente ecológico.
2. Em 8 de Março de 2013, quando foi entrevistado por órgãos de comunicação social, o promotor do referido projecto referiu que o lote do terreno era propriedade privada, tendo sido adquirido por leilão em Hong Kong há alguns anos atrás. Entretanto, já submetera o projecto de construção de acordo com a planta de alinhamento emitida anteriormente pelo Governo. Além disso, referiu também que o desenvolvimento do projecto provocaria certamente danos no ambiente, mas o promotor tentaria cortar as colinas o menos possível, protegeria a casamata do lote, e tomaria medidas suficientes relativamente à necessidade de protecção ambiental, de acordo com as exigências do Governo.
3. Em Junho de 2013, o director da DSSOPT referiu aos órgãos de comunicação social que o promotor do projecto tinha submetido o projecto de construção de acordo com a planta de alinhamento, e que a DSSOPT tinha solicitado aos serviços respectivos a emissão de pareceres relativamente àquele projecto. Referiu também que aquele serviço tinha vindo a receber vários pareceres, mas naquela fase, não se encontravam reunidas as condições necessárias para a realização de uma apreciação final, sendo que o promotor do projecto deveria ainda apresentar informações relativamente ao trânsito, à protecção ambiental e à casamata do terreno.
4. Em 3 de Março de 2016, a DSSOPT referiu, através de nota de imprensa, que apesar de ter sido emitido recentemente um parecer favorável relativamente ao anteprojecto do projecto a ser construído, ainda assim o titular daquele terreno ainda não submetera o projecto de construção e os respectivos projectos de especialidade, pelo que não estavam reunidas ainda as condições necessárias para que fosse, em breve, dado início à execução da obra.
5. Em 8 de Março de 2016, a Associação Novo Macau entregou ao Comissariado contra a Corrupção (adiante designado por CCAC) uma carta, solicitando uma investigação para apuramento da existência, ou não, de irregularidades administrativas ou “transferência de interesses” durante o procedimento de autorização daquele projecto por parte dos serviços de obras públicas.
6. Em 6 de Agosto de 2016, o CCAC recebeu uma queixa apresentada pela F, na qual se referia que, durante a elaboração da planta de alinhamento daquele lote, a DSSOPT tinha determinado como altura máxima para os edifícios a construir, uma cota altimétrica de 100 metros, o que poderia violar as instruções originais e as práticas habituais daquele serviço, pelo que solicitava uma investigação relativamente à legalidade do respectivo procedimento.
7. Pelo exposto, o Comissário contra a Corrupção determinou, ao abrigo do artigo 4.º da Lei n.º 10/2000 (Lei Orgânica do Comissariado contra a Corrupção da Região Administrativa Especial de Macau) (adiante designada por Lei Orgânica do CCAC), por despacho, a instauração de um inquérito, relativamente a este caso, a ser realizado pela Direcção dos Serviços de Provedoria de Justiça, focando a análise na veracidade da localização, na área e na propriedade do lote do terreno daquele projecto, bem como na legalidade e na razoabilidade dos procedimentos de autorização do respectivo projecto.
Parte I: O projecto de construção do Alto de Coloane
Em conformidade com a Lei Orgânica do CCAC, o grupo de trabalho do CCAC, responsável pelo inquérito, tomou uma série de medidas de investigação, nomeadamente solicitando informações junto dos serviços públicos e dos tribunais, consultando o arquivo histórico e os processos de autorização, ouvindo algum do pessoal envolvido, e elaborando os respectivos autos, tendo ainda efectuado vistorias ao próprio local.
Para facilitar a análise e compreensão do desenvolvimento daquele projecto de construção e dos respectivos lotes, serão especificadas seguidamente as questões relacionadas com a mudança do direito de propriedade do lote onde se situa aquele projecto, bem como com a demarcação do terreno e os procedimentos de autorização do mesmo.
1) Antecedentes relativos à mudança do direito de propriedade do lote e à demarcação do terreno
1. De acordo com as informações da Conservatória do Registo Predial, o projecto de construção do Alto de Coloane situa-se na Estrada do Campo de Coloane, com o número da descrição predial (adiante designado por n.º de descrição) 6150 e a área de 56.592 m2, sendo o terreno propriedade privada, e tendo como titular actual a O (adiante designada por “O1”).
2. De acordo com as informações da Conservatória do Registo Predial, em 1903, G vendeu a C2, um terreno sito na Estrada do Campo de Coloane e três habitações sitas na Rua dos Negociantes, por um valor total de 1.100 patacas. Em 19 de Dezembro de 1903, C2 procedeu aos respectivos registos junto da Conservatória do Registo Predial, passando o n.º de descrição, daquele terreno sito na Estrada do Campo, a ser 6150.
3. O direito de propriedade e o respectivo registo relativamente àquele terreno não se alteraram desde o ano de 1903. Até que em Julho de 1991, os residentes de Coloane, A e B, instauraram junto do Tribunal um processo de habilitação de herdeiros, requerendo a sucessão daquele terreno. Em Abril de 1992, o Tribunal declarou que A e B adquiriram o direito de propriedade do terreno a título sucessório.
4. Em Outubro de 1992 e Setembro de 1993, A apresentou, duas vezes, um pedido à então Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC), solicitando a demarcação do terreno, alegando que o terreno situava-se no Alto de Coloane, numa zona próxima da Estrada do Campo, da Estrada de Seac Pai Van e da Estrada do Alto. No entanto, foi recusado, pela DSCC, o respectivo pedido da emissão da planta cadastral, tendo em conta a falta de quaisquer dados comprovativos e a desconformidade manifesta da localização do lote de terreno face ao que constava no registo predial.
5. Em Outubro de 1993, A e B venderam à D (adiante designada por D1) o terreno por um valor de 150 milhões de patacas. Todavia, tendo em conta que a localização, os limites, bem como a área do terreno ainda não tinham sido confirmados pela Administração Pública, foi estipulado no contrato de compra e venda que o comprador iria pagar o preço só após a emissão da respectiva planta cadastral por parte da DSCC.
6. Em Agosto de 1994, a D1 apresentou novamente um pedido à DSCC, solicitando a demarcação do terreno. Para além do contrato de compra e venda do terreno, os documentos apresentados incluíam a certidão de registo predial com averbamento referente à área do terreno e uma certidão de transcrição do impresso (M/10), emitida pela Delegação de Finanças das Ilhas da Direcção dos Serviços de Finanças (adiante designada por DSF).
7. Em Outubro de 1994, a DSCC considerou que os documentos apresentados pela parte interessada serviam para comprovar a área e a localização do terreno, e que as dúvidas existentes anteriormente já tinham sido eliminadas, pelo que a DSCC definiu os limites e a área do terreno, emitindo assim a respectiva planta cadastral à D1.
8. Em Maio de 2004, a D1 e a O1 assinaram em Macau a escritura de compra e venda e o terreno foi vendido à O1 pelo valor de 88 milhões de dólares de Hong Kong, tendo também esta última procedido ao registo predial da compra do terreno. Por isso, o proprietário actual do terreno é a O1.
9. Decorreu mais de uma dezena de anos desde 1992, o ano em que A e B adquiriram a propriedade do terreno a título sucessório, até 2004, o ano em que a O1 comprou o terreno. Entretanto, surgiram várias acções judiciais relacionadas com o terreno. No entanto, os registos relativos às acções foram sucessivamente cancelados posteriormente no registo predial, tendo em conta, nomeadamente, o termo do seu prazo e a desistência da instância por parte do autor.
2) Antecedentes relativos ao plano de aproveitamento do lote do terreno e à aprovação do projecto
1. Em Junho de 1999, a D1 requereu, junto da DSSOPT, a emissão da planta de alinhamento do terreno sob a descrição n.º 6150. Na apreciação do dito pedido, os serviços de obras públicas referiram que o lote do terreno em causa integrava o “Plano de ordenamento de Coloane”, pelo que a autorização do mesmo estariam condicionadas à sua conformidade com o aludido plano.
2. Em Agosto de 1999, os serviços de obras públicas emitiram uma planta de alinhamento, nos termos da qual se fixou a altura máxima permitida para a construção de edifícios em 20,5 metros (cota altimétrica de 33,4 metros), e se definiu que o terreno, com a área de 20.000 m2, localizado perto da zona da Estrada do Alto de Coloane e Estrada Militar, seria classificado como zona de proibição de construção, solicitando que fosse cedida uma parcela desse terreno ao Governo para construção de estradas por parte do proprietário.
3. Em Março de 2009, a O1 apresentou um pedido à DSSOPT, no qual solicitava a emissão de nova planta de alinhamento, submetendo também o programa preliminar do estudo de desenvolvimento do terreno em causa. De acordo com o referido programa, a O1 tencionava construir 9 blocos de vivendas com 22 metros de altura e 9 blocos de edifícios destinados a habitação com 115 metros de altura (37 pisos).
4. Em Dezembro de 2009, a DSSOPT emitiu a planta de alinhamento do terreno, fixando o índice de utilização do solo (IUS) do lote do terreno em 5 e, em simultâneo, o lote do terreno em causa foi dividido em três partes: para a parte próxima da Estrada de Seac Pai Van, a altura máxima permitida para a construção de edifícios foi fixada na cota altimétrica de 80 metros; para a parte próxima da Estrada do Campo, a altura máxima permitida foi fixada em 8,9 metros; para a parte próxima da Estrada do Alto de Coloane e da Estrada Militar, a altura máxima permitida foi fixada em 9 metros.
