打印全文
Processo n.º 427/2021
(Autos de recurso cível)

Data: 16/Dezembro/2021

Recorrentes:
- A Company Limited
- B

Recorridas:
- as mesmas

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida pelo Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base que julgou improcedente a acção intentada por A Company Limited (doravante designada por “autora”) contra B (doravante designada por “ré”), recorreu aquela jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “1. Vem o presente recurso do douto despacho saneador sentença proferido, em 4 de Janeiro de 2021, ao abrigo do disposto na alínea b) do art.º 429º do Código de Processo Civil, que, conhecendo do mérito da causa, julgou improcedente a acção intentada por “A COMPANY LIMITED”, ora Recorrente, contra “B”, ora Recorrida e, em consequência, não declarou anulados os títulos de registo n.ºs N/150512 (classe 5) e N/150513 (classe 29), relativos à marca , a esta emitidos.
     2. A douta Sentença recorrida violou o disposto no art.º 215º do RJPI, porquanto a marca anulanda é uma imitação da marca previamente registada , verificando-se o preenchimento cumulativo dos pressupostos exigidos por esta disposição.
     3. Imputa-se à sentença recorrida o vício de oposição dos fundamentos com a decisão e, portanto, identifica-se uma nulidade, qual seja, a prevista no art.º 571º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, estando fundamentada no texto das presentes Alegações a imputação de tal vício.
     4. A questão fulcral, no que se refere à acção intentada pela ora Recorrente, reside no facto de se saber se devia ter sido rejeitado o registo da marca e, consequentemente, tendo sido concedido, deve ser anulado, uma vez que se encontrava registada previamente a marca , sendo, pois, imperioso entrar em linha de conta com o fundamento de recusa que tem por base a protecção de marcas registadas e, simultaneamente, analisar se se encontram preenchidos os requisitos da marca imitada ou reproduzida.
     5. Invocando a lei aplicável – art.ºs 48º, 214º, n.º 2, alínea b) e 215º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do RJPI -, o Meritíssimo Juiz a quo fez o exame comparativo entre as duas marcas e chegou à conclusão de que se encontra preenchido o requisito da prioridade, porque a marca se encontra registada desde 15 de Janeiro de 2013 e a marca foi registada em 12 de Setembro de 2019.
     6. O douto Tribunal a quo considerou que, também, se encontra preenchido o requisito da afinidade, porque as marcas em confronto se destinam a assinalar produtos afins, respectivamente, das classes 5 e 29.
     7. No que se refere ao terceiro requisito – o da “semelhança entre sinais” -, o douto Tribunal a quo deu-o como não verificado, pelo que a única questão que se traz à consideração do Venerando Tribunal ad quem prende-se com o facto de se saber se as marcas e são semelhantes, tomando em consideração que ambas têm como elemento nominativo o sinal “XX”.
     8. A Recorrente considera que, no caso em apreço, existe semelhança nominativa e fonética que induzirá facilmente o consumidor em erro ou confusão, compreendendo, também, um risco de associação da marca com a marca , certo sendo que a diferente apresentação gráfica da marca da ora Recorrida não é suficiente para, aos olhos do consumidor, os produtos com ela assinalados terem uma origem empresarial diferente dos produtos assinalados com a marca da Recorrente.
     9. O douto Tribunal a quo decide que não se verifica o 3º requisito da imitação de marca, ou seja, o da “semelhança entre sinais”, mas afirma que o consumidor terá que fazer um exame atento para as distinguir, recorrendo a “outros elementos para identificar os produtos”.
     10. No que à questão de imitação ou reprodução da marca respeita, a alínea c) do n.º 1 do artigo 215º define como sendo aquela situação em que a marca tenha tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa, fonética com outra que induza facilmente em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois de exame atento ou confronto.
     11. Se, no alto critério do douto Tribunal a quo, o consumidor dos produtos assinalados com as marcas e terá que recorrer a outros elementos, para distinguir as marcas, então, existe o perigo de confusão na mente do consumidor.
     12. No caso em apreço, sendo as marcas em confronto e , salta à vista que o elemento preponderante é o sinal “XX”, portanto, o elemento que imprime eficácia distintiva a ambas, e a representação gráfica de cada uma das marcas, por si só, não tem viabilidade de as tornar não confundíveis.
     13. Estão em confronto uma marca mista - - tendo como elemento nominativo o sinal XX, em que a letra A tem um peculiar grafismo e nela está contido o dígito 2, também ele com um grafismo especial, isto é, uma marca mista constituída apenas por um elemento nominativo (XX), cuja grafia se apresenta sob uma forma fantasiosa ou artística, sendo pois essa apresentação gráfica que constitui o seu elemento figurativo e uma marca nominativa simples que consiste em .
     14. Como tem sido entendimento dos Tribunais da RAEM, a averiguação da novidade das marcas mistas e das marcas complexas deve conduzir a considera-las globalmente, como sinais distintivos de natureza unitária, mas incidindo a averiguação da novidade sobre o elemento ou elementos prevalentes, sendo que, no caso das marcas mistas, o elemento nominativo é, em regra, o mais importante para a apreciação do risco de confusão.
     15. O sinal XX da Recorrente já está em uso desde 2000 e integra não só a sua designação social enquanto empresa comercial e industrial, mas, também, várias marcas suas registadas em Macau, a primeira das quais uma marca mista, que consiste em , registada sob os n.ºs N/28408 (para a classe 5) e N/28409 (para a classe 29), concedida em 5 de Outubro de 2007 e a marca que foi confrontada com a marca anulanda .
     16. Como reconheceu o douto Tribunal a quo, a “A Company Limited”, aqui Recorrente, após anos de exploração, tornou a sua designação social e a sua marca “XX” muito conhecidas, especialmente nos mercados da China e Macau e Hong Kong, pelo que, na verdade, os consumidores conhecem a marca “XX” como sendo da Recorrente, de onde decorre que o sinal “XX” que perdura na memória dos consumidores está associado à Recorrente.
     Termos em que, e contando com o douto suprimento do Venerando Tribunal ad quem, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, a final, serem declarados anulados os títulos de registo n.ºs N/150512 (classe 5) e N/150513 (classe 29), relativos à marca e emitidos em favor da ora Recorrida, por estar em causa uma marca mista, cujo elemento nominativo é “XX”, um sinal da titularidade da Recorrente, usado desde 2000, quer como designação social da sua empresa e das suas subsidiárias, quer como marca principal da casa, encontrando-se tal sinal registado em Macau como marca consistente em , desde 15 de Janeiro de 2013, sob os n.ºs N/64483 e N/64483, para assinalar produtos das classes 5 e 29.
     Assim se procedendo, far-se-á a costumada Justiça!”
*
Ao recurso respondeu a ré, tendo apresentado as seguintes conclusões alegatórias e pugnando pela negação de provimento ao recurso:
     “1. A Recorrente, não se conformando com a sentença proferida pela Tribunal Judicial de Base de Macau de fls. 542 a 547 dos presentes autos, que julgou improcedente os seus pedidos de anulabilidade, mantendo assim os registos das marcas figurativas N/150513, na classe 29 e N/150512, na classe 5, veio do mesmo apresentar o presente Recurso Judicial a que ora se responde.
     2. As referidas marcas N/150512 e N/150513 são compostas por sinais figurativos que consistem em:
     
     3. Em suma, alega a Recorrente que a manutenção do registo das marcas sub judice a prejudica de forma directa e efectiva, uma vez que:
     a) a marca da Recorrida constitui uma reprodução ou imitação das marcas de Recorrente; e
     b) o sinal XX é reconhecido pelos consumidores em Macau como sendo da Recorrente, de onde decorre que o sinal XX que perdura na memória dos consumidores está associado à Recorrente; e que
     c) o elemento nominativo XX é um sinal usado desde 2000, quer como designação social da sua empresa e das suas subsidiárias.
