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Processo n.º 739/2021
(Autos de recurso civel)

Data: 20/Janeiro/2022

Recorrentes:
- Associação dos Advogados de Macau
- Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Associação dos Advogados de Macau, melhor identificada nos autos, interpôs junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM recurso do despacho do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia, publicado no Boletim Oficial, de 3.10.2018, que concedeu o registo das marcas N/****** e N/******, destinadas para assinalar serviços e produtos da classe 45, a favor de XX控股有限公司.
Por sentença do Tribunal Judicial de Base proferida em 9 de Abril de 2021, foi julgado parcialmente procedente o recurso judicial, no sentido de recusa do registo das referidas marcas em relação ao “licenciamento de software de computador - serviços jurídicos” e aos “serviços de contencioso” e, quanto ao resto, foi mantido o despacho administrativo impugnado.
Inconformada, recorreu a Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“A. Imputa a ora Recorrente à douta sentença recorrida, um vício de violação da lei consistente em erro de interpretação ao decidir a recusa parcial dos citados serviços ao aplicar à situação controvertida as normas do Decreto-Lei n.º 31/91/M, de 6 de Maio na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 26/92/M, de 4 de Maio, que aprova os Estatutos dos Associação dos Advogados de Macau e ainda o Despacho do Governador n.º 121/GM/92, que homologou o Código Deontológico da Associação dos Advogados de Macau, porque, salvo melhor entendimento, a situação controvertida, deve ser resolvida única e exclusivamente no âmbito do direito das marcas, isto é, o Decreto-Lei, n.º 97/99/M de 13 de Dezembro, que aprova o Regime Jurídico da Propriedade Industrial (R.J.P.I).
B. O douto tribunal considerou a falta de interesse legítimo da então Requerente em pedir o registo da marca para assinalar “serviços jurídicos” incluídos na classe 45ª, porque: por um lado, não sendo uma pessoa singular não pode prestar esses serviços e, por outro lado, a prestação de serviços jurídicos só pode ser exercida por advogados e estagiários inscritos na AAM, por último, a marca tem uma função publicitária proibida nos termos do Código Deontológico da Associação de Advogados de Macau.
C. A primeira questão prende-se com o legítimo interesse da Requerente – sociedade comercial – solicitar a marca para serviços jurídicos incluídos na classe 45ª do Acordo de Nice, (tendo presente que a Requerente não pretende exercer actos que são exclusivos das actividades exercida por advogados ou estagiários inscritos na AAM).
D. Determina o artigo 201º do RJPI “O direito ao registo da marca cabe a quem nisso tiver legítimo interesse, designadamente: (…). Sendo a norma meramente exemplificativo, a opção do nosso legislador parece ter sido no sentido de exigir, pelo menos, a intenção, por parte do requerente do registo, de vir a exercer uma actividade económica com a marca. Tal actividade económica pode ser futura e até exercida indirectamente através de terceiro mediante negociação da marca.”
E. O facto de algumas actividades económicas, profissões liberais, exigirem determinados requisitos subjectivos para o exercício de determinados actos (prestação de determinados serviços) não está, salvo melhor opinião, directamente relacionado com a legitimidade para se registarem marcas.
F. A razão de ser encontra-se no facto da violação desses requisitos poder ser julgada em sede própria, que nada tem a ver com marcas.
G. A questão da Requerente ser uma sociedade comercial, como se sabe na RAEM só as pessoas singulares podem ser advogados ou estagiários, ou seja, ficam excluídas qualquer tipo de sociedade e sendo a Requerente “XX控股有限公司” uma sociedade comercial nunca poderia estar inscrita na AAM.
H. Não obstante a lei confere, expressamente, legitimidade em razão da actividade económica do interessado, independentemente da natureza jurídica (pessoa singular ou colectiva, de direito privado ou publico).
