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Processo nº 10/2021
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 16 de Dezembro de 2021

ASSUNTO:
- Junta de Saúde
- Acto de Homologação do Director dos Serviços de Saúde
- Omissão de Notificação
- Faltas não justificadas

SUMÁRIO:
- Compete à Junta de Saúde verificar ou confirmar as situações de doença do pessoal dos serviços públicos, tendo em vista a justificação das faltas ao serviço;
- O parecer da Junta de Saúde é um acto meramente opinativo, não tendo a natureza de acto administrativo;
- Compete ao Director dos Serviços de Saúde homologar os pareceres das Juntas de Saúde, sendo que é este acto de homologação o verdadeiro acto administrativo que define a situação;
- Não tendo o funcionário submetido a Junta de Saúde sido notificado daquele acto de homologação, as ausências ao serviço, posteriores à realização de junta justificadas com atestados médicos, não podem ser havidas como faltas injustificadas.


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Rui Pereira Ribeiro




















Processo nº 10/2021
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 16 de Dezembro de 2021
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Segurança de 11.11.2020 que pune o Recorrente com a pena de demissão, formulando as seguintes conclusões:
a) Neste processo, o recorrente contencioso apresentou contestação escrita em relação ao conteúdo da acusação do respectivo processo disciplinar e por último, com o objectivo de necessitar de investigar os factos relevantes, requereu a produção da respectiva prova (vide fls. 57v. e 58 dos autos administrativos), nomeadamente, requer ouvir as declarações de testemunhas, requer à Junta Médica para fornecer as respectivas informações e requer ao departamento onde o recorrente contencioso trabalhava investigar os respectivos dados (conteúdo concreto a fls. 58 dos autos administrativos que aqui se dá por integralmente reproduzido).
b) Nos termos do no. 3 do artigo 262º do EMFSM, caso o instrutor não autorizasse as respectivas diligências deveria comunicar o recorrente contencioso por despacho com fundamentos, para que o mesmo interpusesse o eventual recurso hierárquico, caso contrário, causaria a nulidade insuprível aludida no no. 1 do mesmo artigo.
c) No entanto, no respectivo processo disciplinar, o instrutor não adoptou as resepctivas deligências e também não comunicou ao recorrente contencioso da respectiva decisão, para que o mesmo não pudesse utilizar os meios de impugnação quanto à referida decisão, pelo que, o respectivo procedimento tem o vício de nulidade insuprível, consequentemente, o despacho recorrido também deve ser declarado nulo.
d) Caso não concorde com a supracitada opinião, o recorrente contencioso entende que o despacho recorrido também violou as disposições dos nos. 2 e 7 do artigo 105º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau e artigo 27º do Decreto-Lei no. 81/99/M, devendo ser anulado.
e) Nos termos do no. 2 do artigo 105º do “Estatuto”: “O trabalhador que, tendo sido considerado apto pela Junta de Saúde para regressar ao serviço, volte a adoecer, no decurso dos 7 dias úteis seguintes, deve ser imediatamente mandado apresentar à mesma Junta, para efeitos de confirmação da doença.” (sublinhado posteriormente colocado)
f) O recorrente contencioso, a pedido, dirigiu-se em 17 de Maio de 2019 à Junta Médica para proceder ao procedimento de confirmação. Depois, dado o estado físico não ter melhorado e de acordo com as indicações do médico responsável, continuou a parar de trabalhar para descansar, bem como apresentou ao serviço onde trabalhava os respectivos atestados médicos. Posteriormente, o recorrente contencioso neste processo foi novamente arranjado em 12 de Julho de 2019 em se dirigir à Junta para efectuar o procedimento de confirmação, não sendo que nos termos legais, procedeu ao arranjo imediatamente.
g) Além disso, nos termos do no. 7 do mesmo artigo, o parecer da Junta de Saúde deve ser comunicado ao trabalhador no próprio dia do procedimento de exame. No entanto, neste processo, a Junta não comunicou ao recorrente contencioso nos termos da lei.
h) De facto, os procedimentos realizados pela Junta quer fosse em 17 de Maio ou 12 de Julho de 2019, ou qualquer outra data, a Junta não procedeu à verificação ou análise sobre a situação de doença do recorrente contencioso, também não comunicou ao recorrente contencioso o conteúdo de qualquer parecer ou opinião.
i) No registo de apreciação de 17 de Maio e 12 de Julho de 2019, também não registou que a Junta chegasse a dizer ao recorrente contencioso qualquer opinião ou resultado de avaliação, aliás, em todos os autos administrativos, também não tinha qualquer registo de assinatura do recorrente contencioso para acusar a recepção do documento de entrega.
j) Ademais, é visível através do registo de apreciação e do parecer da Junta, a Junta não realizou a verificação ou análise sobre a situação de doença do recorrente contencioso, também não deu explicação de confirmação ou não confirmação das respectivas faltas, pelo que, violou as disposições do artigo 27º do Decreto Lei no. 81/99/M.
k) Além disso, o despacho recorrido violou o princípio do inquisitório estipulado no no. 1 do artigo 86º do Código do Procedimento Administrativo, neste processo, a Junta não confirmou as faltas de 17 de Maio a 12 de Setembro de 2019 do recorrente contencioso serem faltas justificadas e disse que o mesmo devia voltar ao seu posto de trabalho, mas, a opinião em causa contrariou o conteúdo do relatório médico apresentado pelo recorrente contencioso e a opinião do seu médico responsável, aliás, o recorrente contencioso também questionou na contestação escrita.
l) Além disso, no período em que as faltas do recorrente contencioso não foram confirmadas ser justificadas, o serviço onde trabalhava arranjou-lhe o trabalho ou não, isso é relevante para saber se o recorrente contencioso violasse ou não o respectivo dever de assiduidade.
m) No entanto, no respectivo processo disciplinar, não desenvolveu a investigação sobre os factos de acordo com o princípio do inquisitório, pelo que, violou o princípio do inquisitório, que acarretou o reconhecimento errado dos pressupostos factuais.
n) Quanto ao aspecto de factos, o despacho recorrido indicou que o recorrente contencioso, ao saber que precisava de voltar a trabalhar ao serviço, continuou a faltar, isso é claramente errado.
o) É necessário reiterar que a Junta, na realização do procedimento, não disse ao recorrente contencioso que precisava de voltar ao posto de trabalho e, nos autos do processo disciplinar do presente processo, não havia obviamente quaisquer dados (quer fosse o registo assinado pelo recorrente contencioso ou pelo menos, o registo claro interno da Junta) de relevar que a Junta chegou a comunicar em 17 de Maio de 2019 ou no tempo posterior ao recorrente contencioso que precisava de voltar a trabalhar ao serviço e que as respectivas faltas eram ou não confirmadas ser justificadas.
p) Aliás, quanto às faltas do recorrente contencioso no período de 08 de Março a 12 de Setembro de 2019, a Junta só fez juízo em 20 de Setembro do mesmo ano. Perante esta situação, como é que o recorrente contencioso poderia tomar conhecimento em 17 de Maio de que as suas faltas não foram confirmadas ser justificadas?
q) Por outro lado, o despacho recorrido, consoante a opinião de não confirmação da Junta sobre as faltas do recorrente contencioso no período de 17 de Maio a 12 de Setembro de 2019, reconheceu que o recorrente contencioso violou o “dever de assiduidade” aludido na alínea a) do no. 2 do artigo 13º do EMFSM, isso não era correcto.
r) De acordo com os relatórios médicos do período de 08 de Março a 12 de Setembro de 2019 apresentados pelo recorrente contencioso (vide relatórios médicos juntados a fls. 175 a 243 dos autos administrativos), a situação de doença não se melhorou claramente, aliás, na opinião feita em 20 de Setembro de 2019 pela Junta, as faltas do recorrente contencioso no período de 08 de Março a 16 de maio de 2019 foram confirmadas.
s) Ao qual, é difícil compreender por que, em situação de igual doença, a Junta não confirmou as faltas após o dia 17 de Maio ser justificadas? Porém, a Junta não deu explicação na opinião do registo de apreciação porque assim reconheceu e qual era o critério.
t) A verdade é que o relatório de avaliação da capacidade para o trabalho emitido em 17 de Maio pelo médico responsável do recorrente contencioso indicou que a perda de capacidade para o trabalho se fixou em 8%, entretanto, também indicou que o recorrente contencioso ainda não podia voltar a trabalhar (vide fls. 243 dos autos administrativos). Caso a Junta apenas, de forma superficial e com base na perda da capacidade para o trabalho do recorrente contencioso de então altura, fixasse a taxa em 8%, não ligasse a situação real de doença e a opinião de diagnóstico do médico responsável e entendesse o recorrente contencioso poder voltar ao posto de trabalho, isso era nitidamente infundado.