5. Em Junho de 2010, a O1 solicitou novamente à DSSOPT a emissão de nova planta de alinhamento referente ao terreno em causa. Nesse pedido, a O1 solicitou que se aligeirassem as exigências das condicionantes urbanísticas, autorizando, por exemplo, que a altura máxima permitida para a construção de edifícios fosse fixada na cota altimétrica de 198 metros (63 pisos) em vez de 80 metros e que o índice de utilização do solo (IUS), fixado no valor de 5, fosse substituído pelo índice líquido de utilização do solo (ILUS) de 9.
6. Em Abril de 2011, a DSSOPT emitiu uma nova planta de alinhamento, nos termos da qual: o índice líquido de utilização do solo (ILUS) máximo permitido foi fixado em 8; a altura máxima permitida para a construção de edifícios foi fixada na cota altimétrica de 100 metros; a distância entre cada torre não podia ser inferior a 1/6 da altura das torres; determinando-se ainda a necessidade de, aquando da apresentação do anteprojecto da obra de construção, se submeter os relatórios de avaliação sobre o ambiente, o tráfego e a paisagem arquitectónica aos respectivos serviços para efeitos de autorização.
7. Em Janeiro de 2012, a O1 solicitou novamente à DSSOPT a emissão de nova planta de alinhamento. Na sequência desse pedido, a DSSOPT emitiu uma planta de alinhamento em 2 de Março de 2012, com o mesmo teor da planta de alinhamento emitida em Abril de 2011 por entender não existir nenhuma alteração relativamente às condicionantes urbanísticas daquele terreno.
8. Em Fevereiro de 2013, a O1 apresentou, junto da DSSOPT, o anteprojecto da obra de construção, segundo o qual, o projecto abrangia uma área de 48.868 m2, a área bruta de construção global era de 668.741 m2, e previa a construção de 13 torres com um máximo de 33 pisos, tendo aquela sociedade anexado os relatórios de avaliação sobre o ambiente, o tráfego e a paisagem arquitectónica elaborados pela Consultadoria de Avaliação de Impacto Ambiental Macau Limitada.
9. A DSSOPT remeteu o mencionado anteprojecto da obra de construção e os relatórios de avaliação aos serviços competentes, a saber, o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA), o Instituto Cultural, entre outros, para efeitos de recolha de pareceres. Os respectivos serviços competentes emitiram um conjunto de propostas de alteração ao projecto tendo em conta, nomeadamente, o impacto que este último tinha sobre a paisagem, os espaços verdes e o tráfego, tendo ainda o Instituto Cultural solicitado que a casamata localizada na zona abrangida pelo projecto fosse preservada.
10. Em Janeiro de 2014, a O1 apresentou, junto da DSSOPT, um anteprojecto de revisão da obra de construção e relatórios de avaliação sobre o ambiente, o tráfego, o fluxo de ar, entre outros, emitidos pela “N”. Ficou decidido também não construir edifícios na zona onde se encontra a casamata e diminuir o número total de torres do projecto de 13 para 12.
11. Em Outubro de 2015, após o reconhecimento dos relatórios da avaliação do impacto ambiental e da paisagem por parte dos respectivos serviços públicos, a DSSOPT emitiu parecer favorável sobre o anteprojecto da obra de construção revisto e sobre os relatórios de avaliação. Entre Abril e Junho de 2016, a O1 solicitou a aprovação do projecto da obra de construção e de um conjunto de projectos especializados em matéria de fundações, de abastecimento e drenagem de águas, de abastecimento de electricidade, entre outros. No entanto, como não obteve ainda a autorização por parte da DSSOPT, ainda não iniciou a execução do referido projecto.
Parte II: Dúvidas existentes no procedimento
da aquisição da propriedade do terreno
Durante a investigação, o CCAC deparou-se com muitas dúvidas no procedimento de transição, ocorrido na década de 90 do século passado por via sucessória, da propriedade do terreno do projecto de construção do Alto de Coloane a favor de A e B, de entre as quais não se exclui a possibilidade de alguém ter aproveitado o procedimento judicial para, fingindo tratar-se de descendentes do proprietário do terreno, adquirir, de forma ilegal, o respectivo terreno. Resumem-se seguidamente as diversas dúvidas encontradas na investigação:
1. De acordo com as informações da Conservatória do Registo Predial, o n.º de descrição do terreno do projecto de construção do Alto de Coloane é 6150, e o proprietário daquele terreno, de acordo com o primeiro registo predial datado de 1903, registou-se como sendo C2. Desde então, o registo predial, nomeadamente o direito de propriedade daquele terreno não se alterou durante quase 90 anos.
2. Em Julho de 1991, A e B instauraram, recorrendo ao seu advogado H, junto do Tribunal, um processo de habilitação de herdeiros, solicitando o reconhecimento de que C (aliás C1), seria avô deles e que eles poderiam adquirir o terreno sob o n.º de descrição 6150 a título de herdeiros.
3. Na petição inicial apresentada ao Tribunal, referia-se que A e B alegavam que o avô deles, C, também se chamava C1, que o mesmo e a avó deles morreram pouco depois da Segunda Guerra Mundial, que o pai deles, K, seria único filho do avô, e que os pais deles morreram há 40 anos, pelo que eles eram os únicos herdeiros.
4. Na relação de bens sobre sucessões apresentada ao Tribunal, mostrava-se que A e B tinham solicitado a sucessão do terreno, sob o n.º de descrição 6150, registado em nome de C1, declarando que o terreno se situava na Estrada do Campo e que custava 57.000 patacas, bem como apresentaram a certidão de registo predial, da altura, daquele terreno.
5. Em Outubro de 1991, o advogado de A e B apresentou ao Tribunal um anúncio sobre o processo de habilitação de herdeiros que tinha sido publicado em jornais de língua chinesa e portuguesa nos termos da legislação processual, no qual se comunicava que qualquer pessoa indeterminada poderia arrogar os seus direitos dentro do prazo legal.
6. Em 2 de Abril de 1992, o Tribunal iniciou o julgamento sobre o caso. Depois de ter ouvido os depoimentos de I e de J, testemunhas indicadas por A e B, o juíz proferiu sentença, reconhecendo o facto registado na petição inicial e declarou que A e B seriam únicos herdeiros de C, aliás C1.
7. Em 7 de Dezembro de 1992, A e B solicitaram, recorrendo à sentença judicial transitada em julgado, junto da Conservatória do Registo Predial a transmissão do terreno sob o n.º de descrição 6150 a seu favor. A partir daquela data, A e B adquiriram, oficialmente e por via sucessória, o direito de propriedade do terreno que originalmente pertencia a C2.
8. O CCAC descobriu na investigação que, apesar de o processo de habilitação de herdeiros referido ter corrido nos termos do Código de Processo Civil, ainda assim, encontram-se no caso situações de falta de fundamento na apreciação de factos, sendo difícil excluir a possibilidade de ter havido quem tivesse aproveitado os procedimentos judiciais para adquirir o terreno.
9. A finalidade da acção instaurada por A e B era a aquisição do direito de propriedade do terreno sob o n.º de descrição 6150 por via sucessória. Com esse propósito, alegaram, na petição inicial, que C, o avô deles, tinha, também, outro nome, C1, esperando que o Tribunal reconhecesse que eles eram os únicos herdeiros legais de C1.
10. No entanto, na acção em causa, A e B não apresentaram ao Tribunal quaisquer documentos que fizessem prova de que C tinha também o nome de C1. As duas testemunhas referiram que conheciam os pais do A e B, mas não conheciam o avô deles, sendo que nunca foi provado que C e C1 eram uma e a mesma pessoa.
11. Nos registos de nascimento requeridos por A e B em 1958 e 1977, respectivamente, C3 é identificado expressamente como avô dos mesmos, não existindo, no entanto, qualquer registo no sentido de que o mesmo tivesse, a título alternativo, o nome C1. Tal registo também não foi encontrado em quaisquer outros documentos.
12. O CCAC, através da consulta da escritura pública e da “escritura de papel de seda ou «sá-chi-kai»” primitivas, confirmou que o nome em chinês do C3 é “丙”, e o nome em chinês do C2 é “丙一”. A alegação de A e B no sentido de que o seu avô tem como nome “C aliás C1” é desprovida de qualquer meio comprovativo, aliás, tal facto de uma pessoa com apelido “Vong” ter simultaneamente o apelido “Choi” não c
13. Ainda que o avô de A e B tivesse como nome alternativo “C1”, o nome em chinês pode não corresponder necessariamente aos caracteres chineses “丙一”, nem necessariamente à pessoa que figura como proprietário no registo predial do terreno em causa. Mais, o nome do proprietário constante do registo predial do dito terreno é C2, enquanto que o nome alternativo do avô, alegado por A e B, é C1, existindo aqui uma diferença entre “Chui” e “Choi”, não havendo, no entanto, nenhuma justificação para tal facto.
14. Em Maio de 1995, “L”, a mulher de A, intentou uma acção judicial junto do Tribunal solicitando a declaração de nulidade das transacções relacionadas com o terreno descrito sob o n.º 6150, tendo como fundamento que A tinha declarado “M” como seu cônjuge no processo de habilitação de herdeiros, quando, de acordo com os dados do registo de casamento, seu cônjuge é antes “L” e esta não tinha dado qualquer consentimento relativamente à transacção em questão.
15. Na petição inicial apresentada no Tribunal, A e B alegaram que C seria o seu avô e Chan Si (陳氏) seria a sua avó, no entanto, de acordo com o registo de nascimento de A, o avô seria C3 e a avó seria antes Ho Si (何氏), sendo que foi confirmado na sentença do Tribunal que a avó dos dois era
16. Em relação a estas dúvidas sobre a identidade, as mesmas podem ser demonstra das através da consulta dos registos de nascimento e de casamento dos interessados, no entanto, os interessados não apresentaram as respectivas certidões de registo civil no decorrer do referido processo judicial, indiciando a violação da previsão legal constante do “Código do Registo Civil” nos termos da qual um facto relativo ao estado civil só pode ter por fundamento o registo civil, não podendo ser ilidido por recurso a qualquer outra prova.