     4. Salvo devido respeito por melhor opinião, não assiste qualquer razão à Recorrente, porquanto resultar evidente, da prova carreada nos presentes autos, bem como do conhecimento público que:
     a) as marcas da Recorrida permitem diferenciar claramente os produtos por si comercializados dos outros empresários, não constituindo uma reprodução ou imitação das marcas registadas pela Recorrente;
     b) o sinal XX não é reconhecido pelos consumidores em geral, no mundo, e concretamente em Macau, como exclusivo da Recorrente, sendo reconhecido por entidades públicas e privadas, especialistas e consumidores em geral, como um tipo de leite, servindo XX para identificar um tipo de proteína – ß-Caseína que existe no leite e produtos derivados; e
     c) a Recorrente é uma sociedade comercial com sede na Nova Zelândia, não possuindo qualquer subsidiária ou estabelecimento permanente em Macau.
     5. Conforme bem se refere na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo “(…) como consumidor atento, ao escolher o “leite XX”, é certo que irá identificar os produtos com outros elementos”, não significando tal que a sentença recorrida enferme em vício de oposição dos fundamentos com o decisão, para os efeitos previstos na alínea c), do n.º 1, do artigo 571º do CPC, dado que não existe semelhança entre os sinais em confronto, nos termos do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 215º do RJPI.
     6. Com devido respeito por melhor opinião, ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer nas suas alegações, para efeitos de comparação entre as marcas em confronto, as marcas sub judice, são essencialmente marcas figurativas.
     7. Aliás, conforme consta expressamente referido nos respectivos relativos da DSEDT – Forma de Marca: “Marca Figurativa” (vide Doc. 22 e Doc. 23 da Contestação).
     8. As marcas objecto do presente recurso representam uma gota de leite estilizada, conforme aliás consta dos códigos de elementos figurativos descritos no registo das respectivas marcas:
     - Outras figuras geométricas, desenhos indefiníveis;
     - Linhas ou faixas formando um ângulo;
     - Linhas ou faixas curvas.
     9. É o elemento figurativo, em forma de gota, que constitui o elemento distintivo e a característica dominante e memorável das marcas da Recorrida N/150512 e N/150513.
     10. Ainda que, por hipótese meramente académica, se considerasse que as marcas sub judice são marcas mistas, conseguindo-se distinguir, de forma artística e fantasiosa, o elemento nominativo “XX”, nada leva a concluir que as marcas da Recorrida constituam uma imitação das marcas da Recorrente:
      - porque não são confundíveis com qualquer das marcas da Recorrente ou de terceiro; e
     - porque a expressão/sigla nominativa “XX” não pode ser apropriada em exclusivo pela Recorrente nem por nenhum outro empresário, pois identifica uma proteína, e serve como indicação para designar uma característica essencial dos produtos que as marcas visam assinalar.
     11. Ainda que, por mera hipótese académica, se considerasse que as marcas sub judice fossem mistas, ainda assim, no confronto entre as marcas, haveria que desconsiderar os elementos constituídos por expressões descritivas, devendo ter-se apenas em conta os seus elementos distintivos, que neste caso são figurativos:
Marcas da Recorrente
Marcas da Recorrida


     12. Verifica-se assim que não existe assim qualquer possibilidade de confusão ou risco de associação entre as marcas em confronto, pelos consumidores médios deste tipo de produtos.
     13. Há que atentar em que, em regra, o consumidor não se defronta com os dois sinais em simultâneo, pelo que o confronto será sempre sucessivo.
     14. Daí que relevem as semelhanças entre o conjunto de elementos que compõem as marcas a comparar (é a imagem do todo que melhor se grava na memória, como se refere, entre outros, em douto Acórdão do TUI de 18.11.2020, processo n.º 174/2020).
     15. Assim, desconsiderando os elementos descritivos comuns às marcas em confronto, as marcas da Recorrida são, essencialmente, marca figurativas, e somente nessa medida devem ser confrontadas com as marcas da Recorrente.
     16. No campo da apreciação do risco de confusão de marcas, tem sido entendimento dos Tribunais da RAEM que estas devem “ser contempladas numa visão de conjunto”, mas não se atribuindo relevância aos elementos que, integrando-as, se mostrem destituídos de eficácia distintiva ou tenham natureza meramente descritiva.
     17. Nessa medida, a averiguação da novidade da marca deve incidir sobre o elemento ou elementos prevalentes que se afigurem mais idóneos a perdurar na memória do público, que no caso em apreço são, apenas, elementos figurativos.
     18. Em suma, do confronto das marcas da Recorrente com as marcas da Recorrida, não resulta que esta última, ou algum dos seus elementos, contenha reprodução, imitação, no todo ou em parte, de marca registada por outrem que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda um risco de associação com uma marca registada em Macau.
     19. Assim, salvo devido respeito, que é muito, considera a Recorrida que deveria o Venerando Tribunal concluir nos mesmos termos da sentença do Tribunal a quo no que se refere ao preenchimento do requisito da alínea c), do n.º 1, do artigo 215º do RJPI: “(…) o Tribunal considera que existem diferenças significativas entre o desenho e o estilo das marcas e, portanto, considera que o terceiro requisito para a verificação da imitação da marca não se encontra preenchido.”
     20. Conforme se refere na douta Sentença recorrida: “De facto, nos últimos anos, com a ascensão de leites de beta-caseína da categoria “XX” ou de lacticínios de beta-caseína da categoria “XX”, muitos fabricantes de lacticínios começaram a produzir “leite XX”. Em rigor, “XX” não é o componente de leites nem de lacticínios, sendo a sua identificação pertencente à categoria de beta-caseína de leites ou de lacticínios. Nesse sentido, a “beta-caseína XX” (isto é, beta-caseína da categoria “XX”) é que é o componente desses leites ou lacticínios, mas pode-se considerar “XX” como característica para identificar estes géneros de leites ou de lacticínios.”
     21. Contudo, relativamente a este aspecto, discorda-se, respeitosamente, do Tribunal a quo quando conclui que “No entanto, como todos sabem, o requerente, como um dos primeiros produtores a indicar claramente a produção de “leite XX”, após anos de operação, sua marca “XX” e produtos de marca tiveram características significativas, especialmente na China Continental, Hong Kong e Macau e grupos de consumidores relacionados.
     Portanto, de acordo com o artigo 229º do “Regime Jurídico da Propriedade Industrial”, o juízo não declarou inválidas as marcas registradas dos demandantes…”
     22. Entendeu, assim, o douto Tribunal a quo que o sinal distintivo “XX”, que integra as marcas registadas em Macau pela Recorrente adquiriram carácter distintivo.
     23. Conduto, considera a Recorrente, no seu modesto entendimento e salvo melhor opinião, que tal conclusão não pode inferir-se da prova constante nos presentes autos.
     24. Uma simples pesquisa, em qualquer motor de busca na internet ou literatura especializada, qualquer especialista nesta matéria, qualquer loja que venda este tipo de produtos, permite facilmente concluir que “XX” é um tipo de leite e designa vulgarmente uma proteína de beta-caseína que integra o leite e produtos derivados.
     25. Tal facto é, por só, tão evidente que, em bom rigor, nem deveria carecer de prova, por ser notório e dever considerar-se como sendo do conhecimento geral (n.º 1 do artigo 434º do CPC).
     26. Ora, não tendo a Recorrente apresentado qualquer prova no sentido de que “XX” adquiriu um especial significado para os consumidores em Macau, que passaram a associar de imediato esse sinal aos produtos comercializados pela Recorrente, não se pode concluir, por mera dedução ou consequência lógica, que tal sucedeu.
     27. Desde logo, é fundamental salientar que a introdução de um produto no mercado por um determinado empresário não determina ipso facto que uma expressão descritiva (neste caso “XX” que integra todas as marcas da Recorrente) adquire distintividade e passa a ser do seu uso exclusivo.
     28. Quando muito, o que apenas por mera hipótese e deve de patrocínio se admite que poderia ter sucedido, é que num dado momento inicial da comercialização deste produto, alguns consumidores consideraram que “XX” era uma marca e o produto que essa marca visava distinguir passou, genericamente a ser designado por essa marca. É o que se designa na doutrina e jurisprudência por vulgarização ou degeneração da marca.
     29. A vulgarização ocorre quando a marca passa a corresponder ao nome comum pela qual o produto ou serviço é genericamente designado pelos consumidores e concorrentes em geral. Trata-se de um fenômeno que compromete a função e a capacidade da marca de identificar um produto e de diferenciá-lo dos demais concorrentes.
