Processo nº 803/2021
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 6 de Janeiro de 2022
Recorrentes: A (Recurso Interlocutório)
B (Recurso Interlocutório e Recurso Final)
Recorridos: Os mesmos
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem instaurar acção declarativa em processo comum do trabalho contra
B, também, com os demais sinais dos autos
Pedindo a condenação desta a pagar-lhe as quantias de
a) MOP78.742,00, a título de trabalho extraordinário prestado, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento relativo ao período de 01/01/2009 a 20/07/2019;
b) MOP50.871,00 a título de descanso compensatório não gozado entre, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento relativo ao período de 01/01/2009 a 20/07/2019;
c) MOP133.108,00, pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo acrescida de juros até efectivo e integral pagamento relativo ao período de 01/01/2009 a 20/07/2019;
d) MOP16.037,50, a título de descanso compensatório não gozado, em sequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal, relativo ao período de 01/01/2009 a 20/07/2019;
e) MOP55.860,00, a título de bonificações e/ou remunerações adicionais (v.g., gorjetas, tips) que a Ré pagou aos guardas de segurança residentes;
f) A quantia a apurar em sede de liquidação de sentença, a título de descanso compensatório não gozado, em sequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal, a partir de 01/01/2020 até ao presente;
Requerendo o Autor a substituição da p.i. (cf. fls. 59) por despacho de fls. 170 veio a ser indeferida a substituição mas admitidos os artigos 57º a 64º e o pedido formulado em d) daquela peça como ampliação do pedido.
Não se conformando com esse despacho veio a Ré interpor recurso do mesmo apresentando as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto do douto Despacho proferido a fls. 170 e verso dos autos, nos termos do qual o Meritíssimo Juiz admitiu o aditamento de novos factos, bem assim de um novo pedido, à petição inicial apresentada por A, ora Recorrido.
II. O Meritíssimo Juiz não admitiu a nova petição inicial do Recorrido, porquanto a Recorrente já tinha sido citada para contestar a primitiva petição inicial, ex vi artigo 212.º do CPC.
III. O Meritíssimo Juiz admitiu o aditamento dos artigos 57.º a 64.º, bem como o pedido d) da nova petição, por alegadamente consubstanciar uma mera ampliação e desenvolvimento do pedido primitivo, pelo que foi admitido nos termos do artigo 217.º, n.º 2, in fine do CPC, ex vi artigo 1.º do CPT.
IV. A Recorrente não se conforma com o aludido Despacho, por entender que o mesmo incorre em erro na aplicação de Direito, pugnando pela revogação do mesmo por banda desse Venerando Tribunal de Segunda Instância da RAEM.
V. Em 11 de Janeiro de 2021, o Recorrido requereu a junção de uma nova petição inicial, alegando que a primeira petição inicial que deu entrada no douto Tribunal no dia 5 de Novembro de 2020 continha um conjunto de lapsos respeitantes aos pedidos formulados.
VI. Na nova petição inicial o Recorrido substituiu os artigos 57.º a 66.º pelos artigos 57.º a 64.º da nova petição, pedindo agora a condenação da Recorrente no montante de MOP133,108.00, ao invés de MOP16,037.50, a título de descanso compensatório não gozado, em sequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal, no período compreendido entre 01/01/2009 a 20/07/2019.
VII. A Recorrente opôs-se à referida substituição, pugnando pelo indeferimento do pedido do Recorrido e o seu consequente desentranhamento dos autos.
VIII. O Meritíssimo Juiz, por douto Despacho de fls. 170 e verso dos autos, o Despacho ora recorrido, admitiu o aditamento dos artigos 57.º a 64.º, bem como o pedido d) da nova petição, ou seja, a condenação da Ré em MOP133,108.00.
IX. Nos novos artigos da nova petição inicial, em concreto o artigo 57.º, o Recorrido alega que a Recorrente nunca concedeu ao Recorrido um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal, relativo ao período de 01/01/2009 a 20/07/2019.
X. Na primitiva petição inicial o Recorrido admitiu e confessou, mais concretamente nos artigos 57.º, 58.º, 62.º, 63.º que a Recorrente fixou ao Recorrido um dia de descanso compensatório, de 8 em 8 dias, em sequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal, no período de 01/01/2009 a 20/07/2019.
XI. A eliminação dos artigos 57.º a 66.º pelos artigos 57.º a 64.º da nova petição não consubstancia uma mera e exígua substituição de artigos, nem consubstancia uma mera ampliação ou desenvolvimento do pedido primitivo.
XII. O Recorrido não se limita a peticionar um maior quantum indemnizatório em sequência do trabalho prestado em mais dias de descanso compensatório, em confrontação com os anteriormente indicados.
XIII. O novo pedido formulado pelo Recorrido não se baseia nos mesmos factos invocados pelo Recorrido na petição inicial primitiva.
XIV. O novo pedido apresentado pelo Recorrido não é um mero desenvolvimento do pedido inicial com uma mesma origem fáctica, pelo que não é enquadrável no escopo do artigo 217.º, n.º 2, in fine do CPC, ex vi artigo 1.º do CPT.
XV. O Recorrido pretende retirar factos importantes dos autos, substituindo-os por outros que contrariam o por si anteriormente alegado, e confessado.