17. E foi desta forma que A e B, através do processo de habilitação de herdeiros, adquiriram o direito de propriedade do terreno descrito sob o n.º 6150, originalmente pertencente a C2. Embora A e B tenham falecido, respectivamente, em 1995 e 1999, o terreno em causa foi vendido pelos mesmos à D1 em Outubro de 1993, pelo valor de cento e cinquenta milhões de patacas.
Parte III: Dúvidas existentes no âmbito da
localização e da área do terreno
Durante a investigação, o CCAC descobriu que a localização do terreno sob a descrição n.º 6150 não se situa no Alto de Coloane, e a sua área também não é de 56.592 m2. No procedimento da demarcação do terreno e da emissão da planta cadastral, existiam erros notórios, até mesmo situações fraudulentas. Seguem-se, resumidamente o respectivo desenvolvimento e as dúvidas detectadas:
1) Dois pedidos para a emissão da planta cadastral foram recusados
1. O primeiro registo do terreno sob a descrição n.º 6150, efectuado em 1903, não mencionava a área e o número policial do referido terreno, mas do mesmo constava a localização (confrontações) do terreno: o lado norte e o lado leste é a Estrada do Campo, o lado sul é Casa n.º 2, e o lado oeste é o Beco da Porta.
2. Após a aquisição do direito de propriedade do terreno por via sucessória, A pediu, em Outubro de 1992, junto da DSCC a demarcação do terreno e a emissão da planta cadastral. Em 16 de Outubro de 1992, A referiu aos trabalhadores responsáveis pela demarcação do terreno que o terreno se situava no Alto de Coloane, junto da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van, com a área de 111.848 m2.
3. Em 2 de Setembro de 1993, a DSCC respondeu ao A que não foram encontrados quaisquer dados que pudessem determinar os limites e a área do terreno, e que a localização do Beco da Porta não podia ser determinada. Para além disso, o mapa da década de 30 não mostrava a localização actual da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van. Além do mais, o terreno que A alegou possuir incluía vários terrenos concessionados pelo Governo. Assim sendo, aqueles Serviços recusaram a emissão da planta cadastral.
4. Foi ainda indicado na resposta da DSCC que, segundo as “confrontações” do terreno que constavam no registo predial, o terreno sob a descrição n.º 6150 não era possível tratar-se do terreno indicado pelo A, porque o lado leste do referido terreno que constava no registo predial era a Estrada do Campo, mas o A tinha indicado que o lado oeste do seu terreno era a Estrada do Campo, sendo assim completamente contrário à localização que constava no registo predial.
5. Em 16 de Setembro de 1993, A voltou a pedir a demarcação do terreno. A alegada localização do terreno desta vez era, em princípio, a mesma como a anterior, só que a área foi reduzida para 57.300 m2, excluindo em particular o terreno da Aldeia da Esperança do Instituto de Acção Social de Macau, os terrenos concessionados pelo Governo e uma grande parte do terreno do Alto de Coloane.
6. Em 27 de Outubro de 1993, a DSCC voltou a responder a A, indicando que no registo predial não constava a área do terreno, e na ausência de limites concretos e na falta de quaisquer documentos comprovativos, os limites do terreno não podiam ser determinados, além disso, a alegada localização do terreno não correspondia obviamente às confrontações que constavam no registo predial, pelo que aqueles Serviços recusaram, mais uma vez, a emissão da planta cadastral.
2) Determinação da área e da localização e emissão da planta cadastral
1. Em Dezembro de 1993, a Delegação de Finanças das Ilhas da DSF emitiu uma certidão de transcrição, referindo que A tinha apresentado um impresso de “Participação de ocorrências diversas” de contribuição predial (M/10) e, para os efeitos de avaliação de terreno, A declarou que o terreno sob a descrição n.º 6150 tinha uma área de cerca de 56.592 m2.
2. Em Janeiro de 1994, o advogado, H, em representação de A e B, apresentou ao Tribunal a referida certidão emitida pela DSF e, tendo como fundamento a referida certidão, solicitou a rectificação da relação de bens que constava do processo de habilitação de herdeiros, acrescentando que “o terreno tem uma área de cerca de 56.592 m2”. O referido pedido foi autorizado por juiz em 26 de Janeiro de 1994.
3. Em Fevereiro de 1994, após a inserção da referida frase relativamente à área do terreno na relação de bens, o advogado H pediu junto do Tribunal uma certidão do processo e, tendo como fundamento a referida certidão, requereu à Conservatória do Registo Predial um averbamento no registo, indicando que a área do terreno era de 56.592 m2. O respectivo pedido foi admitido.
4. Foi assim que uma área do terreno que anteriormente não tinha qualquer suporte documental comprovativo, através uma série de operações, nomeadamente por via da declaração do A no impresso de contribuição predial, da alteração da relação de bens que constava do processo do Tribunal relativo à habilitação de herdeiros e do pedido de averbamento no registo predial, ficou no fim “comprovada” com um documento oficial.
5. Em Julho de 1994, a Delegação de Finanças das Ilhas da DSF emitiu mais uma certidão, a qual referia que o advogado H tinha apresentado um impresso de contribuição predial (M/10) e, para os efeitos de avaliação de terreno e de pagamento da diferença de imposto de sisa, o advogado H actualizou a localização do terreno (confrontações) sob a descrição n.º 6150 naquele impresso.
6. De acordo com a referida certidão, H alegou que a localização original do terreno era a seguinte: o lado noroeste era a Estrada do Campo, o lado sul era Casa n.º 2, e o lado leste era o Beco da Porta, enquanto a localização actualizada referia que: o lado noroeste era a Estrada do Campo e a Estrada de Seac Pai Van, o lado sudeste era a Estrada Militar e a habitação sem número policial, e o lado nordeste era o Parque de Seac Pai Van e a Aldeia da Esperança.
7. Em Agosto de 1994, a D1 voltou a pedir a demarcação do terreno com aquela certidão, a qual não tinha qualquer identificação do imóvel nem quaisquer efeitos probatórios e cujo conteúdo era apenas declarado pela parte interessada, com informações desconformes com aquelas que constavam no registo predial. No entanto, a DSCC considerou que as dúvidas existentes anteriormente já tinham sido eliminadas, pelo que emitiu a planta cadastral do referido terreno em Outubro de 1994.
8. Segundo a planta cadastral emitida pela DSCC, o terreno sob a descrição n.º 6150 situava-se no terreno do Alto de Coloane junto da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van, com a área de 53.866 m2. A actual planta de alinhamento do projecto de construção do Alto de Coloane emitida pela DSSOPT e o anteprojecto do referido projecto de construção aprovado têm por base a localização e a área que constavam na referida planta cadastral.
3) Certidões da Delegação de Finanças das Ilhas da DSF
1. Em Setembro e Outubro de 1993, a DSCC recusou duas vezes a emissão da planta cadastral, tendo como principal fundamento que a parte interessada não conseguiu fornecer qualquer documento que permitisse comprovar a área e a localização do terreno sob a descrição n.º 6150, para além da desconformidade manifesta entre a localização do terreno que alegou possuir e as “confrontações” constantes no registo predial.
2. Relativamente aos documentos que a D1 apresentou em Agosto de 1994 quando pediu, pela terceira vez, a demarcação do terreno, verifica-se que o que comprovava a área do terreno era o averbamento no registo predial e o que comprovava a localização do terreno era a certidão emitida pela Delegação de Finanças das Ilhas da DSF. Entretanto, o que fundamentou o averbamento no registo predial foi a relação de bens que o Tribunal alterou segundo a certidão da Delegação de Finanças das Ilhas da DSF.
3. Isto mostra que quando a parte interessada pediu a planta cadastral pela terceira vez, os documentos comprovativos relativos à área e à localização apresentados eram, no fundo, todos derivados das certidões emitidas pela Delegação de Finanças das Ilhas da DSF. Entretanto, estas duas certidões eram transcrições, feitas pela Delegação de Finanças das Ilhas da DSF, do conteúdo dos impressos de “Participação de ocorrências diversas” de contribuição predial (M/10) preenchidos por A e H.
4. O impresso de contribuição predial (M/10), preenchido pela parte interessada, serve só para efeitos declarativos, nomeadamente para o que se refere à alteração de endereço. Os factos que constam no impresso não ficam comprovados com a apresentação do impresso, sendo que o próprio impresso não tem qualquer efeito probatório. A Delegação de Finanças das Ilhas da DSF não possuía, de facto, a capacidade de confirmação da veracidade do teor das declarações de A e H, nem a competência para emitir qualquer certidão relativa aos elementos de identificação do bem imóvel.
5. A emissão de uma certidão do impresso de contribuição predial (M/10) por parte da Delegação de Finanças das Ilhas da DSF afigura-se não só uma prática estranha mas também rara. O objectivo de transcrever, na forma de certidão, o conteúdo preenchido pela parte interessada num impresso de declaração não passa de um acto de “embrulhar” o conteúdo de uma declaração prestada pela parte interessada como se se tratasse de um documento comprovativo emitido por um serviço público, face à circunstância da falta de documentos comprovativos, de investigação e de recolha de provas.
6. Foi em conformidade com a certidão emitida pela Delegação de Finanças das Ilhas da DSF que o Tribunal aprovou a alteração da relação de bens e foi segundo o documento alterado pelo Tribunal que a Conservatória do Registo Predial procedeu ao averbamento no registo. Através desta série de operações de “branqueamento”, a área do terreno, relativamente à qual originalmente não se encontrava qualquer documento comprovativo, foi inserida expressamente no registo predial.
