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Processo n.º 895/2021 Data do acórdão: 2022-1-13
(Da reclamação da decisão sumária do recurso)
Assuntos:
– parque de estacionamento público
– crime de fuga à responsabilidade
– art.o 109.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
– suspensão da sanção de inibição de condução
S U M Á R I O
É aplicável a parque de estacionamento público o regime sancionatório da conduta de fuga à responsabilidade previsto na Lei do Trânsito Rodoviário.
Só se coloca a hipótese de suspensão da sanção acessória de interdição de condução nos termos do art.o 109.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, caso o arguido seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 895/2021
(Autos de recurso penal)
(Da reclamação para conferência da decisão sumária do recurso)
Arguido recorrido ora reclamante: A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida a fls. 102 a 106 do Processo Comum Singular n.° CR4-21-0185-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, absolutória do arguido A, aí já melhor identificado, da acusada prática, em autoria material, de um crime consumado de fuga à responsabilidade, p. e p. pelo art.o 89.o da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR), veio a Digna Delegada do Procurador junto desse Tribunal recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), através da motivação apresentada a fls. 113 a 115 dos presentes autos correspondentes, para pedir a condenação do arguido no crime acusado, com medida da respectiva pena, por entender ser aplicável ao parque de estabelecimento público em causa nos autos o regime sancionatório de fuga à responsabilidade previsto na LTR.
Respondeu o arguido a fls. 118 a 120 dos autos, a defender a improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 129 a 131, opinando pela inaplicabilidade do referido regime sancionatório de fuga à responsabilidade aos factos ocorridos dentro do parque de estacionamento público dos autos.
Por decisão sumária do relator, proferida nos termos do art.o 621.o, n.o 1, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do Código de Processo Penal, foi decidido julgar provido o recurso do Ministério Público, passando-se, por conseguinte, a condenar o arguido como autor material de um crime consumado de fuga à responsabilidade do art.o 89.o da LTR, na pena principal de quarenta e cinco dias de multa, à quantia diária de cem patacas, no total, pois, de quatro mil e quinhentas patacas (convertível em trinta dias de prisão, no caso de não ser paga nem substituída por trabalho), e na pena acessória de seis meses de inibição efectiva de condução, com custas do recurso pelo arguido, com uma UC de taxa de justiça e mil patacas de honorários do seu Ex.mo Defensor Oficioso, e com todas as custas do processo no Tribunal recorrido a cargo do arguido (incluindo três UC de taxa de justiça, e a quantia de mil e duzentas patacas de honorários já atribuída na sentença recorrida para o Ex.mo Defensor Oficioso que defendeu o arguido na audiência de julgamento).
Veio o arguido reclamar dessa decisão para conferência, através do petitório de fls. 138 a 142, preconizando, a título principal, a tese de inaplicabilidade, ao caso dele, do tipo legal de fuga à responsabilidade previsto na LTR, para rogar a sua absolvição penal, para além de achar demasiado severa a sanção de inibição de condução imposta na decisão sumária do recurso, ao arrepio do disposto dos art.os 40.o e 65.o do Código Penal, para pedir, subsidiariamente, a redução da duração dessa sanção para não mais do que três meses.
Sobre a matéria dessa reclamação, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fl. 148 a 148v pela devida absolvição penal do arguido (por não ser aplicável ao caso o tipo legal de fuga à responsabilidade, como já tinha defendido no parecer então emitido), apesar de, a título subsidiário, entender não excessiva a sanção de inibição de condução fixada na decisão sumária do recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. A sentença ora recorrida ficou proferida a fls. 102 a 106 dos autos, cuja fundamentação fáctica se dá por aqui integralmente reproduzida. Nessa sentença, o Tribunal autor da sentença entendeu não ser aplicável ao parque de estacionamento público dos autos o regime legal da LTR, pelo que decidiu em absolver o arguido do acusado crime de fuga à responsabilidade tipificado nesta Lei, apesar de ter julgado por provados todos os factos descritos na acusação então deduzida pelo Ministério Público (a fls. 77 a 78) contra o arguido.
