Processo nº 732/2021
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 6 de Janeiro de 2022
Recorrente: A Casino, S.A. (Recurso Interlocutório e Recurso Final)
Recorrido: B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
B, com os demais sinais dos autos,
vem instaurar acção declarativa em processo comum do trabalho contra
A Casino, S.A., também com os demais sinais dos autos,
Pedindo a condenação desta a pagar-lhe o seguinte:
a) MOP8.384,00, pela prestação de trabalho em dia de feriado obrigatório remunerado, acrescido de juros até efectivo e integral pagamento;
b) MOP14.577,00, pela prestação de 30 minutos de trabalho prestado para além do período normal de trabalho, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
c) MOP12.844,00, pela prestação de 8 horas de trabalho para além do período normal de trabalho, acrescido de juros até efectivo e integral pagamento;
d) MOP76.508,00, pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento.
Proferido despacho a fls. 141 admitindo a resposta à contestação pelo Autor, e não se conformando com o mesmo vem a Ré interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões:
A. Na contestação cabe a defesa por impugnação e a defesa por excepção.
B. Não haverá defesa por impugnação se a versão da realidade apresentada pelo demandado não afectar o círculo dos factos constitutivos do direito do autor e envolver antes a alegação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.
C. Na sua contestação e no incidente que levantou em relação à admissibilidade da Resposta do Autor, a Ré, aqui Recorrente, claramente contradiz os factos narrados pelo Autor, e não aceita que aqueles correspondam à verdade factual.
D. A Ré submeteu com a sua contestação um documento de liquidação final dos créditos laborais, assinado pelo Autor.
E. Referindo que, por via daquele documento e da declaração que nele subscreve, o Autor havia aceite que lhe tinham sido pagos todos os montantes em dívida.
F. Estranhando a Ré como é que só passado tanto tempo se lembra o Autor de fazer tais reivindicações, todas elas infundadas.
G. O douto Despacho Saneador de que se recorre não fez uma correcta apreciação das alegações da Ré, aqui Recorrente, quanto ao documento de liquidação final dos créditos laborais.
H. De uma correcta apreciação das alegações feitas pela Ré, aqui Recorrente, na sua contestação e no incidente que levantou em relação à admissibilidade da Resposta do Autor, deveria ter sido notado que esta não aceita a realidade dos factos narrados pelo Autor e deduz uma defesa por impugnação.
I. Pelo que, deveria o Tribunal a quo ter decidido pela não admissibilidade e desentranhamento da resposta apresentada pelo Autor de fls. 102 a 111 dos autos recorridos, nos termos previstos no artigo 33.º do Código de Processo do Trabalho.
Contra-alegando vem o Autor apresentar o seguinte:
a) Do objecto do Recurso formulado pela Ré:
Não se conformando com a decisão contida no douto Despacho Saneador, na parte em que naquele se julgou improcedente o “incidente de admissibilidade da Resposta do Autor” tal qual formulado pela Ré, vem a mesma daquele recorrer para o douto Tribunal de Recurso.
Salvo o devido respeito, está o Recorrido em crer que em caso algum se pode concluir pela procedência do Recurso formulado e, em concreto, pela “inadmissibilidade da Resposta apresentada pelo Autor”, razão pela qual deverá improceder na íntegra o Recurso interposto pela Ré, Recorrente, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se requer.
Mais detalhadamente,
Alega a Recorrente que, contrariamente ao que terá sido concluído pelo Tribunal a quo, a Ré não terá formulado uma qualquer excepção nos factos por si alegados, razão pela qual não era conferido ao Autor apresentar uma Resposta.
Em concreto, está em causa apreciar se o alegado pela Ré sob o art. 73.º da Contestação configura matéria que, a ser provada, será ou apta a modificar e/ou a extinguir (ainda que parcialmente) as pretensões deduzidas pelo Autor na sua Petição Inicial.
Vejamos.
Alega a Ré sob o art. 73.º da Contestação que: “(…) aquando da cessação da relação laboral, a Ré pagou ao Autor todos os valores que lhe eram devidos, assinando este o respectivo documento de quitação (...)”.
Posteriormente, aquando da Resposta à reclamação à matéria de facto apresentada pelo Autor, constante de fls. 138, vem a Ré “elucidar” o seguinte:
“Isto pois, qualquer pessoa comum, mesmo uma que não tenha extensos conhecimentos legais, quando na posição de trabalhador, lhe é pedido que aceite os cálculos feitos pelo empregador num documento titulado “final payment notice” sabe que está a declara que os montantes em dívida são os que estão ali referidos (e que irá receber) e que mais nenhum montante lhe é devido” (negrito e sublinhado do Recorrido).
Em face do acabado de expor, entende a Ré que: “tal configura uma defesa por impugnação”, porquanto, “não se alega o pagamento final como facto que impeça o Tribunal a quo de apreciar do mérito da acção ou como facto que sirva de causa extintiva do direito invocado pelo autor” (Cfr. pág. 7 das Motivações de Recurso).
Será assim? Está o Recorrido em crer que não.
É que, salvo o devido respeito, ao alegar que “a Ré já tinha pago todos os montantes em dívida” ou que “nenhum montante lhe é devido” a Ré está(va) claramente a apresentar uma defesa por excepção, visto que o (único) efeito pretendido - a ser julgada procedente tal matéria - será a absolvição dos pedidos formulados pelo Autor, razão pelo qual bem decidiu o Tribunal a quo, ao aceitar a Resposta apresentada pelo Autor.
Pelo exposto, está o Recorrido em crer que nenhum reparo se impõe ao douto Despacho Saneador na parte em que aceitou a Resposta apresentada pelo Autor e, consequentemente, julgou improcedente o incidente de (não) admissibilidade de apresentação da mesma formulada pela Recorrente.
***
Proferida sentença condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia global de MOP90.402,14, sendo MOP14.532,14 a título de trabalho extraordinário prestado; MOP75.870,00 a título de trabalho prestado ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo, acrescida juros de mora à taxa legal contados conforme fixado no acórdão de uniformização de jurisprudência n° 69/2010 e absolve-se a Ré dos restantes pedidos.
Não se conformando com a mesma vem a Ré interpor recurso, formulando as seguintes conclusões e pedidos:
A. A matéria de facto dos autos sub judice de que ora se recorre foram julgados em sessão conjunta com os processos LB1-20-0164-LAC, LB1-20-0167-LAC, LB1-20-0172-LAC, LB1-20-0174-LAC e LB1-20-0177-LAC.
B. A prova realizada na sessão conjunta foi diversamente apreciada pelo digno Tribunal a quo relativamente a cada um destes processos.
C. Das sentenças proferidas nos processos LB1-20-0164-LAC, LB1-20-0167-LAC, LB1-20-0170-LAC, LB1-20-0172-LAC e LB1-20-0177-LAC, o digno Tribunal a quo valorou a prova de forma idêntica e proferiu decisão idêntica no que respeita às alegações de ser devida pela Ré compensação por trabalho extraordinário (30 minutos por cada turno).
D. No entanto, o mesmo já não aconteceu quanto às alegações de ser devida pela Ré compensação por violação do descanso semanal.
E. Não se percebe a razão de ser da diferença na apreciação e valoração da prova realizada e a dissonância na decisão da matéria de facto quanto ao processo LB1-20-0174-LAC e aos processos LB1-20-0177-LAC e LB1-20-0167-LAC.
F. Os pedidos, causas de pedir, alegações e prova realizada em todos os 3 processos (LB1-20-0174-LAC, LB1-20-0177-LAC e LB1-20-0167-LAC) são em quase tudo semelhantes.
G. A prova (nomeadamente, a prova testemunhal) foi produzida em sessão conjunta, pelo que, o digno Tribunal a quo deveria tê-la valorado de forma idêntica, levando a decisões sobre a matéria de facto idênticas e. em última análise, a Sentenças semelhantes.
