Processo n.º 617/2021 Data do acórdão: 2021-12-9
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
Como após examinados todos os elementos probatórios então examinados pelo tribunal recorrido e referidos na fundamentação probatória da decisão condenatória recorrida, não se vislumbra que a livre convicção desse tribunal sobre os factos tenha sido formada com violação de quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal das provas, ou de quaisquer regras da experiência da vida humana quotidiana, ou de quaisquer leges artis vigentes no campo de julgamento de factos, não pode ter ocorrido, contrariamente ao apontado pelo arguido recorrente, o erro notório na apreciação da prova como vício referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal.
O primeiro juiz-adjunto,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 617/2021
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 209 a 215 do Processo Comum Colectivo n.o CR1-20-0302-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base que o condenou pela prática, em co-autoria material, na forma consumada, de um crime de burla em valor elevado, p. e p. pelos art.os 211.o, n.o 3, e 196.o, alínea a), do Código Penal, na pena de um ano de prisão efectiva, e no pagamento solidário da quantia, arbitrada oficiosamente, de 71.515,00 (setenta e um mil, quinhentos e quinze) Renminbis de indemnização à ofendida, com juros legais a contar da data desse próprio acórdão até integral e efectivo pagamento, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a invalidação dessa decisão condenatória, com rogada absolvição desse crime e da quantia indemnizatória arbitrada, alegando, na sua motivação apresentada a fls. 223 a 227 dos presentes autos correspondentes, que a decisão judicial recorrida estava a padecer do erro notório na apreciação da prova e da contradição insanável da fundamentação, como vícios referidos nas alíneas c) e b) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP).
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 229 a 232 dos presentes autos, no sentido de manifesta improcedência do recurso.
Subidos os autos, a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, opinou, a fls. 243 a 244v dos autos, pela improcedência do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir do recurso em causa nos termos constantes do presente acórdão, lavrado pelo primeiro dos juízes-adjuntos, por o M.mo Juiz Relator do processo ter ficado vencido quanto à solução proposta para o recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido ficou proferido a fls. 209 a 215 dos autos, cuja fundamentação (fáctica e inclusivamente probatória) se dá por aqui integralmente reproduzida.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas ao mesmo tempo nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Imputou o recorrente à decisão judicial recorrida os vícios de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável da fundamentação.
Desde logo, do suscitado vício de erro notório na apreciação da prova:
Sempre se diz que há erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– <
[…]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso dos autos, após examinados todos os elementos probatórios então examinados pelo Tribunal recorrido e referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que a livre convicção desse Tribunal sobre os factos tenha sido formada com violação de quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal das provas, ou de quaisquer regras da experiência da vida humana quotidiana, ou de quaisquer leges artis vigentes no campo de julgamento de factos, pelo que improcede o vício de erro notório na apreciação da prova esgrimido pelo recorrente.
Frisa-se que o Tribunal recorrido já explicou congruentemente, na última linha da página 7 e em todo o primeiro parágrafo da página 8 do mesmo texto do acórdão impugnado (a fl. 212 a 212v), por quê é que repudiou a versão fáctica do arguido. E é de observar que, contrariamente ao defendido pelo arguido na sua motivação do recurso, nessa explicação dada pelo Tribunal recorrido não se detecta qualquer contradição irredutível a relevar nos termos do art.o 400.o, n.o 2, alínea b), do CPP. Antes pelo contrário, é nessa explicação que o mesmo Tribunal justificou com razoabilidade por quê é que não acreditou na versão fáctica declarada pelo arguido.
Portanto, improcede a pretensão do arguido de absolvição do crime de burla em valor elevado por que vinha correctamente condenado no acórdão recorrido (condenação penal essa que, sem mais indagação por ociosa, sustenta também a legalidade da decisão, aí tomada judicialmente, de arbitramento oficioso da indemnização a favor da ofendida).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso do arguido.
Custas do recurso pelo arguido, com três UC de taxa de justiça e duas mil patacas de honorários do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Comunique o resultado da presente decisão do recurso à ofendida, com cópia do acórdão recorrido.
Macau, 9 de Dezembro de 2021.