XVI. Este mecanismo processual não está legalmente previsto e não poderá ser admitido, sob pena de se subverter todas as regras processuais do Direito Processual Civil e l.aboral.
XVII. O Tribunal de Segunda Instância deverá revogar a decisão constante do douto Despacho proferido a fls. 170 e verso dos autos, isto é, a decisão de admitir o aditamento dos artigos 57.º a 64.º, bem como o pedido d) da nova petição do Recorrido, porquanto a referida “substituição” não consubstancia uma mera ampliação e desenvolvimento do pedido primitivo à luz do consagrado no artigo 217.º, n.º 2, in fine do CPC, ex vi artigo 1.º do CPT, mantendo-se na íntegra a petição inicial primitiva do Recorrido.
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Após a prolacção do despacho saneador veio o Autor a fls. 341 requerer o aumento do pedido em consequência de em face dos documentos juntos pela Ré ter concluído que o salário que lhe foi pago por esta Ré é superior ao por si invocado.
A fls. 364 foi aquele aumento do pedido indeferido.
Não se conformando com aquele despacho veio o Autor interpor recurso do mesmo apresentando as seguintes conclusões:
1. Versa o presente recurso sobre o douto Despacho constante de fls. 364 e verso, nos termos do qual foi indeferido o aumento de pedido formulado pelo Autor na sequência da junção pela Ré dos documentos que o Autor havia solicitado e relativos aos salários e demais compensações que o mesmo auferiu durante a relação de trabalho;
2. Salvo o devido respeito, está o ora Recorrente em crer não se revelar acertado concluir que o aumento de pedido formulado na sequência da junção pela Ré dos documentos (leia-se, recibos de salário) possa ser entendido como sendo uma “alteração da causa de pedir, por introduzir novos factos essenciais”, conforme conclui o Tribunal a quo no seu douto Despacho;
3. Ou melhor, tendo o Tribunal a quo previamente concluído que “O salário de base e os subsídios referidos integram-se na remuneração de base, que serve como a base para o cálculo da compensação do trabalho extraordinário e do trabalho prestado em cada período de sete dias - compensação no montante superior ao (indicado pelo) A na PI” e, desse modo, que o Autor “(...) formula (um) pedido a mesmo título da PI, mas de montante superior”, não se compreende porque razão vem, posteriormente, o douto Tribunal a concluir ter existido uma “alteração da causa de pedir, por introduzir novos factos essenciais”, sem descurar “não ter o Autor justificado a impossibilidade de inclusão desses factos na petição inicial”;
4. É que, não obstante o valor da remuneração (leia-se, da “quantia recebida mensalmente”) ser um facto pessoal do Autor (e também da Ré, com o devido respeito se sublinha), aquando da apresentação da petição inicial em juízo o Autor não tinha conhecimento “integral” dos montantes que formavam a sua “remuneração de base”, uma vez que desconhecia, em pormenor, as várias “prestações” que formavam a mesma;
5. De resto, conforme é facilmente perceptível, até pelas regras de experiência de vida, acaso o Autor tivesse na sua posse os “registos de dados” relativos ao valor dos salários de base e demais subsídios por si auferidos ao longo da relação de trabalho com a Ré, o Autor não teria solicitado à Ré (nem ao Tribunal) a junção dos mesmos;
6. De onde, apenas porque o Autor não dispunha dos referidos “registos de dados” os mesmos foram solicitados à Ré, e apenas depois de os mesmos “registos” terem sido juntos pela Ré, o Autor ficou em condições de “completar” os “pedidos” que havia formulado em sede de Petição Inicial, mas sem que os valores reclamados não deixassem de estar “virtualmente contidos no pedido inicial”;
7. De onde se conclui que, salvo o devido respeito, no aumento formulado o Autor limitou-se a aditar ao valor do salário de base as demais “prestações periódicas” que igualmente formam a chamada remuneração de base, maxime o subsídio de alojamento (“housing allowance”) e o subsídio mensal (“monthly allowance”), mantendo inalterado tudo o que havia alegado em sede de Petição Inicial quanto ao número de dias de trabalho prestado ou quanto ao número de dias em que foi dispensado do trabalho;
8. Tudo somado, tratou-se apenas e tão-só de uma alteração quantitativa do montante anteriormente reclamado em sede de Petição Inicial e, como tal, de um simples desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, em qualquer dos casos “virtualmente” contido no pedido inicial e com origem na mesma causa de pedir (em concreto, no contrato de trabalho), contrariamente ao que terá sido o entendimento do Tribunal a quo;
9. De onde, salvo o devido respeito, ao invés do concluído pelo Tribunal a quo, não se verifica uma “alteração da causa de pedir, por introdução de novos factos essenciais”, mas antes e tão-só um mero desenvolvimento does) pedido(s) primitivo(s), formulados em sede de Petição Inicial, razão pela qual deveriam os mesmos ter sido aceites, nos termos do n.º 2 do art. 217.º do CPC, ex vi art. 1.º do CPT, o que desde já se requer.
Contra-alegando veio a Ré apresentar as seguintes conclusões:
I. Veio o Recorrente insurgir-se contra o douto Despacho constante de fls. 364 e verso dos autos, que indeferiu a ampliação do pedido em mais MOP60,192.75, referente ao quantum indemnizatório peticionado a título do trabalho extraordinário prestado; descanso compensatório não gozado; pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete deias de trabalho consecutivo; e descanso compensatório não gozado, em sequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal, no período compreendido entre 01/01/2009 a 31/07/2019.