2. O arguido trabalha como oficial de operações de aeroporto.
3. A decisão sumária do recurso ora sob reclamação tem por fundamentação jurídica o seguinte:
A nível do Direito, sobre a questão nuclear de saber se a todo o acidente de viação ocorrido em parque de estabelecimento público é aplicável a norma incriminatória do art.o 89.o da LTR, já se pronunciou, no sentido afirmativo, o TSI nos acórdãos de 16 de Novembro de 2017 do Processo n.o 941/2016, de 10 de Maio de 2018 do Processo n.o 203/2018 e de 5 de Julho de 2018 do Processo n.o 738/2017, de maneira que na esteira dessa jurisprudência repetida na questão jurídica em causa, há que passar a condenar o arguido no crime de fuga à responsabilidade do art.o 89.o da LTR por que vinha acusado pelo Ministério Público, porquanto toda a factualidade já dada por provada na sentença absolutória ora recorrida preenche cabalmente este tipo-de-ilícito, quer objectiva quer subjectivamente falando.
Este crime de fuga à responsabilidade é punível, no caso de se optar pela aplicação da pena de multa, com 10 a 120 dias de multa (cfr. o art.o 45.o, n.o 1, do Código Penal e o art.o 89.o da LTR).
Realiza-se que, nos termos do art.o 64.o do Código Penal, é de aplicar pena de multa ao arguido, que é delinquente primário.
Na medida concreta da pena aos padrões vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do Código Penal, atendendo em especial a que o arguido já pagou a indemnização pecuniária de duas mil e quinhentas patacas ao ofendido, afigura-se equilibrada a imposição de 45 dias de multa (convertível em 30 dias de prisão, no caso de não pagamento nem substituição por trabalho, nos termos do art.o 47.o, n.o 1, do Código Penal), à quantia diária de cem patacas, o que perfaz a multa total de quatro mil e quinhentas patacas. Além disso, tem que levar o arguido a pena acessória de inibição efectiva de condução por seis meses, fixada à luz do art.o 94.o, alínea 2), da LTR, dentro da respectiva muldura de dois meses a três anos de inibição.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Cabe agora conhecer da reclamação deduzida pelo arguido recorrido contra a decisão sumária do recurso do Ministério Público.
Desde já, quanto à objecção principal do arguido, é de manter a posição jurídica, vertida na decisão sumária do recurso, de aplicabilidade, ao parque de estacionamento público dos autos, do regime sancionatório da conduta de fuga à responsabilidade previsto na LTR, na esteira do entendimento jurídico veiculado nos três acórdãos do TSI já citados na própria decisão sumária.
No tocante à medida concreta da sanção acessória, não se vislumbra injustiça na aplicação de seis meses de inibição de condução ao arguido à luz do art.o 94.o, alínea 2), da LTR, dentro da respectiva muldura legal de dois meses a três anos de inibição, em face de todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância.
Nota-se, por fim, que nem é plausível a hipótese de suspensão da execução dessa sanção, porquanto o arguido trabalha como oficial de operações de aeroporto, cujas funções, como se sabe, são mais vastas do que as de um condutor profissional de veículos, sendo certo que nem ele tenha apresentado aos autos prova cabal concreta de ser um motorista de profissão com rendimento dependente da condução de veículos – cfr. o rumo jurisprudencial até agora seguido neste TSI segundo o qual só se coloca a hipótese de suspensão da interdição de condução nos termos do art.o 109.o, n.o 1, da LTR, caso o arguido seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos (nesse sentido, cfr., de entre outros, o acórdão do TSI, de 17 de Julho de 2008, no Processo n.o 424/2008).
Portanto, é de improceder a reclamação sub judice, por ser de manter, nos seus precisos termos, a decisão sumária do recurso.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente a reclamação do arguido da decisão sumária do recurso do Ministério Público, ficando o arguido mesmo condenado como autor material, na forma consumada, de um crime de fuga à responsabilidade do art.o 89.o da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena principal de quarenta e cinco dias de multa, à quantia diária de cem patacas, no total, pois, de quatro mil e quinhentas patacas (convertível em trinta dias de prisão, no caso de não ser paga nem substituída por trabalho), e na pena acessória de seis meses de inibição efectiva de condução.
Para além das custas, taxas de justiça e todos os montantes referidos no dispositivo dessa decisão sumária, pagará ainda o arguido recorrido as custas da sua reclamação, com uma UC de taxa de justiça correspondente, e mais duzentas patacas de hononários ao Ex.mo Defensor Oficioso autor do petitório da reclamação.
Comunique o presente acórdão (com cópias também da sentença recorrida e da decisão sumária do recurso) ao Departamento de Trânsito do Corpo de Polícia de Segurança Pública e à Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego.
Macau, 13 de Janeiro de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



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