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Processo nº 903/2021
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 13 de Janeiro de 2022

ASSUNTO:
- Descanso adicional

SUMÁRIO
- O descanso adicional referido no nº 1 do artº 38º da Lei n.º 7/2008 só tem lugar quando o trabalho extraordinário é prestado quando se verifique casos de força maior ou quando o empregador esteja na iminência de prejuízos importantes.
O Relator











Processo nº 903/2021
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 13 de Janeiro de 2022
Recorrente: A (Ré)
Recorrido: B (Autor)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓRIO
  Por sentença de 23/07/2021, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré A a pagar ao Autor B a quantia de MOP$283,176.13, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização ao Autor C, no valor de MOP$50,400.79 a título de gozo de um descanso compensatório adicional remunerado.
II. Entende a ora Ré que esta matéria foi incorrectamente julgada pelo Douto Tribunal a quo e também no plano do Direito aplicável ao caso concreto, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece do vício de erro de julgamento e erro na aplicação do Direito.
III. Somos do entendimento que o Tribunal a quo não interpretou correctamente o sentido da norma ora em crise, ou seja, o artigo 38º, nº 1 da Lei n.º 7/2008 que remete para as situações do artigo 36º, n.º 2, alíneas 1) e 2) do mesmo diploma.
IV. Após analisar o artigo 38, n.º 1 da Lei n.º 7/2008, que menciona que as situações previstas no artigo 36º, n.º 2 das alíneas 1) e 2), não nos parece que o Tribunal a quo tenha qualquer tipo de razão.
V. Tal como ficou demonstrado o briefing era usado para efeitos de transição de turnos, mormente, para que os colegas que se encontravam no final do turno pudessem entregar aos que iam começar um novo turno os instrumentos de trabalho, tais como o "walkie talkie, assim o trabalhador não tem direito a qualquer período de descanso compensatório adicional, nos termos em que foi condenado.
VI. Além disso, o trabalho antecipado de 30 minutos por dia, já foi considerado como trabalho extraordinário e a, ora Recorrente, foi condenada a pagar o montante de acordo com o calculo de 1.5 do salário por hora, conforme está legalmente previsto.
VII. Acontece que o descanso compensatório adicional é somente atribuído em algumas situações que estão previstas do n.º 1 no artigo 38º da Lei n.º 7/2008, conforme o Autor pede na sua petição, nem sempre que se recebe horas extraordinárias tem direito a descanso compensatório adicional.
VIII. Na lei estão previstas as situações em que o trabalhador tem direito a esse descanso compensatório adicional.
IX. Não nos parece, existir as situações previstas no artigo 36º, n.º 2, alínea 1) e 2) e do artigo 38º, n.º 1 da Lei n.º 7/2008, logo a Ré não precisa de prestar a compensação adicional pelas horas extraordinárias do trabalho, assim, parece-nos que o Tribunal a quo entendeu mal ao condenar a ora Recorrente no pagamento do descanso compensatório adicional.
X. Desta feita verifica-se assim, salvo melhor e douta opinião, uma errada aplicação do Direito por parte do Tribunal a quo na condenação da Recorrente na quantia peticionada a título de gozo de um descanso compensatório adicional remunerado nos termos do artigo 18º, n.º 1 da Lei n.º 7/2008.
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O Autor respondeu à motivação do recurso da Ré, nos termos constantes a fls. 332 a 334, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1). Entre 08/11/2009 até ao presente, o Autor esteve ao serviço da Ré (A), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
2). O Autor foi recrutado pela D, Lda. – e, exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003. (B)
3). Entre 08/11/2009 e 31/07/2010 o Autor exerceu as suas funções para a Ré (A), do Contrato de Prestação de Serviços n.º2/2003. (C)
4). Entre 01/08/2010 a 31/07/2011, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (A) ao abrigo do Despacho n.º 06279/IMO/GRH/2010. (D)
5). Entre 01/08/2011 a 31/07/2012, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (A) ao abrigo do Despacho n.º 06743/IMO/GRH/2011. (E)
6). Entre 01/08/2012 a 31/07/2013, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (A) ao abrigo do Despacho n.º 11206/IMO/GRH/2012. (F)
7). Entre 18/07/2013 a 20/07/2014, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (A) ao abrigo do Despacho n.º 14932/IMO/GRH/2013. (G)
8). Entre 21/07/2014 a 20/07/2015, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (A) ao abrigo do Despacho n.º 16331/IMO/GRH/2014. (H)
9). Entre 21/07/2015 a 20/07/2016, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (A) ao abrigo do Despacho n.º 21493/IMO/GRH/2015. (I)
10). Entre 21/07/2016 a 20/07/2017, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (A) ao abrigo do Despacho n.º 20355/IMO/GRH/2016. (J)
11). Entre 21/07/2017 a 20/07/2018, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (A) ao abrigo do Despacho n.º 15014/IMO/DSAL/2017. (K)
12). Entre 08/11/2009 a 31/07/2010 a Ré (A) pagou ao Autor a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (L)
13). Entre 21/07/2017 a 20/07/2018, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$7.875,00, a título de salário de base mensal. (M)
14). Entre 21/07/2018 a 20/07/2019, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$10.000,00, a título de salário de base mensal. (N)
15). Entre 21/07/2019 a 31/12/2019, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$10.600,00, a título de salário de base mensal. (O)
16). O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (1.º)
17). A Ré sempre fixou o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (2.º)
18). O Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré. (3.º)
19). Entre 08/11/2009 a 31/12/2019, o Autor gozou de dias de férias anuais e de dias de dispensa ao trabalho por cada ano civil, nomeadamente: (4.º)
Data de saída da RAEM
Data entrada na RAEM
Dias de férias e/ou de ausência
2010
2010
24
2011
2011
24
2012
2012
24
2013
2013
24
02-09-14
27-09-14
25 (Atento 1 dia de feriado obrigatório : 8 de Setembro - Dia seguinte ao do Bolo Lunar)
2015
2015
24
20-09-16
20-10-16
29 (Atento 2 dias de feriado obrigatório : 1 de Outubro e 9 de Outubro - Culto dos Antepassados)
16-09-17
12-10-17
25(Atento 2 dias de feriado obrigatório : 1 de Outubro e 4 de Outubro - Dia seguinte ao do Bolo Lunar)
18-09-18
11-10-18
24
