Processo n.º 894/2021
(Autos de recurso em matéria laboral)
Relator: Fong Man Chong
Data: 13 de Janeiro de 2022
ASSUNTOS:
- Interesse processual no caso de resolução amigável do contrato-promessa
SUMÁRIO:
I - Celebrado um contrato-promessa de compra e venda sobre um imóvel, e depois, com a concordância das promitentes-vendedoras, a promitente-adquirente veio a desisitir do negócio, tendo-lhe sido devolvido o sinal em singelo, e, veio a promitente-adquirente propor acção declarativa junto do TJB pedindo a declaração da inexistência jurídica do negócio em causa, é de entender que a Autora carece de interesse para esta finalidade, tal como Tribunal a quo entendeu e consequentemente julgou improcedente o pedido, por não existir litígio entre as partes. Nestes termos, a decisão recorrida deve ser mantida por não violar o estipulado no artigo 72º do CPC.
II – Por outro lado, nem o artigo 52º/2 do Regulamento do Imposto do Selo, aprovado pela Lei nº 17/88/M, de 27 de Junho, dá cobertura legal à situação da carência de tutela jurídica em causa (por a Entidade Tributante ter liquidado oficiosamente o imposto de selo), visto que o caso dos autos (resolução (amigável) do contrato) não cai na hipótese da norma citada.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 894/2021
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 13 de Janeiro de 2022
Recorrente : - A
Recorridas : - B
- C
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 04/06/2021, que julgou improcedente o pedido pela Autora formulado (pedindo que seja declarada a inexistência dum “acordo” por ela assinado), dela veio, em 28/07/2021, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 93 a 107, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos (fls. 78 a 81), que julgou "improcedente, por não provado, o pedido da declaração da inexistência do respectivo "Acordo provisório para compra e venda de fracção", e por conseguinte, absolve[r] as Rés d[o] pedido principal formulado pela Autora [e] absolve[r] ainda as Rés da instância em relação ao pedido subsidiário por se ter verificado a falta de interesse em agir para a declaração da resolução, por via judicial, do mesmo "Acordo"."
2. Não pode a ora Recorrente conformar-se com esta decisão porque, por um lado, estando em causa um mero "Acordo Provisório", não existe ainda coincidência de vontades, pelo que não há contrato.
3. Por outro lado, existe um verdadeiro interesse em agir, por parte da ora Recorrente, pois esta tem um direito que precisa de ser acautelado, e a única via para poder ver esse interesse acautelado é o recurso aos tribunais judiciais. Concretizando:
(Da inexistência de Contrato)
4. Não chegou, neste caso a existir uma convergência de vontades temporalmente coincidente que permita falar-se em existência de contrato, tendo havido apenas um acto provisório, uma proposta com vista à reserva de negócio, sem qualquer efeito jurídico subjacente.
5. A provisoriedade deste Acordo resulta evidente dos factos assentes n.ºs 3, 5, 6, 7 e 8.
6. O tal negócio de compra e venda ou promessa de compra e venda (a que se referia o acordo provisório) não se chegou sequer a realizar, sendo o mesmo inexistente e não produzindo qualquer efeito jurídico.
7. O acto em questão não chegou sequer a ser inválido, ineficaz ou ilícito, porque pura e simplesmente nunca chegou a existir.
8. Tal acto foi apenas e tão só a reserva de um potencial negócio, o qual se frustrou no mesmo dia por desistência das partes, tendo esta desistência sido aceite por todas as partes envolvidas.
9. Verificando-se a desistência de um dos contraentes antes do vencimento do contrato (dissenso) o acto em questão sofre de uma insuficiência estrutural extrema, pelo que não se pode considerar que existiu contrato.
10. Poder-se-á qualificar como um acordo preparatório, de natureza não contratual, dele não resultando quaisquer obrigações contratuais, mas nunca poderá qualificar-se como um verdadeiro contrato.
11. Nos termos do artigo 228.° do Código Civil, o sentido decisivo com que a declaração há-de valer é que aquele que se obtém do ponto de vista de um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante.
