Processo n.º 868/2021
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Relator: Fong Man Chong
Data : 16 de Dezembro de 2021
Assuntos:
- Pessoa colectiva de direito privado e incompetência do Tribunal Administrativo para conhecer dos actos praticados por órgãos seus
SUMÁRIO:
I - A Santa Casa da Misericórdia de Macau, nos termos que resultam do Artigo primeiro do «Compromisso da Santa Casa da Misericórdia de Macau», republicado no Boletim Oficial n.º 45 do Ano de 1997, II Série, de 5 de Novembro de 1997, é uma instituição de forma associativa que reveste, ademais, a natureza de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa (cfr. o artigo 1.º da Lei n.º 11/96/M, de 12 de Agosto). Portanto, ela é uma pessoa colectiva de direito privado, é uma entidade de criação e de natureza privada que não integra, de acordo com um critério puramente orgânico-subjectivo, a Administração Pública da RAEM.
II - Embora ela prossiga fins de interesse geral da comunidade e, nessa medida, coopere com a Administração da Região nos termos do artigo 1.º da Lei n.º 11/96/M, tal não se mostra suficiente para a categorizar como uma entidade privada que exerça funções administrativas ou que disponha, em geral, de poderes de autoridade conferidos por normas de direito público.
III – Sendo embora uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa e, por isso, se enquadre na previsão da subalínea (5) da alínea 1) do n.º 2 do artigo 30.º da LBOJ, a verdade é que o acto praticado por um dos seus órgãos, no caso a Assembleia Geral, e que constitui objecto do presente recurso contencioso não consubstancia um acto administrativo, porquanto não foi praticado no exercício de poderes públicos de autoridade conferidos por normas de direito administrativo, e como tal é incompetente o Tribunal Administrativo em razão da matéria, sendo competentes os juízos do TJB.
O Relator,
_______________
Fong Man Chong
Processo n.º 868/2021
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Data : 16 de Dezembro de 2021
Recorrente : A
Objecto do Recurso : Decisão que declarou incompetente e ordenou a remessa dos autos ao Tribunal Judicial de Base (宣告無管轄權及命令將卷宗移送往初級法院的決定)
Entidade Recorrida : Mesa Directora da Santa Casa da Misericórdia de Macau
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I - RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificados nos autos, não se conformando com o despacho proferido pelo Tribunal Administrativo, datado de 02/09/2021, que se declarou incompetente para conhecer do recurso contencioso por si interposto e ordenou a remessa dos autos ao Juízo Civil do Tribunal Judicial de Base, dela veio, em 09/09/2021, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 262 a 434, tendo formulado as seguintes conclusões :
O que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
1) O presente Recurso é interposto da decisão judicial do Tribunal Administrativo, datada de 2 de Setembro de 2021, constante a fls. 258 a 259 dos autos, que declara a incompetência do Tribunal Administrativo, em razão da matéria, para julgar o presente recurso contencioso administrativo e decidindo remeter o processo para o Juízo Civil do Tribunal Judicial de Base nos termos do artigo 33º, no. 1 CPC, ex vi do artigo 1º do CPAC.
A Douta decisão judicial recorrida violou as regras de competência, violou o disposto:
a) no artigo 34º, nº.1 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPAC;
b) no artigo 11º da Lei no.11/96/M, de 12 de Agosto (Declaração de Utilidade Pública Administrativa);
c) no artigo 40º, no.4 do Compromisso da Santa Casa da Misericórdia de Macau, na sua versão actualmente em vigor, publicado no Boletim Oficial no.45, II Série, de 5 de Novembro de 1997 e
d) no artigo 30º, no.2, alínea 1), subalínea (5) da Lei no.9/1999, (Lei de Bases da Organização Judiciária).
Pelo que se encontra ferida do vício de violação de Lei.
2) Em 09 de Abril de 2021, a ora recorrente interpôs recurso contencioso (processo no.3028/21-ADM, melhor acima identificado) contra as ilegalidades das deliberações (decisões) de 07 de Dezembro de 2018 e 29 de Maio de 2019 da Mesa Directora da Santa Casa da Misericórdia de Macau, órgão de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, por força do artigo 13º da lei no.11/96/M, cfr fls. 2 a 104 dos autos.
3) A deliberação (decisão) da Mesa Directora da Santa Casa da Misericórdia de Macau, adiante Mesa Directora, de 7 de Dezembro de 2018, é nula, por violação dos números um e dois do artigo 24º e também do artigo 37º do Compromisso da Santa Casa da Misericórdia de Macau, adiante Compromisso, violando assim a alínea f) do no.2 do artigo 122º do CPA, violando também o artigo 11º da Lei no.11/96/M, porque violou o Compromisso da SCMM, esta deliberação está ferida de vício de violação de lei, com provas documentais, cfr fls. 56 a 57 dos autos.
A deliberação de 7 de Dezembro de 2018 da Mesa Directora da SCMM é nula, por violação do artigo vigésimo quarto do Compromisso da SCMM relativo a impedimentos dos membros de órgãos sociais;
Esta deliberação de 7 de Dezembro de 2018 nunca foi notificada à ora Recorrente e é nula por violação dos números um e dois do artigo vigésimo quarto do Compromisso da SCMM relativo a impedimentos dos membros de órgãos sociais, porque os trabalhadores da SCMM, D e E que fizeram queixas da Recorrente à Mesa Directora da SCMM na reunião de 7 de Dezembro de 2018, são respectivamente, esposa do mesário suplente Dr. B e familiar do mesário C, estes 2 mesários, participaram nesta mesma reunião de 7 de Dezembro de 2018 e a mesma deliberação é nula, porque a Mesa Directora da SCMM é composta por 5 membros, nos termos do artigo 37º do Compromisso da SCMM, mas nesta mesma reunião de 7 de Dezembro de 2018 participaram mais dois mesários suplentes, um deles, o mesário suplente Dr. B que é o marido da queixosa D, assim a Mesa Directora da SCMM foi composta ilegalmente por 7 membros na reunião de 7 de Dezembro de 2018, cfr. fls. 56 a 57 dos autos e a deliberação de 7 de Dezembro de 2018 violou o artigo 24º e o artigo 37º do Compromisso da SCMM, violando a alínea f) do no.2 do artigo 122º do CPA e violou também o artigo 11º da Lei no.11/96/M, porque violou o Compromisso da SCMM, nestes termos a deliberação de 7 de Dezembro de 2018 é nula, por vício de violação de lei.
O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade nos termos do no.1 do artigo 123º do CPA, nestes termos os actos consequentes também são nulos e nunca produziram efeitos, cfr. fls. 56 a 57 dos autos.
4) Em 29 de Maio de 2019, a Mesa Directora da SCMM, órgão (administrativo) de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, tomou uma decisão materialmente administrativa que é nula por violação dos direitos básicos de defesa e contraditório, um direito fundamental num Estado de direito como a RAEM, nos termos da alínea d) do no.2 do artigo 122º do CPA, violando também o artigo 11º da Lei no.11/96/M, porque violou o Compromisso da SCMM, com provas documentais constantes no processo acima mais bem identificado, cfr. fls. 50 a 104 dos autos.
A ora Recorrente nunca teve acesso ao relatório final das averiguações dos factos ocorridos no Lar da SCMM e às inquirições de outras testemunhas, só tomou conhecimento do teor do relatório final das conclusões das averiguações elaborado pelos 3 advogados contratados ilegalmente pelo Mesário C, no dia 3 de Junho de 2020, na sede do edifício da SCMM, antes da Assembleia Geral Extraordinária de 19 de Junho de 2020, isto é, passado mais de um ano sobre a decisão tomada pela Mesa Directora da SCMM em 29 de Maio de 2019, cfr fls.50 a 55 dos autos, de aplicação de uma sanção disciplinar à ora Recorrente e imputando e notificando a recorrente para se responsabilizar pelo pagamento dos honorários dos advogados contratados ilegalmente pelo Mesário C, no montante de MOP180.300,00, nunca tendo a ora recorrente tido acesso à indicação dos factos que lhe são imputados, isto é, a ora recorrente foi punida disciplinarmente, no uso dos poderes de autoridade, pela Mesa Directora da SCMM, órgão de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, pela deliberação (decisão) de 29 de Maio de 2019, e foi notificada para pagamento dos honorários dos 3 advogados contratados ilegalmente pelo Mesário C, no montante de MOP180 300,00, cfr. fls. 50 a 94 dos autos, por Abuso de poder, vício de Incompetência e violação de Lei, violou os números um e dois do artigo quadragésimo quinto e a alínea d) do número três do artigo quinquagésimo sexto do Compromisso da SCMM, com provas documentais, cfr fls. 50 a 94 dos autos.
A ora recorrente nunca recebeu qualquer notificação da Mesa Directora da Santa Casa da Misericórdia de Macau, adiante Mesa Directora, ou dos advogados contratados ilegalmente pelo Mesário C para audiência prévia, nunca foi instaurado processo disciplinar contra a ora recorrente após o relatório final das averiguações e foi punida disciplinarmente, pela deliberação de 29 de Maio de 2019 sem ter tido conhecimento da decisão da deliberação de 7 de Dezembro de 2018, cfr fls. 56 a 57 dos autos sem ter tido acesso à leitura do relatório final das averiguações sobre os factos ocorridos no Lar da SCMM cfr fls. 59 a 78 dos autos, a ora recorrente não teve também acesso à leitura das inquirições de outras testemunhas e não recebeu qualquer Acusação, cfr fls. 50 a 94 dos autos, em violação dos direitos básicos de defesa e contraditório, violando assim a alínea d) do no.2 do artigo 122º do CPA, violou também o artigo 11º da Lei no. 11/96/M (Declaração de utilidade pública administrativa), em virtude de violação do Compromisso da SCMM.
Esta deliberação (decisão) de 29 de Maio de 2019 está ferida de vício de violação de lei.
5) A deliberação da Mesa Directora da SCMM de 29 de Maio de 2019 é também nula por ter aprovado um documento (o relatório final das averiguações elaborado pelos advogados contratados ilegalmente) que apenas chegou à sua posse 6 dias após a reunião em que diz o ter acolhido, provando-se por provas documentais a sua inexistência jurídica, cfr provas documentais a fls. 50 a 94 dos autos.
Nos termos do no. 1 do artigo 25º do CPAC "o direito de recurso de actos nulos ou juridicamente inexistentes não caduca, podendo ser exercido a todo o tempo" e
nos termos dos nos 1 e 2 do artigo 123º do CPA:
"1 - o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade.
2 - A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal."