7. Na certidão da Delegação de Finanças das Ilhas da DSF, encontra-se ainda uma menção especial que refere que “Para os efeitos de avaliação de terreno, é necessário apresentar a planta emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia”. Isto quer dizer que se a parte interessada não apresentar a planta, a certidão em questão não serve sequer para “efeitos de avaliação de terreno”. No entanto, a mesma serviu como fundamento para alterar um documento processual e pedir registo predial.
8. Quando a inserção da menção “o terreno tem uma área de cerca de 56.592 m2” na relação de bens foi aprovada pelo Tribunal, o valor do terreno declarado pela parte interessada no processo foi de 57.000 patacas. Se não for falsa a declaração prestada pela parte interessada, então deve ter havido lapso no valor do terreno declarado, porque não é possível o valor do terreno em Coloane na altura ter um preço tão baixo, concretamente de apenas uma pataca por metro quadrado.
9. Por outro lado, nas suas duas recusas da emissão de planta, a DSCC já tinha apontado que existia uma desconformidade manifesta entre a localização do terreno que A alegou possuir e as “confrontações” constantes no registo predial porque, segundo o registo predial, no lado leste e no lado norte do terreno encontrava-se a Estrada do Campo, no entanto, a oeste do Alto de Coloane tinha a Estrada do Campo, e a norte tinha a Estrada de Seac Pai Van e o Parque de Seac Pai Van.
10. Em Julho de 1994, quando o advogado H preencheu as “confrontações” originais do terreno no impresso de contribuição predial (M/10), intencionalmente ou não, mudou inesperadamente a localização do terreno, passando a referir que “a nordeste situa-se a Estrada do Campo” para “a noroeste situa-se a Estrada do Campo”. Apesar de a diferença ser de uma só palavra, “leste” e “oeste”, produziu o efeito de que, na prática, o terreno teria “atravessado” a Estrada do Campo e “transferindo-se” para o Alto de Coloane.
11. A declaração que H prestou no impresso de contribuição predial (M/10), tendo “invertido o leste e o oeste”, foi transcrita na certidão pela Delegação de Finanças das Ilhas da DSF, ignorando o erro que estava na declaração. A DSCC, por sua vez, mudou a sua posição anterior e aceitou com “facilidade” esta “certidão” emitida pelos serviços fiscais, contendo informações desconformes com as constantes no registo predial, como documento que permitiu definir a localização do terreno, tendo assim emitido a respectiva planta.
4) Falsificação de dados relativos à localização e área contidos na planta cadastral
1. De acordo com as confrontações constantes do registo predial, temos a Estrada do Campo na parte leste e na parte norte do terreno descrito sob o n.º 6150, pelo que se infere que o aludido terreno se deve situar na Estrada do Campo, perto da zona onde se situam actualmente o Posto de Saúde de Coloane e a Escola Superior das Forças de Segurança, e não na actual localização no Alto de Coloane, na medida em que a Estrada do Campo se encontra situada a oeste e a sul do projecto de construção do Alto de Coloane.
2. As confrontações constantes do registo predial inicial de 1903 eram as seguintes: a norte e a leste situava-se a Estrada do Campo, a sul situava-se a “Casa n.º 2”, a oeste situava-se o Beco da Porta. Para poder determinar a localização correcta do referido terreno, para além da Estrada do Campo, é necessário determinar a localização da “Casa n.º 2” e do Beco da Porta.
3. Atendendo que o registo predial apenas mencionava que a sul do terreno se encontrava a “Casa n.º 2”, não especificando em que rua concreta se situava a referida “Casa n.º 2”, o mesmo não tem grande utilidade para efeitos de determinação da localização correcta do terreno. No entanto, se for possível determinar a localização concreta do Beco da Porta, poder-se-á determinar também a localização correcta do terreno através do ponto de intersecção entre a Estrada do Campo e o Beco da Porta.
4. Embora seja difícil encontrar qualquer simbolização relativa ao Beco da Porta nos dados constantes do mapa actualmente existente, o certo é que de acordo com os dados dos censos de 31 de Dezembro de 1878, publicados no «Boletim Oficial do Governo» da época da administração portuguesa, existiam nessa altura habitações e residentes no “Beco da Porta”. Pelo menos, isto mostra que existia ainda, em 1903, o “Beco da Porta” na altura da aquisição do terreno e de uma habitação por C2.
5. Aquando da aquisição, em 1903, do terreno da Estrada do Campo por C2, este último adquiriu igualmente três habitações situadas na Rua dos Negociantes. Actualmente, a Rua dos Negociantes encontra-se localizada perto do Largo do Presidente António Ramalho Eanes na vila de Coloane. De acordo com a escritura pública da altura, as confrontações relativas a uma dessas habitações com número policial 40 da Rua dos Negociantes eram as seguintes: a norte encontrava-se o “Beco da Porta”, a sul a habitação n.º 38 da Rua dos Negociantes, a leste a Estrada do Campo, e a oeste a Rua dos Negociantes.
6. Isso demonstra que o “Beco da Porta” se situa no extremo sul da Estrada do Campo, perto da Rua dos Negociantes. Considerando que a norte e a leste do terreno descrito sob o n.º 6150 fica localizada a Estrada do Campo e a oeste fica o “Beco da Porta”, o terreno em causa deve estar situado perto do Largo do Presidente António Ramalho Eanes na vila de Coloane, e não no terreno do Alto de Coloane ao lado da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van.
7. As confrontações actualizadas pelo advogado H através do impresso de declaração de contribuição predial (M/10) indicavam: a noroeste situavam-se a Estrada do Campo e Estrada de Seac Pai Van, a sudeste situava-se a Estrada Militar e a habitação sem número policial, a nordeste situava-se o Parque de Seac Pai Van e a Aldeia da Esperança. Assim, para além de inverter o leste e o oeste da Estrada do Campo, fez desaparecer a “Casa n.º 2” e o “Beco da Porta”.
8. Esta “inversão” e “omissão” não devem ter sido efectuadas de forma “desintencional”, porque, mesmo hoje em dia, o terreno do Alto de Coloane encontra-se despovoado, sendo por isso impossível afirmar existir um lugar onde se localizam a “Casa n.º 2” e o “Beco da Porta”. Por outro lado, em 1903 não existia ainda a Estrada de Seac Pai Van e a Estrada Militar em cima da montanha, nem existia o Parque de Seac Pai Van e Aldeia da Esperança.
9. No âmbito do projecto de construção do Alto de Coloane existe uma casamata militar, sendo que de acordo com as informações providenciadas pelo Instituto Cultural, a dita casamata era uma instalação militar auxiliar da Fortaleza de Coloane construída em 1884, fazendo parte do sistema militar geral de Coloane na altura. O que significa que em 1903, ano em que C2 adquiriu o terreno da Estrada do Campo, já a referida casamata devia existir.
10. Se o terreno adquirido por C2 se localizasse mesmo no terreno do Alto de Coloane, então, devia incluir a casamata que se encontrava em funcionamento. Tendo em conta o contexto histórico da altura, esta situação é difícil de imaginar. Se nessa altura não existisse ainda a casamata, não seria razoável a sua construção posterior num terreno privado, nem o facto de o proprietário não ter levantado qualquer objecção.
11. Relativamente ao registo predial feito em 1903, não foi indicada a área do terreno descrito sob o n.º 6150. Todavia, através de outras propriedades que C2 adquiriu e registou no mesmo período, pode-se estimar aproximadamente a área deste terreno. Na altura, C2 adquiriu o terreno da Estrada do Campo pelo preço de 300 patacas, e o mesmo adquiriu as outras três habitações situadas na Rua dos Negociantes pelo preço de 200 ou 300 patacas.
12. Na altura, o preço pelo qual C2 adquiriu a habitação com os números policiais 32-34 da Rua dos Negociantes era de 300 patacas. A habitação foi vendida em 1923 e, segundo o registo predial, a mesma tinha uma área de 252 m2. Daí, não é difícil estimar que, no mesmo período e com o mesmo preço, a área do lote do terreno sito na Estrada do Campo não teria uma grande diferença. Se o referido lote do terreno tiver uma área de 56.592 m2, tal seria não só desproporcional, como absurdo.
13. Na sequência da investigação, o CCAC considera que no procedimento de demarcação e de emissão da planta cadastral do terreno descrito sob o n.º 6150, existem erros óbvios ou mesmo situações de fraude. O terreno em causa não se encontra situado no terreno do Alto de Coloane que fica ao pé da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van, mas sim localizado perto do Largo do Presidente António Ramalho Eanes na vila de Coloane, e a área em causa não é de 53,866 m2, sendo que deverá ter, no máximo, apenas algumas centenas de metros quadrados.
14. Tendo em conta que os dados que servem como base para a demarcação do terreno estão em desconformidade manifesta com a realidade, o acto administrativo de reconhecimento da demarcação do terreno é desprovido de fundamentos de facto, sendo que os respectivos fundamentos constituem elemento essencial de um acto administrativo, pelo que de acordo com o n.º 1 do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo, a planta cadastral do terreno descrito sob o n.º 6150, emitida pela DSCC em 1994 é inválida, sendo que as plantas de alinhamento requeridas e o anteprojecto do plano de obras aprovado com base naquelas informações cadastrais são igualmente inválidos.
15. O actual lote de terreno onde se encontra localizado o projecto de construção do Alto de Coloane deve ser terreno vago e não se encontra registado na Conservatória do Registo Predial, e de acordo com o artigo 7.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, o referido terreno faz parte dos terrenos do Estado. O CCAC considera que o Governo da RAEM deve recorrer aos devidos procedimentos e vias legais, com vista a reaver o terreno em causa.