     30. Veja-se o que foi dito no Ac. do TSI, de 25/04/2013, Proc. n.º 842/2012: “Bem, notória é a marca … que adquiriu um tal renome que se tornou geralmente conhecida por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão mais em contacto com o produto, e como tal reconhecida. Por vezes, a notoriedade assume tal dimensão que o produto que, por via da marca, se procura distinguir passa, genericamente, a ser designado por referência à marca, independentemente da sua origem ou produtor”.
     31. Ora, conforme já referido, tal notoriedade ligada às marcas da Recorrente nunca foi provada nos presentes autos, pelo que uma decisão sustentada na aquisição de distintividade da expressão “XX”, pela Recorrente, carece de fundamentação e prova.
     32. De qualquer modo, o efeito jurídico, para o caso sub judice é exactamente o mesmo, o sinal “XX” que integra as marcas da Recorrida, ou nunca teve, ou perdeu, distintividade.
     33. Não existe um único documento ou outro elemento de prova junto aos presentes autos que demonstre que o consumidor médio em Macau associa a expressão “XX” à Recorrente.
     34. De igual modo, não existe um único documento ou outro elemento de prova junto aos presentes autos que demonstre que a expressão “XX”, que integra todas as marcas da Recorrente, adquiriu distintividade ou alguma notoriedade junto dos consumidores em Macau.
     35. O preceito legal estatuído no artigo 229º do RJPI integra um conceito jurídico extensamente desenvolvido pela doutrina e jurisprudência que se designa por “Secondary Meaning”.
     36. A questão que delimita a presente lide recursória pode ser reduzida à questão de saber se a marca registanda tem capacidade distintiva e, portanto, pode servir como marca, por ter adquirido essa capacidade distintiva através do “Secondary Meaning”.
     37. “Secondary Meaning”, quando reportado a uma marca, pelo sentido figurado e implícito que contém e pela fantasia que transporta, é um fenómeno de conversão de um sinal originariamente privado de capacidade distintiva num sinal distintivo de produtos ou serviços, reconhecido como tal, no tráfico económico, através do seu significado secundário, por consequência do uso e de mutações semânticas ou simbólicas.” Acórdão do TSI, de 16 de Fevereiro de 2017, Proc. n.º 655/2016 | Luís M. Couto Gonçalves, in Direito de Marcas, 2ª ed., Almedina, 2003, pág. 98.
     38. Este conceito foi objecto de tratamento em diversos acórdãos em Macau, designadamente no processo acima referido e no Acórdão do TSI, de 30 de Outubro de 2014, Proc. n.º 929/2009 e Acórdão do TSI, de 10 de Janeiro de 2019, Proc. n.º 945/2018.
     39. Em todos os casos, considerou-se possível a existência de marcas que, apesar de todos os elementos serem descritivos, adquiriram um “secondary meaning” contudo, de igual modo em todos os casos, o TSI foi exigente com os critérios e provas relativas ao grau de apreensão pelo consumidor médio em Macau quanto à existência de um sentido não descritivo ligado a determinada empresa.
     40. Conforme refere a melhor doutrina nesta matéria, é necessário atender-se ao ónus da prova que nesta matéria impende sobre a Autora, ora Recorrente, e não basta a mera invocação de que uma marca constituída por elementos descritivos goza de secondary meaning, sendo necessário que tal resulte evidente da prova junta aos autos, o que não sucede.
     41. Assim, “Factores susceptíveis de ser tomados em consideração, neste âmbito, são, nomeadamente, a demonstração dum uso prolongado do sinal (quanto mais tempo uma marca tiver sido utilizada, maiores serão as probabilidades de ter adquirido carácter distintivo), dum elevado grau da sua divulgação (em jornais, revistas, na televisão, etc.), um elevado volume de receitas a ele associadas (facturação que revele lucros massivos pode indiciar que o público reconhece determinado signo como marca) e sondagens aos consumidores. (…)”
     42. Esta muito escassa prova documental é manifestamente insuficiente para demonstrar cabalmente a alegação (…) de que, por virtude do uso que dela foi feito, entre 2007 e 2014, o público consumidor português em geral (é esse o universo dos consumidores relevante para este efeito) passou a identificar a marca (…) com os serviços (…) prestados (…). Na verdade, tudo quanto ela afinal provou (pelo menos indiciariamente) é que tem feito uso da sua marca (…).
     Assim sendo, tem de concluir-se que (…) não logrou, nem de perto nem de longe, fazer prova da excepção do “secondary meaning” à regra geral que impede a apropriação dos elementos banais.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17.05.2016, Proc. 452/14.1YHLSB.L1-1, que aqui se transcreve a mero título de referência pela similitude das normas e conceitos jurídicos aplicáveis).
     43. Neste sentido, para que fosse possível a aplicação do artigo 229º do RJPI, seria necessário provar-se, com a amplitude adequada, que a eficácia distintiva da marca foi plenamente alcançada no mercado em Macau, mesmo que seja um mercado específico ou de menor dimensão em termos de consumidores de certos produtos.
     44. Desde há muito que a jurisprudência do douto Tribunal de Segunda Instância tem vindo a declarar que “o conceito de consumidor de Macau, para efeitos de determinar a notoriedade de uma marca, não se restringe aos residentes de Macau, mas abrange também os turistas, oriundos nomeadamente de Taiwan, de Hong Kong e do Interior da China” (Acórdão do Tribunal de Segunda Instância Proc. n.º 34/2012, de 06/02/2013).
     45. Atente-se que, o conceito de consumidor médio é um conceito flexível, como dá conta Luís Couto Gonçalves, Manuel de Direito Industrial, Almedina, 2ª edição, pág. 283-4, «A escolha de um produto ou serviço é efectuada pelo consumidor final que se apresenta como o sujeito a cuja capacidade de discernimento e grau de atenção deve ser reportado o juízo de confundibilidade resultante da verificação dos dois requisitos de imitação que analisamos. Se é o consumidor médio o consumidor a que, normalmente, se deve atender (dotado de média inteligência, diligência e perspicácia), não se deve, todavia, perder de vista os produtos ou serviços em questão.»
     46. Ora, um consumidor dotado de média inteligência, diligência e perspicácia que compra produtos “XX”, que aliás têm um custo bastante mais elevado que contém a caseína “A1”, sabe perfeitamente porque adquire tais produtos.
     47. O consumidor médio deste tipo de produtos compra “leite XX” e paga um valor acrescido pelos mesmos, não por serem comercializados pela Recorrente, mas sim pelos motivos abundantemente expostos na Contestação e Tréplica e documentos juntos aos presentes autos: nutrição e saúde.
     48. Em suma, salvo devido respeito e melhor entendimento, não se poderá concluir os consumidores em Macau associem de imediato o sinal “XX” aos produtos comercializados pela Recorrente, quando não resultou provado um uso intenso e reiterado, investimentos na promoção e publicitação do sinal “XX”, levados a cabo por esta em Macau, que tenham determinado que este sinal adquiriu uma distintividade específica para assinalar apenas os produtos da Recorrente.
     Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado improcedente e em consequência ser proferido douto Acórdão que mantenha a decisão recorrida na parte que julgou improcedente o pedido de anulação das marcas N/150512 e N/150513.”
*
A ré, por sua vez, também recorreu jurisdicionalmente para este TSI, tendo formulado as seguintes conclusões alegatórias:
     “1. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância que determinou a improcedência do pedido reconvencional formulado pela Ré, ora Recorrente, contra a Autora, ora Recorrida, em sede de contestação, mediante o qual se pediu que sejam declarados nulos os títulos de registo das marcas registadas em Macau pela Autora, ora Recorrida, (Pedido 4 a) e 5 a) da Reconvenção) e também que seja declarado que não detém o uso exclusivo da expressão “XX” nas suas marcas registadas em Macau (Pedido 4 b) e 5 b) da Reconvenção).
     2. O douto Tribunal a quo assim decidiu por entender que os pedidos formulados pela Ré no pedido reconvencional ultrapassaram os limites estipulados na alínea a), do n.º 2, do artigo 218º do CPC, pelo que os pedidos reconvencionais da Ré não foram acolhidos por não cumprirem os requisitos do referido preceito legal.