12. In casu, a não existência de um verdadeiro contrato também resulta da própria impressão do destinatário quanto ao acordo provisório firmado que, aos olhos de um declaratário razoável e normal, medianamente instruído e diligente (um «bonus pater familias») será uma declaração puramente pré-contratual, sem qualquer carácter vinculativo, com vista à reserva de um potencial negócio.
13. Nos termos do disposto no artigo 224º do Código Civil, se as partes em negociação não chegarem a acordo sobre algumas das questões sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo, o contrato não se concluiu, o que é o caso, não havendo por isso qualquer contrato. Subsidiariamente,
(Do interesse em agir processualmente)
14. Ao contrário do que afirma o Tribunal a quo, não está em causa a prática de qualquer "[...] acto simulado com a coadjuvação do réu" e existe um verdadeiro interesse em agir, por parte da ora Recorrente.
15. Negar-se a apreciação desta ineficácia do contrato é negar à ora Recorrente a possibilidade de cumprir o formalismo legal (estipulado no artigo 52.º, n.º 2 do Regulamento do Imposto de Selo) que lhe permitirá obstar ao pagamento de Imposto de Selo indevido.
16. Nesse caso, a Recorrente seria obrigada a suportar o Imposto de Selo de um negócio que não quis, que não existe, que não produziu qualquer efeito; seria obrigada a pagar o Imposto de Selo de um imóvel que não comprou.
17. Não há, in casu, intenção de praticar acto simulado nenhum, não sendo aplicável o artigo 568.° do CPC.
18. Acresce que existe uma verdadeira necessidade de obtenção de uma decisão judicial para que seja assegurado um direito da Recorrente.
19. A existência de um direito, aliada à necessidade de recorrer aos tribunais para tutela desse direito, resulta na existência de um interesse processual.
20. Neste caso, existe um direito (de não pagar imposto de selo por uma compra de um imóvel que não aconteceu), e existe também uma necessidade de recorrer aos tribunais para que a ora Recorrente possa fazer valer o seu direito, (necessidade essa que resulta do artigo 52.°, n.º 2 do Regulamento do Imposto de Selo).
21. Existindo direito e existindo necessidade (e ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo) existe também interesse processual.
22. Negar-se a possibilidade de a Recorrente se socorrer dos tribunais para obter a sentença a que se refere o artigo 52.°, n.º 2 do Regulamento do Imposto de Selo, é negar-se-lhe uma tutela jurisdicional efectiva do seu direito e a garantia de acesso aos tribunais (art. 1.° do Código de Processo Civil).
23. Por tudo o exposto, é manifesto o interesse em agir por parte da ora Recorrente.
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Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. As Rés são as proprietárias e titulares inscritas da fração autónoma designada por “T2”, 2 º andar “T”, para habitação, do prédio urbano sito em Macau, no número 5 da Estrada de XXX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n º XXXX no livro B, com o valor matricial de MOP1.786.400,00, inscrito na matriz predial sob o número XXXXX-02-T2.
2. Na tarde do dia 12/11/2018, a ora Autora, seguindo as orientações da agente imobiliária da D PROPERTIES, E ( doravante designada como Agente imobiliária), um documento designado por “Acordo provisório para compra e venda de fracção”, em inglês “Provisional Agreement for sale and purchase” e em chinês “ 物業單位臨時買賣合同” - cfr. o documento de fls. 29, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
3. Quando a Autora assinou o aludido documento as Rés não se encontravam presentes, estando apenas presente a Autora e a referida agente que também assinou o mesmo.
4. Tendo-lhe, no entanto, sido dito à Autora que o mesmo documento iria ser assinado pelas Rés nesse mesmo dia o que efectivamente ocorreu.
5. Nessa mesma data e com o objectivo de reservar o aludido negócio de compra e venda a seu favor, a Autora pagou à agência imobiliária a quantia de HKD40.000,00.