Parte IV: Problemas no âmbito da autorização do plano de
aproveitamento do projecto de construção
Durante a investigação, o CCAC descobriu que existiu violação das Circulares no procedimento da emissão da planta de alinhamento do projecto de construção do Alto de Coloane por parte da DSSOPT. Verificou-se também que existiram problemas relativamente à falta de enquadramento legal no procedimento da avaliação do impacto ambiental, das paisagens e dos espaços verdes por parte da DSPA e do IACM.
1) Violação de Circulares na emissão da planta de alinhamento do projecto de construção
1. Em Junho de 1999, a D1 requereu a emissão da planta de alinhamento do terreno sob a descrição n.º 6150. Foi indicado no relatório da análise dos serviços de obras públicas que, o plano de aproveitamento daquele lote de terreno devia cumprir as condições previstas no “Plano de ordenamento de Coloane”, nomeadamente o disposto relativamente à altura máxima permitida para a construção de edifícios, no entanto, devido à existência de litígio sobre o índice de utilização do solo determinado pelo referido “Plano”, foi sugerido que não se cumprisse a respectiva disposição relativa ao índice de utilização do solo.
2. De acordo com a planta de alinhamento emitida pelos serviços de obras públicas, o titular do terreno podia apenas construir, ao longo da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van, edifícios de 7 pisos com uma altura até 20,5 metros, e com uma cota altimétrica máxima que não podia exceder 33,4 metros. Para além disso, não se podia escavar uma grande parte das colinas no âmbito da referida construção, porque o terreno sito no Alto de Coloane, com a área de 20.000 m2, próximo da Estrada do Alto de Coloane e da Estrada Militar, foi classificado como zona de proibição de construção destinada a espaços verdes.
3. Após a aquisição do direito de propriedade do terreno em 2004, a O1 pediu a emissão de nova planta de alinhamento em Março de 2009. De acordo com o plano de estudo preliminar do desenvolvimento do terreno, a O1 tencionava construir 9 blocos de vivendas com 22 metros de altura e 9 blocos de edifícios destinados a habitação com 115 metros de altura. No decorrer da análise do referido pedido por parte da DSSOPT, surgiu dúvida sobre se o respectivo lote deveria ser regulado pelo “Plano de ordenamento de Coloane”, ou não.
4. Em 1987, a DSSOPT considerou que, era necessário tomar algumas medidas preventivas e restritivas antes da elaboração do planeamento urbanístico da vila de Coloane, pelo que emitiu a Circular n.º 7/87, no sentido de integrar a zona da Rua da Cordoaria, da Avenida da República, da Avenida de Cinco de Outubro e da Estrada do Campo no plano específico, e determinar a altura máxima permitida para a construção de edifícios sitos nas diversas vias.
5. Em 9 de Dezembro de 1997, o então Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas aprovou, por despacho, o “Plano de ordenamento de Coloane” elaborado por uma empresa especializada contratada para o efeito. Através do referido “Plano”, foram planeadas detalhadamente as zonas da vila de Coloane, de Ká-Hó e de Hac-Sá, e determinou-se uma série de requisitos que devem ser cumpridos na construção de edifícios, nomeadamente no que diz respeito ao índice de ocupação do solo, ao índice de utilização do solo e às classes de altura dos edifícios.
6. Todo o lote do projecto de construção do Alto de Coloane já se encontra integrado no “Plano de ordenamento de Coloane”, sendo assim, quando a D1 pediu a emissão da planta de alinhamento em Agosto de 1999, a DSSOPT indicou claramente que na elaboração do plano de aproveitamento do respectivo lote do terreno, deveriam cumprir-se as condições determinadas no referido “Plano”. Aquele “Plano” não só restringiu a altura máxima permitida para a construção de edifícios em até 20,5 metros, mas também classificou uma grande dimensão do terreno sito no Alto de Coloane como zona de proibição de construção destinada a espaço verde.
7. No entanto, há entendimentos diferentes no seio dos serviços de obras públicas no que diz respeito à eficácia do “Plano de ordenamento de Coloane”. Para além disso, existem também práticas diferentes em relação à necessidade, ou não, de cumprimento das condições previstas no Plano aquando da aprovação dos projectos de construção em Coloane. Em resposta à solicitação de prestação de esclarecimento pelo CCAC, a DSSOPT referiu que o “Plano de ordenamento de Coloane” aprovado tem apenas carácter de referência interna, não é vinculativo no que diz respeito às condicionantes urbanísticas do respectivo lote de terreno.
8. Em Abril de 2009, a Circular n.º 01/DSSOPT/2009 foi aprovada pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas, estabelecendo a regulamentação relativa à altura dos edifícios e outras condicionantes urbanísticas. O seu Ponto 15 estabelece as disposições referentes à vila de Coloane, e o seu conteúdo é, basicamente, idêntico ao da Circular n.º 7/87 vigente anteriormente, prevendo regulamentação relativa à altura dos edifícios e às outras condicionantes urbanísticas para os edifícios a serem construídos na zona.
9. Relativamente ao pedido da O1, a DSSOPT considerou que o “Plano de ordenamento de Coloane” podia ser um dos factores de ponderação essencial na elaboração da planta de alinhamento, mas não era necessário ser regida pelas condições constantes do Plano. Pelo exposto, nos termos da Circular n.º 01/DSSOPT/2009, foram determinadas as alturas dos edifícios da vila de Coloane e as restantes condicionantes urbanísticas, emitindo-se assim a planta de alinhamento para o projecto de construção do Alto de Coloane.
10. Em Dezembro de 2009, a DSSOPT emitiu uma planta de alinhamento do terreno, nos termos da qual o planeamento referente ao lote do terreno em causa seria efectuado com a divisão de três partes, A, B e C, sendo o índice de utilização do solo (IUS) máximo permitido fixado em 5:
- Parte A: perto da Estrada de Seac Pai Van, com a área de 28.066 m2, sendo a altura máxima permitida para a construção de edifícios fixada na cota altimétrica de 80 metros;
- Parte B: perto da Estrada do Campo, com a área de 2.821 m2, sendo a altura máxima permitida para a construção de edifícios fixada em 8,9 metros;
- Parte C: perto da Estrada do Alto e Estrada Militar, com a área de 19.743 m2, sendo a altura máxima permitida para a construção de edifícios fixada em 9 metros.
11. O relatório de análise da DSSOPT referiu que como a parte B do lote do terreno perto da Estrada do Campo estava na área de intervenção da Circular n.º 01/DSSOPT/2009, a altura máxima permitida para a construção de edifícios era limitada a 8,9 metros, enquanto que no lote do terreno sito no Alto de Coloane, perto da Estrada do Alto e da Estrada Militar, só podiam ser construídas vivendas com altura de 9 metros tendo nas áreas envolventes da construção zonas verdes.
12. Após a recepção da referida planta de alinhamento, a O1 solicitou novamente a emissão de nova planta em Março de 2010. Nesse pedido, a O1 solicitou que se aligeirassem as exigências das condicionantes urbanísticas, e que fosse autorizado que a altura máxima permitida para a construção de edifícios fosse fixada na cota altimétrica de 198 metros (63 pisos), em vez de 80 metros, e que o índice de utilização do solo (IUS), fixado no valor de 5, fosse substituído pelo índice líquido de utilização do solo (ILUS) de 9.
13. O relatório de análise da DSSOPT considerou que, em relação à planta de alinhamento emitida anteriormente, o fundamento que levou à divisão do lote do terreno em três partes não era suficientemente claro. Para além disso, a determinação da altura dos edifícios por zona a que pertencem tem de ter em consideração alguns factores, tais como a proporção entre o comprimento e largura das torres e a sua orientação, a protecção da configuração da montanha, os fluxos de ar, o projecto de recuperação e compensação de ecossistema integrado. Por isso, em vez de determinar a altura das torres por zona, sugeriu-se a determinação de uma altura máxima permitida para a construção de edifícios.
14. No que respeita ao índice de utilização do solo, segundo o referido relatório, embora o pedido de substituição do índice de utilização do solo (IUS) fixado no valor de 5 pelo índice líquido de utilização (ILUS) de 9 apresentado pelo proprietário se encontre dentro do limite máximo fixado pela Circular n.º 01/DSSOPT/2009, no entanto, tendo em conta as condicionantes urbanísticas dos projectos de construção à volta do lote de terreno em causa e outros factores de limitação, tais como a área de sombra projectada, a altura dos edifícios, o índice de ocupação da construção, a distância mínima entre os edifícios, foi sugerido que o índice de utilização do solo (IUS) fosse fixado em 9.
15. O director da DSSOPT proferiu despacho sobre o dito relatório de análise, determinando que aquando da tomada de decisão sobre o projecto de desenvolvimento do terreno em causa, deve-se ter em conta a natureza do terreno, isto é, o facto de o mesmo ser um terreno de propriedade privada e não um terreno concedido por arrendamento; e quanto à determinação do índice de utilização do solo, deve-se considerar o índice publicado na Circular, pelo que deve o índice líquido de utilização (ILUS) ser fixado em 8, o que corresponde aproximadamente ao valor 12 do índice de utilização do solo (IUS).
16. Em Abril de 2011, a DSSOPT emitiu uma nova planta de alinhamento do projecto de construção do Alto de Coloane, nos termos da qual a altura máxima permitida para a construção de edifícios foi fixada na cota altimétrica de 100 metros e o índice líquido de utilização do solo (ILUS) máximo permitido foi fixado em 8. Determinou-se ainda que uma parcela do terreno fosse revertida para o domínio público e que fosse destinada à construção de vias públicas e zonas verdes. O plano de obras do actual projecto de construção do Alto de Coloane tem por base essa planta de alinhamento.