     3. No entanto, o Tribunal a quo aceitou o pedido reconvencional formulado pela Ré, ora Recorrente, relativamente às marcas N/64482 e N/64483, tituladas pela Autora, ora Recorrida.
     4. Contudo, relativamente a estas, considerou-se que, tendo a Autora sido uma das primeiras empresas a produzir a comercializar produtos de “leite XX”, após anos de operação, o sinal “XX” adquiriu um carácter distintivo na China Continental, Hong Kong e Macau, perante os grupos de consumidores relevantes.
     5. Portanto, de acordo com disposto no artigo 229º do RJPI, o Tribunal a quo decidiu não declarar a nulidade das marcas cujo registadas pela Autora sob os n.ºs N/64482 e N/64483.
     6. Entendeu o douto Tribunal a quo que, a Reconvenção da Ré, ora Recorrente, só foi aceite na parte relativa às marcas registadas n.º N/64482 e n.º N/64483, pois os pedidos formulados contra a restantes marcas constituídas pelo sinal “XX” ultrapassaram os limites estipulados na alínea a), do n.º 2, do artigo 218º do CPC.
     7. Ora, salvo devido respeito por melhor opinião, a ora Recorrente entende que assim não é, pois, para além dos pedidos deduzidos contra a Autora emergirem do facto jurídico que serve de fundamento à acção (218, n.º 2, a) do CPC), a Ré, Reconvinte, também pretende conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que a Autora se propõe obter (218, n.º 2, c) do CPC).
     8. Assim, relativamente ao caso em apreço, pode excluir-se a aplicação do n.º 2 b) do artigo 218º do CPC, mas o enfoque sobre a admissibilidade dos pedidos formulados em sede de Reconvenção deve ser formulado á luz das alíneas a) e c) da referida disposição legal.
     9. Nessa medida, o efeito jurídico que a Autora visou ao intentar a acção, cuja sentença ora se recorre, foi a nulidade das marcas da Ré, e, de igual modo, a Ré, Reconvinte, pretendeu conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que a Autora se propôs obter, i.e. a nulidade das marcas da Autora, as quais constituem os factos jurídicos que servem de fundamento jurídico à sua acção de nulidade.
     10. De igual modo, entende a Reconvinte, ora Recorrente, que os pedidos formulados contra a Autora, ora Recorrida, em sede de reconvenção emergem do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção intentada pela Autora, i.e. a titularidade de marcas registadas em Macau que integram na sua componente nominativa a expressão “XX” ou “XX”.
     11. No que concerne à pronúncia do Tribunal a quo apenas quanto às marcas N/64482 e N/64483 da Autora, ora Recorrida, considera a Recorrente que tal limitação não encontra amparo na lei, porque muitas outras marcas são referidas pela própria Autora na sua Petição Inicial, constituindo assim os factos jurídico que servem de fundamento à sua acção.
     12. É certo que no pedido deduzido pela Autora (vide capítulo VI da Petição Inicial) se faz referência apenas às marcas N/64482 e N/64483, mas tal sucede somente porque a Autora pretendeu fazer referência às primeiras marcas que registou em Macau, conforme aí se menciona expressamente “… encontrando-se tal sinal registado em Macau como marca, desde 15 de Janeiro de 2013, sob os n.ºs N/64482 e N/64483.”
     13. Essa referência feita pela Autora, ora Recorrida, às primeiras marcas que registou em Macau (i.e., marcas N/64482 e N/64483) não implica que ora os factos jurídicos na qual baseou o seu pedido fossem limitados apenas a essas marcas, tendo tal servido para salientar a data inicial da sua alegada exclusividade sobre a expressão “XX”.
     14. Tanto assim é que, no mesmo parágrafo (vide capítulo VI da Petição Inicial), se refere expressamente que “… sejam declarados anulados os títulos de registo das marcas n.ºs N/150512 (classe 5) e N/150513 (classe 29), que consistem em , por estar em causa uma marca mista cujo elemento nominativo é “XX”, um sinal da titularidade da Autora.”
     15. E tanto mais assim é que a Autora, ora Recorrente, refere em 11º da Petição Inicial que “O fundamento do pedido de declaração de anulabilidade da marca mista , para produtos das mencionadas classes 5ª e 29ª, (…), isto é os títulos de registo da marca são anuláveis, porque foram concedidos à Ré, quando tal marca é uma variante de várias marcas pertencentes à Autora, que têm como elemento nominativo o sinal “XX”, que já se encontram registadas em Macau e, que, não podem coexistir (…)”.
     16. É a própria Autora, ora Recorrida, que refere expressamente que o seu pedido se fundamenta no seguinte facto jurídico: “XX” é um elemento nominativo que constitui um sinal da sua titularidade, protegido por “várias” marcas registadas em Macau.
     17. De igual modo, alega a Autora, ora Recorrida, em 17º da Petição Inicial que “A Autora tem legitimidade para requerer a declaração de anulabilidade (…) é interessada, enquanto titular do sinal XX (que, para além de, por si só, se encontrar registada como marca para assinalar produtos de várias classes designadamente das classes 5 e 29, integra várias marcas da Autora) (…)”.
     18. Também em 25º da Petição Inicial a Autora, ora Recorrida, alega que “Os sinais marcários “XX”, “XX”, “XX Milk” pertencem à Autora, integrando várias marcas (…)”.
     19. E em 59º da Petição Inicial a Autora, ora Recorrida, alega que “Acontece que a marca anulanda da Ré registada em Macau, (…) para produtos da classe 5ª (…) e para produtos da classe 29 (…) é uma imitação das marcas “XX” e “XX” da Autora, com as quais, para além de assinalar produtos e serviços de outras classes, assinala produtos da classe 5 (…) e da classe 29 (…)”.
     20. Atente-se como a Ré, em quaisquer das alegações acima referidas, refere-se, conjuntamente, a todas as marcas as suas marcas registadas em Macau que são constituídas pelo sinal “XX” e que protegem produtos na classe 5ª e 29ª.
     21. Para fundamentar o seu pedido, a Autora, ora Recorrida, não se limitou apenas a fazer referência expressa e específica às marcas N/64482 e N/64483 (artigo 32º da PI), mas também às marcas N/28408 e N/28409 (artigo 31º da PI); N/79042, N/79043, N/79044 e N/79045 (artigo 33º da PI); N/123349, N/123350, N/123351, N/123352, N/123357, N/123358, N/123370, N/123371, N/123373, N/123374, N/123376, N/123377, N/123385 e N/123386 (artigo 34º da PI); N/128803 e N/128805 (artigo 35º da PI); N/129241, N/129242, N/129245 e N/129246 (artigo 36º da PI); N/130689 e N/130690 (artigo 37º da PI); N/132923 e N/132924 (artigo 38º da PI); N/135770 e N/135771 (artigo 39º da PI); N/136503, N/136504, N/136505 e N/136506 (artigo 40º da PI); N/154838 e N/154839 (artigo 40º da PI).
     22. Ou sejam, precisamente as mesmas marcas que são objecto dos pedidos 4 a) e 4 b) aduzidos na Reconvenção contra a Autora, com excepção das marcas N/28408 e N/28409, por serem constituídas por um sinal misto cujos elementos gráficos lhes conferem alguma distintividade.
     23. Atente-se que, as marcas acima referidas foram divididas em dois pedidos reconvencionais pois as marcas incluídas no pedido 4 a) são constituídas exclusivamente pelo sinal XX, que designa uma característica intrínseca dos produtos nas classes 5 e 29 (cfr. artigo 74º e Docs. 24 a 29 da Contestação), sendo as marcas incluídas no pedido 4 b) constituídas pelo sinal XX e outros elementos meramente descritivos, sendo cada uma das mesmas, totalmente descritivas para os produtos visados proteger nas classes 5 e 29 (cfr. artigo 76º e Docs. 30 a 49 da Contestação).
     24. Separou-se, por mera facilidade de análise, as marcas que foram expressamente referidas na Petição Inicial das restante marcas também tituladas pela Autora em Macau, que integram o pedido 5 a), que integra marcas constituídas exclusivamente pelo sinal XX, que designa uma característica intrínseca dos produtos nas classes 5 e 29 (cfr. artigo 86º e 87º e Docs. 64 a 77 da Contestação) e o pedido 5 b) que integra as marcas constituídas pelo sinal XX e outros elementos meramente descritivos, sendo cada uma das mesmas, totalmente descritivas para os produtos visados proteger nas classes 5 e 29 (cfr. artigo 93º e Docs. 78 a 86 da Contestação).
