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Processo nº 938/2021/A
(Suspensão de Eficácia)

Data: 16 de Dezembro de 2021
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem requerer a suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança de 28.09.2021 que lhe aplicou a pena de demissão.
  Para tanto alega o Requerente que como se trata de uma sanção disciplinar não há que demonstrar o prejuízo de difícil reparação e que apesar de ter sido condenado pela autoria de um crime de burla de valor elevado a suspensão não determina grave lesão do interesse público.
  Citada a Entidade Requerida para contestar veio esta em louvor do interesse público nos termos do nº 2 do artº 126º do CPAC opor-se à suspensão, e posteriormente contestar apresentando as seguintes conclusões:
1. O Requerente solicita a suspensão de eficácia da pena de demissão que lhe foi aplicada pelo Secretário para a Segurança em 28/9/2021.
2. Para tal, é necessário provar o preenchimento do requisito previsto na al. b) do nº 1 do artº 121º do CPAC – “A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto”.
3. “A grave lesão do interesse público deve ser ponderada segundo as circunstâncias do caso concreto, tendo em conta os fundamentos do acto e as razões invocadas pelas partes.” (cfr. acórdãos nos processos nºs 12/2021, 14/2010 e 37/2017 do TUI)
4. “O interesse público concretamente prosseguido por qualquer acto disciplinar punitivo releva dos fins das penas disciplinares. Destinam-se estas, “como quaisquer outras, a corrigir e a prevenir: corrigem fazendo sentir ao autor do facto punido a incorrecção do seu procedimento e a necessidade de melhorar a sua conduta; e previnem, pois não só procuram evitar que o agente castigado volte a prevaricar, como servem de exemplo a todos os outros, mostrando-lhes as consequências de má conduta. Desta forma, através da acção imediata sobre os agentes, a aplicação das penas disciplinares tem por fim defender o serviço da indisciplina e melhorar o seu funcionamento e eficiência, mantendo-o fiel aos seus fins.” (cfr. acórdão no processo nº 37/2017 do TUI)
5. A decisão já transitou em julgado revelou que o Requerente praticou o crime de burla de valor elevado, p.p. pelo artº 221º (sic), nº 3 do Código Penal, com as seguintes circunstâncias: o Requerente pediu ao seu amigo que solicitasse um empréstimo bancário no valor de HKD340.000, com objectivo de adquirir um veículo. Na realidade, o dinheiro era para o Requerente e este ficou responsável pelo pagamento das prestações do empréstimo. No entanto, além de dois pré-pagamentos e a primeira prestação, o Requerente atrasou sempre o pagamento das prestações do empréstimo. A situação ficou cada vez pior, assim, o banco exigiu ao seu amigo, através de enviar carta e funcionário à sua residência, o pagamento do empréstimo. O amigo, sabendo disso, exigiu a transferência do registo da titularidade do veículo e do empréstimo para o nome do Requerente. Posteriormente, o Requerente mentiu ao amigo que tinha arranjado um stand de automóveis para ajudar a vender o carro. Para tal, o Requerente entregou ao amigo um formulário “Pedido de Registo de Compra e Venda” e uma “declaração de venda de veículo”, donde não constavam quaisquer dados do comprador, para ele assinar. Depois disso, o Requerente vendeu o veículo, mas não deu o dinheiro obtido ao amigo, nem utilizou tal dinheiro para pagar o empréstimo bancário.
6. Além de violar a lei penal, no aspecto disciplinar, a conduta do Requerente violou o dever de aprumo previsto no artº 12º, nº 2, al. o) do Estatuto dos militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM).
7. De acordo com as disposições da Lei nº 11/2001 “Serviços de Alfândega da Região Administrativa Especial de Macau”, nomeadamente o artº 1º/nº 3, artº 2º, artº 3º e artº 10º, não há dúvida de que os SA assumem funções de natureza policial. O pessoal alfandegário é considerado, no exercício de funções de fiscalização, policiamento e investigação criminal, órgão de polícia criminal.
8. Portanto, o artº 9º/nº 1/al. 2) da Lei nº 3/2003 “Regime das carreiras, dos cargos e do estatuto remuneratório do pessoal alfandegário” estipula que “são requisitos gerais de ingresso nas carreiras do pessoal alfandegário: 2) Não ter sido condenado por qualquer crime doloso” (equivalente ao artº 20ºnº 1/al. 1) da Lei nº 13/2021).
9. Os SA são um serviço público com poder de execução da lei, sendo muito importantes as sua reputação e imagem. Caso o público questione sobre o comportamento do pessoal alfandegário, nomeadamente a sua consciência no cumprimento da lei, irá afectar directamente a eficácia no exercício das funções dos SA.
10. Ainda que o Requerente praticasse dolosamente o acto criminoso fora do exercício das funções, tal conduta ainda afecta gravemente a imagem dos SA e do seu pessoal perante o público, o que prejudica, inevitavelmente, a reputação dos SA e a dignidade funcional dos agentes alfandegários.
11. A Autoridade Policial exige ao seu pessoal o cumprimento rigoroso das regras disciplinares, sendo isso fundamental para unir força interna, com vista a assegurar o exercício eficaz das funções.
12. O Requerente foi condenado pelo tribunal pela prática de um crime doloso, ao mesmo tempo, infringiu gravemente os deveres funcionais impostos ao pessoal alfandegário, prejudicando, assim, a reputação dos SA e a dignidade funcional do seu pessoal. Caso permita que o Requerente regresse ao seu posto de trabalho durante o período de recurso contencioso, mesmo que o tempo seja curto, irá pôr em causa as expectativas comunitárias na validade das normas disciplinares, o que irá provocar grande impacto na gestão interna dos SA, sobretudo a gestão e disciplina do pessoal.
13. Deste modo, a suspensão de eficácia da pena aplicada irá causar grande lesão ao interesse público prosseguido pelo acto.
14. Pelo exposto, não se encontra preenchido o requisito indicado no artº 121º, nº 1, al. b) do CPAC.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de ser indeferido o requerido.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
III. FUNDAMENTAÇÃO