II. O Recorrente entende que este aumento de pedido não pode ser entendido como sendo uma “alteração da causa de pedir, por introduzir novos factos essenciais”, como conclui o douto Tribunal a quo, mas sim de uma alteração quantitativa do montante anteriormente reclamado em sede de Petição Inicial e, como tal, de um simples desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
III. Nada há a apontar à Decisão Recorrida.
IV. Os novos factos alegados pelo Recorrente no seu requerimento de ampliação do pedido alteram a causa de pedir, precisamente porquanto o Recorrente alega e introduz nos autos novos factos essenciais, formulando assim um pedido ex novo, pese embora de quantia superior ao pedido primitivo.
V. O novo pedido do Recorrente não consubstancia um (mero) desenvolvimento do pedido anteriormente formulado em sede de petição inicial, razão pela qual não está o Recorrente a requerer a ampliação do pedido nos termos do n.º 2 do artigo 217.º do CPC.
VI. O Recorrente sustenta a referida ampliação nos documentos n.ºs 7 a 133 juntos pela Recorrida, que alegadamente provam que o Recorrente, ao longo da sua relação laboral, auferiu montantes salariais diferentes, superiores, aos por si indicados na petição inicial, reformulando assim as quantias pedidas a título de trabalho extraordinário, descanso semanal e compensatório.
VII. O Recorrente mais não faz do que alterar os factos alegados na petição inicial, os factos essenciais das suas pretensões, alterando o pedido anteriormente formulado por forma a ampliar o valor inicialmente peticionado, o que, nos termos do disposto no artigo 217.º, n.º 1, do CPC, apenas poderá ser feito na réplica.
VIII. O pedido de ampliação do pedido sustenta-se e é baseado em factos diferentes dos factos invocados na petição inicial.
IX. Este “aumento do pedido” não é um desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo/ não estando assim em conformidade com o n.º 2 do artigo 217.º do CPC.
X. Esta ampliação apenas poderia ser requerida e admitida na réplica/ sendo esta ampliação do pedido intempestiva.
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Proferida sentença, foi a Ré B condenado a pagar ao Autor A a quantia global de MOP276.618,08, sendo MOP76.297,34 a título de trabalho extraordinário prestado, relativo ao eríodo de 01/01/2009 a 20/07/2019; MOP50.864,90 a título de descanso compensatório não gozado, relativo ao período de 01/01/2009 a 20/07/2019; MOP132.913,33 pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo, relativo ao período de 01/01/2009 a 20/07/2019 e MOP16.542,50 a título de descanso compensatório não gozado, em sequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal, relativo ao período de 01/01/2009 a 20/07/2019, acrescida juros de mora à taxa legal contados conforme fixado no acórdão de uniformização de jurisprudência n.° 69/2010 e absolve-se a Ré dos restantes pedidos.
Não se conformando com a sentença veio a Ré interpor recurso da mesma apresentando as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização ao Autor A, no valor de MOP$50,400.79 a título de gozo de um descanso compensatório adicional remunerado.
II. Entende a ora Ré que esta matéria foi incorrectamente julgada pelo Douto Tribunal a quo e também no plano do Direito aplicável ao caso concreto, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece do vício de erro de julgamento e erro na aplicação do Direito.
III. Somos do entendimento que o Tribunal a quo não interpretou correctamente o sentido da norma ora em crise, ou seja, o artigo 38º, n.º 1 da Lei n.º 7/2008 que remete para as situações do artigo 36º, n.º 2, alíneas 1) e 2) do mesmo diploma.
IV. Após analisar o artigo 38º, n.º 1 da Lei n.º 7/2008, que menciona que as situações previstas no artigo 36º, n.º 2 das alíneas 1) e 2), não nos parece que o Tribunal a quo tenha qualquer tipo de-razão.
V. Tal como ficou demonstrado o briefing era usado para efeitos de transição de turnos, mormente, para que os colegas que se encontravam no final do turno pudessem entregar aos que iam começar um novo turno os instrumentos de trabalho, tais como o “walkie talkie”, assim o trabalhador não tem direito a qualquer período de descanso compensatório adicional, nos termos em que foi condenado.
VI. Além disso, o trabalho antecipado de 30 minutos por dia, já foi considerado como trabalho extraordinário e a, ora Recorrente, foi condenada a pagar o montante de acordo com o calculo de 1.5 do salário por hora, conforme está legalmente previsto.
VII. Acontece que o descanso compensatório adicional é somente atribuído em algumas situações que estão previstas do n.º 1 no artigo 38º da Lei n.º 7/2008, conforme o Autor pede na sua petição, nem sempre que se recebe horas extraordinárias tem direito a descanso compensatório adicional.
VIII. Na lei estão previstas as situações em que o trabalhador tem direito a esse descanso compensatório adicional.
IX. Não nos parece, existir as situações previstas no artigo 36º, n.º 2, alínea 1) e 2) e do artigo 38º, n.º 1 da Lei n.º 7/2008, logo a Ré não precisa de prestar a compensação adicional pelas horas extraordinárias do trabalho, assim, parece-nos que o Tribunal a quo entendeu mal ao condenar a ora Recorrente no pagamento do descanso compensatório adicional.