20). Entre 01/08/2010 a 20/07/2017 a Ré (A) pagou ao Autor a quantia de MOP$7.500,00, a título de salário de base mensal. (5.º)
21). Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003 ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para as Rés até 31/07/2010, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (6.º)
22). Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré. (7.º)
23). Entre 08/11/2009 a 31/07/2010, a Ré (A) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (8.º)
24). Desde o início da relação de trabalho, por ordem da Ré, o Autor está obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (12.º)
25). Durante o referido período de tempo, tem lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual são inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (13.º)
26). Desde 08/11/2009 até ao presente - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau, e o dia de dispensa ao oitavo dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivo - o Autor compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos relativamente ao início de cada turno, permanecendo às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (14.º)
27). A Ré (A) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (15.º)
28). Desde 08/11/2009 ao presente, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (A) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (16.º)
29). A que se segue um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia, que antecede a mudança de turno. (17.º)
30). Entre 08/11/2009 a 31/12/2019 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (A) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias). (18.º)
31). Entre 08/11/2009 a 31/12/2019 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (A) nunca solicitou ao Autor autorização para que o período de descanso não tivesse uma frequência semanal. (19.º)
32). Entre 08/11/2009 a 31/12/2019 a Ré (A) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (20.º)
33). Entre 08/11/2009 a 31/12/2019 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (A) não fixou ao Autor um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (21.º)
34). Resulta do Contratos de Prestação de Serviço ao abrigo do qual o Autor prestou trabalho para a Ré que: “(…) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor), este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1.º outorgante (leia-se, a Ré) paga aos operários residentes no Território”. (22.º)
35). Entre 08/11/2009 a 31/07/2010, a Ré nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais (v.g., gorjetas, tips), que a mesma pagou aos demais trabalhadores guardas de segurança residentes de Macau. (26º)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A decisão recorrida consiste no seguinte:
  “…
  Nos termos do artigo 38.º, n.º 1 da LEI n.º 7/2008, nas situações previstas nas alíneas 1) e 2) do n.º 2 do artigo 36.º, o trabalhador tem direito a gozar um descanso adicional, remunerado nos termos gerais.
  Uma vez que a Ré nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso adicional renumerado, proporcional ao período de trabalho prestado, o segundo tem o direito de receber ao primeiro a quantia de MOP50.400,79 ((HKD7.500,00 / 30 dias / 8 horas * 212 dias * 0,5horas *1,03) + (MOP7.500,00 / 30 dias / 8 horas * 2096 dias * 0,5horas) + (MOP7.875,00 / 30 dias / 8 horas*297 dias*0,5horas) + (MOP10.000,00 / 30 dias / 8 horas * 298 dias * 0,5horas)+ (MOP10.600,00 / 30 dias / 8 horas * 143 dias * 0,5horas)).
  …”.
Salvo o devido respeito, não podemos sufragar a decisão supra transcrita.
Dispõe o artigo 38.º, n.º 1 da Lei n.º 7/2008:
1. Nas situações previstas nas alíneas 1) e 2) do n.º 2 do artigo 36.º, o trabalhador tem direito de gozar um descanso adicional, remunerado nos termos gerais, com uma duração:
1) Não inferior a vinte e quatro horas, se o período de trabalho atingir o respectivo limite diário máximo;
2) Proporcional ao período de trabalho prestado, se o período de trabalho não atingir o respectivo limite diário máximo.
  (...)
Por sua vez, estabelece o artigo 36.º n.º 2, als. 1) e 2) do mesmo diploma legal que:
2. O empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho extraordinário, independentemente do seu consentimento, quando:
1) Se verifique casos de força maior, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas;
2) O empregador esteja na iminência de prejuízos importantes, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas;
(…)
Ora, o teor dos preceitos legais acima transcritos demonstra de forma clara que o descanso adicional referido no nº 1 do artº 38º da Lei n.º 7/2008 só tem lugar quando o trabalho extraordinário é prestado quando se verifique casos de força maior ou quando o empregador esteja na iminência de prejuízos importantes.
No caso em apreço, segundo a factualidade apurada, o Autor, desde o início da relação de trabalho e sob a ordem da Ré, tem de comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno.
Durante esse período de tempo, tem lugar um briefing (reunião) entre o Team Leader (Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual são inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino.
Esse período de tempo de 30 minutos foi considerado como trabalho extraordinário e a Ré foi condenada a pagar a respectiva compensação nos termos legais.
Como se deve notar que tal trabalho extraordinário é um trabalho de rotina, não sendo portanto um trabalho extraordinário prestado nos casos de força maior ou de estado de iminência de prejuízos importantes da Ré, pelo que o descanso adicional a que se refere o nº 1 do artº 38º da Lei nº 7/2008 nunca pode ter lugar no caso sub justice.
Verifica-se assim o erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, o que conduz a revogação da decisão recorrida.
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IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pela Ré, revogando a sentença recorrida na parte que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$50,400.79, a título de compensação do descanso adicional não gozado.
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Custas do recurso jurisdicional pelo Autor.
Notifique e D.N..
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RAEM, aos 13 de Janeiro de 2022.

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Ho Wai Neng
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Tong Hio Fong
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro




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