1) Factos

a) Em 11.10.2021 foi o Requerente notificado do despacho do senhor Secretário para a Segurança de 28.09.2021 com o seguinte teor:
«Nos autos de processos disciplinares acima identificados, em que é arguido. o. Verificador Alfandegário n.º 43991, A, dos Serviços de Alfândega, constam, como melhor se circunstancia na Acusação, a qual, por brevidade, se dá aqui por inteiramente reproduzida, suficientemente provados os seguintes factos:
- Nas circunstancias de modo descritas no referido libelo acusatório, o arguido, invocando estar impedido de o fazer pessoalmente devido à pendência de um empréstimo. ainda não totalmente amortizado, pediu a um amigo que comprasse, para seu uso, dele arguido, uma viatura automóvel com recurso a crédito bancário, cuja propriedade lhe seria transferida após a liquidação das respectivas responsabilidades, o que o amigo fez, contraindo um crédito no valor de HKD 340.000.00 (trezentos e quarenta mil), junto do Banco Weng Hang, em 15 de Outubro. de 2013. Porém, contrariando o compromisso assumido, o arguido não cumpriu com as obrigações deixando de depositar o montante relativo a várias prestações. Pelo contrário, em Janeiro de 2016, usando de novo artifício fraudulento, logrou, como vem descrito na acusação, que o amigo lhe transferisse a propriedade da viatura, quando este pensava que o fazia em favor de uma agência que se teria disponibilizado para ajudar a resolver o problema da dívida. Já com a viatura automóvel em seu nome acabaria por vendê-la a um terceiro sem liquidar as suas responsabilidades bancárias, deixando o amigo a braços com uma pesada dívida.
Pela autoria destes factos acabaria por ser condenado no Tribunal Judicial de Base na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, pela prática de um crime de Burla p.p. pelo. artigo. 211.º do Código Penal (pag 220 a 230 dos autos),
Com a prática dos factos descritos, o arguido A violou de forma grave o dever de aprumo na formulação que lhe confere a alínea o) do n.º 2 do artigo 12.º do Estatuto dos Militarizados (EMFSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro, a que corresponde a alínea 14) do. n.º 2 do artigo 92.º da Lei n.º 13/2021 (Estatuto dos agentes das Forças de Segurança)
- Vem ainda provado nos autos em apreço que o arguido apenas comunicou o seu divórcio em 12 de Abril de 2013, quando o mesmo ocorrera em 9 de Fevereiro de 2009, período durante o qual recebeu indevidamente o subsídio de família atribuído aos sogros, omissão que, pelo menos a partir da entrada em vigor de Lei n.º 2/2011, o constituiu em infracção ao dever de comunicação disposto no n.º 2 do seu artigo 16.º
Foi ouvido o Conselho de Justiça e Disciplina, em 13 de Setembro de 2021, que se pronunciou pela aplicação ao arguido da pena de demissão.
A conduta descrita, quer pela sua gravidade, quer pela afronta que constitui para o prestigio da corporação, prejudica de forma grave a dignidade da função e atenta contra a imagem que a população revê nos agentes policiais e nas forças de segurança, como reserva de valores de integridade e adequação social, razão pela qual se torna insustentável a manutenção da relação funcional e, assim, não obstante a boa informação dos superiores que o beneficia, nos termos da alínea i) do n.º 2 do artigo 200.º do citado EMFSM
ponderadas a gravidade da falta, a culpa e a responsabilidade do arguido, o Secretário para a Segurança, no uso da competência que lhe advém do disposto no Anexo G ao artigo 211.º do EMFSM (actual Anexo V ao n.º 2 do artigo 78.º do Estatuto dos Agentes) e, bem assim, da Ordem Executiva n.º182/2019, pune o arguido, Verificador Alfandegário n.° 43991, A, dos Serviços de Alfândega, com a pena de DEMISSÃO, nos termos das alíneas f) e n) do n.º2 do artigo 238.º do EMFSM, por força do disposto na alínea c) do seu artigo 240.º , a que correspondem as actuais alíneas 6) e 12) do artigo 153,º e a alínea 3) do artigo 155.º, também do citado Estatuto dos Agentes.
Notifique-se o presente despacho e, bem assim, de que do mesmo cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância.» - fls. 9 e 10 do processo principal – cf. fls. 51 e 52 destes autos as quais são cópias dos documentos juntos pelo aqui Requerente nos autos de recurso contencioso de que estes são apenso -.
  