X. Desta feita verifica-se assim, salvo melhor e douta opinião, uma errada aplicação o Direito por parte do Tribunal a quo na condenação da Recorrente na quantia peticionada a título de gozo de um descanso compensatório adicional remunerado nos termos do artigo 18º, n.º 1 da Lei n.º 7/2008.
Contra-alegando veio o Autor pugnar pela manutenção da decisão recorrida não apresentando conclusões.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1). Desde 22/07/2003 até 20/07/2019 o Autor esteve ao serviço da Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
2). Entre 22/07/2003 e 31/07/2010, o Autor exerceu funções para a Ré (B). – ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003. (B)
3). Entre 01/08/2010 a 31/07/2011, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (B) ao abrigo do Despacho n.º 06279/IMO/GRH/2010. (C)
4). Entre 01/08/2011 a 31/07/2012, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (B) ao abrigo do Despacho n.º 06743/IMO/GRH/2011. (D)
5). Entre 01/08/2012 a 31/07/2013, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (B) ao abrigo do Despacho n.º 11206/IMO/GRH/2012. (E)
6). Entre 18/07/2013 a 20/07/2014, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (B) ao abrigo do Despacho n.º 14932/IMO/GRH/2013. (F)
7). Entre 21/07/2014 a 20/07/2015, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (B) ao abrigo do Despacho n.º 16331/IMO/GRH/2014. (G)
8). Entre 21/07/2015 a 20/07/2016, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (B) ao abrigo do Despacho n.º 21493/IMO/GRH/2015. (H)
9). Entre 21/07/2016 a 20/07/2017, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (B) ao abrigo do Despacho n.º 20355/IMO/GRH/2016. (I)
10). Entre 21/07/2017 a 20/07/2018, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (B) ao abrigo do Despacho n.º 15014/IMO/DSAL/2017. (J)
11). Entre 01/01/2009 a 31/07/2010 a Ré (B) pagou ao Autor a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (K)
12). Entre 01/08/2010 a 20/07/2015 a Ré (B) pagou ao Autor a quantia de MOP$7.500,00, a título de salário de base mensal. (L)
13). Entre 21/07/2015 a 20/07/2018, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$7.875,00, a título de salário de base mensal. (M)
14). Entre 21/07/2018 a 20/07/2019, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$10.000,00, a título de salário de base mensal. (N)
15). O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (1.º)
16). A Ré sempre fixou o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (2.º)
17). O Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré. (3.º)
18). Entre 08/11/2009 a 31/12/2019, o Autor gozou de dias de férias anuais e de dias de dispensa ao trabalho por cada ano civil, nomeadamente: (4.º)
Data de saída da RAEM
Data entrada na RAEM
Dias de férias e/ou de ausência
05-09-09
06-10-09
30 (Atento 2 dias de feriado obrigatório : 1 de Outubro e 4 de Outubro - Dia seguinte ao do Bolo Lunar)
06-04-10
04-05-10
28 (Atento 1 dia de feriado obrigatório : 1 de Maio)
2011
2011
24
2012
2012
24
2013
2013
24
11-02-14
11-03-14
29
2015
2015
24
20-02-16
22-03-16
32
21-02-17
16-03-17
24
2017
2017
24
13-02-18
08-03-18
24
12-02-19
07-03-19
24
19). Desde o início da relação de trabalho, por ordem da Ré, o Autor está obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (5.º)
20). Durante o referido período de tempo, tem lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual são inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (6.º)
21). Desde 01/01/2009 até 20/07/2019 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau, e o dia de dispensa ao oitavo dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivo - o Autor compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos relativamente ao início de cada turno, permanecendo às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (7.º)
22). A Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (8.º)
23). A Ré (B) nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (9.º)
24). Desde 01/01/2009 a 20/07/2019, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (10.º)
25). Entre 01/01/2009 a 20/07/2019 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias). (11.º)
26). Entre 01/01/2009 a 20/07/2019 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (B) nunca solicitou ao Autor autorização para que o período de descanso não tivesse uma frequência semanal. (12.º)
27). Entre 01/01/2009 a 20/07/2019 a Ré (B) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (13.º)
28). Entre 01/01/2009 a 20/07//2019 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (B) não concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado. (14.º)
29). Entre 01/01/2009 a 20/07/2019 a Ré (B) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia pelo trabalho dia de descanso compensatório não gozado. (15.º)
30). Resulta do Contratos de Prestação de Serviço ao abrigo do qual o Autor prestou trabalho para a Ré que: “(…) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor), este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1.º outorgante (leia-se, a Ré) paga aos operários residentes no Território”. (16.º)
31). Entre 01/01/2009 a 31/07/2010, a Ré nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais (v.g., gorjetas, tips), que a mesma pagou aos demais trabalhadores guardas de segurança residentes de Macau. (20.º)
2. Do Direito
São vários os recursos interpostos nestes autos, a saber:
- Do despacho que admitiu a primeira ampliação do pedido;
- Do despacho que não admitiu a segunda ampliação do pedido;
- Do cálculo da indemnização devida pela não concessão de descanso compensatório na sequência do trabalho extraordinário prestado pelo Autor.