6) A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Macau, é uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, por força do artigo 13º da Lei 11/96/M, de 12 de Agosto, registada nos Serviços de Identificação sob o número 484 como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, cfr fls. 94 dos autos.
A Irmandade da SCMM é de criação pública mediante acto legislativo, tendo a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Macau sido reconhecida como uma corporação administrativa de utilidade pública em 1938.
O novo Compromisso da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Macau, foi aprovado pela Portaria no. 5:178, de 7 de Junho de 1952, publicada no Boletim Oficial de Macau n.º 23 de 7 de Junho de 1952, continuando a Santa Casa da Misericórdia de Macau a ser reconhecida como uma "corporação administrativa de utilidade pública" e o seu Compromisso foi alterado sucessivamente em 28 de Agosto de 1989 e em 5 de Novembro de 1997 (cfr. Doc. 1 anexo ao requerimento de 9 de Setembro de 2021 - entrada no. TA 1747/2021 - certidão no. 6805/DRA/2021 da Direção dos Serviços de Identificação, a fls. 302 a 335 dos autos).
Face à publicação da Lei nº.11/96/M (Declaração de utilidade pública administrativa) e por força do artigo 13º da mesma Lei, a Irmandade da SCMM passou a ser regulada pela Lei no.11/96/M, cfr. fls. 94 dos autos.
7) A fls. 259 dos autos, última parte, o Douto Juiz do TA escreveu: "Uma vez que se pronunciou pela incompetência deste Tribunal e a consequente remessa do processo para o tribunal competente, o incidente da Iitigância de má-fé será decidido em sede própria".
Salvo o devido respeito, que é muito, não houve litigância de má-fé, conforme as fundamentações legais já apresentadas ao Douto Juiz do TA cfr. fls. 110 a 116 dos autos.
De resto o próprio Douto Juiz reconhece, a fls. 259 dos autos, no presente recurso, "ser diferente a configuração concreta das questões suscitadas" em relação ao recurso constante no processo no. 2957/20-ADM.
No recurso contencioso administrativo - processo no. 2957/20-ADM - a entidade recorrida é a Assembleia Geral da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia e requer-se que seja declarada nula a deliberação da Assembleia Geral Extraordinária, de 19 de Junho de 2020, cfr fls. 175 e fls. 243 dos autos.
No recurso contencioso administrativo - processo no. 3028/21, melhor acima identificado, a entidade recorrida é a Mesa Directora da Santa Casa da Misericórdia de Macau e requer-se que sejam declaradas nulas a deliberação de 7 Dezembro de 2018 e a deliberação de 29 de Maio de 2019, requerendo-se, ainda, que seja declarada a inexistência jurídica da deliberação de 29 de Maio de 2019, cfr fls. 2 e fls. 41 a 42 dos autos
Nos termos da Lei a recorrente tem o direito de recorrer das deliberações (decisões) tomadas pela Mesa Directora da SCMM nos dias 7 de Dezembro de 2018 e 29 de Maio de 2019 porque estas decisões estão feridas de vício de violação de lei, violando o Compromisso da SCMM e violando a Lei, violando também o artigo 11º da lei n.11/96/M (Declaração de Utilidade Pública Administrativa), não se entendendo por que razão foi levantada a questão de litigância de má-fé, cfr. fls. 110 a 116 dos autos.
8) Conforme mencionado na mesma douta decisão do TA, a fls. 258 a 259 dos autos, o Douto Juiz referiu a interposição do recurso contencioso administrativo, processo no. 2957/20-ADM, (pedindo a declaração de nulidade da deliberação da Assembleia Geral Extraordinária da SCMM de 19 de Junho de 2020) e que culminou com a declaração judicial da incompetência em razão da matéria, cfr fls. 175 a 250 e fls. 251 a 254 dos autos.
O Douto Juiz do Tribunal Administrativo declarou em 11 de Janeiro de 2021, a incompetência do TA, em razão da matéria, para julgar o recurso contencioso interposto pela ora recorrente cfr. fls. 175 a 250 e fls.251 a 254 dos autos e decidiu remeter o processo para o Juízo Civil do Tribunal Judicial de Base, nos termos do artigo 33º, no.1 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPAC, cfr fls. 251 a 254 dos autos.
A recorrente inconformada com a referida douta decisão do TA, interpôs recurso ordinário para o Venerando Tribunal de Segunda Instância.
9) A fls. 259 dos autos o Douto Juiz do TA escreveu: "No caso dos autos, não obstante ser diferente a configuração concreta das questões suscitadas, não estamos deslocados daquele processo disciplinar que levou à aplicação a sanção disciplinar de repreensão à Recorrente, pelo que não se vê motivo para alterar as considerações anteriormente expostas"
A recorrente, salvo o devido respeito, que é muito, vem esclarecer o seguinte:
Nunca foi instaurado qualquer processo disciplinar contra a ora recorrente, no processo no.2957/20-ADM a recorrente juntou as provas documentais e a Ré (Irmandade da Santa Casa da Misericórdia), apresentou contestação juntando "por fases" os documentos solicitados pelo TA e a entidade recorrida, a Assembleia Geral da SCMM, não apresentou mandatário e não enviou o processo instrutor nos termos do artigo 55º do CPAC e pelas provas documentais constantes naquele processo no.2957/20-ADM, ficou provado que a recorrente
nunca recebeu qualquer notificação da Mesa Directora da SCMM ou dos advogados contratados ilegalmente pelo Mesário C para audiência prévia e
nunca foi instaurado processo disciplinar contra a ora recorrente após o relatório final das averiguações e foi punida disciplinarmente, pela deliberação de 29 de Maio de 2019 sem ter tido conhecimento da decisão da deliberação de 7 de Dezembro de 2018, sem ter tido acesso à leitura do relatório final das averiguações sobre os factos ocorridos no Lar da SCMM, a ora recorrente não teve também acesso à leitura das inquirições de outras testemunhas e não recebeu qualquer Acusação, em violação dos direitos básicos de defesa e contraditório, violando assim a alínea d) do no.2 do artigo 122º do CPA e violando também o artigo 11º da lei no. 11/96/M, porque violou o Compromisso da SCMM
10) A douta decisão do TA, a fls. 258 a 259, transcreve, também, parte da decisão judicial do recurso contencioso administrativo no. 2957/20-ADM.
E ainda, a fls. 117 dos autos, o Douto Juiz do TA decidiu, em 21 de Abril de 2021: “Á secretaria para juntar aos presentes autos as certidões das petições iniciais (excluindo os documentos) e das respectivas decisões proferidas nos autos nos. 2957/20-ADM e 3017/21-ADM”.
Nos termos do no.1 do artigo 34º do CPC ex vi do artigo 1º do CPAC "A decisão sobre incompetência de um tribunal não tem valor fora do processo em que foi proferida”.
11) A deliberação (decisão) da Mesa Directora da Santa Casa da Misericórdia de Macau, adiante Mesa Directora, de 7 de Dezembro de 2018, é nula, por violação dos números um e dois do artigo 24º e também do artigo 37º do Compromisso da SCMM, violando assim a alínea f) do no.2 do artigo 122º do CPA, violando também o artigo 11º da Lei no.11/96/M, porque violou o Compromisso da SCMM, esta deliberação está ferida de vício de violação de lei, com provas documentais, cfr fls. 56 a 57 dos autos.
A deliberação de 7 de Dezembro de 2018 da Mesa Directora da SCMM é nula, por violação do artigo vigésimo quarto do Compromisso da SCMM relativo a impedimentos dos membros de órgãos sociais;
Esta deliberação de 7 de Dezembro de 2018 nunca foi notificada à ora Recorrente e é nula por violação dos números um e dois do artigo vigésimo quarto do Compromisso da SCMM relativo a impedimentos dos membros de órgãos sociais, porque os trabalhadores da SCMM, D e E que fizeram queixas da Recorrente à Mesa Directora da SCMM na reunião de 7 de Dezembro de 2018, são respectivamente, esposa do mesário suplente Dr. B e familiar do mesário C, estes 2 mesários, participaram nesta mesma reunião de 7 de Dezembro de 2018 e a mesma deliberação é nula, porque a Mesa Directora da SCMM é composta por 5 membros, nos termos do artigo 37º do Compromisso da SCMM, mas nesta mesma reunião de 7 de Dezembro de 2018 participaram mais dois mesários suplentes, um deles, o mesário suplente Dr. B que é o marido da queixosa D, assim a Mesa Directora da SCMM foi composta ilegalmente por 7 membros na reunião de 7 de Dezembro de 2018, cfr. fls. 56 a 57 dos autos e a deliberação de 7 de Dezembro de 2018 violou o artigo 24º e o artigo 37º do Compromisso da SCMM, violando a alínea f) do no.2 do artigo 122º do CPA e violou também o artigo 11º da Lei no.11/96/M, porque violou o Compromisso da SCMM, nestes termos a deliberação de 7 de Dezembro de 2018 é nula, por vício de violação de lei.
O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade nos termos do no.1 do artigo 123º do CPA, nestes termos os actos consequentes também são nulos e nunca produziram efeitos, cfr. fls. 56 a 57 dos autos.
Nos termos do artigo 126º no.1 do CPA, os actos nulos não são susceptíveis de ratificação, reforma e conversão.
12) Em 29 de Maio de 2019, a Mesa Directora da SCMM, órgão (administrativo) de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, tomou uma decisão materialmente administrativa que também é nula por violação dos direitos básicos de defesa e contraditório, um direito fundamental num Estado de direito como a RAEM, nos termos da alínea d) do no.2 do artigo 122º do CPA, violando também o artigo 11º da Lei no.11/96/M, porque violou o Compromisso da SCMM, com provas documentais constantes no processo acima mais bem identificado, cfr. fls. 50 a 104 dos autos.
A ora Recorrente nunca teve acesso ao relatório final das averiguações dos factos ocorridos no Lar da SCMM e às inquirições de outras testemunhas, só tomou conhecimento do teor do relatório final das conclusões das averiguações elaborado pelos 3 advogados contratados ilegalmente pelo Mesário C, no dia 3 de Junho de 2020 na sede do edifício da SCMM, antes da Assembleia Geral Extraordinária de 19 de Junho de 2020, isto é, passado mais de um ano sobre a decisão tomada pela Mesa Directora da SCMM de 29 de Maio de 2019, cfr fls. 50 a 55 dos autos, de aplicação de uma sanção disciplinar à ora Recorrente e imputando e notificando a recorrente para se responsabilizar pelo pagamento dos honorários dos advogados contratados, ilegalmente, pelo Mesário C, no montante de MOP180.300,00, nunca tendo a ora recorrente tido acesso à indicação dos factos que lhe são imputados, isto é, a ora recorrente foi punida disciplinarmente, no uso dos poderes de autoridade, pela Mesa Directora da SCMM, órgão de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, pela deliberação (decisão) de 29 de Maio de 2019, e foi notificada para pagamento dos honorários dos 3 advogados contratados, ilegalmente, pelo Mesário C, no montante de MOP 180 300,00, cfr. fls. 50 a 94 dos autos, por Abuso de Poder, vício de Incompetência e Violação de lei.