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Relator do processo)
(附表決聲明)
受害人u hai ren ﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽ 上訴案第617/2021號
上訴人: (A)
表決聲明
作為原來的裁判書製作人,不同意合議庭大多數的意見,特發表一下的聲明:
本上訴的問題為審查原審法院在審理證據方面是否存在明顯錯誤,而我們需要面對的在於,在遵守法律所賦予法院的自由心證的前提下,法院所作出的事實的認定以及所賴以形成心證的證據之間能夠搭起合理的橋樑。
誠然,我們也在不少的案件中見過類似的情況,也有嫌犯聲稱只是受僱前來澳門交付兌換外幣的,並無清楚所包裝的貨幣是假鈔,但由於調查到位,嫌犯的托詞並沒有得逞,“僱用者”的“棄卒”企圖也沒有得逞。當然,每一個案件的具體情況可能不同,也不是千篇一律。要揭示事實的真相就取決於法院所認定的事實以及所依據的證據的內容,以及法院所作出的合乎情理的推斷。
首先,毫無疑問的是,上訴人在一個偶然的機會加入了微信號“什貨批發群”並認識了一個叫“XX”的涉嫌人的安排下,並與一個微信名為B的人聯繫,來澳門為其將“港幣”交與擬兌換港幣用於賭博的人士,並收取一定的報酬(見警方對上訴人的手機的微信通訊截圖)。
按照上訴人提供的微信通訊的內容以及其中所顯示的時間連結點,上訴人從涉嫌人手中直接接到包裹好的練功劵,嫌犯沒有打開包裝查看相關款項不代表嫌犯事先知道其中為偽鈔,同樣,也並不能顯示上訴人不知道裡面的內容為假鈔。
其次,雖然,上訴人也應該清楚這是非法的事情,可以合適地認為上訴人接受任何的結果,包括所需要兌換的紙幣為假幣的可能,但是,得出這個結論必須認定具體的事實作為形成心證的依據。可惜,卷宗並沒有這些具體的客觀事實,而原審法院得出的結論也純粹是其推論。
再次,雖然上訴人在兌換貨幣之前堅持不打開包裹好貨幣,可以認為上訴人刻意迴避偽裝在其“老闆”收到金額之前被揭穿,但是,很難說明上訴人看到假錢時候的平淡反應以及與受害人前往警察局報案的具體行為所顯示的對事態度;更難於說明上訴人如果已經知道事實真相仍然甘願充當僅是朋友推薦的卻沒有見過面的“老闆”的“死士”,因為受害人在點算假錢的時候肯定會發現事實真相的,上訴人是沒有逃離的可能的。
最後,根據被害人的聲明及微信記錄,上訴人只是單純按照指示,將錢帶到客人所在位置,在拍下客人證件照片及確認轉帳後,再將錢交予客人。這種特別的情況的唯一比較合乎邏輯的解釋只能是:上訴人是其“老闆”招募的“搬運工”,並不知道所兌換的貨幣為假幣,並交代了兌換的程序要求,並在得到金額的轉入之後即刻拉黑這些“搬運工”。至於他們是否也是受害人難以肯定,但是至少我們可以肯定,已證事實並沒有顯示上訴人存在與“老闆”的任何詐騙合謀的行為。
更重要的是,卷宗內上訴人與“B”之微信對話中,不存在有明示或暗示存在詐騙的內容,涉案的內地銀行的賬戶的戶主于新民與上訴人或其餘涉案人的關係亦未能查明,因此,庭審中並無發現任何上訴人與他人協議合作詐騙的具體證據。這些被拘留的嫌犯是否清楚所攜帶的是假幣,視乎具體案件的偵查情況,至少,在本案中沒有跡象顯示嫌犯事先知悉假幣的情況。
故此,被上訴判決中在認定獲證事實時,明顯違反一般經驗法則,認定了與所依據的證據所能證明的事實不相容的事實,沾有《刑事訴訟法典》第400條第2款C項所規定“審查證據方面明顯有錯誤”的瑕疵。
因此,在確認被上訴判決的確存在《刑事訴訟法典》第400條第2款C項所指“審查證據方面明顯有錯誤”的瑕疵的情況下,本院只能根據《刑事訴訟法典》第418條的規定,將卷宗發回原審法院,由沒有介入的法官組成的合議庭,對整個訴訟標的重新作出審理,然後作出決定。
澳門特別行政區,2021年12月9日
蔡武彬
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