Vejamos então.
- Do despacho que admitiu a primeira ampliação do pedido;
O que está em causa nesta decisão foi ter-se admitido a ampliação do pedido que consistiu na adição de factos novos e de um novo pedido, que consistiu em vir alegar que a Ré no período indicado nunca concedeu ao Autor dia de descanso compensatório pelo trabalho prestado em sete dias consecutivos, peticionando a indemnização correspondente.
O Autor alegava inicialmente que tinha trabalhado num período consecutivo de sete dias e que a Ré lhe tinha concedido um dia de descanso compensatório ao oitavo dia, vindo invocar posteriormente que a Ré não lhe concedeu dia algum de descanso compensatório e aumentando o pedido final.
O artº 217º do CPC – aplicável “ex vi” artº 1º do CPT – na falta de acordo entre as partes, consagra duas situações que importa distinguir:
- alteração ou ampliação da causa de pedir;
- ampliação do pedido;
Para sabermos se estamos a falar em alteração/ampliação da causa de pedir ou do pedido impõe-se antes ter por assentes os respectivos conceitos (do que é causa de pedir e do que é pedido).
Sobre o conceito de causa de pedir tivemos oportunidade de escrever no Acórdão deste Tribunal de 4 de Novembro deste ano proferido no processo 431/2021 o seguinte:
«Sendo a causa de pedir a par com o pedido, um elemento constitutivo do objecto do processo, a sua definição está longe de ser unânime na Doutrina.
Maria França Gouveia em “A Causa de Pedir Na Acção Declarativa”, Colecção teses, Almedina, Coimbra 2004, de forma exaustiva e para cuja leitura se remete, trata o assunto.
Distinguindo aquela Autora entre teses monistas e pluralistas, para a teses monistas identifica 3 grupos de noções, sendo que:
- Um deles identifica a causa de pedir com a qualificação jurídica dos factos, conceito que vem a ser abandonado uma vez que apenas faz sentido quanto ao princípio dispositivo – instituto com o qual a o conceito de causa de pedir também esta relacionado;
- Um outro grupo que identifica a causa de pedir como o conjunto de factos naturais adquiridos no processo, teoria que também vem a ser abandonada porque a selecção dos factos naturais pressupõe também uma pré-decisão quanto à norma aplicável, sendo que a importação dos factos naturais já pressupõe uma instrumentalização jurídica dos mesmos para a acção, pelo que se entende que este critério também não é praticável;
- Um terceiro grupo que entende a causa de pedir como o conjunto dos factos essenciais, a qual é a posição unânime na doutrina portuguesa, a qual por sua vez é também fonte de interpretação do direito em Macau.
Sobre esta matéria veja Autora e Obra citada a pág. 77 a 80:
«2. Na doutrina portuguesa esta é a posição unânime, normalmente fundamentada no artigo 498.º n.º 4 e quase sempre referenciada à tese da substanciação.
Manuel de Andrade, entendendo que a nossa lei aderiu à teoria da substanciação, define causa de pedir como “acto ou facto jurídico (contrato, testamento, facto ilícito, etc.) donde o Autor pretende ter derivado o direito a tutelar; o acto ou facto jurídico que ele aduz como título aquisitivo desse direito.”
Na versão de Alberto dos Reis, “ A causa de pedir é o acto ou o facto central da demanda, o núcleo essencial de que emerge o direito do autor ...”
Já Castro Mendes se detém um pouco mais na noção, aproximandose ligeiramente da versão naturalista: a causa de pedir identifica o processo - deve ser alegada de forma a identificar suficientemente um acto ou facto. Aqui há uma certa margem de arbítrio: se o acto for nominado basta o nomen iuris; se inominado, exige-se maior detalhe. Neste último caso a descrição limita-se funcionalmente, isto é, há que identificar o facto ou o acto jurídico de que procede a pretensão em juízo. Castro Mendes é, porém, claro ao dizer, logo de seguida, que a causa de pedir só pode ser alegada com base na sua qualificação jurídica.
Estas definições de causa de pedir não são porém suficientes para esclarecer o problema e aplicar a noção. No momento da concretização do conceito, as dificuldades surgem, oscilando-se sempre entre uma maior ou menor qualificação dos factos. Por outro lado, atendendo à possibilidade de alteração da qualificação inicial pelo tribunal, esta concepção fica ainda mais comprometida.
As posições mais recentes procuram, pois, ainda que na mesma linha, um conceito mais preciso e capaz.
Miguel Teixeira de Sousa entende que “a causa de pedir é constituída pelos factos necessários para individualizar a situação jurídica alegada pela parte e para fundamentar o pedido formulado para essa situação. A causa de pedir é composta pelos factos constitutivos da situação jurídica invocada pela parte, isto é, pelos factos essenciais à procedência do pedido. São essenciais aqueles factos sem cuja verificação o pedido não pode ser julgado procedente.”
O autor, porém, prevendo as dificuldades advenientes da alteração da qualificação jurídica, afirma que “os factos que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem ser subsumíveis a uma norma jurídica, mas valem independentemente dessa qualificação.”
Mais recentemente, Miguel Teixeira de Sousa, identificando a causa de pedir com os factos essenciais, define-os como aqueles que “permitem individualizar a situação jurídica alegada na acção”. Os exemplos que apresenta reconduzem os factos essenciais a uma única previsão normativa.