17. Se fizermos uma comparação entre a dita planta de alinhamento e as duas plantas de alinhamento emitidas em 1999 e 2009, para além da verificação de um aumento significativo de quase 12 vezes mais do índice de utilização do solo fixado em 5, o controlo da altura das edificações deixou de ser efectuado em função das configurações do terreno, sendo que a cota altimétrica para a altura máxima permitida para a construção de edifícios foi fixada em 100 metros, o que significava que se iria proceder à escavação de uma grande parte das colinas no âmbito da referida construção.
18. A parte do extremo sul do terreno do projecto de construção do Alto de Coloane, perto da Estrada do Campo, pertencia ao âmbito de planeamento da Circular n.º 01/DSSOPT/2009, a altura máxima permitida para a construção de edifícios deveria ser de 8.9 metros, no entanto, de acordo com a dita planta de alinhamento, a altura máxima permitida para a construção de edifícios em causa foi fixada em 100 metros, violando assim, de forma notória, a determinação imposta pela Circular n.º 01/DSSOPT/2009.
19. De acordo com o artigo 38.º do “Regulamento Geral da Construção Urbana”, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 79/85/M, todos os projectos de obras necessitam de obedecer às determinações do planeamento urbanístico e dos respectivos regulamentos e instruções, caso contrário, deve-se indeferir o pedido de aprovação do projecto. Deste modo, o CCAC considera que, como a planta de alinhamento do projecto de construção do Alto de Coloane não obedeceu às condicionantes urbanísticas impostas pela dita Circular, a DSSOPT deveria indeferir o pedido de aprovação do projecto em causa.
20. Se, em relação ao terreno do projecto de construção do Alto de Coloane, não existissem problemas relacionados com a sua propriedade, localização, área, etc., o proprietário poderia requerer a emissão de uma nova planta de condições urbanísticas ao abrigo da “Lei do planeamento urbanístico” e iniciar os subsequentes procedimentos de autorização. No entanto, atendendo a que aquele lote do terreno é um terreno do Estado, a questão da validade da planta de alinhamento torna-se um problema secundário.
2) Falta de fundamentos legais na avaliação relativamente ao impacto ambiental e aos espaços verdes
1. Devido ao facto de o desenvolvimento do projecto de construção do Alto de Coloane ter por base a escavação de grande parte das colinas, e a altura dos edifícios a construir poder atingir os 100 metros, surgiram preocupações, por parte de todos os sectores da sociedade, face à eventual destruição do ambiente natural de Coloane. No decorrer da autorização do projecto, a DSSOPT solicitou à DSPA e ao IACM a emissão de pareceres relativamente àquele projecto, que tivessem em conta, nomeadamente, a avaliação do impacto ambiental, a paisagem e os espaços verdes do mesmo.
2. Em Março de 2009, a O1 apresentou o programa de construção do terreno, com vista à construção dos 9 blocos de vivendas com 22 metros de altura e dos 9 blocos de edifícios com 115 metros de altura. A DSPA considerou que, “devido a que o desenvolvimento do projecto poderá provocar a escavação de grande parte das colinas, a perda dos espaços verdes e a destruição da função de colinas relativamente ao filtro de contaminantes, sugere-se uma nova avaliação, relativamente ao nível do impacto no ambiente ecológico resultante da execução da obra”.
3. O IACM considerou que: “O projecto de construção a desenvolver situa-se nas colinas entre a Estrada do Alto de Coloane - a Estrada Militar e a Estrada de Seac Pai Van – a Estrada do Campo, sendo que a diferença da altura destas áreas atinge 60 metros. Assim, para que tenha lugar a aquisição do terreno plano, é necessário escavar as colinas, o que poderá provocar grandes danos na estrutura das colinas e na vegetação, resultando na perda de uma grande dimensão dos espaços verdes, sendo as colinas escavadas substituídas por taludes de betão”.
4. O IACM considerou ainda que: “Os 9 blocos de edifícios destinados a habitação a construir terão 115 metros de altura, quando em comparação com a Estrada Militar que se situa na cota altimétrica de 60 metros, regista-se um aumento de 55 metros, assim sendo, a vista em direcção a Hengqin, tanto na Estrada Militar, como no Trilho de Coloane, será prejudicada. A Ilha de Coloane tem sido sempre o local principal onde se situa a floresta de Macau, pelo que é necessário analisar de forma cautelosa se o desenvolvimento deste projecto é contrário ao planeamento urbanístico ou não”.
5. Apesar de a DSPA e o IACM se mostrarem preocupados com o possível impacto resultante da escavação de grande parte das colinas do Alto de Coloane para a construção de edifícios altos, no entanto, de acordo com a planta de alinhamento emitida pela DSSOPT em Abril de 2011, a altura dos 13 edifícios foi fixada na cota altimétrica de 100 metros, o que demonstra que as opiniões da DSCC e do IACM não tiveram efeito vinculativo em relação à autorização do projecto.
6. Em Fevereiro de 2013, de acordo com as condicionantes urbanísticas da planta de alinhamento, a O1 apresentou, junto da DSSOPT, o anteprojecto da obra de construção e os relatórios de avaliação relativos ao impacto ambiental e à paisagem arquitectónica. Desde então, a DSPA e o IACM emitiram propostas de alteração apenas para os relatórios profissionais apresentados pelo proprietário, mas finalmente, acabaram por aceitar os relatórios da avaliação relativamente ao impacto ambiental e à paisagem daquele projecto de construção.
7. No âmbito da investigação, o CCAC constatou que, quer a avaliação do impacto ambiental realizada pela DSPA, quer a avaliação das zonas verdes e da paisagem realizada pelo IACM relativas ao referido projecto de construção do Alto de Coloane, não estão sujeitas a nenhuma regulamentação jurídica concreta, existindo apenas um conjunto de instruções emitidas pelos serviços públicos. Por exemplo, foi por via de instruções que a DSPA definiu as situações que carecem de uma avaliação do impacto ambiental, os critérios de avaliação do impacto ambiental, e o respectivo procedimento operacional, entre outras matérias.
8. Atendendo a que a DSPA e o IACM não possuem as respectivas competências legais, as opiniões técnicas emitidas sobre a protecção ambiental, a paisagem e os espaços verdes, entre outras, não têm força vinculativa em relação ao pedido do projecto de construção e ao procedimento de autorização instruído pela DSSOPT, inexistindo também um mecanismo legal com efeito vinculativo de fiscalização e de examinação da implementação concreta, por parte do promotor, das condições definidas, e aceites pelo mesmo, nos relatórios profissionais, nomeadamente sobre a avaliação do impacto ambiental.
9. No decorrer da investigação realizada pelo CCAC, o pessoal da DSPA e do IACM afirmou que, sendo o Alto de Coloane um projecto de desenvolvimento privado, o pessoal daqueles serviços não podia entrar no terreno em causa para realizar inspecções ou confirmações in loco, podendo apenas realizar avaliações com base nos elementos providenciados pelo promotor e solicitar à DSSOPT que assegure o cumprimento das sugestões decorrentes da avaliação do impacto ambiental e de outras avaliações, por parte do promotor, nas fases de execução e de funcionamento da obra.
Parte V: Opiniões e Sugestões
1. Através da presente investigação, o CCAC descobriu que um terreno com mais de cem anos, sito na vila de Coloane, foi “deslocado” para o Alto de Coloane da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van, tendo a área do mesmo sido ampliada para cerca de 100 vezes mais, destinando-se em breve à construção de edifícios de 100 metros de altura. É claro que não se exclui a possibilidade de ter havido quem tivesse praticado actos de fraude e actos suspeitos da prática de crimes, no entanto, verifica-se também a existência de problemas como o da falta de clareza na investigação e o do exercício de funções de forma negligente por parte dos serviços públicos naquela altura.
2. Entre os factos ocorridos, a Delegação de Finanças das Ilhas da DSF violou a prática de trabalho pré-determinada e as suas competências legais enquanto serviço público, tendo emitido a chamada “Certidão de transcrição” do impresso de contribuição predial, a qual serviu para encobrir uma declaração do interessado desprovida de comprovação ou tendo até mesmo sido falsificada, fazendo com que aquela declaração se tornasse um documento dos serviços públicos, o que serviu como documento comprovativo para efeitos de alteração dos documentos no âmbito da acção judicial e da demarcação dos limites do terreno.
3. A DSCC violou as disposições legais e o senso comum profissional, aceitando a certidão emitida pelos serviços de finanças como fundamento de reconhecimento da localização do terreno e ignorando os erros existentes na documentação respectiva. O mesmo serviço pensava poder livrar-se do problema pela remissão da sua responsabilidade para documentos emitidos por outros serviços públicos, revogando a sua posição anterior de recusa, por duas vezes, de emissão da planta cadastral, acabando por promover assim a dita “deslocação” do terreno.
4. Apesar de o caso ter ocorrido maioritariamente antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau e de se saber que, hoje em dia, o funcionamento do sistema e da sua fiscalização se encontrarem relativamente mais aperfeiçoados, sendo pouco provável que situações semelhantes se possam repetir, os serviços públicos da Região Administrativa Especial de Macau e os seus trabalhadores devem estar sempre cientes de que o desempenho fiel das suas funções não é apenas um “slogan”. Qualquer negligência ou erro existente no âmbito de um procedimento administrativo ou de uma decisão pode vir a implicar no final uma lesão irreparável para a Região Administrativa Especial de Macau.
5. Por outro lado, o CCAC considera que os serviços de obras públicas devem cumprir rigorosamente o princípio da legalidade no âmbito da autorização de projectos de construção, incluindo necessariamente no que respeita às respectivas Circulares. Os serviços de protecção ambiental e de assuntos municipais devem aperfeiçoar, com a maior brevidade possível, a legislação relacionada com a avaliação do impacto ambiental, a paisagem e as zonas verdes, a fim de poder haver legislação que possa ser verdadeiramente cumprida no âmbito da protecção do ambiente natural e da criação de espaços verdes nas colinas.