u) Ainda precisa de indicar que no período de “não confirmação”, para além da doença nos dois joelhos, o recorrente contencioso chegou a precisar de descansar por 3 dias devido à indisposição causada pela infecção aguda do trato respiratório superior (vide fls. 78 dos autos administrativos). Aliás, sujeitou-se ao exame da ressonância magnética de imagiologia em Agosto, foi diagnosticado ser portador da degeneração e hiperplasia do disco lombar e da vértebra cervical, que necessitava de receber tratamentos e deixava de trabalhar para descansar (vide fls. 81 a 89 dos autos administrativos). Todavia, ao qual a Junta não efectuou análise e ponderação concretas.
v) Isso mostra que de acordo com os relatórios médicos apresentados pelo recorrente contencioso, foi neles relatado em pormenor a sua situação de doença e foi diagnosticado se era necessário ou não parar de trabalhar, nele indicando claramente que nesse período, a situação dos dois joelhos do recorrente contencioso ainda não esteve curado e não havia melhoramento nítido, o sintoma e a dor permaneceram sempre, pelo que, o médico responsável continuou a entender que o recorrente contencioso devia parar de trabalhar para descansar; por contraste, a Junta médica não confirmou as faltas do recorrente contencioso ser justificadas, sem haver análise concreta nem indicar o respectivo fundamento.
w) Nestes termos, o recorrente contencioso faltou certamente por motivo de doença nesse período, as suas faltas deviam ser confirmadas como justificadas, o despacho recorrido tem erro no reconhecimento dos pressupostos factuais, por consequente, reconheceu erradamente que o recorrente contencioso violou o dever de assiduidade aludido na alínea a) do no. 2 do artigo 13º do EMFSM.
x) Caso não concorde com a opinião acima mencionada, o despacho recorrido que optou por aplicar ao recorrente contencioso a pena de demissão violou também o princípio da proporcionalidade.
y) Nos termos do no. 2 do artigo 5º do Código do Procedimento Administrativo, a Administração, ao proferir decisão, deve observar os princípios da adequação e da proporcionalidade, não devendo prejudicar os benefícios privados, de forma demasiada; e nos termos do artigo 232º do EMFSM, a autoridade competente deve observar ao realizar a respectiva medida e graduação das penas, especialmente: “Na aplicação das penas atender-se-á aos critérios gerais enunciados nos artigos seguintes, à natureza e gravidade da infracção, à categoria ou posto do infractor, ao grau de culpa, à sua personalidade, ao seu nível cultural e a todas as circunstâncias que militem contra ou a favor do arguido.”
z) Quanto à situação de “ausência ilegítima durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados, dentro do mesmo ano civil", deverá, quanto à escolha de ambos, considerar plenamente a motivação do acto praticado pelo recorrente contencioso e todas as circunstâncias a seu favor, optar consequentemente por aplicar os meios da punição adequada.
aa) Neste processo, quanto ao período (17 de Maio a 12 de Setembro) das faltas não confirmado indicado pelo despacho recorrido, o recorrente contencioso certamente não foi trabalhar segundo o conselho médico devido ao estado de saúde, a sua situação de doença e os documentos probatórios da sugestão médica de concessão de licenças por motivo de doença foram totalmente apresentados e admitidos pelo serviço onde trabalhava.
ab) Além disso, revelou-se que o tempo de serviço do recorrente contencioso já excedeu 21 anos, o seu desempenho de trabalho foi sempre afirmado, o despacho recorrido indicou que este processo estava reunido as circunstâncias atenuantes aludidas nas alíneas b, e, h e i do no. 2 do artigo 200º do EMFSM (vide fls. 2 do despacho recorrido), nos autos nenhuns dados revelaram o conteúdo de que a Junta ou o serviço em que trabalhava comunicasse ao recorrente contencioso para voltar a trabalhar, o recorrente contencioso certamente encontrava-se no estado de faltas por motivo de doença, a respectiva situação reuniu a alínea f) do no. 2 do artigo 200º do “Estatuto”.
ac) Para este efeito, de acordo com o princípio da proporcionalidade, mesmo que, neste processo, entendesse que a conduta do recorrente contencioso causasse a não manutenção da relação do cargo, também devia escolher primeiramente os meios de “aposentação compulsiva”, tratando-se de meios adequados de punição em relação a este processo; o despacho recorrido não ponderou plenamente os factos favoráveis ao recorrente contencioso e aplicou-lhe a pena de demissão, que violou claramente o princípio da proporcionalidade e os artigos 200º e 232º do EMFSM, devendo ser anulado.
ad) Por ultimo, tendo em conta o aspecto da boa fé, neste processo, em comparação com os relatórios médicos antes e depois de 17 de Maio de 2019 (vide relatórios médicos juntados a fls. 175 a 726 dos autos administrativos), cuja situação de doença claramente não melhorou nesse período de tempo; o seu médico responsável, no respectivo relatório indicou que não ser adequado que o mesmo fosse trabalhar ao serviço; independente da Junta ou do serviço onde trabalhava não comunicaram ao recorrente contencioso que precisava de voltar a trabalhar ao serviço.
ae) Segundo os dados nos autos, o seu médico responsável chegou a avaliar em 11 de Agosto de 2017 a perda da capacidade para o trabalho em 8%, depois, o recorrente contencioso continuou a parar de trabalhar segundo o conselho médico devido ao não melhoramento da situação de doença, aliás, as respectivas faltas também foram confirmadas ser justificadas (vide fls. 401 a 310 (sic.) dos autos administrativos).
af) Nesta situação, de acordo de experiência e lógica gerais, o recorrente contencioso entendeu por forma da boa fé, que as faltas após 16 de Maio de 2019 ainda foram confirmadas como justificadas, sendo totalmente compreensível.
ag) A Junta entendeu que as faltas por motivo de doença no período de 17 de Maio a 12 de Setembro de 2019 foram confirmadas como faltas injustificadas e só fez juízo em 20 de Setembro de 2019 sobre as faltas desse período (vide fls. 175 dos autos administrativos) e só comunicou em 25 de Outubro ao recorrente contencioso através do Departamento de Gestão de Recursos (vide fls. 6 dos autos administrativos); depois de ter sabido do resultado, o prazo de ausência ilegítima de 5 dias permitido por lei já passou.
ah) O mais importante é que nesse período, o serviço onde o recorrente contencioso também confirmou a situação das faltas por motivo de doença, de seguida, não arranjou o trabalho nem comunicou ao recorrente contencioso para voltar a trabalhar ao posto de trabalho, questionou, nesse momento, que as suas faltas eram injustificadas, isso violou nitidamente a boa fé.
  Citada a entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Segurança contestar, apresentando as seguintes conclusões:
a) A falta de características de essencialidade para o esclarecimento dos factos das diligências requeridas, mas não susceptíveis de criar nulidades insupríveis, antes sendo supridas pelo abundante acervo document5al constante dos autos de processo disciplinar
b) O recorrente constitui-se em ausência ilegítima, por violação do dever de assiduidade – artigo 13.º n.º 2 al a) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau -, pelo menos dia 18 de Maio de 2019, dia seguinte à data da primeira reunião da Junta de Saúde, até 12 de Setembro do mesmo ano, num total de 118 dias-, dia posterior ao da Junta de Saúde, que entendeu não ser a doença impeditiva de comparecer ao serviço, excedendo, no mesmo ano civil, mais de 5 dias de faltas não justificadas;
c) O recorrente voltou a constituir-se em ausência ilegítima ao faltar sem qualquer justificação entre 2 e 6 de Setembro de 2020, num total de 5 (cinco) dias.
d) O recorrente ficou ciente da deliberação da Junta de Saúde, comunicada na sua presença e cuja consequência só poderia ser o regresso ao serviço, o que o recorrente entendeu, porquanto prosseguiu a apresentação de atestados médicos, o que não seria necessário no caso de a Junta de Saúde lhe ter confirmado e prorrogado o estado de doença impeditiva de comparecer ao serviço;
e) Foram ponderadas as atenuantes que favorecem a recorrente, porém tal não afastou a justiça de punição com a pena de DEMISSÃO, o que resulta, aliás, da vinculação legal – alínea i) do n.º 2 do artigo 238.º, ambos do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau – a que está sujeito a entidade recorrida por força da alínea c) do seu artigo 340.º.

  Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, estas silenciaram.
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

1. Dos Factos

a) O Recorrente A alistou-se nos serviços da PSP em 29.05.1999, tendo o posto de Guarda;
b) O Recorrente apresentou atestados médicos desde 16.05.2019 até 12.09.2019 - cf. fls. 15 a 31 do PA;
c) Submetido a junta médica em 17.05.2019 esta emitiu parecer onde se diz «相關專科醫生的工作能力評估結果顯示,該工作人員目前喪失工作能力為8%。本委員會建議該工作人員可返回工作崗位,並由17/05/2019起180天內避免劇烈運動,避免長時間站立及避免負重工作。» – cf. fls. 5 do PA -;
d) Aquele parecer da junta médica veio a ser homologado pelo Director dos Serviços de saúde na mesma data;
e) Em 12.07.2019 o Recorrente foi submetido a junta médica onde se diz «相關專科醫生於16/05/2019的工作能力評估結果顯示,該工作人員目前喪失工作能力為8%。本委員會於17/05/2019例會中已建議該工作人員返回工作崗位,並由17/05/2019起180天內避免劇烈運動,避免長時間站立及負重工作。» a qual foi homologada na mesma data pelo Director dos Serviços de Saúde – cf. fls. 200 do PA;
f) Em 20.09.2019 o Recorrente foi novamente submetido a junta médica a qual emitiu parecer no sentido de que a ausência de 08.03.2019 a 16.05.2019 é justificada por motivo de doença e a ausência de 17.05.2019 a 12.09.2019 não pode ser comprovada como ausência razoável por motivo de doença, pelo que não foi confirmada, vindo este parecer a ser homologado pelo Director dos Serviços de saúde na mesma data - cf. fls. 6 do PA;
g) O Recorrente apresentou atestados médicos desde 12.09.2019 até 10.10.2019 e de 07.11.2019 a 07.05.2020 - cf. fls 115 a 174 do PA;
h) Em 15.05.2020 o Recorrente foi submetido a junta médica onde se diz «本委員會即日已要求該人員須提交工作能力評估報告,以便確定其26/09/2019至07/05/2020期間的缺勤是否為合理缺勤。即日已要求該工作人員須遞交醫療報告,以便本委員會評估其12/09/2019至26/09/20191期間之缺勤是否為合理缺勤。» a qual foi homologada na mesma data pelo Director dos Serviços de Saúde – cf. fls. 113 do PA -.
i) Em 26.06.2020 o Recorrente foi submetido a junta médica onde se diz «該工作人員的主診醫生於06/02/2020和04/06/2020兩次的工作能力評估報告均顯示該人員目前喪失工作能力10%,未能證實該人員由13/09/2019至21/05/2020期間的缺勤為合理因病缺勤,本委員不予確認。本委員會於26/06/2020例會再次通知該人員需返回部門工作,建議 貴部門為其安排輕便工作。» - cf. fls. 758 do PA -;
j) Em 24.01.2020 foi deduzida acusação contra o Recorrente cujo teor consta de fls. 44/45 do PA e aqui se dá por reproduzido;
k) O ora Recorrente contestou e a fls. 92 foi ordenada parte das diligências que havia requerido na contestação, sendo quanto às demais indeferido o requerido no relatório final a fls. 763/770 nos pontos 10.2 e 10.5;
l) Em 15.09.2020 foi deduzida acusação contra o Recorrente cujo teor consta de fls. 793 a 796 do PA e aqui se dá por reproduzido, a qual foi notificada ao arguido na mesma data bem como poderia deduzir contestação em 10 dias e requerer diligências de prova, tendo o arguido silenciado;
m) Em 11.11.2020 pelo Senhor Secretário para a Segurança foi proferido o seguinte despacho:
«Nos presentes autos de processo disciplinar em que é arguido Guarda n.º 1*****, A, do Corpo de Polícia de Segurança Pública, vem, conforme consta da acusação, a qual, quanto à matéria de facto, aqui se dá por inteiramente reproduzida, abundantemente provado que:
Na sequência de faltas por doença, o arguido foi submetido à Junta de Saúde no dia 17 de Maio de 2019, a qual, em face de um relatório da especialidade que atribuiu ao arguido um grau de incapacidade para o trabalho de 8%, deliberou no sentido de que o mesmo deveria voltar ao trabalho, recomendando, todavia, moderação de tarefas durante um período de 180 dias, conforme consta do respectivo relatório, junto aos autos.
O arguido, pese embora ter ficado ciente do dever de se apresentar ao serviço, o que se afirma em face do que consta do documento junto a fls 759 ( volume II ) do processo disciplinar, mas também porque prosseguiu a apresentação de atestados médicos, até nova reunião da Junta de Saúde, não o fez, tendo-se mantido ausente, até 12 de Setembro do mesmo ano.
Em 20 de Setembro de 2019, foi de novo presente à Junta de Saúde, a qual não validou a justificação clínica das faltas entre 17 de Maio e 12 de Setembro desse mesmo ano, deliberando pela não confirmação da doença e, consequentemente, considerando injustificadas as faltas ao serviço com fundamento nessa incapacidade, deliberação que lhe foi comunicada.
O arguido faltou, assim, injustificadamente ao serviço, pelo menos, desde o dia 18 de Maio de 2019, dia seguinte à data da primeira reunião da Junta de Saúde, até 12 de Setembro do mesmo ano, num total de 118 dias.
Entre 2 e 6 de Setembro de 2020, o arguido não compareceu ao serviço no Posto de Controlo Fronteiriço do Terminal Marítimo do Porto Exterior, onde estava colocado, sem qualquer justificação válida, completando, assim 5 dias de ausência ilegítima, situação em que se manteve, aliás, pelo menos até ao dia 15 do mesmo mês.
O arguido infringiu, assim, por forma plúrima, o dever de assiduidade previsto na a) do n.º2 do artigo 13.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo Decreto Lei n.º66/94/M, de 30 de Dezembro e, por exceder os 5 dias consecutivos de faltas injustificadas no mesmo ano civil, colocou-se na situação de ausência ilegítima, a que se refere a alínea i) do n.º2 do seu artigo 238.º, com referência ao disposto nos n.ºs2 e 5, respectivamente dos artigos 90.º e 105.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública
O arguido afrontou de forma deliberada e indesculpável uma decisão que se lhe impunha como obrigação a cumprir. O seu comportamento absentista demonstra não ter condições para a manutenção do vínculo funcional, nomeadamente por falta de identificação com os deveres de assiduidade e de disponibilidade para o exercício de funções, especialmente quando se comparam este tipo de condutas com a entrega ao serviço público protagonizada pela generalidade dos seus colegas, sendo, pois, de excluir a aplicação da pena expulsiva de aposentação compulsiva, não obstante contar mais de 15 anos de serviço, em face da atitude relapsa demonstrada, e cuja gravidade inculca um elevado grau de censura ético-jurídica, designadamente ao persistir num de grau incapacidade física não clinicamente comprovado e, por último, à forma desinteressada pelo cumprimento do dever demonstrada no segundo período de faltas-.
Nestes termos, ouvido o Conselho de Justiça e Disciplina, o Secretário para a Segurança, no uso dos poderes executivos que lhe advêm do n.º1 da Ordem Executiva n.º182/2019, com referência à competência disciplinar atribuída pelo Anexo G ao artigo 211.º do EMFSM, ponderado que foi, também, o circunstancialismo atenuante constante da acusação, designadamente aquele a que se referem as alíneas b), e), h) e i) do n.º2 do artigo 200.º do citado EMFSM
Pune o arguido, Guarda n.º 1*****, A, do Corpo de Polícia de Segurança Pública, com a pena disciplinar de DEMISSÃO, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 219.º, alínea g) e 224.º, 238.º n.º2 al. i) e 240.º al c), com os efeitos do artigo 228.º, todos os normativos citados do EMFSM.» - cf. fls. 822 e 823 do PA -.
  