H. Da mesma forma que no processo LB1-20-0167-LAC, o Digno Tribunal considera provado o quesito 16 daquela base instrutória (cujo teor, grosso modo, corresponde ao teor do quesito 16 da base instrutória dos autos em crise) quanto ao período da relação laboral (entre 06/07/2006 e 31/05/2008), apenas quanto a certas semanas em concreto ali elencadas.
I. No processo LB1-20-0177-LAC, o Digno Tribunal já considera provado o quesito 16 daquela base instrutória (cujo teor, grosso modo, corresponde ao teor do quesito 16 da base instrutória dos autos em crise) quanto ao período da relação laboral (entre 12/07/2004 a 28/11/2008), em relação àquele período inteiro, dividindo, a sua decisão de facto em 3 partes.
J. Nos autos sub judice deu o Tribunal a quo como provado que o Autor tinha que comparecer ao serviço com uma antecedência de 30 minutos em cada turno e que a Ré desrespeitou a regra de um dia de descanso semanal em cada sete dias.
K. No entanto, nos períodos em que o Digno Tribunal pode verificar dos registos de assiduidade submetidos aos processos LB1-20-0177-LAC e LB1-20-0167-LAC, devidamente notados nas decisões de facto produzidos, na resposta aos quesitos 16, verifica-se, claramente, que nem sempre em todas as semanas de trabalho, durante todos os períodos de trabalho ali referidos, aqueles autores prestaram trabalho ao 7.º dia consecutivo, em violação do direito ao descanso semanal.
L. Os documentos juntos com os processos LB1-20-0177-LAC e LB1-20-0167-LAC permitiam ao Tribunal, facilmente, verificar que, podendo um trabalhador prestar trabalho ao sétimo dia consecutivo, tal não acontecia sempre, em todas as semanas!
M. O Autor trabalhou no casino X (e o autor do processo LB1-20-0167-LAC trabalhou no casino Presidente e o autor no processo LB1-20-0177-LAC trabalhou no casino X), mas a entidade patronal é sempre a mesma (a aqui Ré).
N. A Ré não concorda com a decisão contida na Sentença, designada mente, com a valoração feita pelo Tribunal a quo quanto a toda a prova produzida nos autos.
O. Aliás, nos autos em crise, o próprio digno Tribunal a quo nota essa situação na decisão da matéria de facto, quando faz o seguinte comentário, em Português: “Os autos em causa não contêm o registo de assistência do Autor, e são divergentes os registos de assistência de guardas em outros casos, quanto ao dia de descanso semanal: uma pessoa trabalhava regularmente durante 6 dias consecutivos e depois tinha 1 dia de descanso e, até ao fim de cada mês, trabalhava durante 7 dias consecutivos e depois tinha 1 dia de descanso; mas outra pessoa gozava irregularmente do seu descanso semanal. Daí se conclui que, mesmo que fossem igualmente empregados pela Ré, a situação era variável para os guardas de segurança. Sem demais provas objectivas, o juízo está convicto de que o facto de gozar um dia de descanso semanal após seis dias de trabalho consecutivos constitui uma excepção, devendo ser admitidos os depoimentos das testemunhas a favor do Autor, ou seja, o Autor podia ter um dia de descanso semanal depois de prestar trabalho durante sete dias consecutivos.”.
P. Atento este comentário a respeito deste facto, somos de opinião que deveria o digno Tribunal a quo ter seguido as doutas decisões proferidas nas sentenças referentes aos processos LB1-20-0199-LAC, LB1-20-0176-LAC, LB1-20-0166-LAC OU LB1-20-0165-LAC, que decidiram nos seguintes termos, relativamente a facto semelhante quer relegar para liquidação de execução de sentença, nos termos do artigo 564.º, n.º 2 do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPT (LB1-20-0199-LAC, LB1-20-0176-LAC e LB1-20-0166-LAC) ou dar como não provado o facto (LB1-20-0165-LAC).
Q. Atenta a prova realizada nos autos em crise (LB1-20-0174-LAC), afigurar-seia que a decisão mais ajuizada a respeito dos factos em discussão no quesito 16 deveria ter sido outra.
R. A Ré elucidou logo na contestação que a relação laboral entre o Autor e a Ré cessou a 28 de Novembro de 2008 - há quase 12 anos.
S. Sendo que, nos termos do Decreto-Lei n.º 24/89/M, diploma que regulou as relações laborais entre o Autor e a Ré, não estava a entidade patronal obrigada a conservar quaisquer registos ou documentos relativos aos seus trabalhadores.
T. Não podendo ser assacada à Ré qualquer consequência pela não submissão de tais documentos, nomeadamente, a respeito da repartição do ónus da prova que incumbe a cada uma das partes.
U. Também nesse sentido, já havia a Ré pedido à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (“DSAL”) para informar se tinha os dados providenciados pela Ré, ao abrigo do artigo 7.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 24/89/M, referentes ao período entre 1.1.2004 a 31.12.2008, tendo a DSAL informado que já não os tem (vide Doc. n.º 1 junto com a Contestação).
V. Não obstante, foi possível à Ré localizar alguns documentos referentes à relação laboral que manteve com o Autor, os quais, apesar de esta não ter qualquer obrigação legal de os reter, foram juntos aos autos.
W. A Ré juntou aos autos 3 documentos, a saber: contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré (documento n.º 2 com a Contestação); recibos e documentos emitidos aquando da cessação da relação laboral em 28/11/2008, intitulado “Final Payment Notice” (documento n.º 3 com a Contestação) e recibos de vencimento dos meses de Janeiro a Outubro de 2008 (documento n.º 4 com a Contestação).
X. Da decisão da matéria de facto e da Sentença, é patente que o Tribunal a quo teve em pouca consideração a prova feita por via dos documentos n.º 2, n.º 3 e n.º 4 juntos aos autos com a Contestação, designadamente, só usando o documento n.º 4, para dar como não provado a alegação do Autor de que lhe era devida compensação pela prestação de trabalho em dia de feriado obrigatório remunerado.
Y. No entanto, a prova feita pelos documentos n.º 2, n.º 3 e n.º 4 juntos aos autos com a Contestação deveria ter sido valorada de forma diferente.
Z. Em especial, no que se refere aos recibos e documentos emitidos aquando da cessação da relação laboral em 28/11/2008, intitulado “Final Payment Notice” (documento n.º 3 com a Contestação).
AA. O Tribunal a quo entende que deste documento não resulta a extinção dos créditos de compensação pedidos pelo Autor na presente causa.
BB. A Ré discorda da valoração e entendimento feito pelo Tribunal a quo a este respeito.
CC. A Ré teve oportunidade de elucidar o Tribunal a quo quanto ao seu procedimento relativamente à emissão deste tipo de documento intitulado “Final Payment Notice”.
DD. A não valoração do documento (n.º 3) junto com a Contestação, intitulado “Final Payment Notice” constitui, a nosso ver, e salvo melhor entendimento, a violação do previsto nos artigos 775.º e 776.º do Código Civil, relativamente ao direito da Ré, ao cumprir a sua obrigação para com o Autor, de exigir quitação daquele a quem a prestação foi feita.
EE. Pelo que, dos elementos de prova nos autos, cremos que fica comprovada a liquidação final dos créditos laborais do Autor e que o Autor aceitou o cálculo efectuado pela Ré como correcto.
FF. Desta forma, deverá a Ré ser completamente absolvida dos pedidos do Autor.
GG. Mas, mesmo que assim não entenda o digno Tribunal ad quem, o que apenas admitimos hipoteticamente, a Sentença padece de outros vícios relevantes.
HH. Ficou provado nos autos que a testemunha do Autor (C) é Autor no processo LB1-20-0171-LAC.
II. Ficou provado nos autos que o aqui Autor (B) serviu como testemunha no processo n.º LB1-20-0171-LAC onde foi Autor a sua única testemunha (C).
JJ. Sabendo e não podendo ignorar o Tribunal a quo que, nos autos LB1-20-0171-LAC, o ali autor (e, nos autos em crise, testemunha), intentou acção contra a mesma Ré (A Casino, S.A.), com causas de pedir e pedidos em tudo semelhantes aos dos autos em crise.