Diz também o autor que os factos serão essenciais segundo um critério de classificação relativo, ou seja, só mediante um certo objecto processual se poderá saber se determinado facto é essencial, complementar ou instrumental.
Este entendimento encerra na sua formulação um ciclo vicioso. É que se os factos essenciais se determinam através da causa de pedir, e se essa causa de pedir constitui um dos elementos do objecto, para determiná-lo é necessária ... a causa de pedir. Ou seja, precisa-se do objecto para determinar a causa de pedir e da causa de pedir para determinar o objecto.
(…)
Lebre de Freitas utiliza também, para a sua definição de causa de pedir, o conceito de previsão da norma jurídica, “matizado porém com a ideia de que o acontecimento da vida narrado pelo autor é susceptível de redução a um núcleo fáctico essencial, tipicamente previsto por uma ou mais normas materiais como causa do efeito pretendido.”
Numa definição mais recente, diz que a causa de pedir é “o facto constitutivo da situação jurídica material que [o autor] quer fazer valer”, tratando-se do “facto concreto que o autor diz ter constituído o efeito pretendido”.
Abrantes Geraldes define causa de pedir como aqueles “factos essenciais que se inserem na previsão abstracta da norma ou normas jurídicas definidoras do direito cuja tutela jurisdicional se busca através do processo civil” ou “é consubstanciada tão só pelos factos que preenchem a previsão da norma que concede a situação subjectiva alegada pela parte.” Tendo consciência que a enunciação da noção não é, porém, suficiente, exemplifica com maior ou menor grau de concretização o que deve ser a causa de pedir em determinados tipos de acções: nas acções baseadas em contratos; nas acções constitutivas em geral; nas acções de anulação e declaração de nulidade, etc., etc..».
Continuando a acompanhar a mesma Autora as teses pluralistas não vão mais longe do que as noções das teses monistas, apenas com a especialidade de que os conceitos podem variar consoante os princípios processuais, a espécies de acções ou os institutos a aplicar.
(…)
Sobre esta questão veja-se Acórdão do STJ de Portugal de 12.05.2017 proferido no processo nº 1565/15.8T8VFR-A.P1S1:
«2.1.2. O caso julgado como exceção dilatória: da tríplice identidade exigível para a sua aferição
Conforme ficou referido, para efeitos de exceção, verifica-se o caso julgado quando a repetição de uma causa se dá depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (cfr. parte final do nº 1 do artigo 580º do Código de Processo Civil).
E o nº 1 do artigo 581º do Código de Processo Civil vem estabelecer que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (nº 2 do mesmo preceito), identidade de pedido quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3 do preceito em análise) e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (nº 4 do referido artigo 581º).
(…)
Por sua vez, a identidade de pedido é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos (ainda que implícitos), do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado.
E, assim, ocorrerá identidade de pedido se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional (implícita ou explícita) pretendida pelo autor e do conteúdo e objeto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a ação, se pretende obter.
Por último, a identidade de causa de pedir verifica-se quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico concreto, simples ou complexo, de que emerge o direito do autor e fundamenta legalmente a sua pretensão, constituindo um elemento definidor do objeto da acção.
E, de acordo com a "teoria da substanciação", subjacente ao mencionado nº 4 do artigo 581º do Código de Processo Civil, tal factualidade afirmada pelo autor de que faz derivar o efeito jurídico pretendido terá de traduzir a causa geradora (facto genético) do direito alegado ou da pretensão invocada, de modo a individualizar o objeto do processo e a prevenir assim a repetição da mesma causa.
Visando a salvaguarda de eventuais relações de concurso que se possam estabelecer entre o objeto da decisão transitada e o do processo ulterior, adianta, ainda, TEIXEIRA DE SOUSA que «o caso julgado abrange todas as qualificações jurídicas do objecto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não das qualificações que podem ser atribuídas a esse fundamento1» (in "Estudos sobre o Novo Processo Civil", p. 576).
(…)
2.1.3.3. Dos limites temporais a que o caso julgado está sujeito
Por último, o caso julgado é temporalmente limitado, tomando como referência temporal o momento do encerramento da discussão em 1ª. instância, tal como decorre do disposto no nº 1 do artigo 611º do Código de Processo Civil, pelo que a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
Já para as partes, o estabelecido naquele nº 1 do artigo 611º do Código de Processo Civil significa que têm o ónus de alegar os factos supervenientes, ou a verificação superveniente de factos alegados, que ocorram até ao encerramento da discussão em 1ª. instância.
A relevância desse momento implica, então, a preclusão da invocação, no processo subsequente, das questões não suscitadas no processo em foi proferida a decisão transitada, mas anteriores ao encerramento da discussão e que nele podiam ter sido apresentadas. Ou seja: tal referência temporal do caso julgado consubstancia um momento preclusivo.