I. Não se questiona que a Requerente está impedida de se inscrever na AAM ou prestar serviços exclusivos das referidas entidades porquanto, se os viesse a prestar, incorreria num ilícito criminal - Procuradoria Ilícita. Mas, salvo melhor entendimento, este argumento também não se aplica, porque a Requerente não pretende exercer qualquer das actividades que a então Recorrente executa.
J. A outra questão prende-se com o conceito de serviços jurídicos, - Os serviços abarcados pela Classe 45ª da Classificação Internacional de Produtos e Serviços contém, na verdade, uma listagem onde são autonomizadas as várias descrições para efeitos de registo.
K. Aliás, pese embora para esta classe (45ª) se tenha usado a par de outras, a nomenclatura de serviços jurídicos, quando analisada detalhadamente a lista de serviços que estão incluídas, somos forçados a concluir que os serviços específicos e reservados por lei a serem prestados por um Advogado não estão ali concreta e especificamente individualizados.
L. A Douta sentença recorrida elaborada pelo Mmo Juiz aquo parte de um pressuposto errado, porque como ficou explicado “Licenciamento de software de computador [serviços jurídicos] e Contencioso (Serviços de -)” não são actos próprios de advogados porque no sentido amplo, que no direito de marcas se pretende empregado, abarca outras realidades além daquela exclusiva actividade que apenas por advogados estagiários pode ser desenvolvida.
M. As marcas N/****** e N****** não pretendem promover (dissimuladamente) serviços jurídicos relacionados com advocacia, porque não servem para assinalar serviços exclusivos daquela profissão liberal, por essa razão, as marcas solicitadas não violam o Código de Ética Profissional dos Advogados que não se aplica à situação controvertida.
N. Do descrito não se antevê impedimento ao registo por faltar legitimidade à parte contrária na medida em que possa exercer as actividades assinaladas, conforme determina o art.º 201º, al. e) do RJPI para a prática de serviços jurídicos tal como os mesmos são concebidos no quadro das marcas.
O. Conclui-se, pois, que não há fundamento de facto ou jurídico para a recusa parcial das marcas em relação aos “Licenciamento de software de computador [serviços jurídicos] e Contencioso (Serviços de -)”, ao abrigo do artº 216º ou na al. a) do n.º 1 do art.º 9º, ambos do RJPI.
Nestes termos, e nos mais de Direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente, ser revogada a douta sentença proferida pelo Mmº Tribunal Aquo, no que respeita à recusa parcial do registo da marca para assinalar “Licenciamento de software de computador [serviços jurídicos] e Contencioso (Serviços de -)” e mantido o despacho de concessão das marcas n.ºs N/****** e N/******.”

Ao recurso respondeu a Associação de Advogados de Macau, nos seguintes termos conclusivos:
“a) Em 8 de Agosto de 2018, a sociedade “XX控股有限公司”, com sede na China na 中國浙江省......巿......區......街道......路...號...幢...室(a “Requerente”), requereu junto então Direcção dos Serviços de Economia da RAEM (DSE), o registo das marcas mistas que tomaram os números N/****** e N/******.
b) Todos para a classe 45 de serviços, incluindo para os “serviços de contencioso; e licenças de software (serviços jurídicos)”.
c) Os aludidos pedidos de registo de marca foram publicados no Boletim Oficial de 3 de Outubro de 2018 (II série, n.º 40, suplemento).
d) A AAM apresentou as suas reclamações quanto aos pedidos acima referidos, tendo as mesmas sido publicadas no Boletim Oficial de 2 de Janeiro de 2019 (II série, n.º 1, suplemento).
e) Alegou que as aludidas marcas não poderiam ser concedidas, devendo, pelo menos, ser parcialmente recusadas no que diz respeito aos “serviços de contencioso; e licenças de software (serviços jurídicos)”.
f) Tendo tomado conhecimento da decisão de improcedência total das suas reclamações e subsequente concessão das aludidas marcas, a AAM interpôs recurso judicial a 19 de Novembro de 2020, onde alegou que as aludidas marcas não poderiam ser concedidas, devendo, pelo menos, ser parcialmente recusadas no que diz respeito aos “serviços de contencioso; e licenças de software (serviços jurídicos)”.