KK. Na sua valoração do depoimento das testemunhas do Autor, o Tribunal a quo ignorou por completo o facto de C ter um claro interesse na resolução do litígio sub judice.
LL. Tal interesse consistiria na formação da convicção do Tribunal a quo que certos factos existiram e aconteceram tal como alegados e peticionados pelo Autor, porquanto, o mesmíssimo Tribunal já decidiu sobre os mesmíssimos factos e pedidos na acção LB1-20-0171-LAC, em que o C é autor contra a aqui Ré.
MM. Ora, como se verifica da decisão da matéria de facto e da Sentença, o depoimento de C foi decisivo para a formação da convicção do Tribunal a quo quanto aos factos controversos (quesitos 8, 9, 10 e 16, 17 e 18).
NN. Pelo que, todos os quesitos dados como provados, em que a convicção do Tribunal a quo quanto aos factos foi formada pelo depoimento da testemunha C (quesitos 8, 9, 10 e 16, 17 e 18), devem ser todos dado como não provados.
OO. Mas, mesmo que assim não entenda o digno Tribunal ad quem, os factos relevantes foram indevidamente apreciados pelo Tribunal a quo em virtude de errada valoração da prova.
PP. Conforme se verifica da decisão da matéria de facto e da Sentença, no que respeita à convicção do Tribunal para a decisão relativa aos quesitos 8, 9 e 10, o Tribunal a quo apenas valorou o depoimento de C, tendo desvalorizado o depoimento da testemunha D.
QQ. Na ausência de qualquer documento, a Ré ofereceu provas quanto aos quesitos 8, 9 e 10, na forma do depoimento da testemunha D.
RR. D claramente indicou ao Tribunal a quo ser do seu conhecimento que: as reuniões pré-turno eram facultativas; e que, a falta ou atraso às reuniões pré-turno não eram punidas.
SS. A esse respeito (da desconsideração do depoimento) invocou o Tribunal a quo que o mesmo prestou alegações forçadas e não correspondentes às regras de experiência para justificar a natureza facultativa de tais reuniões.
TT. Nos autos não foram produzidos os registos de presença do Autor, ou seja, documento que demonstre quais os dias efectivos em que aquele trabalhou e a que horas entrou e saiu do serviço.
UU. O único documento que tem alguma relevância probatória relativamente às reuniões pré turno é o contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, que foi junto como Doc. n.º 2 com a Contestação.
VV. De acordo com o contrato de trabalho, era exigido ao Autor pelo menos oito (8) horas por dia (incluindo almoço ou descanso) com base numa semana de seis (6) dias), o que foi dado como facto assente!
WW. E, seria de senso comum e expectável, segundo a experiência, que a entidade patronal reflictisse no teor do contrato de trabalho que celebrava, tal obrigação de comparecer sempre às reuniões pré-turno, se ela existisse.
XX. Se o Tribunal a quo aplica o critério da experiência do Tribunal deve fazê-lo de forma completa e rigorosa, não restringindo a aplicação de tal critério apenas à defesa da tese do Autor.
YY. Pelo que, no que respeita à matéria dos quesitos 8, 9 e 10, o Tribunal a quo desconsiderou, por completo o contrato celebrado entre as partes neste litígio, cujo teor claramente indica, sem dúvida, qual a obrigação do Autor, enquanto trabalhador da Ré, relativamente à duração da jornada de trabalho diária e à duração da jornada de trabalho semanal.
ZZ. Assim, em virtude da prova produzida pela Ré nos presentes autos, deveria ter o Tribunal a quo julgado como não provada a matéria constante nos quesitos 8, 9 e 10.
AAA. A respeito da matéria constante nos quesitos 16, 17 e 18, verifica-se, pelo teor da decisão da matéria de facto e pela Sentença que o Tribunal a quo apenas valorou o depoimento da testemunha do Autor.
BBB. Ora, a Ré ofereceu provas quanto a estes quesitos, na forma do depoimento da testemunha n.º 2 - E.
CCC. E claramente indicou ao Tribunal a quo ser do seu conhecimento que, nos termos do contrato, a jornada de trabalho semanal era de 6 dias consecutivos, seguidos de 1 dia de descanso.
DDD. Cujo teor o Tribunal a quo desconsiderou por completo tendo apenas decidido acolher a versão contida no depoimento da testemunha do Autor C, relativamente aos quesitos 16, 17 e 18.
EEE. Também aqui o Tribunal a quo desconsiderou por completo o teor do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, que foi junto como Doc. n.º2 com a Contestação.
FFF. Donde resultava que apenas era exigido ao Autor pelo menos oito (8) horas por dia (incluindo almoço ou descanso) com base numa semana de seis (6) dias!
GGG. Em virtude da prova produzida pela Ré nos presentes autos, deveria ter o Tribunal a quo julgado como não provada a matéria constante nos quesitos 16, 17 e 18.
HHH. O Tribunal a quo qualificou erradamente o tempo dispendido com as reuniões pré turno como trabalho extraordinário.
III. Não tendo, erradamente, considerado o período de tempo dispendido com a reunião pré turno como “tempo necessário à preparação para o início do trabalho”, nos termos do artigo 10.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 24/89/M.
JJJ. Pelo que deve a Ré ser absolvida quanto ao pedido do Autor que se condene no pagamento de compensação por trabalho extraordinário de 30 minutos em cada dia de trabalho.
KKK. Da mesma forma, o digno Tribunal a quo aplicou uma fórmula para calcular o quantum compensatório que não corresponde à melhor interpretação do previsto no artigo 17.º, n.º 6 de Decreto-Lei n.º 24/89/M.
LLL. A Ré, ora Recorrida, não aceita que tenha ficado suficientemente provado nos autos sub judice que o Autor prestou qualquer trabalho em dia de descanso semanal.
MMM. A respeito da interpretação do artigo 17.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 24/89/M, já se pronunciou o Tribunal de Última Instância.
NNN. Defende o Tribunal de Última Instância que, tendo um trabalhador já recebido “o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso semanal, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não em dobro”.
OOO. Como tal, apenas lhe seria devido mais um dia de salário em singelo.
PPP. A aceitar-se a interpretação postulada pelo digno Tribunal a quo, tal equivale à consagração de um pagamento em triplo do montante devido pelo trabalho em dia de descanso semanal.
QQQ. Triplo correspondente ao pagamento do salário normal (que aceita já ter recebido e sempre receberia, mesmo que não trabalhasse) acrescido de um pagamento pelo dobro do salário normal.
RRR. Tal leitura não se retira de nenhum elemento do Decreto-Lei n.º 24/89/M.
SSS. Do elemento literal o intuito do legislador é o de que, caso o trabalhador preste trabalho em dia descanso semanal, tal trabalho deve ser pago e deve ser pago apenas pelo dobro da retribuição normal.
TTT. O “dobro” é constituído por um dia de salário normal mais um dia de acréscimo.
UUU. Provando-se que já foi pago um dia em singelo, terá o trabalhador direito a mais um dia em singelo, perfazendo-se, assim, matematicamente, o comando legislativo, claro e inequívoco, de pagar aquele trabalho “pelo dobro da retribuição normal”.
VVV. Caso o legislador houvesse querido contemplar pagamento em triplo, tal comando legislativo viria claramente consagrado no texto da lei em apreço.
WWW. No entanto, não é essa a solução reflectida pelo legislador no artigo 17.º, n.º 6, al. a) do Decreto-Lei n.º 24/89/M.
XXX. Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correcta aplicação a um caso concreto.
YYY. O mais importante e primacial desses factores ou meios são as palavras que o legislador escolheu para a lei se expressar (elemento literal).
ZZZ. o elemento literal ou gramatical, constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação.
AAAA. Para lá do elemento literal, podemos fazer uso dos elementos com os quais se pode determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica.