O relatório final das averiguações é nulo por violação dos números um e dois do artigo quadragésimo quinto e alínea d) do artigo quinquagésimo sexto do Compromisso da SCMM, porque a designação dos três advogados foi feita pelo Mesário C, sem ter poder para isso, violando, assim, a alínea f) do no. 2 do artigo 122º do CPA, violando, também por isso, o artigo 11º da Lei no. 11/96/M de 12 de Agosto, em virtude de violação do Compromisso da SCMM, provado por provas documentais constantes no processo, cfr fls. 50 a 94 dos autos.
A recorrente nunca recebeu qualquer notificação da Mesa Directora da SCMM, ou dos advogados contratados ilegalmente pelo Mesário C, para audiência prévia e nunca foi instaurado processo disciplinar contra a ora recorrente após o relatório final das averiguações e foi punida disciplinarmente, pela deliberação de 29 de Maio de 2019 sem ter tido conhecimento da decisão da deliberação de 7 de Dezembro de 2018, cfr fls. 56 a 57 dos autos, sem ter tido acesso à leitura do relatório final das averiguações sobre os factos ocorridos no Lar da SCMM, cfr fls. 59 a 78 dos autos, a ora recorrente não teve também acesso à leitura das inquirições de outras testemunhas e não recebeu qualquer Acusação, cfr fls. 50 a 94 dos autos, em violação dos direitos básicos de defesa e contraditório, violando assim a alínea d) do no.2 do artigo 122º do CPA, violou também o artigo 11º da Lei no. 11/96/M (Declaração de utilidade pública administrativa), em virtude de violação do Compromisso da SCMM.
Esta deliberação (decisão) de 29 de Maio de 2019 está ferida de vício de violação de lei e é nula.
Nos termos do artigo 126º no.1 do CPA, os actos nulos não são susceptíveis de ratificação, reforma e conversão.
13) A deliberação da Mesa Directora da SCMM de 29 de Maio de 2019 é também nula por ter aprovado um documento (o relatório final das averiguações elaborado pelos advogados contratados ilegalmente) que apenas chegou à sua posse 6 dias após a reunião em que diz o ter acolhido, provando-se por provas documentais a sua inexistência jurídica, cfr. provas documentais a fls. 50 a 94 dos autos.
Nos termos do no. 1 do artigo 25º do CPAC "o direito de recurso de actos nulos ou juridicamente inexistentes não caduca, podendo ser exercido a todo o tempo" e nos termos dos nos 1 e 2 do artigo 123º do CPA:
"1 - o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade.
2 - A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal."
14) Segundo os números 2 e 3 do artigo 2º do Código do Procedimento Administrativo (CPA):
"1..........
2. As disposições deste Código são ainda aplicáveis aos actos praticados por entidades concessionárias no exercício de poderes de autoridade.
二、本法典之規定,亦適用於被特許實體在行使當局權力時所作之行為。
3. Os preceitos deste Código podem ser mandados aplicar por lei à actuação dos órgãos das instituições particulares de interesse público.
三、透過法律,得將本法典之規定適用於謀求公益之私人機構之機關所實行之活動。
4..........
5..........
6..........”
(destaques nossos)
15) Na anotação ao artigo 2º, número 4, da obra de Mário Esteves de Oliveira, 2ª Edição, páginas 74 escreve-se o seguinte:
“(...)Por força deste no. 4, o Código pode ser mandado aplicar também - total ou parcialmente, directa ou subsidiariamente - às instituições particulares de interesse público.
A sujeição ao procedimento administrativo depende, porém, nestes casos, de lei expressa - e não de norma do próprio CPA. Por outro lado, não se restringe expressamente a (possibilidade de) extensão do Código aos casos em que tais instituições exerçam poderes de autoridade - embora a exigência tenha aqui também plena razão de ser.
Dúvida legítima é a de saber se, em relação àqueles actos destas instituições que segundo o regime vigentede há décadas, já são actos administrativos (ver art.s 51º, no. 1, do ETAF), se aplica o Código ou se é necessário que venha uma disposição expressa dizê-lo agora, de novo.
Por nós, respondemos afoitamente no primeiro sentido. De outro modo, teríamos aqui, sem qualquer justificação, uma matéria ou sector jurídico-administrativo a viver num regime de excepção procedimental, sem garantia adequada de prossecução dos interesses da colectividade e de consideração dos interesses dos cidadãos abrangidos pela actuação destes entes ... " (Cfr anotação da obra de Mário Esteves de Oliveira, 2ª Edição, p 74). (sublinhado nosso)
16) Em sede da doutrina local, no Código do Procedimento Administrativo de Macau, anotado e comentado por Uno José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, os autores deixaram ainda a seguinte observação:
“(...) A segunda dúvida que se coloca é a de saber porque é que existe uma diversidade de regimes: nas concessionárias, o CPA aplica-se de forma imediata e nas demais instituições privadas de interesse público exige-se uma lei especial que assim determine. Ora, defendendo-se que em ambos o caso é necessário o exercício de poderes de autoridade, não se compreende a não aplicação imediata também a estas entidades. Além disso, tal como acontece com as concessionárias, os actos administrativos das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa são recorríveis contenciosamente
(v.g. arts 9º, no.2, alínea c) e d) da Lei no. 112/91 de 29/8). Ora, pelo menos nestes casos não é necessário lei expressa a determinar a aplicação do CPA, sob pena de se tomarem decisões materialmente administrativas sem sujeição a prévio procedimento ou mesmo sem respeito pelas normas materiais reguladoras da formação das decisões administrativas, com prejuízo para o interesse público e para os direitos dos particulares ... )" (Cfr. a referida obra, p. 50). (sublinhado nosso).
17) Este entendimento é suportado e defendido tanto pela doutrina portuguesa como pela doutrina local que se debruçaram sobre o assunto.
Na RAEM é a Lei no. 11/96/M, de 12 de Agosto, que regulamenta a declaração de utilidade publica administrativa das pessoas colectivas.
Na RAEM as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa recebem da lei (Lei no.11/96/M) poderes de autoridade pública que ficam a pertencer-lhe como poderes próprios e nessa medida, estão sujeitas ao procedimento administrativo regulado nos termos do CPA e estão sujeitas à fiscalização do tribunal administrativo nos termos do disposto no artigo 30.º, no.2, alínea 1), subalínea (5), da Lei no. 9/1999.
18) Segundo o disposto no artigo 11º da lei no.11/96/M, de 12 de Agosto, a Mesa Directora da Santa Casa da Misericórdia de Macau, adiante Mesa Directora, órgão de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, tem o dever de cumprir o seu Compromisso (estatutos) e cumprir a lei, assim a Mesa Directora tem o dever de cumprir o disposto no artigo 40º no. 4 do Compromisso da SCMM que estipula "Das decisões tomadas pelo provedor, pelo secretário, pelo tesoureiro ou pelos vogais no exercício da competência da Mesa Directora, que nele ou neles estejam delegados ou subdelegados, cabe recurso para o plenário do órgão, sem prejuízo do recurso contencioso"[destaques nossos)
19) Na RAEM os órgãos das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, têm poderes de autoridade, de acordo com os seus estatutos e segundo o artigo 11º da Lei no.11/96/M, de 12 de Agosto, (Declaração de utilidade pública administrativa), estes órgãos de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, têm de cumprir os seus estatutos e a lei.
20) As decisões tomadas pela Mesa Directora da Santa Casa da Misericórdia de Macau, órgão (administrativo) de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa são recorríveis contenciosamente nos termos do artigo 40º, no. 4, do Compromisso da SCMM, nos termos do artigo 11º da Lei 11/96/M e nos termos do disposto no artigo 30.º, no.2, alínea 1), subalínea (5), da Lei no.9/1999.
“...Ora, pelo menos nestes casos não é necessária lei expressa a determinar a aplicação do CPA, sob pena de se tomarem decisões materialmente administrativas sem sujeição a prévio procedimento ou mesmo sem respeito pelas normas materiais reguladoras da formação das decisões administrativas, com prejuízo para o interesse público e para os direitos dos particulares ...” como observam Uno Ribeiro e Cândido Pinho (ver doutrina local acima transcrita).
21) A Lei no.11/96/M, de 12 de Agosto, regulamenta a (Declaração de utilidade pública administrativa) e a Irmandade da SCMM, é uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa por força do artigo 13º da Lei no.11/96/M e está registada nos Serviços de Identificação sob o no. 484.
22) Na RAEM as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa recebem da lei (Lei no.11/96/M) poderes de autoridade pública que ficam a pertencer-lhe como poderes próprios e nessa medida, estão sujeitas ao procedimento administrativo regulado nos termos do CPA e estão sujeitas à fiscalização do tribunal administrativo nos termos do disposto no artigo 30.º, no.2, alínea 1), subalínea (5) da Lei no. 9/1999, citando: "No âmbito do contencioso administrativo, e sem prejuízo da competência do Tribunal de Segunda Instância, compete ao tribunal Administrativo conhecer dos recursos dos actos administrativos ou em matéria administrativa praticados pelos órgãos de pessoas colectivas de utilidade pública administrativa." (destaques nossos)
23) A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Macau, adiante Irmandade da SCMM, é uma entidade pública com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa e financeira.
24) A Irmandade da SCMM, como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, pertence à "Administração indirecta”(Ver acórdão de 03.03.2021 proferido no processo no. 129/2020 do Tribunal de Última Instância).
A Irmandade da SCMM "percebe subsídios concedidos pela RAEM, com carácter de regularidade e permanência, pagos à Irmandade da SCMM em compensação de serviços prestados" nos termos do artigo 55º, alínea e) do Compromisso da SCMM, na sua versão actualmente em vigor, publicado no Boletim Oficial n.º 45, II Série, de 5 de Novembro de 1997.
25) É a Lei no. 9/1999 (Lei de Bases da Organização Judiciária) que determina a competência dos tribunais da RAEM.