g) A prestação de Serviços Jurídicos é uma actividade que engloba o exercício da advocacia, onde estão incluídos o mandato judicial, a consultadoria jurídica e a representação voluntária; procuradoria, designadamente judicial, administrativa, fiscal e laboral; e a consulta jurídica a terceiros, tal como prescrito no Estatuto do Advogado, (doravante, o “EA”).
h) Tais actividades, podem ser apenas exercidas por Advogados e Advogados Estagiários, inscritos na AAM, tal como estipulado no n.º 1 do art.º 11º do EA.
i) Decorre que, a advocacia só por ser exercida por quem reúna as condições necessárias e que preencha os requisitos estabelecidos para o efeito.
j) Não podemos perder de vista que a 9ª Edição da Classificação Internacional de Produtos e Serviços para Efeitos do Registo de Marcas indica na sua nota explicativa da Classe 45, que os serviços jurídicos são “serviços prestados por juristas a pessoas, grupos de pessoas, organizações ou a empresas.”
k) Juristas são, no mínimo, Licenciados em Direito. Pessoas singulares, necessariamente.
l) O Decreto-Lei n.º 31/91/M que aprova o Estatuto do Advogado contém apenas duas excepções no que concerne à consulta jurídica:
a. Os docentes universitários de Direito que se limitem a dar pareceres jurídicos escritos não se consideram em exercício da advocacia e não são, por isso, obrigados a inscrever-se na AAM.
b. O exercício de consulta jurídica por licenciados em Direito que sejam funcionários públicos, no âmbito das respectivas funções, não impõe a obrigação de inscrição na associação pública.
m) O que efectivamente veda a actividade “dar pareceres jurídicos escritos” a quem não seja Advogado ou docente universitário de Direito.
n) E veda a actividade de “consulta jurídica” a quem não seja Advogado ou licenciado em Direito que também seja funcionário público, no âmbito das respectivas funções.
o) E veda a prestação dos Serviços Jurídicos “mandato judicial, representação voluntária; procuradoria, judicial, administrativa, fiscal e laboral e a consulta jurídica a terceiros” a quem não seja Advogado.
p) Entenda-se ⼀ Advogado inscrito na AAM, docente de Direito em universidade de Direito em Macau e funcionário público exercendo funções na Administração de Macau, requisitos que a Requerente não cumpre.
q) Ora, a Requerente, por se tratar de pessoa colectiva, não pode praticar quaisquer actos próprios da advocacia ou prestar quaisquer serviços jurídicos porque não é advogada nem jurista.
r) Acresce, ainda, que o referido diploma legal contém norma penal que criminaliza a procuradoria ilícita – “Quem praticar actos própios da profissão de advogado, se intitular advogado, utilizar título equivalente em qualquer língua, ou usar insígnia sem estar inscrito na associação pública profissional, será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias” (cfr. n.º 1 do art.º 25º do EA).
S) Pelo que, se a Requerente viesse a prestar tais serviços jurídicos, incorreria na violação de preceitos legais imperativos, sendo tal conduta qualificada como o exercício de Procuradoria Ilícita.
t) Acresce que, os profissionais que prestam serviços jurídicos ⼀ os advogados ⼀ se encontram vinculados ao cumprimento de várias outras disposições legais, designadamente no que concerne às medidas de combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo.
u) Caso se entendesse que os Serviços Jurídicos, poderiam ser requeridos e registados por sujeitos que não sejam advogados, tal determinaria, necessariamente, um incumprimento na RAEM das normas estabelecidas ao abrigo das medidas contra o branqueamento de capitais ou financiamento ao terrorismo, porquanto tais sujeitos ou entidades escapam ao apertado controlo a que são submetidos o profissionais da área jurídica.