6. À noite desse mesmo dia 12/11/2018, a Autora mudou de ideias quanto à aquisição deste imóvel e, por isso, imediatamente contactou a agente imobiliária comunicando-lhe que não estava mais interessada na realização do negócio.
7. Nessa mesma noite, ainda por contacto telefónico com a agente imobiliária, a Autora comunicou-lhe que queria que o valor de HKD40.000,00 que havia pago para reservar a aludida fração, lhe fosse restituído.
8. O que foi aceite pela agente imobiliária.
9. Tendo esta, no dia 20/11/2018, restituído o referido montante à Autora.
10. Por motivos alheios à Autora, o referido “Acordo provisório para compra e venda de fracção”, foi comunicado à Direcção dos Serviços de Finanças de Macau.
11. Que nessa sequência, e com base nesse título, veio a liquidar oficiosamente o respectivo imposto de selo.
12. As Rés concordaram com a resolução do negócio, restituindo à Autora o que havia sido entregue para reserva do negócio.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
I) RELATÓRIO
A, divorciada, residente em Macau, na XXXXXXXXXX, mais bem identificada nos autos, intentou
Acção Ordinária contra
B, solteira, e C, divorciada, residentes em Macau, na XXXXXXXXXXX, ambas também mais bem identificadas nos autos.
Com os fundamentos constantes da p.i. de fls. 2 a 10.
Concluiu pedindo que seja declarado como inexistente o “Acordo provisório para compra e venda de fracção”, realizado entre a Autora e as Rés em 12/11/2018, subsidiariamente, pede que seja declarado resolvido o mesmo “Acordo provisório para compra e venda de fracção”.
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Procedeu-se à citação das Rés, ninguém apresentou contestação.
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O Tribunal é competente em razão da matéria, da hierarquia e nacionalidade e o processo é próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II) FACTOS
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
1. As Rés são as proprietárias e titulares inscritas da fração autónoma designada por “T2”, 2 º andar “T”, para habitação, do prédio urbano sito em Macau, no número 5 da Estrada de XXX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n º XXXX no livro B, com o valor matricial de MOP1.786.400,00, inscrito na matriz predial sob o número XXXXX-02-T2.
2. Na tarde do dia 12/11/2018, a ora Autora, seguindo as orientações da agente imobiliária da D PROPERTIES, E ( doravante designada como Agente imobiliária), um documento designado por “Acordo provisório para compra e venda de fracção”, em inglês “Provisional Agreement for sale and purchase” e em chinês “ 物業單位臨時買賣合同” - cfr. o documento de fls. 29, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
3. Quando a Autora assinou o aludido documento as Rés não se encontravam presentes, estando apenas presente a Autora e a referida agente que também assinou o mesmo.
4. Tendo-lhe, no entanto, sido dito à Autora que o mesmo documento iria ser assinado pelas Rés nesse mesmo dia o que efectivamente ocorreu.
5. Nessa mesma data e com o objectivo de reservar o aludido negócio de compra e venda a seu favor, a Autora pagou à agência imobiliária a quantia de HKD40.000,00.
6. À noite desse mesmo dia 12/11/2018, a Autora mudou de ideias quanto à aquisição deste imóvel e, por isso, imediatamente contactou a agente imobiliária comunicando-lhe que não estava mais interessada na realização do negócio.
7. Nessa mesma noite, ainda por contacto telefónico com a agente imobiliária, a Autora comunicou-lhe que queria que o valor de HKD40.000,00 que havia pago para reservar a aludida fração, lhe fosse restituído.
8. O que foi aceite pela agente imobiliária.
9. Tendo esta, no dia 20/11/2018, restituído o referido montante à Autora.
10. Por motivos alheios à Autora, o referido “Acordo provisório para compra e venda de fracção”, foi comunicado à Direcção dos Serviços de Finanças de Macau.
11. Que nessa sequência, e com base nesse título, veio a liquidar oficiosamente o respectivo imposto de selo.
12. As Rés concordaram com a resolução do negócio, restituindo à Autora o que havia sido entregue para reserva do negócio.