     25. “Conforme resulta das informações que constam do website da DSE”, como a própria Autora refere em 31º da Petição Inicial, as marcas que integram os pedidos aduzidos pela ora Recorrente em sede de Reconvenção integram, todos elas, a causa de pedir da Autora, ora Recorrida.
     26. Pois ao longo da sua Petição Inicial, a Ré invocou sempre como causa de pedir as suas “várias marcas” registadas em Macau, que incluem “XX”, nas classes 5 e 29, limitando-se, contudo, a fazer uma referência não exaustiva das “várias” marcas registadas em Macau.
     27. São essas “várias” marcas que constituem a causa de pedir da Autora, ora Recorrida, registadas em Macau na classe 5 e classe 29, com a expressão “XX”, que a Reconvinte, ora Recorrente, especificou no seu pedido reconvencional.
     28. Assim, salvo melhor entendimento, e ao contrário do que se refere da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, nada obsta à cumulação de pedidos aduzidos na reconvenção, por emergirem todos da mesma causa de pedir e por não se verificarem quaisquer dos obstáculos fixadas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 65º a que alude o artigo 391º, ambos do CPC.
     29. E, de igual modo, com devido respeito e salvo melhor entendimento, se conclui que, relativamente ao caso em apreço, o enfoque sobre a admissibilidade dos pedidos formulados em sede de Reconvenção deve ser formulado á luz das alíneas a) e c) do artigo 218º do CPC, pois:
     a) o efeito jurídico que a Autora visou ao intentar a acção, cuja sentença ora se recorre, foi a nulidade das marcas da Ré que integram o sinal “XX”, nas classes 5 e 29, e, de igual modo, a Ré, Reconvinte, pretendeu conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que a Autora se propôs obter, i.e. a nulidade das marcas da Autora que integram o sinal “XX” ou “XX”, nas classes 5 e 29; e
     b) os pedidos formulados contra a Autora, ora Recorrida, em sede de reconvenção emergem do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção intentada pela Autora, i.e. a titularidade de marcas registadas em Macau que integram o sinal “XX” ou “XX”.
     30. Por outro lado, entendeu o douto Tribunal a quo que o sinal distintivo “XX”, que integra as marcas registadas em Macau pela Recorrida adquiriram carácter distintivo.
     31. Constata-se assim que o Tribunal a quo deu total provimento aos argumentos da Ré, ora Recorrente no que se refere ao facto de “XX” ser uma forma de proteína de beta-caseína que está no leite e produtos afins (nomeadamente os que integram os produtos que a Autora visa proteger com as suas marcas na classe 5 e 29).
     32. Uma simples pesquisa em qualquer motor de busca na internet ou literatura especializada, qualquer especialista nesta matéria, qualquer loja que venda este tipo de produtos, afirmará que “XX” designa vulgarmente uma proteína de beta-caseína que integra o leite e produtos derivados.
     33. Tal facto é tão evidente que, em bom rigor, nem deveria carecer de prova, por ser notório e dever considerar-se como sendo do conhecimento geral (n.º 1 do artigo 434º do CPC).
     34. Em consequência, as marcas N/64482 e N/64483 tituladas pela Autora, ora Recorrida, mas também todas as que constam dos pedidos aduzidos na Reconvenção, pelos motivos acima expostos, deveriam ter sido declaradas nulas, por (Pedido 4 a) e 5 a) da Contestação) serem exclusivamente compostas por um sinal que serve para designar uma espécie de produto e uma característica intrínseca ao mesmo (alínea b) do artigo 199º e alínea b) do artigo 220º do RJPI); ou por (Pedido 4 a) e 5 a) da Contestação) serem exclusivamente constituídas por esse elemento e outros meramente descritivos, carecendo assim da distintividade necessária para identificar a origem de diferentes produtos (artigo 214º, n.º 3, a contrario, conjugado com a alínea b) do n.º 1 do artigo 199º do RJPI).
     35. Contudo, o facto de “XX” ser um elemento descritivo, não levou o Tribunal a quo, a concluir, necessariamente, que as marcas da Autora, ora Recorrida, são nulas por terem ganho distintividade, aplicando-se assim o disposto no artigo 229º do RJPI.
     36. Salvo devido respeito, que é muito, a Recorrente entende que assim não é. Desde logo, é fundamental salientar que a introdução de um produto no mercado por um empresário não determina ipso facto que uma expressão descritiva (nesta caso “XX” que integra todas as marcas da Recorrida) adquire distintividade e passa a ser do uso exclusivo desse empresário.
     37. Quando muito, o que apenas por mera hipótese e dever de patrocínio se admite que poderia ter sucedido, é que num dado momento inicial da comercialização deste produto, alguns consumidores consideraram que “XX” era uma marca e o produto que essa marca visava distinguir passou, genericamente a ser designado por essa marca. É o que se designa na doutrina e jurisprudência por vulgarização ou degeneração da marca.
     38. Veja-se o Ac. do TSI, de 25/04/2013, Proc. n.º 842/2012: “Bem, notória é a marca … que adquiriu um tal renome que se tornou geralmente conhecida por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão mais em contacto com o produto, e como tal reconhecida. Por vezes, a notoriedade assume tal dimensão que o produto que, por via da marca, se procura distinguir passa, genericamente, a ser designado por referência à marca, independentemente da sua origem ou produtor”.
     39. Ora, em primeiro lugar, a notoriedade ligada às marcas da Recorrida nunca foi provada nos presentes autos.
     40. Segundo, ainda que tal situação tivesse sucedido – e salvo devido respeito pela opinião contrária expressa na sentença recorrida – uma decisão sustentada na aquisição de distintividade da expressão “XX”, pela Recorrida, carece de fundamentação e prova.
     41. De qualquer modo, o efeito jurídico, no caso sub judice, é exactamente o mesmo, a marca, ou nunca teve, ou perdeu, distintividade.
     42. Não existe um único documento ou outro elemento de prova junto aos presentes autos que demonstre que o consumidor médio em Macau associa a expressão “XX” à Recorrida.
     43. O preceito legal estatuído no artigo 229º do RJPI integra um conceito jurídico extensamente desenvolvido pela doutrina e jurisprudência que se designa por “Secondary Meaning”.
     44. A questão que delimita a presente lide recursória pode ser reduzida à questão de saber se a marca registanda tem capacidade distintiva e, portanto, pode servir como marca, por ter adquirido essa capacidade distintiva através do “secondary meaning”.
     45. “Secondary meaning”, quando reportado a uma marca, pelo sentido figurado e implícito que contém e pela fantasia que transporta, é um fenómeno de conversão de um sinal originariamente privado de capacidade distintiva num sinal distintivo de produtos ou serviços, reconhecido como tal, no tráfico económico, através do seu significado secundário, por consequência do uso e de mutações semânticas ou simbólicas.” Acórdão do TSI, de 16 de Fevereiro de 2017, Proc. n.º 655/2016 | Luís M. Couto Gonçalves, in Direito de Marcas, 2ª ed., Almedina, 2003, pág. 98.
     46. Este conceito foi objecto de tratamento em diversos acórdãos em Macau, designadamente no processo acima referido e no Acórdão do TSI, de 30 de Outubro de 2014, Proc. n.º 929/2009 e Acórdão do TSI, de 10 de Janeiro de 2019, Proc. n.º 945/2018.
     47. Em todos os casos, considerou-se possível a existência de marcas que, apesar de todos os elementos serem descritivos, adquiriram um “secondary meaning” contudo, de igual modo em todos os casos, o TSI foi exigente com os critérios e provas relativas ao grau de apreensão pelo consumidor médio em Macau quanto à existência de um sentido não descritivo ligado a determinada empresa.
     48. Conforme refere a melhor doutrina nesta matéria, é necessário atender-se ao ónus da prova que nesta matéria impende sobre a Autora, ora Recorrida, e não basta a mera invocação de que uma marca constituída por elementos descritivos goza de secondary meaning, sendo necessário que tal resulte evidente da prova junta aos autos, o que não sucede.