v) Conclui-se, portanto, caso se entenda que os Serviços Jurídicos, ou seus análogos, podem ser requeridos e registados por sujeitos que não sejam advogados ou juristas tal implica, necessariamente, o incumprimento na RAEM das normas estabelecidas ao abrigo das medidas contra o branqueamento de capitais ou financiamento ao terrorismo, porquanto tais sujeitos ou entidades escapam ao apertado controlo a que são submetidos os profissionais da área jurídica.
w) A marca in casu viola ainda grosseiramente as “Regras para definir a aceitação de nomes e denominações a usar pelos Advogados e Escritórios de Advogados” (a “Deliberação”), pelo que nunca seria a mesma aprovada pela AAM.
x) Referindo expressamente o n.º 4 das referidas regras, que “São vedadas, em qualquer língua, as designações de fantasia e as que possam fazer incorrer o público em confusão, engano, ou representem formas de publicidade encapotada”.
y) Nos termos do artigo 201º do RJPI, “o direito ao registo da marca cabe a quem nisso tenha legítimo interesse”, nomeadamente, diz-nos a alínea e) deste preceito “aos que prestam serviços, para assinalar a respectiva actividade”.
z) Segundo Luís Couto Gonçalves, o requerente tem legitimidade quando, independentemente da sua natureza jurídica, exerça ou demonstre poder vir a exercer (…) qualquer das actividades citadas nas várias alíneas do art. 225º, e destine a marca, imediata ou diferidamente, a produtos e serviços relacionados com essas actividades (…).
aa) Pode-se concluir pela falta de legitimidade e falta de interesse da Requerente para ver marcados um ou mais serviços que estão fora do seu escopo de actividades e para os quais não dispõe, nem nunca virá a dispor, das necessárias autorizações para os prestar.
bb) A legitimidade para agir é um dos requisitos formais imprescindíveis para a concessão de direitos de propriedade industrial e, de acordo com a alínea c) do artigo 47º do RJPI (causas gerais de nulidade), o seu incumprimento gera a nulidade, que pode ser total ou parcial.
cc) O procedimento do registo de marcas junto da DSEDT tem natureza constitutiva, relevando a legitimidade procedimental que será determinada no momento em que se inicia o processo e no momento em que se vai aferir do interesse para o pedido da marca registanda, o certo é que a Requerente, não se pode dedicar àquela actividade.
dd) No momento em que formulou o pedido a Requerente não reúne o pressuposto de acesso ao direito, sendo até que a ordem jurídica lho proíbe.
ee) A Requerente não tem qualquer intenção de vir a prestar os serviços que ora pretende registar e carece de um interesse digno de protecção em relação a uma actividade que, tanto neste momento, como no futuro, lhe está vedada.
ff) Por se tratar de pessoa colectiva, não pode praticar quaisquer actos próprios da advocacia nem actos próprios de juristas, porque não o é.
gg) Mais uma vez se reiterando serem os “Serviços Jurídicos”, da classe 45, apenas passiveis de ser registados por Advogados ou por quem possa, efectivamente, praticar actos próprios da profissão ou que seja jurista.
Termos em que, e nos mais de direito, entende a AAM que deve manter-se a decisão recorrida, indeferindo-se os pedidos de registo das marcas N/****** e N/****** no que respeita aos serviços de contencioso; e licenças de software (serviços jurídicos) na classe 45.”

Por sua vez, inconformada com a sentença na parte em que a condenou no pagamento de custas, recorreu a Associação dos Advogados para este TSI, tendo apresentado as seguintes conclusões alegatórias:
“a) Em 8 de Agosto de 2018, a sociedade XX控股有限公司requereu o registo das marcas que tomaram os números N/****** e N/******, para a classe 45 de serviços, designadamente para “偵探服務;實體安全保衛諮詢;安全及防盜警報系統的監控;工廠安全檢查;訴訟服務;服裝出租;在線社交網絡服務;開保險鎖;保險箱出租;計算機軟件許可(法律服務)”, em português, “Serviços de detectives, consultoria em segurança física, monitorização de sistemas de segurança a alarme, inspecções de segurança a fábricas, serviços de contencioso, aluguer de roupas, serviços de redes sociais online, fechaduras de segurança, alugueres de seguro, licenças de software (serviços jurídicos).” (tradução livre)
b) Os aludidos pedidos de registo de marca foram publicados no Boletim Oficial de 3 de Outubro de 2018 (II série, n.º 40, suplemento).