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II) FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Da inexistência do negócio
Na presente acção, a Autora formulou dois pedidos, um é para declarar inexistente o negócio titulado por “Acordo provisório para compra e venda de fracção”, realizado em 12.11.2018. O outro pedido, formulado de forma subsidiária, consiste em que seja declarado resolvido o mesmo negócio.
Ora, vamos apreciar o primeiro pedido.
Para sustentar o pedido principal, a Autora veio alegar que o negócio em causa, ou seja, o “Acordo provisório para compra e venda de fracção” (doravante designado por “Acordo”) nunca foi chegado nem sequer se realizar visto que a Autora tinha desistido o mesmo no dia 12/11/2018, data em que a Autora assinou o “Acordo”, porém, à noite do mesmo dia, mudou de ideias quanto à aquisição do imóvel e comunicou à agente imobiliária que não estava mais interessada na realização do negócio.
Como é bom de ver, conforme o que consta no documento junto com a p.i. sob o n.º 2, constata que o “Acordo” foi efectivamente assinado por ambas as partes, isto quer dizer, já houve lugar o acordo de vontades entre a ora Autora e as Rés, na medida em que no “Acordo” foi constada a proposta da Autora, por um lado; Nele também houve a aceitação por parte das Rés, por outro lado. Daí que se dá por concluído o contrato, o que inviabiliza a revogabilidade da proposta ou retractação do proponente.
Fala-se de inexistência de um acto jurídico “quando nem sequer aparentemente se verifica o corpus de certo negócio jurídico (a materialidade que corresponde à noção de tal negócio) ou, existindo embora na aparência, a realidade não corresponde a tal noção” in Teoria Geral do Direito Civil, Mota Pinto, 1985, 3ª ed. pág. 608.
Assim, o negócio, a que falta um elemento essencial à sua própria configuração, por não ter acontecido, é o negócio inexistente.
A nosso ver, a noção de inexistência jurídica atrás enunciada parece não se ajustar ao contrato ora em escrutínio, que não enferma de qualquer vício intrínseco por serem objectivamente válidas as declarações de vontade de ambas as partes, só que após concluído o negócio é que a Autora mudou de ideais de comprar o imóvel, deixando de ter interesse em manutenção do contrato, deste modo, somos a entender que o “Acordo” tem existência material e foi validamente celebrado, segundo a forma legal exigida e até de harmonia com a vontade dos contraentes.
Daí que não estamos perante a inexistência do negócio, mas sim a resolução do contrato assenta no mútuo consenso dos contraentes
Foi precisamente isso que sucedeu no caso vertente, que nada tem a ver com inexistência jurídica, vício de que de modo algum enferma o contrato celebrado entre a Autora e as Rés.
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Da resolução do contrato por via judicial
No pedido subsidiário da Autora, esta veio pedir que seja declarado resolvido o “Acordo” celebrado entre as partes em 12/11/2018.
Da factualidade provada nestes autos resulta que as Rés estão de acordo na resolução do negócio, i.e. o Acordo, restituindo assim à Autora o que havia sido entregue no âmbito do contrato, pelo que, é óbvio que houve lugar uma resolução do contrato fundada em convenção, o que é admissível na lei, concretamente no art.º 426º, n.º do Código Civil.
No entanto, aqui se surge outra questão que possa integrar um entrave para a pretensão da Autora, isto é a questão de saber se há interesse processual por parte da Autora quando recorrer à via judicial para dirimir um litígio que objectivamente não existe.
Neste aspecto, o art.º 72º do CPC consagra que há interesse processual sempre que a situação de carência do autor justifica o recurso às vias judiciais.
Aliás, o art.º 72º, n.º 2 prevê especificadamente nas acções constitutivas há interesse processual sempre que o efeito jurídico visado não possa ser obtido mediante simples acto unilateral do autor.