2. Do Direito
  
  Invoca o Recorrente a nulidade decorrente do instrutor do processo disciplinar não se ter pronunciado sobre as diligências que requereu quando contestou.
  Reza o artº 262º do EMFSM aprovado pelo Decreto-Lei nº 66/94/M o seguinte:
Artigo 262.º
(Nulidades)
  1. É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido sobre os artigos de acusação nos quais as infracções sejam suficientemente individualizadas e referidas aos correspondentes preceitos legais, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.
  2. As restantes nulidades consideram-se supridas se não forem reclamadas pelo arguido até à decisão final.
  3. Do despacho do instrutor que indefira o requerimento de quaisquer diligências probatórias consideradas pelo arguido indispensáveis para a descoberta da verdade cabe recurso hierárquico, a interpor no prazo de 5 dias, para a entidade que tiver mandado instaurar o processo.
  4. Sem prejuízo da possibilidade de o instrutor alterar a sua anterior decisão de indeferimento, o recurso previsto no número anterior subirá imediatamente nos próprios autos, considerando-se procedente se, no prazo de 5 dias, não for proferida decisão que expressamente lhe negue provimento.
  5. A decisão que negue provimento ao recurso só pode, por via hierárquica, ser impugnada no recurso que da decisão disciplinar condenatória for interposto para o Governador.
  Apenas parte das diligências requeridas aquando da contestação no processo disciplinar foram ordenadas a fls. 92 do mesmo, sendo que relativamente às demais – inquirição das testemunhas e horário de trabalho – vem o inspector a justificar a desnecessidade de realização das mesmas no primeiro relatório final, vindo posteriormente a ser deduzida nova acusação e notificado o arguido para querendo contestar e requerer diligências de prova.
  Aquele relatório nunca foi notificado ao arguido.
  Ora, sem prejuízo de que, quanto à primeira acusação deduzida eventualmente se pudesse concluir que não houve pronúncia nos termos do nº 3 do artº 262º supra citado quanto às diligências de prova, uma vez que só no relatório final se alude a essa matéria nada se dando conhecimento ao arguido, o certo é que, a questão é irrelevante uma vez que vem a ser deduzida nova acusação, notificado o arguido para apresentar defesa e requerer diligências de prova e este nada fez.
  Sendo com base nesta última acusação que vem a ser aplicada a sanção disciplinar ao arguido e não tendo este requerido diligências de prova, carece de fundamento a invocada nulidade.
  
  De igual sorte goza a alegada invocação da violação do princípio do inquisitório previsto no nº 1 do artº 86º do CPA, a qual nem sequer se concretiza de forma a se poder apreciar onde e em quê haja aquele sido violado.
  