BBBB. Ao interpretar o comando previsto na redacção do artigo 17.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 24/89/M, deverá o douto Tribunal ad quem ter em consideração o elemento literal na sua função positiva ou de selecção, o elemento literal na sua função negativa ou de exclusão, o elemento sistemático dentro do próprio Decreto-Lei n.º 24/89/M,
CCCC. Deve ser tido também em consideração o elemento histórico na interpretação do comando previsto na redacção do artigo 17.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 24/89/M.
DDDD. E, deve também ser tido em consideração o elemento teleológico na interpretação do comando previsto na redacção do artigo 17.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 24/89/M.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser o presente recurso julgado procedente e, em consequência, revogada a Sentença, ora recorrida, na parte específica de que se recorre:
- ser dada como provada a liquidação final dos créditos laborais do Autor e que o Autor aceitou o cálculo efectuado pela Ré como correcto, como provada a matéria constante no quesito 19 e determinada a completa improcedência da petição do Autor; e,
- ser dados como não provados todos os quesitos em que a convicção do Tribunal a quo quanto aos factos foi formada pelo depoimento da testemunha C (quesitos 8, 9, 10 e 16, 17 e 18); e,
- ser dada como não provada a matéria constante nos quesitos 8, 9 e 10, sendo a Ré absolvida do pedido de condenação no montante de MOP14.532,14, por trabalho extraordinário de 30 minutos em cada dia de trabalho; ou,
- ser considerado o período de tempo despendido com a reunião pré turno como “tempo necessário à preparação para o início do trabalho”, nos termos do artigo 10.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 24/89/M, sendo a Ré absolvida do pedido de condenação no montante de MOP14.532,14, por trabalho extraordinário de 30 minutos em cada dia de trabalho; e,
- ser dada como não provada a matéria constante nos quesitos 16, 17 e 18, sendo a Ré absolvida do pedido de condenação no montante de MOP75.870,00, por violação do direito ao descanso semanal; ou,
- ser aplicada a fórmula para calcular o quantum compensatório que corresponde à melhor interpretação do previsto no artigo 17.º, n.º 6 de Decreto-Lei n.º 24/89/M (Nºs de dias não gozados X salário diário), sendo que o quantum compensatório a que a Ré foi condenada a título de trabalho prestado ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo não poderia ter excedido MOP37.935,00;
e, em consequência, a final, determinada a completa improcedência da petição do Autor, porque infundada e não provada, absolvendo-se a Ré de todos os pedidos feitos, condenando-se o Autor nas custas do processo e em condigna procuradoria. Assim se fazendo a costumada, JUSTIÇA!
Contra-alegando vem a Autor apresentar as seguintes conclusões:
1. Insurge-se a Recorrente quanto ao conteúdo da douta Sentença por entender que a mesma enferma de erro de julgamento na apreciação da prova e erro na aplicação do Direito;
2. Porém, em concreto, não se vislumbra da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento um qualquer erro ou vício quanto à decisão da matéria de facto posta em crise;
3. Pelo contrário, o Tribunal a quo apreciou e conheceu com detalhe o fundo da causa, enquadrando devidamente os factos no Direito aplicável e em conformidade com a prova produzida, tendo formado a sua convicção mediante uma análise séria, crítica e descomprometida das provas carreadas e/ou produzidas em sede de audiência de julgamento e com desenvolvida especificação das razões e dos fundamentos convincentes da mesma, e sem que existam motivos para pôr em causa a sua credibilidade, certeza ou justeza, razão pela qual deve a dou ta Decisão manter-se (sem prejuízo do oportunamente alegado pelo ora Recorrido em sede de Recurso Subordinado), o que desde já e para os legais efeitos se requer.
Mais detalhadamente.
4. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, ainda que tenha tido lugar uma “sessão conjunta de julgamento” - a que a Ré não se opôs - sendo a distinta prova, distinta se justifica igualmente a sua concreta valoração pelo douto Tribunal a quo, sendo a que nada “obriga” a que existam duas decisões semelhantes sendo a prova distinta;
5. Despois, é juridicamente inadmissível que a Recorrente aproveite as suas Motivações de Recurso para vir “aditar” factos não alegados anteriormente, razão pela qual deverão aquelas se ter como não escritas;
6. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, É FALSO e não corresponde à verdade que o Doc. 3 junto pela Ré com a Contestação “não tenha sido valorado” pelo douto Tribunal a quo!
7. Pelo contrário, a simples leitura da douta Sentença deixa ver que o referido documento foi “exaustivamente” apreciado pelo Tribunal Judicial de Base, limitando-se a Recorrente a “discordar” do teor da “apreciação” jurídica levada a cabo pelo Tribunal a quo;
8. Ora, uma coisa é a Recorrente não concordar com a “apreciação jurídica” que foi levada a cabo pelo Tribunal a quo; outra, bem distinta, é a Recorrente afirmar que o mesmo “não foi valorado” pelo mesmo Tribunal, porque tal corresponde a uma falsidade e a um profundo desrespeito pela douta Decisão em causa;
9. E, salvo melhor opinião, a reprodução do testemunho prestado pela testemunha arrolada pela Ré se mostre apto a contrariar o que foi devidamente concluído pelo Tribunal de Primeira Instância e, em concreto, que devesse resultar como “comprovada a liquidação final dos créditos laborais do Autor” ou que o douto Tribunal a quo devesse ter julgado como provado a matéria constante do quesito 19, razão pelo que deverá improceder todo o alegado pela Recorrente a tal respeito;
Acresce que,
10. Contrariamente ao alegado, não se vislumbra um qualquer “interesse” e/ou “parcialidade” por parte das testemunhas arroladas pelo Autor. Trata-se, de resto, de um argumento “já gasto”, porque demasiadas vezes já invocado perante o douto Tribunal ad quem, em processos que envolvem extrabalhadores contra as respectivas entidades patronais;
11. Sem carácter de exaustão, de entre outros, sublinha o douto Tribunal de Segunda Instância, o seguinte: “Mas importa colocarmo-nos na particular posição da testemunha, também ele trabalhador, naturalmente condicionado, se não fragilizado, ao depor num ambiente que lhe é estranho, sobre uma relação laboral que ele próprio vivenciou em termos próximos àqueles em que depôs, numa acção movida contra a ex-entidade patronal. Há que contextualizar aquele depoimento e tentar abarcar tudo aquilo que os monossílaboe, se não os silêncios, encerram (...) (Cfr., entre outros, o Ac. do TSI n.º 627/2013, pág. 33);
12. Em qualquer caso, é totalmente inaceitável - e em caso algum poderá deixar de ser objecto de advertência por parte do douto Tribunal de Recurso - que a Recorrente afirme que: “Para lá da suspeição com que deve ser valorado o depoimento do F, poder-se-á por a questão da troca de favores, em que o individuo que é autor serve como testemunha do processo das testemunhas que arrola e vice-versa”, pelo que deve improceder o alegado pela Recorrente a tal respeito.
13. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, não corresponde à verdade afirmar que a convicção do Tribunal a quo para a decisão relativa aos quesitos 8, 9 e 10 apenas valorou o depoimento da testemunha do Autor desde logo porque do “trecho” que a própria Ré cita faz ampla referência às declarações prestadas pelas testemunhas do Autor e da testemunha arrolada pela Ré - pelo não se compreende bem o alegado pela Recorrente a este concreto respeito e, muito menos quando alega que “constitui um vício da Sentença, porquanto, foi erradamente valorada a prova produzida nos presentes autos”, pelo que deverá improceder todo o alegado pela Recorrente a tal respeito;
14. Depois, conforme já se referiu, não será correcto que, no que diz respeito à decisão relativa aos quesitos 8, 9 e 10 o Tribunal a quo apenas tenha valorado o depoimento da testemunha do Autor - tendo desvalorizado a testemunha indicada pela Ré, nem se consegue vislumbrar qualquer razão para tal afirmação: se o Tribunal “preferiu” o depoimento de uma testemunha em “lugar” do depoimento da outra, foi certamente porque o primeiro se mostrou “mais convincente”, pelo que a Recorrente se limita a pôr em causa o Princípio da livre apreciação da prova feita pelo Tribunal a quo, o que desde já deverá naufragar ...