Pelo exposto, e na sequência da investigação sobre o projecto de construção do Alto de Coloane, o CCAC apresenta as seguintes conclusões e sugestões:
1. O terreno descrito sob o n.º 6150 não se encontra situado no terreno do Alto de Coloane que fica ao pé da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van, mas sim perto do actual Largo do Presidente António Ramalho Eanes na vila de Coloane. A área em causa não é de 53,866m2, sendo que a mesma deveria ter, no máximo, apenas algumas centenas de metros quadrados.
2. A planta cadastral, emitida pela DSCC, do terreno descrito sob o n.º 6150 é inválida, sendo que as plantas de alinhamento requeridas e os anteprojectos do plano de obras aprovados com base naquelas informações cadastrais são igualmente inválidos.
3. A planta de alinhamento do projecto de construção do Alto de Coloane violou as condicionantes urbanísticas impostas pela Circular n.º 01/DSSOPT/2009. A DSSOPT deve indeferir o pedido de aprovação do projecto em causa.
4. O actual lote de terreno do projecto de construção do Alto de Coloane, localizado perto da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van, faz parte dos terrenos do Estado na RAEM, pelo que o Governo da RAEM deve, com recurso aos devidos procedimentos e vias legais, proceder em conformidade com vista a reaver o terreno em causa.
…”»; (cfr., fls. 336-v a 370).
Do direito
3. Vem a entidade administrativa recorrer do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado que concedeu provimento ao recurso contencioso que a agora recorrida interpôs do acto administrativo que ordenou a “desocupação do terreno” situado junto da intersecção da Estrada de Seac Pai Van, da Estrada do Alto de Coloane e da Estrada Militar, no prazo de 30 dias.
Das (transcritas) “conclusões” produzidas a final das suas alegações de recurso colhe-se que, em sua opinião, o dito Acórdão do Tribunal de Segunda Instância está inquinado com o vício de (a) “erro de julgamento” e (b) “nulidade por excesso de pronúncia”.
Sem mais demoras, vejamos.
O “segmento decisório” pela entidade administrativa agora impugnado tem – na parte que agora interessa – o seguinte teor:
“(…)
Compulsados os autos, verifica-se que as plantas cadastrais emitidas em 28/07/2004 (fls. 95 dos autos), 08/05/2008 (fls. 97 dos autos) e 22/02/2013 (fls. 113 dos autos), todas referentes à planta nº 3854/1992, identificavam o prédio descrito sob o nº 6150 com as seguintes confrontações:
NE – Terreno junto à Estrada de Seac Pai Van e Estrada do Alto de Coloane (nº 22624), terreno que se presume omisso na C.R.P., junto à Estrada Militar e Estrada do Alto de Coloane;
SE – Terreno junto à Estrada Militar (nº 19323), terreno que se presume omisso na C.R.P., junto à Estrada Militar e Estrada do Alto de Coloane e Estrada Militar;
SW – Terreno que se presume omisso na C.R.P., junto à Estrada do Alto de Coloane e Estrada do Campo;
NW – Terreno que se presume omisso na C.R.P., junto à Estrada de Seac Pai Van, Estrada de Seac Pai Van e Estrada do Alto de Coloane.
As referidas plantas cadastrais foram emitidas após o Despacho nº 10/SATOP/98, pelo qual se converteram todas as plantas da freguesia de S. Francisco Xavier do Coloane que não se encontravam em situação de suspensão ou reclamação.
Pressupõe-se, assim, que os limites definidos nas plantas acima referidas correspondem aos elementos de identificação física da planta cadastral publicitada e convertida em definitiva.
Segundo a planta cadastral nº 3854/1992 entretanto emitida, o terreno da Recorrente descrito sob o nº 6150 localizava-se:
No entanto, a DSCC, na sequência da interpelação da Entidade Recorrida, veio, pelo ofício nº 1701/CADIV/02.01.107/3854/2018, datado de 29/10/2018, dizer que na planta cadastral nº 3854/1992, emitida em 16/10/2018 (com as mesmas confrontações), correspondem aos elementos de identificação física da planta cadastral publicitada e convertida em definitiva pelo Despacho nº 10/SATOP/98, da qual consta que o terreno demarcado na mesma se presume omisso na CRP, deixando portanto de consignar como o prédio descrito sob o nº 6150.
Tendo em conta que a planta cadastral é, nos termos do artº 14º do DL nº 3/94/M, título bastante para identificação física do terreno, este TSI solicitou oficiosamente à DSCC para esclarecer o seguinte:
a) os limites definidos nas plantas cadastrais emitidas em 28/07/2004, 08/05/2008 e 22/02/2013, todas referentes à planta nº 3854/1992, correspondem ou não aos elementos de identificação física da planta cadastral publicitada e convertida em definitiva pelo Despacho nº 10/SATOP/98?
b) Em caso negativo, em que circunstâncias foram emitidas tais plantas?
c) Em caso afirmativo, quais são os fundamentos de facto e de direito que justificaram a alteração da planta emitida em 29/10/2018? Houve ou não a rectificação da planta a que se alude o artº 18º do DL 3/94/M?
Em resposta, a DSCC informou o seguinte:
“…
1. As plantas cadastrais emitidas em 28/07/2004, 08/05/2008 e 22/02/2013, todas referentes à planta cadastral RGCU n.º 3854/1992 (anexos 1 a 3), foram emitidas nos termos dos artigos 19.º e 32.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M «Regulamento Geral da Construção Urbana», tratando-se de plantas cadastrais oficiais na escala 1/1000, adiante designadas por "plantas cadastrais RGCU". Nos termos do «Regulamento Geral da Construção Urbana», as plantas cadastrais RGCU só servem para pedidos de aprovação de projectos e têm um prazo de validade de 12 meses, nos termos do n.º 3 do artigo 32.º do Regulamento. As plantas cadastrais RGCU em causa foram emitidas com base na primeira planta cadastral RGCU emitida em 14 de Outubro de 1994 (anexo 4).
2. Por despacho do Chefe do Executivo n.º 132/CE/2018, de 11 de Setembro de 2018, exarado no “Parecer sobre o terreno relacionado com o projecto de construção do Alto de Coloane” do Ministério Público, a Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC), de acordo com o referido despacho, apresentou a Informação n.º 33/DIR/2018, de 16 de Outubro de 2018 (anexo 5). Ao abrigo do artigo 18.º do Decreto-Lei nº 3/94/M, a DSCC rectificou oficiosamente as respectivas informações cadastrais, retirando a descrição predial n.º 6150 constante no n.º de cadastro 1210.005, rectificando a situação jurídica do terreno como terreno do Estado, cujos elementos de identificação física não sofreram alterações, correspondendo aos elementos de identificação física constantes na planta cadastral publicitada e convertida em definitiva pelo Despacho n.º 10/SATOP/98.
3. Pelo ofício da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), de 11 de Outubro de 2018 (anexo 6), para a resolução de um caso de ocupação ilegal, foi solicitada à DSCC a emissão de uma planta cadastral de um terreno junto à Estrada do Campo, em Coloane. Os elementos de confrontações, localização e identificação física do terreno referido no respectivo ofício correspondem à da planta cadastral definitiva com o n.º de cadastro 1210.005. As informações nela constantes já tinham sido actualizadas de acordo com a supracitada Informação n.º 33/DIR/2018; assim, a planta cadastral RGCU n.º 3854/1992, emitida em 16 de Outubro de 2018 (anexo 7), foi emitida com base nos elementos de identificação física e informações cadastrais actualizadas da planta cadastral definitiva com o n.º de cadastro 1210.005. Os elementos de identificação física do terreno constantes na planta, correspondem tanto: às das plantas cadastrais RGCU n.º 3854/1992 emitidas anteriormente, à planta cadastral definitiva com o n.º de cadastro 1210.005 elaborada nos. Termos do Decreto-Lei n.º 3/94/M, assim como, ao do processo de cadastro, não tendo sido alterados.
4. Pelo ofício de 19 de Outubro de 2018 (anexo 8), a DSSOPT solicitou à DSCC, que informasse sobre planta cadastral RGCU n.º 3854/1992. Em resposta, a DSCC remeteu em 29 de Outubro de 2018, uma cópia da planta cadastral RGCU n.º 3854/1992, de 16 de Outubro de 2018 (anexo 9)…”.
Como se vê, o acto recorrido foi praticado na sequência da rectificação oficiosa da planta cadastral nº 3854/1992, operada pela a DSCC, segundo a qual o terreno da Recorrente, descrito sob o nº 6150, deixou de existir no local inicial, razão pela qual se determinou a ordem da desocupação.
Num primeiro momento, aparenta que o acto recorrido não padeça do vício do erro no pressuposto de facto, visto que a Entidade Recorrida limitou-se a agir em conformidade com a nova planta cadastral, a qual é, nos termos do artº 14º do DL nº 3/94/M, título bastante para identificação física do terreno,
No entanto, não se nos afigura que a resposta seja tão linear.
Repare-se, a lei apenas permite a rectificação oficiosa da planta cadastral sem intervenção do interessado no caso de que “o simples erro que se patenteie da própria planta e cuja rectificação não possa prejudicar os direitos dos titulares do prédio a que respeita a planta ou dos prédios confinantes” (artº 18º, nº 2 do DL 3/94/M).
Quando “o erro proveniente de deficiente demarcação ou que envolva alteração da planta no que respeita à área ou delimitação do terreno só pode ser rectificado mediante a produção de prova demonstrativa da inexactidão das operações no terreno ou na respectiva representação cartográfica e com a concordância de todos os interessados que possam ser prejudicados com a rectificação” (artº 19º, nº 1 do DL 3/94/M).