     49. Assim, “Factores susceptíveis de ser tomados em consideração, neste âmbito, são, nomeadamente, a demonstração dum uso prolongado do sinal (quanto mais tempo uma marca tiver sido utilizada, maiores serão as probabilidades de ter adquirido carácter distintivo), dum elevado grau da sua divulgação (em jornais, revistas, na televisão, etc.), um elevado volume de receitas a ele associadas (facturação que revele lucros massivos pode indiciar que o público reconhece determinado signo como marca) e sondagens aos consumidores.
     Esta muito escassa prova documental é manifestamente insuficiente para demonstrar cabalmente a alegação (…) de que, por virtude do uso que dela foi feito, entre 2007 e 2014, o público consumidor português em geral (é esse o universo dos consumidores relevante para este efeito) passou a identificar a marca (…) com os serviços (…) prestados (…). Na verdade, tudo quanto ela afinal provou (pelo menos indiciariamente) é que tem feito uso da sua marca (…).
     Assim sendo, tem de concluir-se que (…) não logrou, nem de perto nem de longe, fazer prova da excepção do “secondary meaning” à regra geral que impede a apropriação dos elementos banais.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17.05.2016, Proc. 452/14.1YHLSB.L1-1, que aqui se transcreve a mero título de referência pela similitude das normas e conceitos jurídicos aplicáveis).
     50. Neste sentido, para que fosse possível a aplicação do artigo 229º do RJPI, seria necessário provar-se, com a amplitude adequada, que a eficácia distintiva da marca foi plenamente alcançada no mercado em Macau, mesmo que seja um mercado específico ou de menor dimensão em termos de consumidores de certos produtos.
     51. Haverá assim que ter em conta a consumidor médio deste tipo de produtos (leite e produtos afins que contém apenas a caseína “XX”).
     52. Atente-se que, o conceito de consumidor médio é um conceito flexível, como dá conta Luís Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, Almedina, 2ª edição, pág. 283-4, «A escolha de um produto ou serviço é efectuada pelo consumidor final que se apresenta como o sujeito a cuja capacidade de discernimento e grau de atenção deve ser reportado o juízo de confundibilidade resultante da verificação dos dois requisitos de imitação que analisamos. Se é o consumidor médio o consumidor a que, normalmente, se deve atender (dotado de média inteligência, diligência e perspicácia), não se deve, todavia, perder de vista os produtos ou serviços em questão.»
     53. Ora, um consumidor dotado de média inteligência, diligência e perspicácia que compra produtos “XX”, que aliás têm um custo bastante mais elevado que contém a caseína “A1”, sabe perfeitamente porque adquire tais produtos.
     54. O consumidor médio deste tipo de produtos compra “leite XX” e paga um valor acrescido pelos mesmos, não por serem comercializados pela Recorrida, mas sim pelos motivos abundantemente expostos na Contestação e Tréplica e documentos juntos aos presentes autos: nutrição e saúde.
     55. Em suma, salvo devido respeito e melhor entendimento, não se poderá concluir pela aplicação do artigo 229º do RJPI ao caso sub judice, quando não resultou provado um uso intenso e reiterado pela Recorrida, bem como investimentos na promoção e publicitação do sinal “XX”, levados a cabo por esta em Macau, que tenham determinado que as suas marcas se tornaram de tal modo conhecidas do público em Macau, que este sinal adquiriu distintividade para assinalar apenas os produtos da Recorrida.
     Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente e em consequência ser proferido douto Acórdão que revogue a decisão recorrida na parte que julgou improcedente o pedido reconvencional e, em consequência, seja substituída por outra que admita e julgue procedentes os pedidos formulados na Reconvenção, julgando-se nulas as marcas da Autora e que a Autora não detém o uso exclusivo da expressão “XX”, nos termos peticionados, respectivamente, em 4), 5) e 6) dos pedidos deduzidos na Reconvenção.”
*
Ao recurso respondeu a autora, tendo apresentado as seguintes conclusões alegatórias e pugnando pela negação de provimento ao recurso:
     “1. Pretende a Recorrente que, através do presente recurso, seja revogado o douto despacho saneador-sentença proferido, em 4 de Janeiro de 2021, ao abrigo do disposto na alínea b) do art.º 429º do Código do Processo Civil, que, conhecendo do mérito da causa, julgou improcedente o pedido reconvencional por si formulado contra a Autora/Reconvinda/Recorrida, não tendo, consequentemente, declarado nulos os títulos de registo n.ºs N/64482 e N/64483 relativos à marca , por um lado, e por outro lado, por não ter admitido todos os pedidos deduzidos, na mesma reconvenção, no sentido de declarar a nulidade de 40 títulos de registo relativos a 21 marcas e, relativamente a outras 24 marcas, declarar que a Autora/Reconvinda/Recorrida não tem o direito à utilização exclusiva do sinal “XX”.
     2. O douto Tribunal a quo não apreciou todos os pedidos deduzidos pela Ré/Reconvinte/Recorrente, por ter considerado que, por além do pedido relativo aos títulos de registo n.ºs N/64482 e N/64483 referentes à marca , os demais pedidos apresentados na Reconvenção ultrapassavam os limites previstos no artigo 218º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil.
     3. Não pode a Ré/Reconvinte/Recorrente requerer ao Venerando Tribunal ad quem que revogue a decisão recorrida na parte que não admitiu todos os pedidos deduzidos na Reconvenção, substituindo-a por uma decisão que os admita e os julgue procedentes.
     4. Decorre dos factos dados por provados pelo douto Tribunal a quo que o Venerando Tribunal ad quem não tem matéria de facto suficiente para julgar tais pedidos.
     5. Pese o facto de ser passível de recurso a decisão de não admitir todos os pedidos deduzidos na Reconvenção, a Recorrente teria que requerer ao Venerando Tribunal ad quem que fosse admitida a Reconvenção no seu todo, pedindo o reenvio do processo para a Primeira Instância, a fim de serem incluídos na factualidade apurada os factos essenciais para que o Tribunal ad quem se pudesse pronunciar, caso fossem, entretanto, tais pedidos considerados improcedentes no Tribunal a quo.
     6. Não o tendo feito, a Recorrente deixou transitar a decisão de não admissão de todos os pedidos constantes da sua Reconvenção explicitada pelo douto Tribunal a quo, pelo que, apenas, pode ver apreciado o seu recurso quanto à questão de não ter sido considerado procedente o pedido de declaração de nulidade dos títulos de registo n.ºs N/64482 e N/64483 relativos à marca , da Autora/Reconvinda/Recorrida.
     7. Tem sido unânime o entendimento de que o Tribunal de recurso, no caso o Venerando Tribunal de Segunda Instância, tem por objecto a sentença, à qual se imputam vícios próprios ou erros de julgamento, não sendo possível sindicar algo que não foi discutido, nem decidido na Primeira Instância, sob pena de o recurso ter que ser julgado improvido.
     8. O douto Tribunal a quo, ao não admitir todos os pedidos apresentados na Reconvenção, não entrou em linha de conta com factos essenciais para decidir se seriam ou não procedentes tais pedidos cumulados da Ré/Reconvinte, ora Recorrente, de onde decorre que está o Venerando Tribunal ad quem impossibilitado de os conhecer e, consequentemente, o recurso da Ré/Reconvinte/Recorrente, nesta parte, deve improceder.
     9. A qualificação de um sinal como genérico ou descritivo ou, ainda, como gozando de capacidade distintiva não é uma decisão sobre matéria de facto, mas sim de direito.
     10. Fazendo um juízo de valor e considerando tratar-se de um facto notório, o douto Tribunal a quo qualificou o sinal “XX” como tendo adquirido eficácia distintiva dado que a Autora/Reconvinda/Recorrida dele faz uso há muitos anos e, em consequência, invocando o art.º 229º do RJPI, não declarou inválidos os títulos de registo n.ºs N/64482 e N/64483 relativos à marca , registada em Macau, em nome da Autora, para as classes 5 e 29.