  Quanto ao vício de violação de lei invocado é o seguinte o teor do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
  «1.
  A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do acto administrativo da autoria do Secretário para a Segurança que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão, com fundamento na violação do dever de assiduidade previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 13.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro, pedindo a respectiva anulação.
  A Entidade Recorrida, regularmente citada, apresentou contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
  2.
  (i)
  Parece-nos, salvo o devido respeito pela opinião contrária, que o Recorrente tem razão. Pelo seguinte.
  Como se sabe, relativamente aos militarizados das Forças de Segurança de Macau, constitui infracção disciplinar o facto culposo praticado pelo militarizado com violação de algum dos deveres gerais ou especiais a que está vinculado. É o que resulta do disposto no n.º 1 do artigo 196.º do EMFSM.
  O dever de assiduidade, cuja violação imputada à Recorrente esteve na base da decisão punitiva cuja legalidade se discute nos presentes autos, consiste, de acordo com o artigo 13.º, n.º 1 do EMFSM, «em comparecer regular e continuadamente ao serviço», sendo que, no cumprimento desse dever, como resulta da alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, o militarizado está impedido de «se constituir na situação de ausência ilegítima, deixando, injustificadamente, de comparecer ao serviço».
  Constitui, pois, infracção disciplinar decorrente da violação do dever de assiduidade, a ausência ilegítima por parte do militarizado e isso ocorre quando o mesmo, sem justificação, deixe de comparecer ao serviço.
  (ii)
  Resulta da fundamentação do acto recorrido que a Administração considerou que o Recorrente se constituiu em situação de ausência ilegítima entre 17 de Maio e 12 de Setembro de 2019, uma vez que os atestados médicos que aquela apresentou não constituiriam meio válido de justificação de tal ausência e, desse modo, teria incorrido em violação culposa do dever de assiduidade.
  Transcrevemos, parcialmente, o teor do acto recorrido:
  «Na sequência de faltas por doença, o arguido foi submetido à Junta de Saúde no dia 17 de Maio de 2019, a qual, em face de um relatório da especialidade que atribuiu ao arguido um grau de incapacidade para o trabalho de 8%, deliberou no sentido de que o mesmo deveria voltar ao trabalho, recomendando, todavia, moderação de tarefas durante um período de 180, conforme consta do respectivo relatório, junto aos autos.
  O arguido, pese embora ter ficado ciente do dever de se apresentar ao serviço, o que se afirma em face do que consta do documento de fls. 759 (volume II) do processo disciplinar, mas também porque prosseguiu a apresentação de atestados médicos, até nova reunião da Junta de Saúde, não o fez, tendo-se mantido ausente até 12 de Setembro do mesmo ano.
  Em 20 de Setembro de 2019, foi de novo presente à Junta de Saúde, a qual não validou a justificação clínica das faltas entre 17 de Maio e 12 de Setembro desse mesmo ano, deliberando pela não confirmação da doença e, consequentemente, considerando injustificadas as faltas ao serviço com fundamento nessa incapacidade, deliberação que lhe foi comunicada.
  O arguido faltou, assim, injustificadamente ao serviço, pelo menos, desde o dia 18 de Maio de 2019, dia seguinte à data da primeira reunião da junta de Saúde, até 12 de Setembro do mesmo ano, num total de 118 dias.
  Entre 2 e 6 de Setembro de 2020, o arguido não compareceu ao serviço no Posto de Controlo Fronteiriço do Terminal Marítimo do Porto Exterior, onde estava colocado, sem qualquer justificação válida, completando, assim, 5 dias de ausência ilegítima, situação em que se manteve, aliás, pelo menos até ao dia 15 do mesmo mês.
  (…)».
  Se bem interpretamos o acto recorrido, para a Administração, após a comunicação que foi feita ao Recorrente do parecer da Junta de Saúde que o considerou apto para regressar ao trabalho, ficou o mesmo, por um lado, obrigado a apresentar-se ao serviço e, por outro lado, impossibilitado de justificar a sua ausência do serviço mediante a apresentação de atestados médicos como vinha fazendo até aí.
  Com todo o respeito, parece-nos, no entanto, que este entendimento não encontra suporte na lei.
  (iii)
  Na verdade, o Recorrente apresentou-se à Junta de Saúde, ao que se crê solicitada pelo dirigente do serviço nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/97/M, de 21 de Dezembro, ou seja, por ter atingido «o limite de 60 dias de ausência ao serviço por motivo de doença justificada nos termos dos artigos anteriores».
  Em tais situações, como decorre da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 105.º do ETAPM, cabe à Junta de Saúde pronunciar-se sobre a aptidão do trabalhador para regressar ao serviço [trata-se, aliás, de uma competência que é deferida à Junta de Saúde pela norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro: «verificar ou confirmar, nos termos da lei, as situações de doença do pessoal dos serviços públicos, tendo em vista a justificação de faltas (…)»] e uma vez efectuada a avaliação médica, deve o parecer ser comunicado ao trabalhador no próprio dia e enviado ao respectivo serviço imediatamente após ter sido homologado, tal como decorre do n.º 7 do artigo 105.º do ETAPM.
  Sendo isto assim, parece-nos seguro afirmar, desde logo, que a intervenção da Junta de Saúde não se destina a verificar a exactidão ou a idoneidade certificativa dos atestados médicos que anteriormente tenham sido emitidos para justificar a ausência ao serviço por doença por parte do trabalhador. A Junta pronuncia-se, antes, sobre a sua aptidão ou inaptidão para regressar ao serviço, devendo, desejavelmente, fazê-lo de forma inequívoca, para que não haja qualquer dúvida relativamente ao sentido do parecer.
  Além disso, como resulta expressamente do n.º 7 do artigo 105.º do ETAPM, o parecer da Junta está sujeito a homologação do Director dos Serviços de Saúde nos termos previstos no artigo 8.º, n.º 2, alínea f) do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro.
  Ora, quando a Junta de Saúde intervém ao abrigo da competência conferida pela norma do n.º 1 do artigo 105.º e, portanto, se pronuncia sobre a aptidão do trabalhador para regressar ao serviço, é a homologação do respectivo parecer e não este que reveste a natureza de acto administrativo (neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 11.12.2014, processo n.º 74/2014. Entre nós, e ao contrário do que sucede em Portugal, o parecer da Junta de Saúde não reveste, pois, a natureza de verdadeiro acto administrativo, mas, antes, a de mero acto opinativo e, portanto, de mera actuação administrativa, para usarmos a formulação de inspiração germânica de MARCELO REBELO DE SOUSA – ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, 2007, p. 376. O que é típico da homologação é «a existência entre os dois órgãos – o autor do ato homologatório e o autor do ato homologado – de uma espécie de partilha de poderes, fundada no propósito de associar diferentes títulos de legitimidade para a produção dum mesmo resultado. Tal o sentido mais genuíno que a figura pode adquirir: por um lado, a lei pretende que a decisão final não deixe de ser tomada por quem, em virtude da posição que ocupa na estrutura da Administração, lhe pode dar a força e a autoridade que ela reclama; por outro lado, entende circunscrever essa decisão no quadro de opções previamente definido por outro órgão, em homenagem à sua especial competência técnica, às garantias de imparcialidade e independência por ele proporcionadas ou a outras razões análogas»: nestes termos, veja-se o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 39/2012, de 21.3.2013, disponível em www.ministeriopublico.pt).