c) A AAM apresentou as suas reclamações quanto aos pedidos acima referidos, publicadas no Boletim Oficial de 2 de Janeiro de 2019 (II série, n.º 1, suplemento).
d) Onde alegou que as aludidas marcas não poderiam ser concedidas, devendo, pelo menos, ser parcialmente recusadas no que diz respeito aos “serviços de contencioso; e licenças de software (serviços jurídicos)”.
e) Tendo tomado conhecimento da decisão de improcedência total das suas reclamações e subsequente concessão das aludidas marcas, a AAM interpôs recurso judicial a 19 de Novembro de 2020.
f) Onde novamente alegou que as aludidas marcas não poderiam ser concedidas, devendo, pelo menos, ser parcialmente recusadas no que diz respeito aos “serviços de contencioso; e licenças de software (serviços jurídicos)”.
g) Por decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base de fls. 46 a 50, foi parcialmente deferido o recurso judicial, (a) mantendo-se as decisões administrativas, excepto no que concerne aos serviços de litígios e licenças de software (serviços jurídicos), que não foram concedidos à Requerente e com o que a Recorrente se conforma; mas (b) condenando a Recorrente em custas pelo decaimento – decisão com a qual a Recorrente não se conforma, porquanto viola a alínea b) do n.º 1 do artigo 2º do Regime das Custas nos Tribunais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/99/M, de 25 de Outubro de 1999.
h) Segundo o disposto nos artigos 3º e 27º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 31/91/M, de 6 de Maio (denominado “Estatuto do Advogado”), a Associação dos Advogados de Macau (AAM) é uma Associação Pública, ou seja, é uma Pessoa Colectiva Pública.
i) E como tal, encontra-se integrada na estrutura administrativa da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).
j) As Pessoas Colectivas Públicas são entidades com personalidade jurídica, criadas por iniciativa pública, para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos.
k) Por terem esta finalidade, as Pessoas Colectivas Públicas, in casu, do tipo associativo, são dotadas de poderes ou deveres públicos, sendo sujeitos de Direito Público.
l) Nos termos do disposto no art.º 92º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), é ao Governo que incumbe o estabelecimento de regras sobre o exercício da profissão forense, com base no sistema anteriormente vigente em Macau.
m) Isto significa que a competência originária para a regulação sobre todos os aspectos da advocacia pertence ao Governo da RAEM.
n) No art.º 129º da mesma Lei Básica, encontra-se implícita uma delegação de tais poderes na AAM, ora Recorrente, através do seu reconhecimento como associação pública profissional (aliás, a única na RAEM).
o) Sendo efectivamente a “Associação dos Advogados de Macau” uma “pessoa colectiva de direito público” com “competências” que lhe são (especialmente) reconhecidas no âmbito de uma dinâmica de descentralização administrativa.
p) Pelo que está isenta do pagamento de custas ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2º do Regime das Custas nos Tribunais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/99/M, de 25 de Outubro de 1999.
q) A AAM não pode beneficiar do regime da “declaração de utilidade pública administrativa” que consta da Lei n.º 11/96/M, de 12 de Agosto, dado que, nos termos do artigo 1º dessa lei, este só se aplica a associações ou fundações privadas.
r) A AAM não pode requerer o estatuto de “utilidade pública” pelo facto de já ser uma associação pública, donde decorrem, entre diversas outras características, o de ter originariamente e necessariamente, utilidade pública.
s) Do seu estatuto como Associação Pública, não pode decorrer uma menoridade de estatuto relativamente às associações privadas que requeiram e obtenham utilidade pública administrativa, pelo que a AAM deve ser considerada isenta do pagamento de custas e encargos relacionados.