(…)
Quanto à posição do Autor, CASTRO MENDES ensinava que «sem sombra de dúvida que a pretensão do autor não está sujeita a este efeito preclusivo» e que «… é lícito ao autor em processo civil formular n vezes a mesma pretensão, desde que a baseie em n causas de pedir» (in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, p. 179)
(…)
Por outro lado, importa referir o ensinamento de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (citado na decisão impugnada), «O âmbito da preclusão é substancialmente distinto para o autor e para o réu. Quanto ao autor, a preclusão é definida exclusivamente pelo caso julgado: só ficam precludidos os factos que se referem ao objeto apreciado e decidido na sentença transitada. Assim, não está abrangida por essa preclusão a invocação de uma outra causa de pedir para o mesmo pedido, pelo que o autor não está impedido de obter a procedência da ação com base numa distinta causa de pedir. Isto significa que não há preclusão sobre factos essenciais, ou seja, sobre factos que são suscetíveis de fornecer uma nova causa de pedir para o pedido formulado.»
Ou seja, como do exposto decorre a causa de pedir é constituída pelos factos que se invocam com vista a obter o efeito jurídico pretendido que está expresso no pedido.
Trabalhar 7 dias consecutivos, gozar o dia de descanso compensatório ao 8º dia, não gozar dia de descanso compensatório, são factos, e como tal integram a causa de pedir.
Pedido é o efeito que se formula a final e que consiste em depois de considerar provados os factos que se invocaram, se pedir no caso a condenação no pagamento de determinada quantia.
Ampliar ou reduzir o pedido consiste no efeito de aumentar ou reduzir o que se pede o que tanto pode ser a alteração para mais ou menos do valor como até pedir para além daquele efeito um outro, v.g. pedia-se o pagamento numa indemnização e vem aumentar-se ou reduzir-se o valor ou acrescentar-se um pedido de entrega de coisa para além da indemnização. Isto é uma alteração e/ou ampliação do pedido, mas não se mexe nos factos que se invocavam.
Ora, no caso em apreço não foi nada disto que aconteceu.
Pedia-se uma indemnização porque se trabalhou 7 dias consecutivos e se gozou menos dias de descanso compensatório do que se devia ter gozado e depois vem-se pedir uma indemnização porque não se gozou dias de descanso compensatórios alguns. Ora, este pedido não é consequência nem ampliação do primitivo, mas um pedido “novo” com base num facto – causa de pedir – que antes não havia sido invocado.
Aliás tanto assim é, que embora se indefira a “substituição” na prática o que acontece é substituir-se os factos inicialmente invocados por aqueles que se qualificam de ampliação de pedido, uma vez que nunca mais se volta a quesitar o que antes se invocava nomeadamente se o Autor gozou de um descanso compensatório ao oitavo dia – veja-se factos assentes e base instrutória por comparação com a p.i. original -.
Destarte, o despacho de fls. 170 enferma de erro na aplicação do direito, ao aceitar os factos novos que se invocam como uma ampliação do pedido quando na prática se trata de uma alteração da causa de pedir, o que nos termos do nº 1 do artº 217º do CPC apenas poderia ter lugar na réplica se o processo a admitir – entenda-se, se for legalmente possível e se se verificar o condicionalismo que a autoriza -, ou se resultar – a ampliação/alteração da causa de pedir de confissão pelo Réu -.
Exemplificando com o caso em apreço, e embora não seja ainda este o momento da análise desse recurso, se o Réu junta documentos de onde resulta pagar ao Autor um salário superior ao que este invoca, salvo melhor opinião, aceitando este a confissão do Réu poderia ter vindo (e aqui independentemente de haver réplica ou não) alterar a causa de pedir (dado que substancialmente os factos são os mesmos mas apenas com um valor diferente no que concerne ao valor alegado no facto – salário - invocado).
Ora, não se aceitando, e bem, o articulado de fls. 60 como substituição da p.i. e consubstanciando a alteração que daquele resultava relativamente ao inicial uma alteração da causa de pedir no que concerne ao descanso semanal gozado e descanso compensatório, não poderia esta ter sido admitida naquela fase processual, sem prejuízo de poder vir a ocorrer posteriormente caso se verificasse o respectivo condicionalismo que a autorizasse.
Tendo a selecção dos factos subsequente aos articulados sido feita com base na aceitação daquela articulado e desconsiderando o que se invocava na p.i. original, o erro cometido inquinou toda a decisão, impondo-se anular todo o processado subsequente e que decorre do mesmo, nomeadamente, no que concerne à selecção da base instrutória relativamente aos descanso semanal não gozado e eventual descanso compensatório e consequentemente, o julgamento e decisão final quanto a esta matéria.
Assim sendo, impõe-se conceder provimento ao recurso, eliminando-se os quesitos 14º e 15º da base instrutória os quais foram elaborados com os factos admitidos pelo despacho de fls. 170, e aditarem-se os factos que se tiverem por convenientes com base no que se alega nos artigos 57º a 66º da p.i., impugnados no artº 99º da contestação, procedendo-se a novo julgamento quanto a essa matéria e decidindo-se posteriormente em conformidade com o que vier a ser apurado.
*
- Do despacho que não admitiu a segunda ampliação do pedido;
Após a prolacção do despacho saneador, e selecção dos factos assentes e base instrutória veio o Autor ampliar o pedido com base em parte dos documentos juntos pela Ré a fls. 171 a 313 de onde resulta que esta pagava ao Autor um salário superior ao que este invocava.
A junção destes documentos foi notificada ao Autor em 02.02.2021 – cf. fls. 314 – e o Autor apenas em 13.04.2021 veio requerer o aumento do pedido que no nosso entender também é uma alteração da causa de pedir porque mais uma vez altera “a medida, o valor” dos factos invocados.