  Não constituindo o parecer da Junta de Saúde um verdadeiro acto administrativo, não lhe estão associados os efeitos que são próprios desses actos, nomeadamente e para o que agora interessa, o chamado efeito vinculativo, ou seja, o efeito que se traduz no carácter obrigatório das determinações contidas no acto administrativo para os sujeitos da relação jurídica sobre a qual incide (assim, MARCELO REBELO DE SOUSA – ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito…, p. 185 e, no mesmo sentido, salientando a especial força jurídica auto-vinculativa e hetero-vinculativa de que gozam os actos administrativos, cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 5.ª edição, Coimbra, 2018, p. 165).
  Deste modo, parece-nos seguro afirmar que é com a notificação da homologação pelo Director dos Serviços de Saúde do parecer da Junta de Saúde que se tenha pronunciado no sentido da aptidão do trabalhador para regressar ao serviço que, não obstante a falta de norma expressa nesse sentido, em nosso entender, aquele ficará constituído no dever de se apresentar ao serviço, não podendo continuar a justificar as suas ausências através da apresentação de atestados médicos nos termos da alínea a) do artigo 100.º do ETAPM (este último ponto não é de resposta inequívoca. No entanto, a norma do n.º 2 do artigo 105.º do ETAPM aponta claramente no sentido propugnado, ao fazer depender a relevância justificativa da doença do trabalhador ocorrida após a Junta de Saúde o ter considerado apto para regressar ao serviço, da confirmação desta: sobre isto, apontando no mesmo sentido, embora manifestando algumas dúvidas, PAULO VEIGA MOURA – CÁTIA ARRIMAR, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 1.º volume, Coimbra, 2014, pp. 46-47 e, em especial, p. 53. Todavia, como dissemos, em Portugal o parecer da junta médica não está sujeito a homologação, constituindo, ele próprio, um acto administrativo e por isso aí se justifica que se entenda que o trabalhador deve regressar ao trabalho no dia seguinte à notificação do resultado da junta médica o que transpondo para o nosso ordenamento, não pode deixar de ter por referência a notificação do acto de homologação do parecer).
  Portanto, de acordo com a que nos parece ser a melhor leitura da lei, o simples parecer da Junta de Saúde, ainda que comunicado ao Trabalhador, não o constitui no dever de regressar ao trabalho no dia seguinte, nem o impede de justificar as faltas por doença através de atestado médico, nos termos previstos na alínea a) do artigo 100.º do ETAPM. Tal dever e um tal impedimento só se constituem com a notificação do acto de homologação do dito parecer, pois só nesse condicionalismo teremos um acto administrativo eficaz.
  (iv)
  No caso sujeito, o acto de homologação do parecer da Junta de Saúde de 17 de Maio de 2019, mesmo admitir-se que o mesmo considerou o Recorrente apto para regressar ao trabalho, não foi objecto da indispensável notificação ao Recorrente, tal como resulta da informação prestada pelo Corpo de Polícia de Segurança Pública e constante de fls. 123 dos presentes autos.
  Assim, ao contrário do respeitável entendimento subjacente ao acto administrativo recorrido, estamos em crer que a simples comunicação do parecer da Junta ao Recorrente no próprio dia a que se refere o n.º 7 do artigo 105.º do ETAPM, não só não o vinculou a regressar ao serviço como também não constituiu impedimento juridicamente relevante a que o mesmo continuasse a justificar, validamente, a ausência por doença mediante apresentação de atestado médico nos termos gerais resultantes do artigo 100.º, alínea a) do ETAPM na exacta medida em que, como vimos, o acto administrativo do qual, de forma autoritária e vinculativa, resulta dever jurídico para o trabalhador regressar ao serviço ou, em caso de adoecer nos 7 dias úteis seguintes, se apresentar à Junta para confirmação da doença nos termos previstos no n.º 2 do artigo 105.º do ETAPM, era ineficaz por falta de notificação.
  Como tal, tendo o Recorrente justificado validamente as suas faltas ao serviço posteriores a 17 de Maio de 2019 através de atestados médicos, carece de fundamento legal a conclusão que fundou a prática do acto recorrido no sentido de que tais faltas, porque injustificadas, representam situação de ausência ilegítima disciplinarmente relevante.
  Cremos, por isso, que o acto administrativo recorrido enferma de vício de violação de lei que lhe é imputado pelo Recorrente e deve, por isso, ser anulado, ficando assim prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
  (v)
  Uma última nota.
  É certo que o Recorrente não foi punido apenas pela prática da infracção disciplinar antes referida (violação do dever de assiduidade no período entre 17 de Maio e 12 de Setembro de 2019), mas também pela violação do mesmo dever entre os dias 2 e 15 de Setembro de 2020 em que faltou ao serviço.
  Considerando que o Recorrente não apresentou justificação válida relativamente a essa ausência do serviço (cfr. informação de fls. 123 dos presentes autos), parece-nos evidente que o mesmo, por isso, incorreu em responsabilidade disciplinar susceptível de, em abstracto, justificar a respectiva punição disciplinar.
  Todavia, a circunstância de, relativamente a uma das infracções disciplinares que foram objecto do acto punitivo contenciosamente impugnado, não existir motivo para a respectiva anulação não implica a neutralização do efeito anulatório do acto recorrido decorrente da violação de lei que acima referimos respeitante à outra infracção disciplinar.
  Como se sabe, no nosso sistema jurídico-disciplinar encontra-se consagrada a regra da unidade de sanção disciplinar, que não a da unidade da infração disciplinar. Segundo essa regra, não pode aplicar-se ao mesmo funcionário ou agente mais de uma pena disciplinar por cada infracção ou pelas infracções apreciadas em mais de um processo e, por maioria de razão, por aquelas que são apreciadas no mesmo processo. É o que resulta do n.º 4 do artigo 316.º do ETAPM. Portanto, mesmo quando, como no caso, o funcionário tenha praticado diversas infracção disciplinares (pluralidade de infracções) a punição faz-se através de uma única sanção disciplinar (unidade de sanção) que resulta de uma ponderação única de todas as infracções praticadas e da respectiva gravidade, sem que haja lugar, como no direito penal, à prévia aplicação da pena que cabe a cada infracção para, de seguida, se construir uma moldura do concurso de infracções e, dentro dela, se encontrar a pena disciplinar única. Ora, esse momento de ponderação atinente à escolha da sanção disciplinar tem, como se sabe, natureza discricionária, situando-se, por isso, no âmbito das valorações próprias e exclusivas da Administração. Daí que o juízo desta não possa, de forma alguma, ser substituído pelo do tribunal, o qual deverá, assim, limitar-se a anular o acto (veja-se, por último, o acórdão do Tribunal de Última Instância de 3.3.2021, processo n.º 129/2020).
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o recurso contencioso deve ser julgado procedente e, em consequência, deve ser anulado o acto administrativo recorrido.».
  