15. Ainda que a Recorrente alegue ser “a maior” entidade patronal do sector privado em Macau, tal não será quanto baste para que a mesma venha a pôr em causa a experiência do Tribunal, acusando-o de não valorar a prova “de forma completa e rigorosa” e ter-se “restringido” apenas à defesa da tese do Autor.
16. Tal juízo de valor, porque falso e sem qualquer propósito deverá ser tido como não escrito, porque se mostra ofensivo para com o douto Tribunal e, bem assim, por litiga em juízo nos presentes autos, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se requer;
17. Seja como for, atenta a prova e contra-prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, em caso algum se justifica uma qualquer alteração do sentido - como provado - dos quesitos 8, 9 e 10 da douta Base Instrutória, pelo que deverá improceder todo o alegado pela Recorrente a este tal respeito.
Sem prescindir,
18. Ao invés do alegado, não se depara um qualquer erro e/ou vício na douta Sentença no que respeita à decisão relativa aos quesitos 16.º a 18. Pelo contrário, também aqui o Tribunal a quo demonstrou grande saber, imparcialidade e experiência, pelo que deve improceder o alegado pela Recorrente a este concreto respeito, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se invoca e requer;
19. Depois, igualmente não se vislumbra um qualquer motivo para que seja alterada a resposta oferecida pelo douto Tribunal tendo em conta os depoimentos prestados em audiência, de onde não se verifica uma qualquer “errada valoração” da prova produzida, contrariamente ao alegado pela Recorrente.
Por outro lado,
20. Distintamente do que a Recorrente se esforça por alegar, não é verdade que o Tribunal não tenha valorado devidamente o “contrato de trabalho” junto com a Contestação;
21. De resto, salvo o devido respeito, não se vê em que medida o teor do Doc. 2 junto com a Contestação se mostra relevante para a matéria em discussão. É que, a cláusula 13 do contrato de trabalho respeita ao período normal de trabalho, mas nada avança quanto à chamada “reunião pré-turno” que antecedia o início de cada um dos turnos;
22. Assim, não tendo o Tribunal a quo encontrado no referido Documento qualquer “suporte” para a tese avançada pela Ré, não se verifica um qualquer vício no que respeita à decisão relativa aos quesitos 16 a 18, devendo os mesmos manter-se como provados, contrariamente ao que a Recorrente requer;
Acresce que,
23. A respeito da alegada “errada qualificação jurídica das reuniões pré-turno” a Recorrente limita-se a mostrar a sua “oposição” à interpretação - pacífica - que tem vindo a ser feita pelo douto Tribunal de Recurso e que foi “adoptada” pelo Tribunal Judicial de Base;
24. Do mesmo modo, também ao nível do o alegado “erro na fórmula de cálculo” para o pagamento da quantia devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal a Recorrente limita-se a mostrar o seu “descontentamento” a respeito do que tem vindo a ser seguido pelo Tribunal de Recurso, mas sem que qualquer um dos “novos” fundamentos que procura alegar se mostrem convincentes para justificar uma “mudança de interpretação” por parte do mesmo Tribunal de Recurso;
25. Salvo o devido respeito, apenas se recorda à Recorrente que, certamente, os Tribunais - e os magistrados que os compõem - sabem como “interpretar” o sentido da Lei, dispensando àquela Lições de Introdução ao Estudo do Direito, Filosofia ou mesmo de Metodomonologia Jurídica;
26. Toda a discussão (pouco) jurídica levada a cabo na Assembleia Legislativa aquando da discussão e votação na especialidade da proposta da “nova” Lei das Relações de Trabalho, nada esclarece quanto à matéria em apreciação, pelo que deve a mesma ter-se por irrelevante.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. FACTOS
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1). Entre 28/04/2006 a 28/11/2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, prestando funções de “supervisor de guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
2). Entre 28/04/2006 a 30/06/2006, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$7.500,00, a título de salário de base mensal. (B)
3). Entre 01/07/2006 a 30/06/2007 a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$8.700,00, a título de salário de base mensal. (C)
4). Entre 01/07/2007 a 30/06/2008 a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$8.850,00, a título de salário de base mensal. (D)
5). Entre 01/07/2008 a 28/11/2008, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$9.210,00, a título de salário de base mensal. (E)
6). O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (1.º)
7). A Ré sempre fixou o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (2.º)
8). O Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré. (3.º)
9). Durante o período da relação de trabalho o Autor gozou de 12 dias de férias por cada ano. (4.º)
10). Entre 28/04/2006 a 28/11/2008, por ordem da Ré, o Autor prestou a sua actividade nos seguintes dias de feriado obrigatório. (5.º)
FERIADOS
ANOS
2006
2007
2008
1 DE JANEIRO
0
1
1
3 DIAS DE ANO
0
3
3
NOVO CHINÊS
1 DE MAIO
1
1
1
1 DE OUTUBRO
1
1
1
11). Pelo trabalho prestado em dia de feriado, a Ré pagou ao Autor o correspondente ao dia de trabalho prestado mais o acréscimo em dobro. (6.º)
12). Durante o período da relação de trabalho, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo aí permanecido às ordens e sob as instruções dos seus superiores hierárquicos. (8.º)
13). Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho, mediante a indicação do seu concreto posto de trabalho para o referido turno. (9.º)
14). A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecediam o início de cada turno. (10.º)
15). Durante o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a Ré num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas de trabalho por dia (N, E, D):
Turno Noite (Nigth): (das 00h às 8h)
Turno tarde (Evening): (das 16h às 00h)
Turno Dia: (Day): das 8h às 16h). (11.º)
16). Os turnos respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (N-E)-(D-N)-(E-D). (12.º)
17). Durante o período da relação de trabalho com a Ré, o Autor respeitou o regime de turnos especificamente fixados pela Ré. (13.º)
18). A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) a título de trabalho prestado pelo Autor durante o período de 8 horas para além do seu período normal de trabalho, em cada ciclo de 21 dias de trabalho. (15.º)
19). Entre 28/04/2006 e 28/11/2008, o Autor prestou trabalho para a Ré num regime de sete dias de trabalho consecutivos. (16.º)
20). A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho. (17.º)
21). Entre 28/04/2006 e 28/11/2008, a Ré nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (18.º)
2. DO DIREITO
São vários os recursos interpostos nestes autos:
- Do despacho em que foi admitida a resposta à contestação;
- Da matéria de facto no que concerne às respostas dadas pelo tribunal aos quesitos 8º, 9º, 10º, 16º, 17º, 18º e 19º;
- Do Recurso quanto ao cálculo da indemnização devida pelos trabalhos prestados em dias de descanso semanal.
Vejamos então.
- Do Recurso do despacho em que foi admitida a resposta à contestação.
É o seguinte o teor do despacho recorrido:
«A R. suscita que não se deve admitir a resposta do A., uma vez que na contestação a R. não defendeu por excepção, nem formulou pedido de condenar o A. como litigante de má fé.
Dispõe o art. 33° do CPT:” 1. Sendo deduzidas excepções, pode o autor responder à matéria destas no prazo de 8 dias.”
Analisado o teor da contestação, alegou a R. nos seus artigos 30°, 60° e 70° que “a Ré não aceite que, caso tivesse sido prestado trabalho …pelo Autor, não lhe tivesse sido pago a devida compensação… ” ,“… a Ré não aceite que o Autor a ter prestado trabalho…, não tenha sido devidamente compensado…” e “… não aceite a Ré que, caso esse trabalho tenha sido prestado pelo Autor, o mesmo não tenha sido pago…”. Afigura-se-nos que os alegados nestes três artigos negaram meramente, da forma hipotética, os factos alegados na pi. Porém, a R. continuou a alegar no artigo 73° que “aquando da cessação da relação laboral, a Ré pagou ao Autor todos os valores que lhe eram devidos, assinando este o respectivo documento de quitação”, juntando o doc. 3 como prova. A pretensão da R. aí é clara, o alegado no artigo 73°, em conjunto com os nos artigos acima referidos visa dizer que a R. pagou ao A. todos os valores que lhe eram devidos, pelo que não tem o A. o direito a reclamar os créditos ora peticionados. Salvo devido respeito, entendemos que se trata de factos que servem de causa extintiva do direito invocado pelo A., e assim se configura a verdadeira excepção peremptória.