t) Assim o entende o Tribunal de Segunda Instância (TSI), que no dia 18 de Março de 2021 proferiu decisão nos autos do processo de recurso jurisdicional n.º 60/2021, em que decidiu que a Associação dos Advogados de Macau se encontra isenta do pagamento de custas e preparos.
u) Como de igual forma assim o entende o Tribunal de Última Instância (TUI), que no dia 3 de Março de 2021 proferiu decisão nos autos do processo de recurso jurisdicional n.º 129/2020, em que decidiu que a Associação dos Advogados de Macau se encontra isenta do pagamento de custas e preparos.
Termos em que:
Respeitosamente, ao abrigo do disposto no artigo 2º, n.º 1 do Regime das Custas nos Tribunais, se requer ao Tribunal se digne reformar o douto Acórdão proferido nos autos, quanto a custas e preparos, nele fazendo constar a isenção do pagamento de custas e preparos da Recorrente, de acordo com a superior jurisprudência citada.”
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença deu por assente a seguinte matéria de facto pertinente para a decisão da causa:
於2018年8月8日,對立當事人向經濟局申請編號 N/******的商標,該商標的樣式為,提供第45類別的產品,包括﹕偵探服務;實體安全保衛諮詢;安全及防盜警報系統的監控;工廠安全檢查;訴訟服務;服裝出租;在線社交網絡服務;開保險鎖;保險箱出租;計算機軟件許可(法律服務)。  
於2018年8月8日,對立當事人向經濟局申請編號 N/******的商標,該商標的樣式為,提供第45類別的產品,包括﹕偵探服務;實體安全保衛諮詢;安全及防盜警報系統的監控;工廠安全檢查;訴訟服務;服裝出租;在線社交網絡服務;開保險鎖;保險箱出租;計算機軟件許可(法律服務)。
上述申請於2018年10月3日在第40期第2組的澳門特別行政區公報內刊登。
透過2020年9月25日知識產權廳廳長作出的批示,對立當事人的商標註冊申請獲得批准,其內容見行政卷宗,在此視為獲完全轉錄。
上述決定於2020年10月21日在第43期第2組的澳門特別行政區公報內刊登。
對立當事人是一家依中華人民共和國法律組成的公司。
*
Comecemos pelo recurso interposto pela Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico.
Entende esta recorrente que não há fundamento para a recusa parcial das marcas em relação ao “licenciamento de software de computador - serviços jurídicos” e aos “serviços de contencioso”.
Seguindo de perto o Acórdão do Venerando TUI, de 15.9.2021, proferido no âmbito do Processo n.º 102/2021, somos a concluir que a recorrente só tem parcial razão.
Por uma razão de economia e celeridade, transcreve-se a seguir o douto Acórdão do TUI na parte essencial:
“Mesmo naqueles serviços indicados como “serviços jurídicos”, tais como Licenciamento de software de computador e Registo de Nomes de domínio, não são serviços que só podem ser prestados pelos profissionais que exercem a advocacia.
É verdade que naquela listagem estão incluídos alguns serviços que podem ter a natureza jurídica, tais como os serviços de arbitragem, a consultadoria na área de propriedade intelectual, a gestão de direitos de autor, o licenciamento de propriedade intelectual, a mediação, as pesquisas jurídicas e os serviços de vigilância em matéria de propriedade intelectual.
No entanto, tal como sucede com os serviços de Licenciamento de software de computador e de Registo de Nomos de domínio, tais actividades nem ficam necessariamente dentro do âmbito de actos próprios de advogados.
Por um lado, e de acordo com as leis vigentes na RAEM, os árbitros e mediadores não têm de ser advogados ou advogados estagiários e as actividades de pesquisas jurídicas também podem ser feitas por pessoas que não detenham aquela qualidade.
Por outro, e em relação à área de propriedade intelectual e de direitos de autor, os respectivos serviços de consultadoria, licenciamento, vigilância e gestão podem ter natureza técnica que não jurídica, como é evidente.