Não havendo concordância dos interessados, a rectificação da planta cadastral que é susceptível prejudicar os interesses dos mesmos tem de ser feita por via judicial, promovida pelo Director da DSCC ou por qualquer interessado, pois o nº 2 do artº 19º do DL 3/94/M preceitua que “Não havendo concordância, tanto o director da DSCC como qualquer interessado podem promover a rectificação judicial, anotando-se a pendência da rectificação nas plantas envolvidas e promovendo-se o registo da respectiva acção”.
Não é difícil compreender a razão da previsão do nº 2 do artº 19º do DL nº 3/94/M, que é justamente atribuir uma melhor garantia aos interessados que possam ser prejudicados com a rectificação, através da intervenção do órgão judicial, que é imparcial e independente, com atribuições da defesa da legalidade e da justiça.
No caso em apreço, a rectificação da planta cadastral nº 3854/1992 é susceptível de prejudicar os direitos/interesses da Recorrente e ela nunca participou no procedimento de rectificação nem deu concordância para o efeito.
Assim, nos termos do nº 2 do artº 19º do DL nº 3/94/M, a rectificação em causa só pode ser feita por via judicial e não via administrativa.
Qual será então a consequência jurídica desta ilegalidade?
Salvo o devido respeito da opinião em sentido contrário, entendemos que a rectificação oficiosa da DSCC é nula por vício de usurpação de poder (cfr. al. a) do nº 2 do artº 122º do CPA), em virtude de que a mesma deve ser feita, nos termos do nº 2 do artº 19º do DL nº 3/94/M, pelo poder judicial e não pelo poder executivo.
Nos termos do nº 1 do artº 123º do CPA, o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração da nulidade.
Por outro lado, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.
Tendo a rectificação oficiosa da planta cadastral nº 3854/1992 um acto de pressuposto do acto ora recorrido, a nulidade daquele implica a nulidade deste (cf. al. i) do nº 2 do artº 122º do CPA).
Assim se conclui pela nulidade do acto recorrido, o que determina a procedência do presente recurso contencioso.
Salienta-se que a nulidade do acto de rectificação oficiosa da planta cadastral nº 3854/1992 ora verificada nada impede que o Director da DSCC, no uso da faculdade prevista no nº 2 do artº 19º do DL 3/94/M promover a competente acção de rectificação judicial.
Caso esta acção vier a ser julgada procedente, a Entidade Recorrida pode voltar a praticar o novo acto com o mesmo conteúdo.
(…)”; (cfr., fls. 376 a 379-v).
Que dizer?
–– Comecemos pela primeira questão colocada, relacionada com o imputado “erro de julgamento”.
Aqui, e em síntese, entende a entidade administrativa recorrente que a decisão recorrida “faz uma errada interpretação e aplicação dos preceitos vertidos nos artigos 18.° e 19.° do Decreto Lei n.° 3/94/M, de 17 de Janeiro, por julgar que o Director da DSCC não tinha competência para a rectificação oficiosa da planta cadastral já referida, pois que, não havendo concordância dos interessados, a rectificação da planta cadastral deveria ser promovida judicialmente”, afirmando ainda que “O Director da DSCC tem competência para oficiosamente corrigir uma mera irregularidade de uma planta, logo que dela tenha conhecimento, desde que se trate de um erro que se patenteie da própria planta e cuja verificação não prejudique os direitos dos titulares do prédio a que respeita a planta, como preceitua o artigo 18.° do Decreto-Lei n.° 3/94/M, de 17 de Janeiro, o qual, contrariamente ao vertido no acórdão recorrido, é aplicável ao caso em apreço”; (cfr., conclusões 3ª e 6ª, respectivamente).
Ora, sem prejuízo do muito respeito por outro entendimento, cremos que se impõe reconhecer razão à ora recorrente, não se podendo subscrever a decisão recorrida proferida pelo Tribunal de Segunda Instância.
Eis, (ainda que abreviadamente), o nosso entendimento.
Antes de mais, cabe notar que acertada não é a afirmação contida no segmento decisório recorrido no sentido de que “Tendo a rectificação oficiosa da planta cadastral nº 3854/1992 um acto de pressuposto do acto ora recorrido, a nulidade daquele implica a nulidade deste (cf. al. i) do nº 2 do artº 122º do CPA)”; (cfr., fls. 379).
Com efeito, nos termos do invocado art. 122° do C.P.A.:
“1. São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
2. São, designadamente, actos nulos:
a) Os actos viciados de usurpação de poder;
b) Os actos estranhos às atribuições da pessoa colectiva em que o seu autor se integre;
c) Os actos cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime;
d) Os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;
e) Os actos praticados sob coacção;
f) Os actos que careçam em absoluto de forma legal;
g) As deliberações dos órgãos colegiais que forem tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quórum ou da maioria legalmente exigidos;
h) Os actos que ofendam os casos julgados;
i) Os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente”; (sub. nosso).
E, in casu, (e independentemente do demais), não estamos perante o (considerado) “acto consequente”.
Com efeito, (e como – bem – observa o Ministério Público no seu Parecer), a nulidade de um “acto consequente” prevista no art. 122°, n.° 2, al. i) – atrás transcrita – pressupõe que tenha havido prévia “anulação contenciosa” ou “administrativa” do acto antecedente – com força de “caso julgado material” ou de “caso decidido” – implicando, assim, a existência de um “processo contencioso” ou de um “procedimento administrativo autónomo” relativamente àquele em que se vier a declarar a nulidade do acto consequente (nos termos do citado preceito).
Por sua vez, entre os “actos” – “dependente” e “consequente” – em questão, imprescindível é uma relação de “conexão jurídica”, não bastando uma mera “relação” apenas assente em juízos dependentes da “lógica (das coisas)” ou da “proximidade fáctica”, pois que tão só se pode considerar a dita “conexão” existente “quando se possa afirmar que entre os dois actos existe uma relação que seria susceptível de determinar necessariamente a invalidade do segundo, se acaso o mesmo tivesse sido praticado, nos termos em que efectivamente o foi, num momento em que já tivesse sido decretada a anulação do primeiro”; (cfr., v.g., Mário Aroso de Almeida in, “Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes”, pág. 317).
Na situação em apreço, assim não sucede.
A decisão recorrida, proferida em sede do anterior recurso contencioso do acto administrativo praticado pelo S.T.O.P., declarou a nulidade do “acto de rectificação da planta cadastral” praticado pelo Director da D.S.C.C., e, simultaneamente, do acto (aí) recorrido, não se mostrando desta forma adequado o decidido.
Porém, outra observação se nos mostra de aqui fazer.
É a seguinte.
O Acórdão recorrido deu como verificado o vício de “usurpação de poder”, uma vez que considerou que a aludida “rectificação da planta cadastral” teria que ser efectuada por “decisão judicial” e não por “acto administrativo”, invocando, para tal, o art. 19° do D.L. n.° 3/94/M de 17.01, onde se prescreve que:
“1. O erro proveniente de deficiente demarcação ou que envolva alteração da planta no que respeita à área ou delimitação do terreno só pode ser rectificado mediante a produção de prova demonstrativa da inexactidão das operações no terreno ou na respectiva representação cartográfica e com a concordância de todos os interessados que possam ser prejudicados com a rectificação.
2. Não havendo concordância, tanto o director da DSCC como qualquer interessado podem promover a rectificação judicial, anotando-se a pendência da rectificação nas plantas envolvidas e promovendo-se o registo da respectiva acção.
3. A pendência da rectificação é oficiosamente comunicada, no prazo de 48 horas, à Conservatória do Registo Predial e averbada, no mesmo prazo, às respectivas descrições prediais ou anotada no verbete real quando os prédios não estejam descritos”.
Porém, em face do que “provado” está, a “situação (fáctica)” em questão não se enquadra na previsão do transcrito comando, justificada não se apresentando assim a sua aplicação.
Com efeito, a dita “rectificação” incidiu, apenas, sobre uma (mera) “menção” constante da planta cadastral, mais concretamente, quanto ao “número da descrição predial do terreno”, (por falta da sua respectiva correspondência entre o terreno cadastrado e o descrito na C.R.P.), não implicando qualquer “alteração da planta quanto à área ou delimitação do terreno…” (referida no dito art. 19°), adequado não se mostrando assim a declaração da existência do referido vício de “usurpação de poderes”.
Nesta conformidade, imperativa é a conclusão que incorreu o Tribunal de Segunda Instância na igualmente imputada “nulidade por excesso de pronúncia”, pois que razão tem a recorrente quando considera que “Esclarecida que ficou a inexistência de qualquer vício de nulidade por usurpação de poder, (…) o acórdão recorrido conheceu e pronunciou-se sobre matéria da qual não podia tomar conhecimento, a qual seja a questão da rectificação oficiosa da planta cadastral n.° 3854/1992, (…)”; (cfr., conclusão 15ª).
Aqui chegados, uma última nota.
Nos termos do art. 159°, n.° 1 do C.P.A.C.:
“Quando o tribunal de recurso julgue que não procede o fundamento que na decisão impugnada determinou o não conhecimento do pedido e nenhum outro motivo obste à decisão sobre o mérito da causa, os autos baixam ao tribunal recorrido para esse efeito”.
In casu, cremos haver matéria em relação à qual o Tribunal de Segunda Instância não emitiu pronúncia, (nomeadamente, em relação ao vício de “erro nos pressupostos de facto” pelo recorrente contencioso invocado), havendo, assim, que se decidir em conformidade com o estatuído no transcrito art. 159°, n.° 1 do C.P.A.C..
Decisão
4. Em face do que se deixou expendido, em conferência, acordam conceder provimento ao presente recurso, devendo os autos voltar ao Tribunal de Segunda Instância nos exactos termos consignados.
Custas pela recorrida, com a taxa de justiça de 8 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 08 de Setembro de 2021
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
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