     11. Ao usar a expressão “como todos sabemos”, na fundamentação da sua decisão, o douto Tribunal a quo considera que se trata de um facto que é do conhecimento geral e, portanto, um facto notório; enquanto tal não carece, pois, de prova, nos termos do art.º 434º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
     12. Quanto à questão da perda do carácter distintivo da marca da Autora/Reconvinda/Recorrida, consistente em , a que se refere a Ré/Reconvinte/Recorrente na Conclusão 41º, no modesto entendimento da Recorrida, não pode ser apreciada pelo Venerando Tribunal ad quem, uma vez não foi a causa de pedir do pedido apresentado pela Ré/Reconvinte/Recorrente, na sua Reconvenção, e, portanto, não foi discutida na Primeira Instância tratando-se, pois, de uma questão nova.
     Nestes termos e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes, requer-se, muito respeitosamente:
     1) Seja considerado improcedente o recurso apresentado pela Ré/Reconvinte/Recorrente, na parte que respeita aos pedidos deduzidos na Reconvenção não admitidos e, consequentemente, não apreciados no douto Tribunal a quo;
     2) Seja considerado improcedente o recurso apresentado pela Ré/Reconvinte/Recorrente, na parte que respeita ao pedido de declaração de nulidade dos títulos de registo n.ºs N/64482 e N/64483 relativos à marca , mantendo-se a douta sentença recorrida, à qual não há nenhum vício ou erro de julgamento a imputar.
     Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”

Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Ficou assente a seguinte factualidade pertinente para a decisão da causa:
原告為已註冊商標第N/64482號的權利人,有關商標於2012年4月2日申請註冊,於2013年1月15日獲批准註冊,對應的產品類別為第5類,具體為“哺乳期嬰幼兒食品;哺乳期嬰幼兒用奶及奶粉;全屬第5類”,其商標組成為“XX”。
原告為已註冊商標第N/64483號的權利人,有關商標於2012年4月2日申請註冊,於2013年1月15日獲批准註冊,對應的產品類別為第29類,具體為“屬此類的奶及乳製品;包含奶或乳製品成份屬此類的其他產品;全屬第29類”,其商標組成為“XX”。
被告為已註冊商標第N/150512號的權利人,有關商標於2019年2月15日申請註冊,於2019年9月12日獲批准註冊,對應的產品類別為第5類,具體為“Substâncias dietéticas adaptadas para uso médico; alimentos dietéticos adaptados para fins médicos; bebidas dietéticas adaptadas para fins médicos; suplementos nutricionais; preparados de vitaminas; fibra dietética; farinha láctea para bebés; alimentos para bebés; leite em pó para bebés; gordura de leite para infusões medicinais”,其商標組成為:
被告為已註冊商標第N/150513號的權利人,有關商標於2019年2月15日申請註冊,於2019年7月11日獲批准註冊,對應的產品類別為第29類,具體為“Vegetais, enlatados; frutas, entaladas; aperitivos entre as refeições, principalmente frutas e vegetais; aperitivos à base de frutas; leite; bebidas de leite; produtos lácteos; leite em pó; leite de soja (substituto de leite); leite de feijão em pó; gorduras comestíveis; creme de manteiga, natas (produtos lácteos)”,其商標組成為:
酪蛋白為牛奶中蛋白質的主要成份。β-酪蛋白為酪蛋白的其中一種分類,“XX”則為β-酪蛋白的其中一個類別。
*
Comecemos pelo recurso da autora.
Vem alegar a autora que deve ser anulado o registo das marcas N/150512 e N/150513, emitidas a favor da ré, por serem marcas imitadas ou reproduzidas das suas que estão devidamente registadas sob os números N/64482 e 64483.
Entende o tribunal recorrido verificado não estar o requisito da imitação de marca, por não haver semelhança entre as duas marcas, da autora e da ré.
A nosso ver, tem razão a autora.
Preceitua a alínea b) do n.º 2 do artigo 214.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial que o pedido de registo é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada.
Por sua vez, dispõe-se ainda no artigo 215.º do mesmo diploma legal que “A marca registada considera-se reproduzida ou imitada, no todo ou em parte, por outra, quando, cumulativamente, a marca registada tiver prioridade, sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins, e tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto”.
Conforme decidido na sentença recorrida, não se levantam dúvidas quanto à verificação dos primeiros dois pressupostos, resta saber se entre as duas marcas, da autora e da ré, existe semelhança que seja susceptível de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação entre aquelas duas marcas.
Segundo Carlos Olavo, “a imitação deve, pois ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem as marcas em cotejo, e não pelas diferenças que poderiam oferecer os diversos pormenores considerados isolados ou separadamente. Por isso, é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação das marcas”1.
Isto é, para averiguar se há reprodução ou imitação, em princípio devem ser analisadas as marcas no seu todo, no conjunto dos elementos que as compõem, e não dissecada ou isoladamente.
No nosso caso, as marcas postas em confronto são as seguintes:

Marca da autora

Marca da ré

Haverá imitação de marca anteriormente registada?
Vejamos.
Diz Pupo Correia2 que “Imitação é a adopção de uma marca confundível com outra. Por conseguinte, a imitação não é identidade, antes supõe a existência de elementos comuns e outros diferentes.”
Ainda segundo o mesmo autor3: “Deste modo, se a semelhança de conjunto, entre a marca anterior protegida e a mais recente, sem consideração dos pormenores diferenciadores, gerar a possibilidade de confusão, pela fácil indução em erro do consumidor, haverá imitação da primeira pela segunda.”
A autora é titular da marca “XX”, enquanto a ré efectuou a seu favor o registo da marca.
Salvo o devido respeito por opinião diversa, somos a entender que o elemento preponderante existente nas duas marcas, ou seja, aquilo que mais se perdura na memória do público é o sinal “XX”. Isto é, apesar de a marca registada a favor da ré ter uma apresentação gráfica algo diferente, mas perante os olhos de um consumidor médio, sem necessidade de um exame muito atento nem grande esforço, aquilo que vai ficar retido na memória é o sinal “XX” de que a autora registou em primeiro lugar, pelo que há razão para crer que entre as duas marcas existe semelhança nominativa que vai induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão.
Face às considerações acima tecidas, o Colectivo deste TSI julga conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela autora e, em consequência, revogando a sentença recorrida na parte em que não declarou anulados os títulos de registo n.º 150512 e 150513, emitidos a favor da ré, devendo os mesmos ser anulados.
*
No tocante ao recurso da ré, esta começa por referir que o tribunal a quo julgou erradamente a questão por ter rejeitado indevidamente o pedido reconvencional.
Salvo o devido e mui respeito, julgamos não assistir razão à ré.
Senão vejamos.
Determinam o n.º 1 e n.º 2 do artigo 218.º do CPC o seguinte:
“1. O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.
2. A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.”
O tribunal recorrido entende que, para além do pedido reconvencional relativamente às marcas N/64482 e N/64483, os restantes pedidos formulados pela ré no pedido reconvencional ultrapassaram os limites estipulados na alínea a) do n.º 2 do artigo 218.º do CPC.
Apreciemos.
No caso vertente, a autora pede que sejam declarados anulados os títulos de registo das marcas n.ºs N/150512 (classe 5) e N/150513 (classe 29) da ré, com fundamento na imitação das marcas da autora.
Na contestação, a ré formulou reconvenção, para além de pedir a declaração de nulidade dos títulos de registo das marcas N/64482 e N/64483 da autora, vem pedir ainda que sejam declarados nulos os títulos de registo de outras marcas da autora.
Além disso, vem pedir ainda na reconvenção que seja declarado que a autora não detém o uso exclusivo da expressão “XX” nas suas marcas registadas em Macau, bem como, em cumulação de pedidos, pedir que sejam declarados nulos outros títulos de registo das marcas da autora e que esta não detém o uso exclusivo da expressão “XX” nas suas marcas registadas.
É bom de ver que o pedido reconvencional só é admissível em determinadas circunstâncias. E no caso vertente, é bem claro que preenchidas não estão as circunstâncias consagradas nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 218.º do CPC.
Embora a ré, reconvinte, venha defender que pretende conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que a autora propõe obter, mas isso não é verdade.
A autora pretende que sejam declarados anulados os títulos de registo das marcas da ré, enquanto a ré pretende obter a nulidade dos títulos de registo da autora, pelo que o efeito jurídico que a ré pretende obter não é o mesmo.