26) Nos termos do disposto no artigo 30.º, no.2, alínea 1), subalínea (5), da Lei no. 9/1999, citando: "No âmbito do contencioso administrativo, e sem prejuízo da competência do Tribunal de Segunda Instância, compete ao Tribunal Administrativo conhecer dos recursos dos actos administrativos ou em matéria administrativa praticados pelos órgãos de pessoas colectivas de utilidade pública administrativa." (destaques nossos)
Artigo 30.º
Tribunal Administrativo
1. O Tribunal Administrativo é competente para dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, fiscais e aduaneiras.
2. No âmbito do contencioso administrativo, e sem prejuízo da competência do Tribunal de Segunda Instância, compete ao Tribunal Administrativo conhecer:
1) Dos recursos dos actos administrativos ou em matéria administrativa praticados pelas seguintes entidades:
(1) Directores de serviços e outros órgãos da administração que não tenham categoria superior à daqueles;
(2) Órgãos dos institutos públicos;
(3) Concessionários;
(4) Órgãos de associações públicas;
(5) Órgãos de pessoas colectivas de utilidade pública administrativa;
(6) [Revogada]
(Destaques nossos).
第三十條
行政法院
一、行政法院有管轄權解決行政、稅務及海關方面的法律關係所生的爭議。
二、在行政上的司法爭訟方面,在不影響中級法院的管轄權的情況下,行政法院有管轄權審理:
(一)對以下實體所作的行政行為或屬行政事宜的行為提起上訴的案件:
(1)局長以及行政當局中級別不高於局長的其他機關;
(2)公務法人的機關;
(3)被特許人;
(4)公共團體的機關;
(5)行政公益法人的機關;
(6)〔廢止〕
(Destaques nossos).
27) A Mesa Directora da Santa Casa da Misericórdia de Macau, adiante Mesa Directora, órgão (administrativo) de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, por força do artigo 13º da Lei no.11/96/M, exerceu o poder de autoridade na decisão administrativa tomada na deliberação de 29 de Maio de 2019, cfr fls. 50 a 52 dos autos e na deliberação de 7 de Dezembro de 2018, cfr fls. 56 a 57 dos autos e nos termos do artigo 11º da Lei no.11/96/M de 12 de Agosto, a Mesa Directora da SCMM, tem o dever de cumprir o seu Compromisso (estatutos) e cumprir a Lei.
28) As decisões tomadas pela Mesa Directora órgão (administrativo) de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa são recorríveis contenciosamente nos termos do artigo 40º, no. 4, do Compromisso da SCMM, na sua versão actualmente em vigor, publicado no Boletim Oficial n.º 45, II Série, de 5 de Novembro de 1997, cfr fls. 163 a 171 dos autos e nos termos do artigo 11º da Lei 11/96/M, a Mesa Directora tem que cumprir o Compromisso da SCMM ( estatutos) e a lei, e nos termos do disposto no artigo 30.º, no.2, alínea 1), subalínea (5), da Lei no.9/1999 , o tribunal administrativo é competente em razão da matéria para conhecer o recurso interposto pela recorrente.
29) A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Macau é uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, registada nos Serviços de Identificação sob o número 484 como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, provado por prova documental a fls. 94 dos autos e passou a ser regulada pela Lei no. 11/96/M, de 12 de Agosto, como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, nestes termos, tem que cumprir o artigo 11º da mesma Lei no.11/96/M citando:
"Artigo 11.º
(Deveres)
São deveres das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, sem prejuízo de outros que constem dos respectivos estatutos ou da lei:
a) Apresentar anualmente, nos termos da lei, o relatório e as contas dos exercícios findos;
b) Prestar as informações solicitadas pelas entidades oficiais competentes;
c) Cooperar com a Administração na medida das suas disponibilidades e no respeito pela sua natureza;
d) Comunicar ao Governador qualquer alteração dos respectivos estatutos.
(destaques nossos)
第十一條
(義務)
在不妨礙載於有關通則或法律的其他義務下,行政公益法人的義務為:
a)按法律規定提出年報告及過去的營運帳目;
b)向有權限的官方實體提供所要求的資料;
c)在能力範圍內遵照其性質與行政當局合作;
d)將通則的任何修改告知總督。
(Destaques nossos)
30) Nestes termos, a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Macau, como Pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, registada na Direcção dos Serviços de Identificação sob o n.º 484, tem o dever de cumprir o seu Compromisso (estatutos) e cumprir a Lei, de acordo com o disposto no artigo 11º da Lei no. 11/96/M e, nessa medida, os órgãos da Irmandade da SCMM estão sujeitos ao procedimento administrativo regulado nos termos do CPA e estão sujeitos à fiscalização do Tribunal Administrativo, quando tomam decisões materialmente administrativas, no exercício dos poderes de autoridade, como aconteceu na deliberação de 29 de Maio de 2019 e na deliberação de 7 de Dezembro de 2018 da Mesa Directora e, nos termos do disposto no artigo 11º da Lei 11/96/M, do artigo 40º no. 4 do Compromisso da SCMM e do disposto no artigo 30.º, no.2, alínea 1), subalínea (5), da Lei no.9/1999, o Tribunal Administrativo é competente, em razão da matéria, para conhecer o recurso contencioso interposto pela recorrente.
31) Em direito administrativo, utiliza-se o conceito de "administração indirecta", para descrever o "conjunto das entidades públicas que desenvolvem, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa, ou administrativa e financeira, uma actividade administrativa destinada à realização de fins do Estado"; (cfr., v.g., Freitas do Amaral, com a colaboração de Luís Fábrica, Jorge Pereira da Silva e Tiago Macieirinha in, "Curso de Direito Administrativo", 4a ed., Vol. I, 2015, pág. 299, devendo-se aqui, como é óbvio, adaptar-se a expressão "R.A.E.M." no lugar de "Estado" de modo a adaptar-se a definição conceptual à realidade)
(Ver acórdão de 03.03.2021 proferido no processo no. 129/2020 do Tribunal de Última Instância).
32) A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Macau, é uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, por força do artigo 13º da Lei 11/96/M, de 12 de Agosto, registada nos Serviços de Identificação sob o número 484 como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, cfr fls. 94 dos autos.
A Irmandade da SCMM é de criação pública mediante acto legislativo, tendo a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Macau sido reconhecida como uma corporação administrativa de utilidade pública em 1938.
O novo Compromisso da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Macau, foi aprovado pela Portaria no. 5:178, de 7 de Junho de 1952, publicada no Boletim Oficial de Macau n.º 23 de 7 de Junho de 1952, continuando a Santa Casa da Misericórdia de Macau a ser reconhecida como uma "corporação administrativa de utilidade pública" e o seu Compromisso foi alterado sucessivamente em 28 de Agosto de 1989 e em 5 de Novembro de 1997 (Cfr Doc. 1 anexo ao requerimento de 9 de Setembro de 2021- entrada no. TA 1747/2021-Certidão no. 6805/DRA/2021 da Direção dos de Identificação, a fls. 302 a 335 dos autos).
Face à publicação da Lei no.11/96/M (Declaração de utilidade pública administrativa) e por força do artigo 13º da mesma Lei, a Irmandade da SCMM passou a ser regulada pela Lei no.11/96/M, cfr. fls. 94 dos autos.
33) A Irmandade da SCMM é uma entidade pública com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa e financeira e que pertence à "Administração indirecta" da RAEM (Ver acórdão de 03.03.2021 proferido no processo no. 129/2020 do Tribunal de Última Instância).
34) A Irmandade da SCMM "percebe subsídios concedidos pela RAEM, com carácter de regularidade e permanência, pagos à Irmandade da SCMM em compensação de serviços prestados" nos termos da alínea e) do artigo 55º do Compromisso da SCMM, na sua versão actualmente em vigor, publicado no Boletim Oficial n.º 45, II Série, de 5 de Novembro de 1997.
35) A Mesa Directora da SCMM é um órgão (administrativo) da Irmandade da SCMM, nos termos do artigo 17º do Compromisso da SCMM.
36) A competência da Mesa Directora da Santa Casa da Misericórdia de Macau está prevista no artigo 38º do Compromisso da SCMM.
37) A Mesa Directora tem legitimidade passiva nos termos do artigo 37º do CPAC. A legitimidade passiva é conferida ao órgão que tiver praticado o acto impugnado. Como a legitimidade passiva é aferível em função da autoria do acto, mesmo nas hipóteses de actos praticados ao abrigo da delegação ou subdelegação de poderes, o recurso é dirigido contra o acto do delegado ou subdelegado e na petição o recorrente deve fazer constar isso mesmo, pois a tanto o obriga o art.º 42º, no.1, al c), do CPAC.
38) As decisões tomadas pela Mesa Directora da SCMM, são recorríveis contenciosamente, nos termos do no. 4 do artigo 40º do Compromisso da SCMM.
39) Segundo o artigo 30.º, no.2, alínea 1), subalínea (5), da Lei no. 9/1999: "No âmbito do contencioso administrativo, e sem prejuízo da competência do Tribunal de Segunda Instância, compete ao tribunal Administrativo conhecer dos recursos dos actos administrativos ou em matéria administrativa praticados pelos órgãos de pessoas colectivas de utilidade pública administrativa." (destaques nossos).
40) As decisões tomadas pela Mesa Directora da SCMM, na deliberação de 7 de Dezembro de 2018 e na deliberação de 29 de Maio de 2019 são decisões materialmente administrativas, tomadas no exercício dos poderes de autoridade, com a competência atribuída pelo artigo 38º do Compromisso da SCMM e, segundo o artigo 40º, no. 4, do referido Compromisso, estas decisões são recorríveis contenciosamente.
41) Estas decisões tomadas pela Mesa Directora são recorríveis contenciosamente nos termos do artigo 40º, no. 4, do Compromisso da SCMM, cfr fls.169 dos autos e este recurso contencioso de declaração de nulidade e inexistência jurídica pode ser exercido a todo o tempo e invocado a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, POR QUALQUER TRIBUNAL, nos termos do disposto no artigo 123º, no. 2, do CPA.
42) Na RAEM as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa recebem da lei (lei no.11/96/M) poderes de autoridade pública que ficam a pertencer-lhe como poderes próprios e nessa medida, estão sujeitos à fiscalização do tribunal administrativo nos termos do disposto no artigo 30.º, no.2, alínea 1), subalínea (5), da lei no. 9/1999.
43) As decisões tomadas pela Mesa Directora da SCMM, são recorríveis contenciosamente, segundo o artigo 40º, no. 4, do Compromisso da SCMM, na sua versão actualmente em vigor, publicado no Boletim Oficial n.º 45, II Série, de 5 de Novembro de 1997.