Ora, apesar de como já referimos supra - Exemplificando com o caso em apreço, e embora não seja ainda este o momento da análise desse recurso, se o Réu junta documentos de onde resulta pagar ao Autor um salário superior ao que este invoca, salvo melhor opinião, aceitando este a confissão do Réu poderia ter vindo (e aqui independentemente de haver réplica ou não) ampliar a causa de pedir (ampliar porque se trata apenas de aumentar o valor do salário invocado nada se tocando quanto à natureza dos factos a não ser o valor alegado no facto – salário – invocado -, resultando de uma confissão da Ré de que o valor do salário pago era superior ao invocado, entendermos que a ampliação da causa de pedir poderia caber na segunda metade do nº 1 do artº 217º do CPC, sendo de a admitir, bem como, a ampliação do pedido nos termos do nº 2 do mesmo preceito, o certo é que, o requerimento é apresentado muito para além do prazo de 10 dias após a notificação da junção dos documentos consagrado no artº 103º do CPC “ex vi” artº 1º do CPT, pelo que, ainda que fosse possível, é extemporânea - sendo certo que na resposta à contestação (réplica) não o poderia ter sido porque os documentos ainda não haviam sido juntos - o que, por razões diferentes das invocadas no despacho recorrido, sempre levaria ao indeferimento da requerida alteração da causa de pedir e ampliação do pedido.
Termos em que, impõe-se negar provimento a este recurso, embora por fundamentos diversos da decisão recorrida.
*
- Do Recurso quanto ao cálculo da indemnização devida pela não concessão de descanso compensatório na sequência do trabalho extraordinário prestado pelo Autor.
Vem a Ré interpor recurso da sentença por se ter entendido que relativamente ao trabalho extraordinário prestado havia também que indemnizar pelo descanso compensatório que não foi concedido.
A decisão sobre esta matéria não é afectada pelo provimento a conceder ao primeiro recurso de que se conheceu, pelo que, não fica prejudicada a apreciação do mesmo.
É a seguinte a redacção do do artº 38º da Lei nº 7/2008:
Artigo 38.º
Descanso compensatório
1. Nas situações previstas nas alíneas 1) e 2) do n.º 2 do artigo 36.º, o trabalhador tem direito a gozar um descanso adicional, remunerado nos termos gerais, com uma duração:
1) Não inferior a vinte e quatro horas, se o período de trabalho atingir o respectivo limite diário máximo;
2) Proporcional ao período de trabalho prestado, se o período de trabalho não atingir o respectivo limite diário máximo.
2. O disposto no número anterior aplica-se à situação prevista na alínea 3) do n.º 2 do artigo 36.º se o trabalhador prestar trabalho extraordinário durante dois dias consecutivos.
3. O direito ao descanso compensatório é gozado nos quinze dias seguintes ao da prestação do trabalho extraordinário, em dia escolhido pelo trabalhador, com a concordância do empregador.
4. Na falta de acordo entre trabalhador e empregador quanto ao dia em que o descanso compensatório deve ser gozado, o mesmo é fixado pelo empregador.
Os nºs 1) e 2) do nº 2 do artº 36º estipulam que:
«2. O empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho extraordinário, independentemente do seu consentimento, quando:
1) Se verifiquem casos de força maior, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas;
2) O empregador esteja na iminência de prejuízos importantes, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas;»
No caso em apreço não se alega, nem se demonstra que o trabalho extraordinário prestado o haja sido por alguma das razões indicadas nos ºs 1) e 2) do nº 2 do artº 36º da Lei nº 7/2008, pelo que, não há fundamento para se conceder compensação alguma a este título uma vez que o Autor não tinha direito ao descanso compensatório.
Destarte enferma a decisão recorrida de erro na aplicação do direito nesta parte, impondo-se que seja revogada na parte em que se condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP50.864,90 a título de descanso compensatório não gozado pelo trabalho extraordinário prestado.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos:
- Concede-se provimento ao recurso interposto pela Ré do despacho de fls. 170 revogando-o e não admitindo a ampliação da causa de pedir nem a ampliação do pedido, eliminado os quesitos 14º e 15º da base instrutória, revogando a decisão quanto à indemnização a título de descanso compensatório não gozado em sequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal relativo ao período de 01.01.2009 a 20.07.2019, ordenando a remessa dos autos ao tribunal “a quo” para se aditarem os factos que se tiverem por convenientes com base no que se alega nos artigos 57º a 66º da p.i., procedendo-se a novo julgamento quanto a essa matéria e decidindo-se posteriormente em conformidade com o que vier a ser apurado;
- Nega-se provimento ao recurso interposto pelo Autor do despacho de fls. 364;
- Concede-se provimento ao recurso interposto pela Ré quanto à condenação a pagar ao Autor a quantia de MOP50.864,90 a título de descanso compensatório não gozado pelo trabalho extraordinário prestado, revogando a decisão recorrida nesta parte, absolvendo a Ré deste pedido.
Custas pelo Autor aqui Recorrente e Recorrido.
Registe e Notifique.
RAEM, 6 de Janeiro de 2022
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
1 Realce e sublinhado nossos.
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803/2021 CÍVEL 2