Nestes termos, é de admitir a reposta e julgar improcedente esta parte do incidente.
Custas pela R., fixando a taxa de justiça em 1 UC.».
Ora, salvo melhor opinião, aceitamos que a matéria que se invoca nos artigos 30º, 60º e 70º da contestação conjugada com o teor dos artigos 32º, 61º e 71º do mesmo articulado onde a Ré conclui no sentido de impugnar a matéria que consta dos artigos que indica, não possa ser qualificada como matéria de excepção.
Se a Ré invocasse ter feito o pagamento tal consistia numa excepção peremptória extintiva do direito do Autor à qual este tinha de responder sob pena de se ter por provada essa matéria.
Contudo a Ré não alega que pagou, o que a Ré faz é dizer na eventualidade de tal ter acontecido foi pago, o que na prática não significa coisa alguma, porque nem confessa que aconteceu nem efectivamente assume que pagou.
Esta alegação é feita no condicional, não tem nada de concreto nem tão pouco, salvo melhor opinião pode ser objecto de prova uma vez que nada de concreto se invoca, suscitando-se apenas uma hipótese eventual de que se se verificasse a hipótese o resultado tinha sido aquele, mas nem um nem outro se assumem como reais.
Neste sentido a matéria que se invoca naqueles artigos não é uma excepção peremptória, uma vez que a Ré não admite que aconteceu e menos ainda que pagou.
Porém, no artº 73º da contestação a Ré vem invocar que aquando da cessação da relação laboral o Autor declarou ter recebido todos os valores que lhe eram devidos.
Ora, esta matéria inquestionavelmente é matéria de excepção ao se invocar um título de quitação, situação que é perfeitamente identificada na resposta à contestação, pelo que, bem foi admitida a resposta à contestação, nada mais havendo que acrescentar, nem reparo a fazer ao sentido da decisão recorrida, sendo de negar provimento ao recurso.
- Do Recurso da matéria de facto quanto às respostas dadas aos quesitos 8º, 9º, 10º, 16º, 17º, 18º e 19º da Base instrutória, interposto pela Ré.
Relativamente a esta matéria o que consta da fundamentação da decisão sobre as respostas à base instrutória é o seguinte:
«Este juízo deu por provados os factos acima expostos analisando as informações contidas nos autos, as alegações das partes, bem como o depoimento das testemunhas.
*
Quanto aos quesitos n.ºs 1-3 e 13, a testemunha enrolada pelo Autor, ou seja um segurança que trabalhava com o Autor disse que o Autor era um bom trabalhador, seguia sempre as ordens da Ré no trabalho, sem incumprimento do horário do trabalho disposto pela Ré. De facto, D, testemunha por parte da Ré também afirmava que dos registos arquivados não resultava que se tivesse instaurado procedimento disciplinar contra seguranças de então por violação de regras. Assim este tribunal entende que aqueles quatro factos devem considerar-se como provados.
*
A testemunha do Autor alegava que tinham 12 dias de férias por ano; que normalmente gozavam de todos. Além disso, quando necessário, podia-se pedir licença sem vencimento. Portanto, deu-se por assente que tinham apenas 12 dias de férias por ano. A prova das férias anuais do Autor referente ao ano 2008 providenciada pela Ré também serve para confirmar isso (as férias anuais do Autor de 01/01 a 29/01/2008 deverá ter sido um único gozo acumulativo de férias de vários anos).
*
Com base no depoimento prestado pela testemunha do Autor juntamente com o registo de presença de outros seguranças em casos semelhantes, pode-se dar por certo que na duração da relação laborou, o Autor trabalhou efectivamente durante feriados obrigatórios. Por outro lado, para além do salário do próprio dia de trabalho, a Ré pagou ao Autor a título extraordinário uma retribuição em dobro. Logo os quesitos n.ºs 5 e 6 ficaram provados enquanto o quesito n.º 7 não se provou.
*
Acerca da chegada com 30 minutos de antecedência todos os dias, a testemunha do Autor alegou claramente. A testemunha por parte da Ré D também confirmou que no caso dos seguranças, antes de cada turno de trabalho, na sala de segurança havia "briefing", i.e. confirmar a presença, distribuir os postos de trabalho; verificada qualquer falta de segurança, devia-se arranjar imediatamente outra pessoa em substituição. Além disso, dava-se a saber o que tinha acontecido de especial durante o turno precedente e a que prestar atenção durante o turno a seguir. A testemunha confirmou que nunca tinha pago aos seguranças salário adicional por isso, porque segundo a Ré a reunião não era obrigatória. Os seguranças não tinham de participar forçosamente. O encontro era apenas para facilitar o trabalho de todos. Nem resultava dos registos que alguém tivesse sido sujeito a sanção disciplinar por falta ou por presença com atraso de 30 minutos; porém disse ao mesmo tempo que raramente os seguranças tinham faltado ou chegado atrasados.
Não são importantes os horários dos autocarros para os funcionários do Casino X fornecidos pela Ré, pois faltam provas demonstrando que o Autor utilizasse aquele meio de transporte para ir ao serviço.
Segundo este juízo, o trabalho de segurança constitui um elo importante para o casino. No caso de falta imprevista de seguranças, deve-se dispor imediatamente pessoal em substituição. Leva tempo para a disposição; portanto é sim necessário saber com antecedência antes de cada turno se há seguranças a entrar em serviço. Assim não é possível que seja como quanto dito pela testemunha da parte de defesa que a participação na reunião fosse facultativa.
Aliás, tendo em conta que há uma trintena de seguranças em serviço efectivo por cada turno, é razoável que sejam precisos 30 minutos para verificar o número dos seguranças, controlar o uniforme, distribuir os postos de trabalho e dar instruções de advertência.
Então este juízo considera que devem ficar provados os quesitos n.ºs 8-10.
*
No tocante à distribuição de turno, as testemunhas de ambas as partes alegavam que havia três turnos, a saber o de manhã (D), o de tarde (E) e o de noite (N), cada turno contando 8 horas de trabalho, começando respectivamente às 8h00 da manhã, às 4h00 da tarde e à 0h00 da meia-noite. Assim é de ficar provado o quesito n.º 11.
De acordo com o registo de presença de outros seguranças em casos semelhantes, a sequência dos três turnos é igualmente N-E-D-N-E-D. Por isso fica provado também o quesito n.º 12.
No que se refere ao quesito n.º 14, a testemunha arrolada pelo Autor disse que a troca do turno de noite para o de manhã acontecia no mesmo dia, entretanto tinham apenas 8 horas à disposição para descansar; disse também que naquele mesmo dia se assinava duas vezes na lista de presença. Todavia do registo de presença de outros seguranças em casos semelhantes não resulta assinatura repetida na lista de presença durante um mesmo dia. Assim considera-se que apesar do depoimento prestado pela testemunha, são insuficientes as provas aduzidas pelo Autor. Não ficaram provados os quesitos n.ºs 14, 12-A e 12-B; no quesito n.º 15 ficou provado que a Ré não tinha pago ao Autor retribuição extraordinária em contrapartida do trabalho adicional prestado para além das 8 horas.