A Mesa Directora da SCMM como órgão de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa tem o dever de cumprir o seu Compromisso (estatutos) e a lei, de acordo com o disposto no artigo 11º da lei no. 11/96/M, de 12 de Agosto, (Declaração de Utilidade Pública Administrativa) e de acordo com o disposto no artigo 30º, nº.2, alínea 1), subalínea (5) da lei no.9/1999, (lei de Bases da Organização Judiciária).
Nestes termos, as decisões tomadas pela Mesa Directora da SCMM, órgão (administrativo) de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, são recorríveis contenciosamente e o Tribunal Administrativo é competente em razão da matéria para conhecer o presente recurso, nos termos do disposto no artigo 30.º, no.2, alínea 1), subalínea (5), da Lei no. 9/1999.
44) Como já dizia Jean Bodin - in “Les Six Livres de la République" - aos juízes não cabe julgar as leis, mas julgar segundo as leis ... E cabendo ao intérprete ter "sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico", devendo presumir que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos mais adequados", (cfr., art. 8°, n.º 1 e 3 do C.C.M.), evidente se nos apresenta também que ao Tribunal não cabe distinguir onde o legislador não distinguiu;
(“ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemos")
(Ver acórdão do TUI de 26.05.2021 proferido no Processo no. 5/2021, pags.36 e 37)
Assim:
45) Segundo o artigo 40º, no. 4, do Compromisso da Irmandade da SCMM, na sua versão actualmente em vigor, publicado no Boletim Oficial n.º 45, II Série, de 5 de Novembro de 1997: “Das decisões tomadas pelo provedor, pelo secretário, pelo tesoureiro ou pelos vogais no exercício da competência da Mesa Directora, que nele ou neles estejam delegados ou subdelegados, cabe recurso para o plenário do órgão, sem prejuízo do recurso contencioso" (destaques nossos)
46) Segundo o artigo 11º da Lei no.11/96/M, de 12 de Agosto (Declaração de utilidade pública administrativa):
"Artigo 11.º
(Deveres)
São deveres das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, sem prejuízo de outros que constem dos respectivos estatutos ou da lei:
a) Apresentar anualmente, nos termos da lei, o relatório e as contas dos exercícios findos;
b) Prestar as informações solicitadas pelas entidades oficiais competentes;
c) Cooperar com a Administração na medida das suas disponibilidades e no respeito pela sua natureza;
d) Comunicar ao Governador qualquer alteração dos respectivos estatutos. (destaques nossos).
47) Segundo o artigo 30.º, no.2, alínea 1), subalínea (5), da Lei no. 9/1999:
"No âmbito do contencioso administrativo, e sem prejuízo da competência do Tribunal de Segunda Instância, compete ao tribunal Administrativo conhecer dos recursos dos actos administrativos ou em matéria administrativa praticados pelos órgãos de pessoas colectivas de utilidade pública administrativa." (destaques nossos)
48) Na RAEM as pessoas colectiva de utilidade pública administrativa recebem da lei (Lei no.11/96/M) poderes de autoridade pública que ficam a pertencer-lhe como poderes próprios. Nestes termos, a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Macau, como pessoa pública administrativa, registada na Direcção dos Serviços de Identificação sob o n.º 484, tem o dever de cumprir o seu Compromisso (estatutos) e cumprir a Lei, segundo o disposto no artigo 11º da Lei no.11/96/M, de 12 de Agosto e nos termos do artigo 40º, no. 4, do Compromisso da SCMM, as decisões tomadas pela Mesa Directora da SCMM, são recorríveis contenciosamente, cfr fls. 169 dos autos
49) Nos termos do disposto no artigo 51º do Compromisso da SCMM, a aplicação das sanções disciplinares do artigo 50º, no. 1, alíneas a) e b), cabe à Mesa Directora.
Esta matéria de aplicação das penas, é sem dúvida uma matéria administrativa (Ver acórdão proferido em 18 de Abril de 2002 no processo no.229/2001 do TSI; ver acórdão proferido em 03.03.2021 no processo no. 129/2020 do TUI; ver acórdão proferido em 28.04.2021 no processo no.24/2021 do TUI, entre outros) e as decisões tomadas pela Mesa Directora da SCMM pelas suas deliberações de 7 de Dezembro de 2018 e de 29 de Maio de 2019 são decisões materialmente administrativas e recorríveis contenciosamente, segundo o disposto no artigo 40º, no. 4 do Compromisso da SCMM, na sua versão actualmente em vigor, publicado no Boletim Oficial n.º 45, II Série, de 5 de Novembro de 1997 e de acordo com o disposto no artigo 11º da Lei 11/96/M de 12 de Agosto e o disposto no artigo 30.º, no.º, alínea 1), subalínea (5), da Lei no. 9/1999, o Tribunal Administrativo é competente, em razão da matéria, para julgar o presente recurso.
O pedido de declaração de nulidade e inexistência jurídica das deliberações de 7 de Dezembro de 2018 e de 29 de Maio de 2019, pode ser exercido a qualquer tempo, nos termos do artigo 25º, no. 1, do CPAC, citando: "o direito de recurso de actos nulos ou juridicamente inexistentes não caduca, podendo ser exercido a todo o tempo" e nos termos do artigo 123º, no. 1 e 2, do CPA:
"1 - o acto nulo não produz quaisquer efeitos iuriotcos, independentemente da declaração de nulidade.
2 - A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal." (sublinhado nosso).
Nos termos do artigo 126º no.1 do CPA, os actos nulos não são susceptíveis de ratificação, reforma e conversão.
50) De acordo com a lei o Juízo Civil do Tribunal Judicial de Base é incompetente para julgar o presente recurso contencioso, por violação:
a) do artigo 11º da lei no 11/96/M
b) do artigo 40º, no. 4 do Compromisso da SCMM na sua versão actualmente em vigor, publicado no Boletim Oficial n.º 45, II Série, de 5 de Novembro de 1997
c) do artigo 30º, no.2, alínea 1), subalínea (5) da Lei no.9/1999, (Lei de Bases da Organização Judiciária)
51) De acordo com a Lei, o Tribunal Administrativo é competente em razão da matéria para conhecer o recurso contencioso interposto pela recorrente, porque a Mesa Directora da SCMM é órgão (administrativo) de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, por força do artigo 13º da Lei no. 11/96/M e na deliberação de 7 de Dezembro de 2018 e na deliberação de 29 de Maio de 2019, (cfr fls. 50 a 55 e fls. 56 a 57 dos autos) no exercício dos poderes de autoridade, tomou duas decisões materialmente administrativas e nos termos do artigo 11º da Lei no.11/96/M, a Mesa Directora da SCMM, como órgão de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, tem o dever de cumprir o seu Compromisso (estatutos) e cumprir a Lei.
Na RAEM, as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa recebem da lei (Lei no.11/96/M, de 12 de Agosto) poderes de autoridade pública que ficam a pertencer-lhe como poderes próprios e nessa medida (em matéria administrativa) estão sujeitos ao procedimento administrativo regulado nos termos do CPA e estão sujeitos à fiscalização do Tribunal Administrativo nos termos do disposto no artigo 30.º, no.2, alínea l), subalínea (5), da Lei no. 9/1999.
A Mesa Directora da SCMM, é um órgão de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, por força do artigo 13º da Lei no.11/96/M e nos termos do artigo 11º desta mesma lei, tem o dever de cumprir o Compromisso da SCMM (estatutos) e cumprir a lei.
A Mesa Directora como órgão de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, violou o seu Compromisso, violou a lei, violou o artigo 11º da lei no.11/96/M de 12 de Agosto.
De acordo com o disposto no artigo 40º, no.4, do Compromisso da SCMM, na sua versão actualmente em vigor, publicado no Boletim Oficial n.º 45, II Série, de 5 de Novembro de 1997, as decisões tomadas pela Mesa Directora da SCMM, órgão (administrativo) de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, são recorríveis contenciosamente.
Artigo 40º, no.4 do Compromisso da SCMM:
"Das decisões tomadas pelo provedor, pelo secretário, pelo tesoureiro ou pelos vogais no exercício da competência da Mesa Directora, que nele ou neles estejam delegados ou subdelegados, cabe recurso para o plenário do órgão, sem prejuízo do recurso contencioso" (destaques nossos).
52) A Lei no.11/96/M, de 12 de Agosto, regulamenta a (Declaração de utilidade pública administrativa) e a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Macau, é uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa por força do artigo 13º da mesma Lei no.11/96/M e está registada na Direcção dos Serviços de Identificação sob o no. 484 e de acordo com o disposto:
a) no artigo 11º da lei no.11/96/M, de 12 de Agosto (Declaração de Utilidade Pública Administrativa);
b) no artigo 40º, no.4 do Compromisso da Santa Casa da Misericórdia de Macau, na sua versão actualmente em vigor, publicado no Boletim Oficial no.45, II Série, de 5 de Novembro de 1997;
c) no artigo 25º, no. 1, do CPAC e
d) no artigo 123º, no. 2, do CPA e
e) no artigo 30º, no.2, alínea 1), subalínea (5) da lei no.9/1999, (lei de Bases da Organização Judiciária):
As decisões tomadas pela Mesa Directora da SCMM, em 7 de Dezembro de 2018 e em 29 de Maio de 2019, são recorríveis contenciosamente por violação do Compromisso da SCMM e violação de lei, violou o artigo 11º da Lei n. 11/96/M, de 12 de Agosto, e o Tribunal Administrativo é competente em razão da matéria para conhecer o presente recurso.
Está assim preenchido o disposto no artigo 30.º, no.2, alínea 1), subalínea (5), da Lei no. 9/1999: (...compete ao tribunal Administrativo conhecer dos recursos dos actos administrativos ou em matéria administrativa praticados pelos órgãos de pessoas colectivas de utilidade pública administrativa) (destaques nossos)
(cfr. o artigo 8º do Código Civil e ver acórdão do TUI de 26.05.2021 proferido no Processo no. 5/2021 pgs.36 e 37)
53) A Douta decisão judicial recorrida violou as regras de competência, violou o disposto:
a) no artigo 34.º, no.1, do CPC, ex vi, artigo 1.º do CPAC;
b) no artigo 11º da Lei no.11/96/M, de 12 de Agosto (Declaração de Utilidade Pública Administrativa);
c) no artigo 40º, no.4 do Compromisso da Santa Casa da Misericórdia de Macau, na sua versão actualmente em vigor, publicado no Boletim Oficial no.45, II Série, de 5 de Novembro de 1997 e
d) no artigo 30º, no.2, alínea l), subalínea (5) da Lei no.9/1999, (Lei de Bases da Organização Judiciária).