  O vício de violação de lei «é o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis» - Cit. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 4ª Ed., Vol. II, pág. 350.
  «O vício de violação de lei, assim definido, configura uma ilegalidade de natureza material: neste caso, é a própria substância do ato administrativo, é a decisão em que o ato consiste, que contraria a lei. A ofensa não se verifica aqui nem na competência do órgão, nem nas formalidades ou na forma que o ato reveste, nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objecto do ato.
  Não há, pois, correspondência entre a situação abstratamente delineada na norma e os pressupostos de facto e de direito que integram a situação concreta sobre a qual a Administração age, ou coincidência entre a decisão tomada ou os efeitos de direito determinados pela Administração e o que a norma ordena.
  (…)
  A violação de lei, assim definida, comporta várias modalidades:
  A falta de base legal, isto é, a prática de um ato administrativo quando nenhuma lei autoriza a prática de um ato desse tipo;
  a) O erro de direito cometido pela Administração na interpretação, integração ou aplicação das normas jurídicas;
  b) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo do ato administrativo;
  c) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do objeto do ato administrativo;
  d) A inexistência ou ilegalidade dos pressupostos, de facto ou de direito, relativos ao conteúdo ou ao objeto do ato administrativo:
  e) A ilegalidade dos elementos acessórios incluídos pela Administração no conteúdo do ato – designadamente, condição, termo ou modo -, se essa ilegalidade for relevante, nos termos da teoria geral dos elementos acessórios;
  f) Qualquer outra ilegalidade do ato administrativo insuscetível de ser reconduzida a outro vício. Este último aspeto significa que o vício de violação de lei tem um carácter residual, abrangendo todas as ilegalidades que não caibam especificamente em nenhum dos outros vícios.» - Diogo Freitas do Amaral, Ob. Cit. pág. 351 a 353 -.