*
No presente caso, na falta do registo de presença do Autor, não sendo consistentes os registos de dia de descanso semanal nos registos de presença dos seguranças doutros processos, em um caso o descanso semanal acontecia a intervalos regulares, ou seja, por cada 6 dias de trabalho consecutivos gozava de um dia de descanso semanal; no final do mês gozava de um dia de descanso semanal por cada 7 dias de trabalho consecutivos; um outro gozava de descansos semanais irregularmente. Assim sabe-se que apesar de ser todos empregados da Ré, cada segurança era diferente dos outros. Sem qualquer outras provadas concretas, segundo nós trata-se de uma excepção rara quem gozava de um dia de descanso semanal por cada 6 dias de trabalho consecutivos. Portanto é de admitir o depoimento da testemunha do Autor de que o Autor gozava de um dia de descanso semanal por cada 7 dias de trabalho consecutivos. Ademais, com base no depoimento das testemunhas e no registo de presença do Autor (sic - N. da T.), sabe-se que os dias de descanso semanal não tinham nada a ver com a mudança de turno, ou seja, a mudança de turno não acontecia necessariamente depois dos descansos semanais. Desta maneira resultam provados os quesitos n.ºs 16 e 18 e a primeira parte do quesito n.º 17.
*
O “FINAL PAYMENT NOTICE” (aviso do pagamento final) (a fls. 74) assinado pelo Autor à desligação do serviço é de ser entendido somente como referente a todo o salário e às compensações liquidados no momento da desligação do serviço já recebidos pelo Autor, sem incluir indemnizações ou compensações ainda não liquidadas, não invocadas ou até ainda desconhecidas. Portanto dá-se por não provado o quesito n.º 19.».
Nas suas alegações e conclusões vem a Ré suscitar a falta de credibilidade da testemunha C por também ter processos de teor idêntico ao destes autos contra a Ré.
A questão não é nova e já foi abordada várias vezes nos tribunais.
Estando em causa créditos laborais e a forma como se processava a relação laboral, aqueles que normalmente estão em condições de responder e esclarecer o tribunal são outros funcionários que estejam na mesma situação do Autor, não podendo ser um obstáculo ao seu depoimento nem à credibilidade do mesmo a circunstância de também terem acções idênticas contra a entidade patronal, sob pena de ficarem todos na iminência de não poderem fazer prova do que alegam.
O tribunal na valoração do depoimento terá de ter em consideração que a testemunha se encontra numa situação igual à do Autor e que efectivamente tem interesse no sucesso da sua causa, mas a apreciação da veracidade do depoimento faz-se também para além disso, através de outros factores que nos permitem confiar no mesmo, não podendo de forma alguma aquele elemento servir para pura e simplesmente não tomar por certo o que a testemunha diz.
Relativamente à matéria dos quesitos 8º, 9º e 10º os quais se reportam à reunião de preparação do trabalho e que obrigava os trabalhadores a estarem presentes 30 minutos antes do seu horário de trabalho pretende a Ré ora Recorrente que o mesmo era facultativo, no entanto também se vai dizendo que servia para aferir se os guardas de segurança estavam presentes.
Sobre esta matéria a fundamentação da decisão do tribunal “a quo” consta de parte supra reproduzida.
Ora, dúvidas não há quanto a que os guardas de segurança tinham de comparecer 30 minutos antes do início do seu período de trabalho e que a reunião acontecia para verificar presenças e dar/receber orientações de serviço. Não é por tal obrigatoriedade não constar do contrato de trabalho como se alega e de nunca ter havido alguém a ser punido por não comparecer que faz com que não fosse exigido aos guardas de segurança estarem presentes nessa reunião.
A obrigação de presença nas ditas reuniões não se enquadra de modo algum no carácter excepcional das situações previstas no nº 4 do artº 10º do decreto-Lei nº 24/89/M. As situações previstas nesta disposição legal visam precaver outras situações que não cabem propriamente na execução da prestação de trabalho, tal como o fardamento ou tarefas que excepcionalmente estariam em curso e que podem ser completadas num espaço curto de tempo, situações nas quais não se enquadra a reunião em causa, a qual faz parte da rotina diária e da prestação de trabalho dos guardas de segurança e que tem a ver com a própria execução das suas funções.
A fundamentação apresentada pelo tribunal “a quo” mostra-se coerente e suficiente para extrair a conclusão a que ali se chegou.
Mais impugna a Recorrente as respostas dadas aos quesitos 16º, 17º e 18º os quais versam sobre o trabalho prestado ao 7º dia, isto é, naquele que devia ser o dia de descanso semanal e descansava ao oitavo dia.
É vasta a argumentação usada em sede de alegações no entanto a avaliação da convicção do tribunal não se faz por comparação com o que se decidiu noutros processos. Nada obsta que se realizem os julgamentos em conjunto dada a semelhança de processos e no essencial serem as mesmas as testemunhas, no entanto a convicção que o tribunal retira é individual e não é porque num dos processos se decide num sentido que assim se tem de decidir para os demais, pelo que, em nada contribui para a decisão tudo quanto se alega em termos de comparação de decisões sendo certo que, o poder jurisdicional nem abrange o que se haja decidido noutros processos.
Sobre esta matéria a convicção do tribunal “a quo” alicerçou-se na parte já antes reproduzida.
Da sua vasta alegação sobre esta matéria não resulta em momento algum que a Recorrente haja demonstrado que a situação seja diferente do que se provou, sendo certo que a apreciação do tribunal recorrido é bastante detalhada tendo em consideração a dificuldade de prova desta matéria, pelo que, tal como na situação anterior a fundamentação mostra-se coerente e suficiente para extrair a conclusão a que ali se chegou.
Por fim invoca a Recorrente que aquando da cessação da relação laboral o Autor assinou um documento de quitação pelo que reconheceu que tudo o que tinha a receber lhe havia sido pago, pelo que havia de ter sido dado como provada a matéria do quesito 19º.
Porém, daquela declaração e das passagens dos depoimentos invocados pela Recorrente o que resulta é que o Autor perante as contas que lhe foram apresentadas recebeu o valor que lhe foi entregue, mas dali não resulta, nem nada admite pressupor que o trabalhador, agora Autor, tinha conhecimento dos direitos que lhe assistiam e que agora reclamou que lhe fossem pagos, sendo certo que, de toda a discussão no processo não resulta em momento algum que os créditos agora invocados hajam sido pagos, ou quiçá, haja eventualmente sido paga um compensação por outros créditos a que tivesse direito, pelo que, nada autoriza que o tribunal “ a quo” tivesse decidido de outra forma que não aquela que fez, também aqui, não havendo reparo a fazer à decisão recorrida.
Sobre a convicção do tribunal recorrido quanto às respostas dadas à base instrutória veja-se Acórdão deste Tribunal de 15.10.2021 proferido no processo nº 240/2021:
«Ora bem, dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599.º, n.º 1 e 2 do CPC.”
Também se decidiu no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
A convicção do Tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, sendo mais comuns as provas testemunhal e documental, competindo ao julgador valorar os elementos que melhor entender, nada impedindo que se confira maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras, salvo excepções previstas na lei.
Não raras vezes, pode acontecer que determinada versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras. Neste caso, cabe ao Tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
Assim, estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova.
Analisada a prova produzida na primeira instância, a saber, a prova documental junta aos autos e o depoimento das testemunhas, entendemos não assistir razão aos autores.».
Destarte, não resultando da fundamentação do tribunal “a quo” quanto às respostas dadas à Base Instrutória, erro grosseiro e manifesto, de acordo com o disposto na al. b) do nº 1 e nº 2 do artº 599º do CPC, impõe que se negue provimento ao recurso nesta parte.
- Do Recurso quanto ao cálculo da indemnização devida pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal não gozados.
Sobre esta questão na decisão recorrida diz-se o seguinte:
«De trabalho prestado em dia de descanso semanal
O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril, com redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho dispõe:
Artigo 17.º
(Descanso semanal)
1. Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no n.º1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dia de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago:
a) Aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal;
b) Aos trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado, pelo montante acordado com os empregadores, com observância dos limites estabelecidos nos usos e costumes.