Pelo que se encontra ferida do vício de violação de lei.
*
A Entidade Recorrida, Mesa Directora da Santa Casa da Misericórdia de Macau, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 480 a 507, tendo formulado as seguintes conclusões:
a) O presente recurso e alegação não têm qualquer fundamento porque, (i) não sendo a ora Recorrida um órgão ou ente administrativo, por um lado e, por outro lado, (ii) não sendo o acto sob impugnação um acto administrativo, a discussão sobre a sua validade exorbita do âmbito material de competência da jurisdição administrativa, tal como claramente definida pela lei em vigor;
b) No peregrino entendimento da Recorrente, o facto de que o Tribunal a quo haja ordenado a junção aos presentes Autos de certidões das petições iniciais e das decisões proferidas nos autos de numeração 2957/20-ADM e n.º 3017/21-ADM, constituiria violação da lei;
c) A Recorrente não aponta a norma ou princípio legal que possa ter sido violado e omite que os elementos cuja junção foi ordenada eram pertinentes, quer para a aferição da boa fé na actuação da conduta processual da ora Recorrente, quer para ilustrar o argumento a final decisivo relativo à incompetência do Tribunal em razão de matéria;
d) Sendo óbvio o poder-dever do Tribunal de ordenar a junção aos Autos de tudo o que julgue pertinente à boa administração da justiça e à boa decisão das causas submetidas ao respectivo julgamento, o invocado vício merece apenas a veemente rejeição por Vossas Excelências;
e) A centenária Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Macau é uma associação privada humanitária fundada no distante ano de 1569 pelo bispo D. Belchior Carneiro Leitão e que prossegue fins de interesse geral da comunidade, razão por que se acha classificada como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa (cf. Lei n.º 11/96/M, de 12 de Agosto), encontrando-se por isso registada enquanto tal junto da Direcção dos Serviços de Identificação sob o número 484;
f) Em 1952 (data de aprovação do novo Compromisso da Santa Casa da Misericórdia de Macau e respectiva publicação no Boletim Oficial pelo Governador de Macau, em 1952, através da Portaria n.º 5:178), a Recorrida já existia há 383 anos, pelo que qualquer asserção de que esta apenas foi criada aquando da aprovação do novo Compromisso pelo governo provincial é manifestamente falsa, tal como se constata pela fácil leitura do artigo 1.º do Compromisso publicado juntamente com a Portaria n.º 5:178;
g) Ora, se há-de atribuir-se a criação da Recorrida à aprovação dos seus estatutos por uma autoridade pública, certamente que essa criação remontará ao alvará régio de 23 de Novembro de 1643 e não à referida Portaria;
h) Desde 1569 e até 1938, a Recorrida, que se candidatou voluntariamente ao exercício de tarefas públicas administrativas, tinha natureza jurídica privada, a qual, com a declaração de utilidade pública determinada pelo Governo da Colónia nesse ano de 1938 e a subsequente aprovação do novo Compromisso pelo Governo da Província de Macau e Timor, em 1952, se manteve inalterada, nos termos do supracitado artigo 568.° da Reforma Administrativa Ultramarina;
i) Em segundo lugar, a Recorrida está registada junto da Direcção dos Serviços de Identificação como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa;
j) Ora, é o próprio artigo 1.º da Lei n.º 11/96/M define as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa como "associações ou fundações privadas que prossigam fins de interesse geral da comunidade, cooperando com a Administração do Território", o que significa que, pese embora a declaração de utilidade pública administrativa, tais associações ou fundações retêm o estatuto de entidade privada e não se consideram integradas na Administração Pública da RAEM;
k) Das disposições dos artigos 1.º e 13.° da Lei 11/96/M extraem-se as seguintes conclusões:
(i) Prevê-se o reconhecimento da utilidade pública administrativa apenas a associações e a fundações de direito privado (cf. o artigo 1.º da Lei n.º 11/96/M e a definição do estatuto jurídico básico ou fundamental das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa);
(ii) Prevê-se a sua aplicação imediata às entidades cujo estatuto de utilidade pública administrativa pudesse ter sido adquirido em momento anterior ao da sua entrada em vigor;
(iii) Prevendo esse diploma a sua aplicação imediata a tais entidades, a lei subordina a manutenção do referido estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa ao cumprimento dos requisitos de que a mesma faz depender essa mesma possibilidade - exigindo, em particular, que as entidades em questão assumam a forma de associação ou de fundação;
l) A Recorrente cita determinada jurisprudência (Acórdão do TUI, de 03.03.2021, proferido nos autos do processo de recurso jurisdicional n.° 129/2020), claramente inaplicável ao caso sub judice, uma vez que aquela (jurisprudência) à Associação Pública dos Advogados de Macau, que é uma associação profissional de direito público, tal como o referem expressamente o art.º 37.° do Estatuto do Advogado, aprovado pelo DL 31/91, de 06.05, e o art.º 1.º, n.º 1 dos Estatutos daquela Associação;
m) A Recorrente cita doutrina que admite a aplicação imediata do procedimento administrativo às pessoas colectiva de utilidade pública administrativa (referidas como "instituições particulares de interesse público" e "instituições privadas de interesse público"), nos casos em que exerçam poderes de autoridade, daí concluindo (a Recorrente) que "a Mesa Directora da Irmandade da SCMM como órgão de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, exerceu os poderes de autoridade, praticando um acto administrativo [...], estando sujeita ao CPA, basta ter exercido os poderes de autoridade e não exige o exercício do poder público.";
n) Do disposto na alínea 5) do artigo 19.° da Lei de Bases da Organização Judiciária e do artigo 30.° da mesma lei resulta, de forma inequívoca, que o âmbito da jurisdição administrativa é delimitado segundo um critério de natureza essencialmente objectiva, não sendo bastante a consideração da identidade dos sujeitos da relação jurídica subjacente;
o) Tal critério de natureza objectiva foi originariamente definido, como recorda VITAL MOREIRA, por Acórdão da Subsecção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo português, o qual "considerou como actos administrativos os actos tomados por entidades privadas no uso de poderes de autoridade conferidos por lei e para a prossecução de fins de interesse público, equiparando-os aos actos idênticos das autoridades organicamente administrativas, no tocante ao regime da sua sindicabilidade." (cf. VITAL MOREIRA, op. cit., pp. 554 e 555);
p) Assim, a subordinação de um litígio ao âmbito e competência da jurisdição administrativa está primeira e determinantemente dependente de que a relação jurídica subjacente seja urna relação de natureza administrativa, por um lado;
q) Por outro lado, o recurso contencioso de anulação depende de que, pela actuação dos poderes de jurisdição do Tribunal Administrativo, se pretenda realizar um juízo de legalidade sobre um acto administrativo, anulando-o ou declarando a respectiva nulidade ou inexistência - cf. artigo 20.º do Código de Processo Administrativo Contencioso;
r) Neste preciso sentido se pronuncia uniformemente a doutrina mais relevante na matéria, tal corno ensinam DIOGO FREITAS DO AMARAL, e, inter alia, LINO JOSÉ BAPTISTA RODRIGUES RIBEIRO e JOSÉ CÂNDIDO DE PINHO, nos termos acima destacados em sede de alegações para os quais ora se remete para os devidos efeitos;
s) Assim, pelo facto de urna associação de direito privado e utilidade pública poder praticar actos administrativos, não se pode presumir que os actos por si praticados se qualifiquem corno actos administrativos; e, justamente porque assim é, é que a lei, nos termos acima vistos e analisados pela doutrina, privilegia a adopção de um critério fundamentalmente objectivo;
t) É, pois, à luz deste critério que deverá ser concretamente qualificado o acto recorrido e, em face do resultado desta qualificação, concluir - corno se impõe - no sentido na incompetência em razão da matéria do digníssimo tribunal a quo;
u) A Recorrente pretende que seja declarada a nulidade ou que seja anulado um acto pelo qual a Recorrida lhe impôs a sanção de repreensão registada e lhe solicitou o pagamento de determinadas despesas em que Incorreu com a organização do respectivo procedimento disciplinar;
v) A sanção disciplinar em causa foi aplicada à Recorrente na sua qualidade de associada da Recorrida, ou seja, na sua qualidade de membro da associação privada que a Irmandade é, não tendo qualquer impacto no seu estatuto cívico, muito menos no seu estatuto político, nem tão pouco tem fundamento, nem dá causa à constituição, de qualquer relação especial de poder entre esta e a Recorrida;
w) Tão pouco tal acto de aplicação de uma sanção disciplinar tem em vista a realização de uma finalidade relevante, em si mesma, sob o ponto de vista da prossecução de qualquer interesse público vinculativo por parte da Recorrida e, mediatamente, por parte da RAEM;
x) Assim, tal acto corresponde a um acto de mera gestão privada, que releva apenas no plano das relações internas que intercorrem entre a Recorrida e a Recorrente, enquanto associação e associada, respectivamente;
y) O acto sob impugnação não é qualificável como um acto administrativo, ou como acto praticado no exercício da função administrativa sobre qualquer um dos critérios relevantes para o efeito (o da qualificação do sujeito, o da posição relativa dos sujeitos, o dos interesses ou o critério estatutário) - vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo português, proferido em 14 de Fevereiro de 2008, cujas relevantes conclusões transcrevemos acima em sede de alegações e para o qual ora se remete para os devidos efeitos;
z) Pelo que, não estando verificado o pressuposto de que, nos termos da supra-referida subalínea (5) da alínea 1) do número 2 do artigo 30.° da Lei de Bases de Organização Judiciária, depende o reconhecimento da competência do Tribunal Administrativo, deve ser mantida a douta decisão do digníssimo tribunal a quo;
aa) A Recorrente invoca ainda o disposto no artigo 40.°, n.º 4 do Compromisso, na tentativa de justificar a pretensão da competência da jurisdição administrativa;
bb) A definição do âmbito de competência dos Tribunais não poderia nunca estar dependente das estipulações constante dos estatutos de uma associação privada, mesmo que de utilidade pública administrativa;
cc) Será sempre a lei, e não os estatutos da ora Recorrida, o padrão definidor do âmbito de competência dos Tribunais da RAEM;
dd) Por outro lado, a norma invocada pela Autora pretende apenas prever que, na circunstância em que, por força de lei, possa haver lugar à interposição de recurso contencioso de um acto praticado no exercício de competência delegada pela Mesa Directora da ora Recorrida, esse direito está garantido ainda que da mesma decisão possa haver lugar a recurso para a assembleia geral dos associados da Santa Casa da Misericórdia de Macau;
ee) Ora, como já acima comprovado, tal não é o caso, ou seja, a lei não prevê que as decisões de órgãos de direcção de associações de direito privado e utilidade pública que imponham a sanção de repreensão a qualquer dos seus associados estejam sujeitas a impugnação contenciosa;
ff) Mas, por todo o antes exposto, e em terceiro lugar, acresce ainda, ex abundantia, que, a estipulação em questão tão pouco diz apenas respeito ao "recurso contencioso", com o sentido (restrito) que a expressão cobra no domínio do contencioso administrativo, abrangendo também, necessariamente, outras formas processuais, designadamente a de impugnação na jurisdição de competência genérica, dos actos do órgão de direcção da ora Recorrida;
gg) Não sendo assim, também não se compreenderia que, na circunstância em que o acto praticado pela Mesa Directora não se qualificasse como um acto administrativo, que o mesmo não fosse susceptível de impugnação por via judicial, dentro dos limites de impugnabilidade das deliberações das associações;
hh) É isso mesmo o que ocorre in casu, razão por que a - inquestionavelmente certa - decisão do Tribunal a quo de declarar a sua própria incompetência em razão de matéria e de remeter o processo à jurisdição competente em nada prejudica os direitos de defesa que a Recorrente possa, legitimamente e nos limites da lei, mobilizar em seu favor.