  2) Do Direito
  
  É o seguinte o teor do parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
  «1.
  A, melhor identificado nos autos, instaurou junto do Tribunal de Segunda Instância (TSI) um procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto praticado pelo Secretário para a Segurança e através do qual lhe foi aplicada a pena disciplinar de demissão.
  A Entidade Requerida juntou aos autos o seu despacho de reconhecimento de grave prejuízo para o interesse público na não imediata execução do acto administrativo suspendendo nos termos previstos no artigo 126.º, n.º 2 do CPAC.
  Além disso, também apresentou contestação.
  2.
  (i)
  Não sendo objecto de controvérsia que o acto suspendendo, por isso que se trata de um acto punitivo que, portanto, aplicou ao Requerente uma pena disciplinar, é um acto que tem conteúdo positivo [artigo 120.º, alínea a) do CPAC], a sua eficácia pode ser suspensa desde que, como decorre do disposto no artigo 121.º, n.º 1 e 3 do CPAC, se verifiquem os seguintes requisitos:
  α) a suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente produzido pelo acto;
  β) do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  Como se sabe, a lei prescinde da verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC quando em causa esteja a suspensão da eficácia de acto com natureza de sanção disciplinar, como no caso acontece.
  (ii)
  Isto dito, parece-nos, se bem vemos, que as duas únicas questões que se debatem no presente recurso jurisdicional são a de saber se a suspensão de eficácia, a ser decretada, determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto e a de saber se, ainda que que tal requisito se não dê por verificado, será de conceder a providência por se mostrar que os prejuízos decorrentes para o requerente da imediata execução do acto são desproporcionadamente superiores ao prejuízo que, da suspensão de eficácia, advém para o interesse público.
  Vejamos, pois.
  Na verdade, estando em causa um acto administrativo que aplicou ao Requerente uma pena disciplinar de demissão em razão da prática de factos que integram, simultaneamente, a prática de um crime de burla pelo qual o mesmo já foi judicialmente condenado, é claro que o concreto interesse público que através do mesmo se prossegue é, justamente, o da manutenção da disciplina no seio do serviço público em causa, tendo em vista preservar a sua coesão e a sua eficiência na prossecução das suas atribuições que funcionalmente lhe estão cometidas, dessa forma se garantindo o seu prestígio e a sua autoridade.
  Na formulação do Tribunal de Última Instância, seguindo o ensinamento de MARCELLO CAETANO, «o interesse público concretamente prosseguido por qualquer acto disciplinar punitivo releva dos fins das penas disciplinares. Destinam-se estas, ‘como quaisquer outras, a corrigir e a prevenir: corrigem fazendo sentir ao autor do facto punido a incorrecção do seu procedimento e a necessidade de melhorar a sua conduta; e previnem, pois não só procuram evitar que o agente castigado volte a prevaricar, como servem de exemplo a todos os outros, mostrando-lhes as consequências de má conduta. Desta forma, através da acção imediata sobre os agentes, a aplicação das penas disciplinares tem por fim defender o serviço da indisciplina e melhorar o seu funcionamento e eficiência, mantendo-o fiel aos seus fins’» (cfr. Ac. do Tribunal de Última Instância de 7.3.2018, processo n.º 8/2018).
  Isto que é assim em geral, é-o igualmente, e até com especial vigor, e pela natureza das coisas, quando estão em causa infracções disciplinares praticadas por quem integra os Serviços da Alfândega ou, em geral, as Forças de Segurança de Macau.