Ora, no caso em apreço, não há nenhum litígio propriamente dito entre as partes, e por outro lado, o direito à resolução do contrato, nos termos da lei civil, podia já ser alcançado pelo simples acordo dos contraentes, que realmente sucedeu no caso vertente, desta maneira, salvo o devido respeito que é muito por diversa opinião, afigura-se-nos que não se verifica o interesse em agir por parte da Autora.
Não se diga que o n.º 2 do art.º 52º do «Regulamento do Imposto de Selo», aprovado pela Lei n.º 17/88/M, de 27 de Junho, possa legitimar a instauração desta acção, por não ser legal que um autor intenta uma acção visando resolver um litígio que realmente não existe e só meramente para praticar um acto simulado com a coadjuvação do réu – cfr. art.º 568º do CPC.
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III) DECISÃO
Nestes termos e nos mais de Direito, julga-se improcedente, por não provado, o pedido da declaração da inexistência do respectivo “Acordo provisório para compra e venda de fracção”, e por conseguinte, absolvendo as Rés deste pedido principal formulado pela Autora. Ademais, absolvendo ainda as Rés da instância em relação ao pedido subsidiário por se ter verificado a falta de interesse em agir para a declaração da resolução, por via judicial, do mesmo “Acordo”.
Custas pela Autora.
Notifique e Registe.
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Ora, basicamente concordamos com a argumentação tecida pelo Tribunal a quo, e nesta sede de recurso limitamo-nos a acrescentar ainda o seguinte:
1) – O verdadeiro interesse subjacente à propositura desta acção pela Autora consiste na eventual possibilidade de pedir, junto da entidade tributante, o reembolso do imposto de selo oficiosamente liquidado. Nesta óptica, a via mais correcta para acautelar o interesse da Autora deverá ser a de acatar o acto da liquidação da DSF, caso se entenda que tenha condições para o fazer.
2) – Relativamente à questão do interesse processual em situações semelhantes, pronunciou-se do seguinte modo:
Nas acções de simples apreciação, a legitimidade do autor afere-se por, na relação substantiva, ser portador de um direito ou titular de um interesse real mas incerto, que se pretende definir ou tornar certo (Ac. RL, de 26.4.1983: Colectânea de Jurisprudência, 1983, 2.°-142).
(...)
Aquele que auxilia a negociar a venda de um prédio não tem legitimidade para a causa em que o comprador pede a condenação dele e do vendedor em indemnização por actuação dolosa na formação do contrato (Ac. RE, de 23.1.1986: BMJ, 355.°-454).
Pelo que, é do nosso entendimento que, em face das considerações e impugnações da ora Recorrente, a argumentação produzida pelo MMo. Juiz do Tribunal a quo continua a ser válida, a qual não foi contrariada mediante elementos probatórios concretos, trazidos por quem tem o ónus de prova, razão pela qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de sustentar e manter a posição assumida na decisão recorrida.
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Síntese conclusiva:
I - Celebrado um contrato-promessa de compra e venda sobre um imóvel, e depois, com a concordância das promitentes-vendedoras, a promitente-adquirente veio a desisitir do negócio, tendo-lhe sido devolvido o sinal em singelo, e, veio a promitente-adquirente propor acção declarativa junto do TJB pedindo a declaração da inexistência jurídica do negócio em causa, é de entender que a Autora carece de interesse para esta finalidade, tal como Tribunal a quo entendeu e consequentemente julgou improcedente o pedido, por não existir litígio entre as partes. Nestes termos, a decisão recorrida deve ser mantida por não violar o estipulado no artigo 72º do CPC.
II – Por outro lado, nem o artigo 52º/2 do Regulamento do Imposto do Selo, aprovado pela Lei nº 17/88/M, de 27 de Junho, dá cobertura legal à situação da carência de tutela jurídica em causa (por a Entidade Tributante ter liquidado oficiosamente o imposto de selo), visto que o caso dos autos (resolução (amigável) do contrato) não cai na hipótese da norma citada.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 13 de Janeiro de 2022.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
2021-894-falta-interesse-processual 11