*
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer constante de fls. 533 e 536 dos autos, pugnando pelo improvimento do presente recurso jurisdicional.
* * *
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes pelo TA, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
- Em 09/04/2021 a Recorrente propôs o recurso contencioso no Tribunal Administrativo, pedindo a declaração da nulidade da deliberação da Mesa Directora da SCMM de 29/05/2019;
- Autuado o respectivo processo, o Tribunal Administrativo proferiu o despacho constante de fls. 108, declarando-se incompetente aquele Tribunal em razão da matéria;
- Discordando da decisão veio a Recorrente interpor recurso jurisdicional para este TSI.
* * *
IV - FUNDAMENTOS
É o seguinte despacho que constitui o objecto deste recurso, proferido pelo Tribunal Administrativo:
“Fls. 2 a 49 e 112 a 116 dos autos:
Quanto à competência material do Tribunal Administrativo:
Neste recurso, a ora Recorrente impugnou contenciosamente as duas deliberações - a de 7/12/2018 em que se determinou instaurar um processo de averiguação contra a Recorrente, e nomear dois Irmãos para executarem as deliberações, e a de 29/5/2019, em que se aplicou uma sanção disciplinar de repreensão à mesma e lhe imputou a responsabilidade pelo pagamento dos honorários dos advogados no valor de MOP180,300.00, alegadamente tomadas pela Mesa Directora da Santa Casa da Misericórdia, cumulando nele o pedido indemnizatório no valor de MOP800,000.00, pelos danos alegadamente provocados pelas deliberações impugnadas.
O que se discute aqui não é uma coisa nova, é acerca das ilegalidades emergentes no âmbito do mesmo processo disciplinar, que deu origem aos processos n.ºs 3017/21-ADM e 2957/20-ADM, que foram ambos instaurados neste Tribunal e culminados com a declaração judicial da incompetência em razão da matéria.
Eis os fundamentos das decisões supraditas.
Quanto ao pedido anulatório, concluiu o Tribunal Administrativo que “a pena de repreensão registada aplicada nos autos não pode ser objecto de impugnação contenciosa, por falta da natureza administrativa.”, em termos concretos:
“ - A norma da competência do Tribunal Administrativo (o artigo 30.º, n.º 2, alínea 1), subalínea (5)) prevista na Lei de Bases de Organização Judiciária aplica-se à impugnação contenciosa interposta dos actos administrativos praticados pelos órgãos de pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.
- As pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, por definição dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 11/96/M, são originariamente as entidades privadas que prossigam fins não lucrativos de interesse geral e que colaborem com a Administração Pública na prossecução desses fins, e reconhecidas como tal mediante a declaração da Administração.
- Trata-se das entidades privadas, uma vez que não integram a Administração Pública, sendo de criação particular no exercício de direitos privados e no âmbito da autonomia privada.
- Tendo uma natureza privada, estas entidades, por regra, não praticam o acto administrativo, porque só se encontram autorizadas a actuar com o instrumento ao dispor de um qualquer sujeito como personalidade de direito privado, dentro do âmbito da sua capacidade jurídica. Aliás, nem o acto de reconhecimento da utilidade pública administrativa confere-lhes a natureza pública, conforme o entendimento pacífico na doutrina portuguesa.
- A prática do acto administrativo que envolva o exercício do poder público por uma entidade privada depende, unicamente, da existência da “delegação de poderes públicos” nesta entidade.
- No caso concreto da Santa Casa da Misericórdia de Macau, trata-se de uma entidade privada que fora constituída por iniciativa dos particulares, em conformidade com o procedimento previsto no direito civil. E inexiste nenhum acto de delegação, seja legal ou administrativa (ou cuja prova não se encontra nos autos) que possibilita a esta entidade exercer alguns poderes públicos na prossecução dos seus fins estatutários.
- Por outro lado, o acto recorrido – a sanção disciplinar de repreensão registada com base nas normas estatutárias (no artigo quinquagésimo do COMPROMISSO DA IRMANDADE DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE MACAU), criadas pelos associados particulares, sendo de natureza meramente civilística, não conferem, nem podem conferir o poder público à mesma instituição. ”
Por sua vez, quanto ao pedido indemnizatório cumulado, a falta da competência é manifesta, porque:
“Primeiro, como atrás referidos, inexistem as relações jurídicas controvertidas de natureza administrativa, exigida no disposto do artigo 30.º, n.º 1 da Lei de Bases de Organização Judiciária, ou seja, não foi no decurso da actuação administrativa nasceram os danos alegadamente sofridos pela ora Recorrente;
Segundo, o conhecimento do pedido indemnizatório é apenas admissível quando estão em causa os prejuízos causados pela Região Administrativa Especial de Macau, ou pelos demais entes públicos e dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes ao abrigo do n.º 2, alínea 3), subalínea (4) do mesmo artigo. Na lógica destas normas, não tendo a SCMM a qualidade de entidade pública, nem os seus trabalhadores agentes administrativos, a sua actuação eventualmente danosa não implicará a intervenção do Tribunal Administrativo na apreciação do pedido formulado, quer na acção judicia autonomamente intentada, quer cumulada no processo de recurso contencioso.”
No caso dos autos, não obstante ser diferente a configuração concreta das questões suscitadas, não estamos deslocados daquele processo disciplinar que levou à aplicação a sanção disciplinar de repreensão à Recorrente, pelo que não se vê motivo para alterar as considerações anteriormente expostas.
Assim sendo, decide-se este Tribunal:
- declarar incompetente em razão da matéria para julgar o presente recurso contencioso;
- remeter o processo para o Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, nos termos do art.º 33.º, n.º 1 do CPC, ex vi, art.º 1.º do CPAC.
Uma vez que se pronunciou pela incompetência deste Tribunal e a consequente remessa do processo para o tribunal competente, o incidente da litigância de má-fé será decidido em sede própria.
Custas pela Recorrente, com taxa de justiça fixada em 3UC.
*
Notifique e registe.
*
Quid Juris?
Relativamente às questões suscitadas neste recurso, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“Nos termos previstos no artigo 157.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), vem o Ministério Público pronunciar-se como segue:
1.
A, melhor identificada nos autos, interpôs «recurso contencioso de declaração de nulidade e inexistência jurídica» das deliberações de 7 de Dezembro de 2018 e de 29 de Maio de 2019 da Mesa Directora da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Macau que lhe aplicou uma sanção disciplinar de repreensão registada à Recorrente e lhe imputou a responsabilidade pelo pagamento dos honorários dos advogados mandatados por um dos mesários no montante de 180.300,00 patacas.
O Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo por douta decisão que se encontra a fls. 258 e 259 dos presentes autos, declarou verificada a excepção da incompetência do tribunal em razão da matéria e ordenou a remessa do processo para os Juízos Cíveis do Tribunal Judicial de Base.
Inconformada, veio a Recorrente interpor o presente recurso jurisdicional no qual sustenta a competência do Tribunal Administrativo para conhecer o presente recurso e pugna, assim, pela revogação da douta decisão recorrida.
A Mesa Directora da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Macau (doravante, Santa Casa da Misericórdia) apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido pelo Tribunal Administrativo.
2.
(i)
Parece-nos que a pretensão impugnatória da sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo deduzida pela Recorrente através do presente recurso jurisdicional não pode merecer acolhimento por parte do Tribunal de Segunda Instância
Está em causa uma única questão: a de saber se o Tribunal Administrativo é ou não competente para conhecer do litígio que constitui objecto dos presentes autos e a resposta a essa questão não pode deixar de ser, segundo cremos, negativa.
Em linhas muito breves diremos porquê, reproduzindo o parecer por nós proferido no processo n.º 313/2021 do Tribunal de Segunda Instância.
(ii)
Decorre do n.º 1 do artigo 30.º da Lei de Bases da Organização Judiciária (LBOJ) que «o Tribunal Administrativo é competente para dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, fiscais e aduaneiras».
Por sua vez, do artigo 30.º, n.º 2, alínea 1), subalínea (5) do citado diploma legal resulta que, no âmbito do contencioso administrativo compete ao Tribunal Administrativo conhecer dos recursos dos actos administrativos ou em matéria administrativa praticados órgãos de pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.
A Santa Casa da Misericórdia de Macau nos termos que resultam do Artigo primeiro do «Compromisso da Santa Casa da Misericórdia de Macau», republicado no Boletim Oficial n.º 45 do Ano de 1997, II Série, de 5 de Novembro de 1997, é uma instituição de forma associativa que reveste, ademais, a natureza de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, pois que se enquadra, de pleno, na previsão normativa contida no artigo 1.º da Lei n.º 11/96/M, de 12 de Agosto, segundo a qual «são pessoas colectivas de utilidade pública administrativa as associações ou fundações privadas que prossigam fins de interesse geral da comunidade, cooperando com a Administração do Território, e que, nos termos desta lei, sejam declaradas de utilidade pública administrativa» (não podemos deixar de sublinhar que a fonte directa desta norma é uma norma contida num diploma legislativo português, concretamente o artigo 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro, onde se preceitua: «são pessoas colectivas de utilidade pública as associações ou fundações que prossigam fins de interesse geral, ou da comunidade nacional ou de qualquer região ou circunscrição, cooperando com a Administração Central ou a administração local, em termos de merecerem da parte desta administração a declaração de ‘utilidade pública’». Ora, no ordenamento jurídico português nunca mereceu discussão que utilidade pública e utilidade administrativa não coincidem nem têm de coincidir integralmente. Veja-se, neste sentido, o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, n.º 1/2018, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 62 – 28 de Março de 2019, p. 9649).