Resta apreciar se se verifica a circunstância prevista na alínea a).
Observam Cândida da Silva e Viriato Lima4, “As situações contempladas na alínea a), o pedido reconvencional baseia-se num facto jurídico que já integra o objecto do processo porque, ou foi alegado pelo autor na petição inicial, ou pelo réu na sua defesa. Nestes casos, de que podem encontrar-se abundantes exemplos em várias sedes doutrinárias, existe uma causa de pedir total ou parcialmente comum ao pedido do autor e ao pedido reconvencional, a qual, com evidentes vantagens de economia, de celeridade e de uniformidade de apreciação, vai ser julgada, na sua função total ou parcialmente fundamentadora de pedidos autónomos, pelo mesmo juiz, num só processo.”
Citando José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, como exemplo desta alínea a), a situação em que pedida pelo autor a condenação do réu no pagamento do preço da compra e venda, o réu pede a condenação do autor na entrega da coisa, ou seja, o mesmo contrato é causa do pedido do autor e do pedido do réu.5
Quanto à segunda situação consagrada na mesma alínea a), citaram o exemplo de que, pedida pelo autor a condenação do réu no pagamento do remanescente do preço duma empreitada, o réu excepciona a anulabilidade do contrato por dolo e pede a condenação do autor na restituição da parte do preço que pagou e em indemnização, ou excepciona o incumprimento do contrato, resolve-o e pede a condenação do autor na restituição do que pagou e em indemnização, no fundo, o pedido reconvencional do réu funda-se nos mesmos factos, ou parcialmente nos mesmos factos, em que o próprio réu funda uma excepção peremptória ou com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial.6
No caso vertente, para além dos títulos de registo das marcas n.ºs N/150512 (classe 5) e N/150513 (classe 29) da ré e dos títulos de registo das marcas N/64482 e N/64483 da autora, em relação aos outros nenhuma conexão existe com a acção inicial.
O que se discute na acção é saber se as marcas N/150512 (classe 5) e N/150513 (classe 29) da ré são imitadas perante as marcas N/64482 e N/64483 da autora, e na reconvenção a ré pede que estas marcas da autora são nulas.
Até aqui, julgamos que nenhum obstáculo processual existe, por que está verificada a circunstância prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 218.º do CPC.
Mas em relação a outros títulos de registo, já não têm a ver com a acção inicial, na medida em que se tratam de causas de pedir e pedidos totalmente diferentes.
No caso presente, o que está em causa é saber se há imitação das marcas em confronto (marcas N/64482 e N/64483 da autora e marcas N/150512 (classe 5) e N/150513 (classe 29) da ré), e não obstante que foi referido pela autora que esta detém outras marcas, a verdade é que esta referência não constitui como causa de pedir, ou seja, o mero facto de ser titular de certas marcas (semelhantes) não constitui fundamento suficiente para obter a procedência da acção.
Sendo diferentes as causas de pedir e os pedidos, o objecto da reconvenção é diferente do da acção inicial, pelo que, verificada não está a circunstância prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 218.º do CPC, andou bem o tribunal recorrido ao não admitir os pedidos reconvencionais deduzidos pela ré.
*
Finalmente, temos a questão de saber se o sinal “XX” que integra as marcas da autora goza de distintividade.
Está em causa a seguinte decisão de primeira instância:
“根據《民事訴訟法典》第218條第4款規定,訴訟理由不成立不妨礙對依規則提起之反訴進行審理。
被告要求宣告原告的第N/64482號及第N/64483號已註冊商標為無效,理由是其中的“XX”表述所對應的是“XXβ-酪蛋白”,標示的是原告所生產的奶製品的種類、質量或特徵,根據《工業產權法律制度》第47條a項及第199條第1款b項,有關“XX”表述屬於不受工業產權制度保護的對象。
《工業產權法律制度》第47條a項規定:“證實出現下列情況時,工業產權證書即屬全部或部分無效:a)對象屬不可受保護者;”
《工業產權法律制度》第199條第1款b項規定:“一、下列者不受保護:(…)b)單純以可在商業活動中用作表示產品或服務之種類、質量、數量、用途、價值、來源地或產品生產或服務提供之時節或其他特徵之標誌而構成之標記;”
同一法律第229條規定:“第四十七條之規定適用於商標註冊;然而,即使有關商標係以第一百九十九條第一款b項及c項所指標記構成,如已具有顯著特徵,則不宣告其註冊之無效。”
正如以上所述,近年來,隨着β-酪蛋白為“XX”類別的牛奶或奶製品的興起,很多奶製品生產商紛紛加入生產“XX奶”的行列。嚴格來說,“XX”並不是牛奶或奶製品的成份,其所識別的是牛奶或奶製品中β-酪蛋白的類別,故“XXβ-酪蛋白”(或者說“XX”類別的β-酪蛋白)才是該等牛奶或奶製品的成份,但可視“XX”為識別此類牛奶或奶製品的特徵。
然而,眾所周知,原告作為最先明確標明生產“XX奶”的生產商之一,經過多年經營,其“XX”商標及品牌產品尤其在中國內地及港澳地區以及相關消費群體中已具有顯著特徵。
因此,根據《工業產權法律制度》第229條規定,法庭不宣告原告第N/64482號及第N/64483號已註冊商標為無效。”

Entende o tribunal recorrido que o sinal “XX” adquiriu carácter distintivo.
Contudo, o simples facto de o empresário ter introduzido um produto no mercado não implica necessariamente que o seu sinal passe a gozar de distintividade.
Uma marca constituída por sinais ou elementos genéricos podem ser considerados de utilização exclusiva do requerente quando na prática comercial os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva, sendo que essa aquisição de distintividade da expressão “XX” pela autora carece de fundamentação e prova.
Neste aspecto, é passível de registo como marca, apesar de todos os elementos serem genéricos, se a marca tiver já adquirido um “secondary meaning” que lhe confira eficácia distintiva, ou seja, quando a marca deixa de ser apreendida pelo público pelo seu sentido descritivo, mas sim por um outro sentido não descritivo ligado a determinada empresa.
Face à matéria selecionada pelo tribunal recorrido, não se vislumbra matéria que nos permita concluir que a marca “XX” acaba por adquirir um outro sentido, em consequência do uso que desse sinal é feito pela respectiva empresa ou produtor.
Por se verificar deficiência quanto à matéria de facto, o tribunal recorrido terá que ampliar pontos da matéria de facto que permitirá demonstrar essa aquisição de distintividade do sinal “XX” junto do consumidor médio.
Isto posto, há-de conceder provimento ao recurso quanto a esta parte, devendo o tribunal recorrido retomar os autos para efeito de aditamento de factos com vista a apurar se o sinal “XX” chegou a adquirir distintividade junto dos consumidores em Macau, e proceder-se à produção de prova, se for o caso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em:
- conceder provimento ao recurso interposto pela autora A Company Limited e, em consequência, declarando anulados os títulos de registo n.º 150512 e 150513, emitidos a favor da ré B.
- conceder parcial provimento ao recurso interposto pela ré B, confirmando a sentença recorrida na parte em que não admitiu os pedidos reconvencionais deduzidos pela ré; e quanto ao pedido reconvencional relativamente aos títulos de registo das marcas N/64482 e N/64483 da autora, deverá o tribunal a quo aditar factos com vista a apurar se o sinal “XX” chegou a adquirir distintividade junto dos consumidores em Macau, e proceder-se à produção de prova, se for o caso.
Custas pela ré, no recurso interposto pela autora.
Custas pela autora e ré, em partes iguais, no recurso interposto pela ré.
Para efeitos de custas, fixa-se o valor da causa em 700 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, 16 de Dezembro de 2021
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
1 Carlos Olavo, in Propriedade Industrial, Volume I, 2ª edição, pág. 102
2 Miguel Pupo Correia, in Direito Comercial, 7.ª edição, pág. 341
3 Obra citada, pág. 343
4 Código de Processo Civil de Macau Anotado e Comentado, Volume II, FDUM, 2008, página 56
5 Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, página 488
6 Obra citada, mesma página
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




Recurso Cível 427/2021 Página 46