Quanto às compensações pelos dias de descanso semanal reclamadas pelo Autor, o mesmo alegou que a Ré não garantiu o gozo do descanso semanal no 7º dia após 6 dias de trabalho, mas somente o do 8º dia, que corresponde a trabalho prestado em dia de descanso e confere ao Autor o direito a receber o dobro da retribuição normal por cada um dos 7os dias de trabalho prestado.
Das normas resulta que, na vigência do DL 24/89/M, a lei garantia o gozo do descanso semanal em 7º dia após 6 dias de trabalho como regra geral nas legislações laborais de Macau. No entanto, tendo em consideração a necessidade do funcionamento dalguns sectores de actividade, o legislador abriu uma excepção de que permitia razoavelmente o trabalho contínuo mais de 7 dias, no máximo 26 ou 27 dias mensais, e garantia o gozo dum descanso consecutivo de quatro dias no mês corrente.
Repare-se que aqui se trata duma norma excepcional em que o legislador sublinhou o adjectivo “consecutivo” para o gozo de descanso semanal. Isto significa que esse modo do gozo de 4 dias de descanso semanal tem que ser contínuo, mas não separado, sob pena de violar a regra geral prevista no art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M.
Netses termos, não deixa de considerar o não gozo de descanso semanal em 7º dia ou em 4 dias consecutivas como facto violador do direito de repouso conferido ao Autor nos termos do art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M, devendo considerar-se o 8º dia de descanso após 7 dias de trabalho apenas como descanso compensatório gozado pelo Autor nos termos do art. 17º, n. 4º do mesmo diploma.
No caso subjudice, segundo os factos provados, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré num regime de sete dias de trabalho consecutivos e a Ré não fixou até ao Autor descanso semanal. Por outro lado, não se provou nenhum facto que se consubstancia as excepções previstas no n.° 3 do artigo supre citado. Assim sendo, a Autor tem direito de receber a compensação dos dias de descanso semanal em que prestou trabalho.
No tocante ao quantum compensatório, de acordo com a Jurisprudência supra citada, “o trabalhador tem o direito de receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da remuneração correspondente, para além do salário-base já recebido, ou seja, o quantum compensatório é calculado pela fórmula seguinte: Nºs de dias não gozados X salário diário X 2”.
Por isso, entre 28/04/2006 e 28/11/2008, descontando o número dos dias de férias anunais e dispensas de trabalho não remuneradas, tem este direito de receber contra Ré, ao lado do salário normal já recebido, a quantia de MOP75.870,00 ((MOP$7.500,00 / 30 dias * 9(64/7) dias * 2) + (MOP$8.700,00 / 30 dias * 50((365-12)/7) dias * 2) + (MOP$8.850,00 / 30 dias * 51((366-12)/7) dias * 2) + (MOP$9.210,00 / 30 dias * 20((151-12)/7) dias * 2), a títluo de trabalho prestado ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo.».
Nesta parte a sentença recorrida acompanhou aquela que tem vindo a ser a jurisprudência dominante deste Tribunal de Segunda Instância.
A questão que se coloca consiste em saber se quando a lei fala em “dobro da retribuição normal” está a pensar apenas em o trabalho ser pago pela retribuição normal que seria devida pelo dia de descanso acrescida do equivalente à remuneração devida por mais um dia, ou se se pretende dizer que o “trabalho” prestado em dia de descanso semanal é pago com a retribuição equivalente ao dobro do que aquilo que seria devido por um dia de trabalho normal, sem prejuízo do trabalhador continuar a ter direito a receber o valor que já era devido por esse dia em que devia ter descansado.
Tem vindo a ser entendimento deste tribunal que a remuneração devida é igual ao dobro da remuneração normal., sem descontar o valor que é pago ao trabalhador por esse dia ainda que não trabalhasse.
A respeito de descanso semanal referem José Bento da Silva e Miguel Quental, em Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau, 2006, que: «As razões que justificam a existência de um dia de descanso prendem-se com motivos de ordem física e psíquica (recuperar do desgaste provocado por uma semana de trabalho), de ordem familiar (aproveitar esse dia para conviver com a própria família) e também por razões de ordem social e cultural (esse período permite o convívio com amigos, a participação em manifestações de carácter público, ou para que o trabalhador possa tratar de assuntos do seu próprio interesse junto, por ex. de repartições públicas, etc.).
A fixação do período de descanso semanal, nos termos do nº 2 do art. 17º, cabe ao empregador, e deve ser realizado (fixado) “com devida antecedência de acordo com as exigências de funcionamento da empresa”. Assim, e embora seja a entidade patronal quem tem o poder para determinar o dia7 de descanso semanal dos seus trabalhadores, tal fixação está, no entanto, subordinada às exigências de funcionamento da empresa. O que se compreende, atendendo a que no Território o normal é as empresas funcionarem todos os dias, inexistindo um dia de paralisação da actividade, logo torna-se necessário escalonar os dias de descanso semanal dos trabalhadores por forma a que a empresa se possa manter em funcionamento todos os dias da semana.
Como se referiu, a lei determina que o descanso semanal deve ser fixado com a “devida antecedência”: quer isto dizer que a entidade patronal deve avisar o trabalhador do seu dia de descanso com a antecedência suficiente, para que este possa organizar a sua vida de modo a poder usufruir efectivamente de todos os benefícios relacionados com o dia de descanso.».
O trabalho prestado em dia de descanso semanal reveste carácter excepcional, ainda que seja voluntariamente prestado, sendo as normas respectivas de carácter imperativo.
O trabalhador tem sempre o direito a receber a remuneração correspondente ao dia de descanso nos termos do artº 26º nº 1 do Decreto-Lei 24/89/M.
Destarte, tem este tribunal vindo a entender que quando na al. a) do nº 6 do artº 17º do indicado diploma legal se diz que “o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago (…) pelo dobro” se está a consagrar o valor remuneratório do trabalho efectivamente prestado e indisponibilidade de gozar o dia de descanso semanal, independentemente e para além da remuneração desse dia à qual o trabalhador, como já se referiu, sempre teria direito.
Em igual sentido se disse no Acórdão deste tribunal de 27.02.2020 proferido no processo 1247/2019: «Não faria, aliás, sentido que fosse de outra maneira. Na verdade, se o trabalhador, mesmo sem prestar serviço nesse dia de descanso (v.g., domingo), sempre auferiria o correspondente valor (a entidade patronal não lho poderia descontar, visto que o salário é mensal), não faria sentido que, indo trabalhar nesse dia, apenas passasse a receber em singelo o trabalho efectivamente prestado. Seria injusto que apenas se pagasse ao trabalhador esse dia de serviço, que deveria ser de folga e descanso. Que vantagem teria então o trabalhador por prestar serviço a um domingo, se, além do que receberia mesmo sem trabalhar, apenas lhe fosse pago o valor do trabalho efectivamente prestado nesse dia de folga como se tratasse de um dia normal de trabalho?!
Por isso é que o legislador previu que o trabalho efectivamente prestado nesses dias pelo trabalhador, além do valor que já lhes seria devido em qualquer caso, fosse compensado em dobro pelo valor da retribuição normal diária. Quando a lei fala em dobro refere-se, obviamente, à forma de remunerar esse serviço efectivamente prestado nesses dias de descanso, sem prejuízo, como é bom de ver, do valor da remuneração a que sempre teria direito correspondente a cada um desses dias de descanso e que já recebeu.
Significa isto, assim, que a 1ª instância não poderia ter descontado o valor em singelo já recebido pelo Recorrente.
Trata-se, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma quase uniforme por este TSI, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: salário diário X nº de dias devidos e não gozados X 2.».
Assim sendo, sem necessidade de outras considerações e sendo esta a Jurisprudência consagrada nos Acórdãos proferidos por este tribunal, impõe-se decidir em conformidade, confirmando a decisão recorrida.
Assim se concluindo por negar provimento total ao recurso.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos nega-se provimento a ambos os recursos confirmando a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pela Ré e Recorrente.
Registe e Notifique.
RAEM, 6 de Janeiro de 2022
Rui Pereira Ribeiro
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
732/2021 CÍVEL 33