Todavia, daí não decorre que a actuação de um dos seus órgãos que a Recorrente pretende ver judicialmente sindicada caiba no âmbito legalmente definido pelo artigo 30.º da LBOJ como sendo o da competência jurisdicional em razão da matéria do Tribunal Administrativo.
Na verdade, nos termos da norma da subalínea (5) da alínea 1) do n.º 2 do artigo 30.º da LBOJ, ao Tribunal Administrativo não compete conhecer de todos os litígios que possa emergir da actividade desenvolvida pelas pessoas colectivas de utilidade pública administrativa. Apenas lhe compete conhecer dos recursos dos actos administrativos ou em matéria administrativa praticados pelos órgãos dessas pessoas colectivas.
Segundo nos parece, com esta delimitação, o legislador tomou uma opção muito clara: a circunstância de uma entidade privada poder integrar funcionalmente, se bem que não orgânico-subjectivamente, a Administração Pública da Região não implica, sem mais, a submissão de toda a sua actuação externa ao direito administrativo nem a fiscalização judicial dessa actividade aos tribunais administrativos. Pelo contrário. Em regra, a actuação das entidades provadas rege-se pelo direito privado e por isso, o carácter excepcional de que se reveste a aplicação do direito administrativo à acção das entidades privadas determina, na mesma medida, o carácter excepcional da submissão dessas entidades à jurisdição administrativa (assim, PEDRO COSTA GONÇALVES, Entidades Privadas com Poderes Administrativos, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 58, p. 56).
O conceito legal de acto administrativo encontra-se, como é sabido, no artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo e apesar das divergências doutrinais que são conhecidas em torno da opção por um conceito amplo ou por um conceito restrito, para o que aqui e agora interessa, o que importa sublinhar é a seguinte nota: para que se poder falar de acto administrativo necessário se mostra que o mesmo corresponda a uma decisão de um órgão da Administração no exercício de poderes jurídico-administrativos.
O que significa, para o que agora nos interessa, que é recortar o âmbito da competência do Tribunal Administrativo quando em causa esteja a actuação de uma entidade privada, que tal competência dependerá de o acto em causa se tratar de um acto praticado no exercício da função administrativa é dizer, no exercício de poderes públicos de autoridade conferidos por normas de direito público (cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA – ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, 2007, p. 71, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, Coimbra, 2018, p. 172 e PEDRO COSTA GONÇALVES, Entidades…, p. 57).
Como refere MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, «determinante para que a competência pertença, neste domínio, aos tribunais administrativos é, pois, que o sujeito privado tenha actuado ao abrigo de normas de direito administrativo, ou seja, de normas que atribuam prerrogativas ou imponham deveres, sujeições ou limitações especiais por razões de interesse público, que não intervêm no âmbito de relações de natureza jurídico-privada» (cfr., do Autor citado, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, 2010, p. 275).
(iii)
Posto isto, a questão que tem se colocar é, precisamente, a de saber se a actuação da Mesa Directora da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia que a Recorrente pretende afrontar no Tribunal Administrativo partilha ou não daquelas notas caracterizadoras e se, portanto, corporiza ou não um acto administrativo pois que só em caso afirmativo se pode dizer que a competência para conhecer do litígio cabe àquele Tribunal.
Vejamos.
A Santa Casa da Misericórdia é uma pessoa colectiva de direito privado, é uma entidade de criação e de natureza privada que, seguramente, não integra, de acordo com um critério puramente orgânico-subjectivo, a Administração Pública da Região (era diferente, como se sabe, o enquadramento que, em Portugal, resultava do n.º 4 do artigo 109.º da Constituição de 1933 que, expressamente, integrava as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa na Administração Pública: sobre isto, veja-se MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10.ª edição, reimpressão, Tomo I, Coimbra, 1990, p. 399).
Além disso, embora prossiga fins de interesse geral da comunidade e, nessa medida, coopere com a Administração da Região nos termos enunciados na norma do artigo 1.º da Lei n.º 11/96/M, tal não se mostra suficiente para a categorizar como uma entidade privada que exerça funções administrativas ou que disponha, em geral, de poderes de autoridade conferidos por normas de direito público. Trata-se de uma entidade que se localiza na esfera privada, fora da Administração pública e sem participação no exercício da função administrativa, sem prejuízo de a sua actuação revestir uma evidente relevância pública (assim, PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual de Direito Administrativo, Volume I, Coimbra, 2020, p. 444 e pp. 1002-1003 e, no mesmo sentido, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Lições…, Coimbra, 2018, p. 172. O que vimos de dizer não exclui, é certo, que a Santa Casa da Misericórdia, enquanto pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, possa ser investida no desempenho de funções no quadro de uma colaboração com a Administração delineada num contrato. Quando tal suceda, no âmbito dessa colaboração e nos termos nela previstos, aquelas pessoas colectivas participarão no exercício da função administrativa, integrando a Administração, e, por isso, os actos que pratiquem nesse circunscrito âmbito, na medida em que correspondam a decisões unilaterais autoritárias que visem a produção de efeitos jurídicos num caso concreto, corporizarão verdadeiros actos administrativos. Sobre este último ponto, veja-se a lição de PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual…, p. 1003).
Sendo embora uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa e, por isso, se enquadre na previsão da subalínea (5) da alínea 1) do n.º 2 do artigo 30.º da LBOJ, a verdade é que o acto praticado por um dos seus órgãos, no caso a Assembleia Geral, e que constitui objecto do presente recurso contencioso não consubstancia um acto administrativo, porquanto não foi praticado no exercício de poderes públicos de autoridade conferidos por normas de direito administrativo, sendo que, como vimos, é o exercício desses poderes assim caracterizados que surge como factor de conexão relevante daa actuação das pessoas colectivas de utilidade administrativa com os tribunais administrativos.
Com efeito, está em causa um mero conflito entre a Santa Casa da Misericórdia e um dos seus membros, no caso, a Recorrente, que não releva, de modo algum, da aplicação de normas de direito administrativo, mas, simplesmente, de normas e previsões estatutárias de natureza exclusivamente privada, que nada têm que ver, por isso, com o exercício de prerrogativas de direito público. Mera gestão privada, como nos parece de meridiana clareza. Nem sequer se pode dizer, segundo cremos, que aqui esteja em causa uma relação juridicamente administrativizada pois que não se trata de uma actuação externa que se desenvolva especificamente ao abrigo de normas de direito administrativo, isto é, normas que lhe sejam dirigidas pelo facto de ser uma entidade que exerça funções administrativas (Cfr., sobre este último ponto, PEDRO COSTA GONÇALVES, Entidades…, p. 58).
Andou bem, pois, em nosso modesto entendimento, a douta decisão recorrida ao julgar verificada a excepção dilatória da incompetência em razão da matéria do Tribunal Administrativo e ao ordenar a remessa dos autos para os Juízos Cíveis do Tribunal Judicial de Base (no mesmo sentido já decidiu o Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 313/2021).
3.
Pelo exposto, é nosso parecer o de que, salvo melhor opinião, deverá ser negado provimento ao presente recurso.”
*
Em igual sentido e sobre a mesma questão já se decidiu neste tribunal no Acórdão proferido em 29.07.2021 no processo nº 423/2021, no qual se diz que:
« Para o Professor Freitas do Amaral1, acto administrativo “é o acto jurídico unilateral praticado por um órgão da Administração no exercício do poder administrativo a que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto.”
No caso dos autos, embora o acto seja praticado pelo órgão de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa (Mesa Directora), a verdade é que aquele acto não decorre do exercício do poder de autoridade.
Em boa verdade, trata-se de um acto praticado no desempenho duma actividade de gestão privada, actividade essa regulada por normas de direito civil, pelo que as questões suscitadas entre as partes, por integrarem o âmbito de direito privado, estão fora da jurisdição administrativa.
Termos em que, por não estar preenchido o disposto no artigo 30.º da Lei n.º 9/1999, há-de confirmar a sentença recorrida na parte em que decidiu pela incompetência do Tribunal Administrativo.».
Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público supra reproduzido ao qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o Tribunal Administrativo não é competente para conhecer deste recurso contencioso.
No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
*
Síntese conclusiva:
I - A Santa Casa da Misericórdia de Macau, nos termos que resultam do Artigo primeiro do «Compromisso da Santa Casa da Misericórdia de Macau», republicado no Boletim Oficial n.º 45 do Ano de 1997, II Série, de 5 de Novembro de 1997, é uma instituição de forma associativa que reveste, ademais, a natureza de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa (cfr. o artigo 1.º da Lei n.º 11/96/M, de 12 de Agosto). Portanto, ela é uma pessoa colectiva de direito privado, é uma entidade de criação e de natureza privada que não integra, de acordo com um critério puramente orgânico-subjectivo, a Administração Pública da RAEM.
II - Embora ela prossiga fins de interesse geral da comunidade e, nessa medida, coopere com a Administração da Região nos termos do artigo 1.º da Lei n.º 11/96/M, tal não se mostra suficiente para a categorizar como uma entidade privada que exerça funções administrativas ou que disponha, em geral, de poderes de autoridade conferidos por normas de direito público.
III – Sendo embora uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa e, por isso, se enquadre na previsão da subalínea (5) da alínea 1) do n.º 2 do artigo 30.º da LBOJ, a verdade é que o acto praticado por um dos seus órgãos, no caso a Assembleia Geral, e que constitui objecto do presente recurso contencioso não consubstancia um acto administrativo, porquanto não foi praticado no exercício de poderes públicos de autoridade conferidos por normas de direito administrativo, e como tal é incompetente o Tribunal Administrativo em razão da matéria, sendo competentes os juízos do TJB.
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Tudo visto, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida do TA (que se declara incompetente).
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Custas pela Recorrente que se fixam em 5 UCs.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 16 de Dezembro de 2021.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong (Concordo com a decisão no sentido de ser incompetente o T.A., sem prejuízo de que a melhor solução não seria de remeter os autos ao juízo cível, por ser totalmente inútil. (v. Proc. 423/2021) )
Mai Man Ieng
1 Direito Administrativo, Volume III, 1989, pág. 66
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2021-868-Casa-Misericórdia incompetente-TA 44