  Daqui resulta que, no caso, o decretamento da suspensão da eficácia do acto punitivo iria colocar irremediavelmente em causa a prossecução do referido interesse público que esteve subjacente à sua prolação por parte da Entidade Requerida. A neutralização, ainda que temporária, da eficácia do acto, impedindo a respectiva execução, parece-nos que iria, por um lado, causar grave dano ao prestígio externo e à imagem dos Serviços de Alfândega, enquanto instituição cujos respectivos membros se pautam pela observância estrita dos deveres que os vinculam, e, por outro lado, internamente, projectaria um inevitável efeito nefasto e perturbador no seio da corporação, do seu comprometimento com a repressão da ilegalidade e com o seu sentido de disciplina, cuja preservação é absolutamente essencial à cabal prossecução das funções que legalmente lhe estão atribuídas.
  Estamos em crer, pois, que não está verificado, no caso, o requisito de concessão da providência a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
  (iii)
  Além disso, também nos parece que, no caso, não cabe a aplicação da norma do n.º 4 daquele artigo 121.º. Aí se estabelece: «Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os demais requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente».
  O que ali está em causa são situações em que, não obstante o tribunal considerar não estar demonstrado que a suspensão não determina grave lesão para o interesse público, ainda assim concede tal providência. Para isso é necessário que se demonstre que o Requerente, a ver o acto imediatamente executado, irá sofrer prejuízos desproporcionadamente superiores àqueles que da suspensão resultarão para o interesse público. O que remete, pois, para uma concreta ponderação entre o prejuízo para o interesse público e o prejuízo para o interesse particular do requerente da suspensão.
  É ao Requerente da providência que cabe o ónus de concretizar e demonstrar a superioridade desproporcionada dos prejuízos para que possa ser decretada a suspensão de eficácia por aplicação da citada norma (assim, o Acórdão do Tribunal de Última Instância de 7.3.2018, Processo n.º 8/2018, antes citado e também o Acórdão de 30.7.2019, processo n.º 73/2019) e a verdade é que, manifestamente, o Requerente nem sequer esboçou um qualquer esforço no sentido de proceder àquela indispensável demonstração, pelo que a consequência de tal inércia só pode ser, em nosso modesto entendimento, a do indeferimento da sua pretensão cautelar.
  3.
  Pelo exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser indeferido o pedido de suspensão de eficácia.».
  
  Concordando-se e aderindo integralmente aos fundamentos constantes do Douto parecer o qual está em sintonia com aquela que tem vindo a ser a Jurisprudência do Tribunal de Última Instância – veja-se Acórdão nº 139/2021 de 3.11.2021 -, nada mais se mostra necessário impondo-se decidir em conformidade indeferindo a requerida suspensão de eficácia do acto por se entender não estar verificado o requisito da al. b) do nº 1 do artº 121º do CPAC.
  
IV. DECISÃO

  Nestes termos e pelos fundamentos expostos vai indeferido o pedido de suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança de 28.09.2021 que aplicou a pena de demissão ao Requerente.
  
  Custas a cargo do Requerente.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 16 de Dezembro de 2021
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  Lai Kin Hong
  Fong Man Chong
  
  Mai Man Ieng



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