  A decisão recorrida assenta no pressuposto de que o agora Recorrente foi notificado da decisão da junta médica, contudo como bem se analisa e justifica no Douto Parecer do Ministério Público supra transcrito o acto administrativo que define a situação é o acto de homologação do parecer da junta, sendo certo que, o mesmo é posterior à realização daquela (da junta) e em momento algum se invoca ou demonstra que haja sido notificado.
  Relativamente a situação idêntica à destes autos já este tribunal se pronunciou nos Acórdãos deste Tribunal proferidos nos processos nº 1015/2020 de 8.7.2021 e 1014/2020 de 4.11.2021, sendo que neste último se diz:
  «Nos termos dos artigos 68.º e 69.º do Código do Procedimento Administrativo, estatui-se que devem ser notificados aos interessados os actos administrativos que, entre outros, impunham deveres, sujeições ou sanções, ou causem prejuízos, só podendo ser a mesma dispensada quando sejam praticados oralmente na presença dos interessados ou quando o interessado, através de qualquer intervenção no procedimento, revele perfeito conhecimento do conteúdo dos actos em causa.
  Prevê o n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M que “A verificação ou confirmação das doenças e das incapacidades é feita pela Junta de Saúde e pela Junta de Revisão.”
  Mais estatui a alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo que “Compete à Junta de Saúde, entre outros, verificar ou confirmar, nos termos da lei, as situações de doença do pessoal dos serviços públicos, tendo em vista a justificação de faltas ou fixação de incapacidades resultantes de doença ou acidente.”
  E, por outro lado, determina a alínea f) do n.º 2 do artigo 8.º do mesmo diploma legal que “Compete ao Director dos SSM, em especial, homologar os pareceres das juntas médicas.”
  Resulta dos autos que o recorrente não foi pessoalmente notificado do acto de homologação do parecer da Junta de Saúde que, por sua vez, não confirmou os dias de ausência reportados ao período compreendido entre 23.3.2019 e 10.9.2019 como sendo faltas justificadas.
  Em boa verdade, o parecer da Junta de saúde não reveste a natureza de verdadeiro acto administrativo, antes consiste num mero acto opinativo, só o é o acto de homologação do Sr. Director. Isto significa que, por o acto de homologação praticado pelo Director dos Serviços de Saúde constituir um acto pressuposto da decisão da sanção disciplinar, na medida em que o recorrente não tenha sido notificado daquele acto, não se pode considerar que os dias de ausência são havidos como faltas injustificadas, ao abrigo dos termos previstos nos artigos 105.º, n.º 5 e 90.º, n.º 2, ambos do ETAPM.
  A nosso ver, até ao momento em que o acto de homologação do Director dos Serviços de Saúde seja levado ao conhecimento do trabalhador, este ainda não está obrigado a regressar ao serviço no dia seguinte nem está impedido de continuar a justificar as faltas por doença através de apresentação de atestados médicos nos termos da alínea a) do artigo 100.º do ETAPM.
  Isto posto, uma vez que o recorrente apresentou atestados médicos para justificar as faltas ao serviço, carece de fundamento legal o entendimento e a conclusão de que o mesmo esteve na situação de ausência ilegítima, daí que, enfermando o acto administrativo impugnado do vício de violação de lei, deve o mesmo ser anulado.».
  Concordamos integralmente com a fundamentação constante do Acórdão citado à qual aderimos.
  Destarte, concordando também, integralmente, com a fundamentação constante do Douto Parecer do Ministério Público supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta quanto à apreciação dos vícios invocados e imputados ao acto recorrido, entendemos que a decisão recorrida enferma do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, o que nos termos do artº 124º do CPA determina que o mesmo seja anulável, sendo de proceder o recurso com esse fundamento.
  
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
IV. DECISÃO
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso, anula-se o acto impugnado.
  
  Sem custas por delas estar isenta a entidade recorrida.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 16 de Dezembro de 2021
  
(Relator)
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong


Mai Man Ieng

1 Corrigido por 2019 por se entender haver lapso manifesto de escrita no original.
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10/2021 REC CONT 1