O único serviço que merece a maior reflexão refere-se a “Contencioso (Serviços de -)”, pois implica normalmente a prática de actos num determinado processo pré-judicial ou judicial, pelo que envolve a prática de actos de advogados ou advogados estagiários, actos próprios da profissão.
Assim sendo, não se deve concluir pela falta de interesse da recorrida em ver concedido o registo das marcas em causa, já que todos os serviços indicados na classe 45, incluindo os jurídicos, não são de prestação exclusiva pelos advogados e advogados estagiários, com a única excepção dos “serviços de contencioso”.
Por outras palavras, as actividades descritas na classe 45, com a excepção em causa, podem ser exercidas não só pelos advogados e advogados estagiários, mas também por outras pessoas alheias dessa profissão.
Não se verifica a situação de insusceptibilidade de protecção do objecto do registo prevista na al. a) do n.º 1 do art.º 9.º do RJPI, não é de recusar o registo das marcas pretendido pela recorrida nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 214.º do RJPI.”
(…)
Ora, é de reafirmar que se nota na lista dos serviços acima transcrita uma excepção referente aos “serviços de contencioso”, exclusivamente prestados pelos advogados ou advogados estagiários, não podendo a recorrida exercer as respectivas actividades.
Daí que não tem a recorrida o interesse legítimo no registo das marcas para assinalar este tipo de serviço, o que impõe a recusa parcial do registo nos termos do art.º 216.º do RJPI.”
Conforme se decidiu no douto aresto do TUI, com o qual concordamos, embora só os advogados e advogados estagiários possam exercer o mandato judicial, prestar consultadoria jurídica, representar os seus clientes e patrociná-los em juízo, a verdade é que a maior parte dos serviços descritos na classe 45 não tem natureza jurídica, com excepção dos “serviços de contencioso” que só podem ser prestados por advogados ou advogados estagiários.
Isto posto, ao abrigo do disposto no artigo 216.º do Regime Jurídico da Propriedade Intelectual, há-de conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico e, em consequência, impõe-se apenas a recusa parcial do registo das marcas N/****** e N/****** para assinalar os “serviços de contencioso” da classe 45, a favor da sociedade XX控股有限公司.
*
No tocante ao recurso interposto pela Associação dos Advogados de Macau, coloca-se apenas a questão de saber se esta pessoa colectiva está isenta do pagamento de custas ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do Regime Jurídico das Custas dos Tribunais.
Ora bem, sobre a questão sub judice, o Alto Tribunal de Última Instância já teve oportunidade de se pronunciar no âmbito do Processo n.º 129/2020, nos seguintes termos transcritos:
“Com efeito, a “Associação dos Advogados de Macau”, (que tanto quanto se julga saber constitui a única “associação pública” da R.A.E.M.), foi criada com a aprovação do “Estatuto do Advogado” pelo D.L. n.° 31/91/M, diploma que revogou as disposições até então aplicáveis e que regulavam, (limitadamente), a profissão de Advogado em Macau, (como o Decreto n.° 14453, de 20.10.1927, e o art. 4° da Portaria n.° 23 090, de 26.12.1967).
E logo no art. 3° do dito “Estatuto” é dito, expressamente, que: “A Associação dos Advogados de Macau é uma associação pública representativa dos licenciados em Direito que, de acordo com este Estatuto e demais disposições legais, exercem a advocacia em Macau”; (sub. nosso).
Do transcrito normativo resulta que a Associação dos Advogados de Macau é, como o diz o Acórdão recorrido, uma “associação pública”; (o que resulta tanto da própria qualificação conferida pela lei como também do seu regime legal, designadamente, das suas atribuições).
E, voltando aqui às considerações de J. E. Figueiredo Dias sobre a Administração da R.A.E.M., cabe aqui salientar o seguinte excerto onde nota que: “A máquina administrativa da RAEM exibe – como dificilmente poderia ser de outra maneira, devido aos seus apertados limites geográficos – uma musculada estrutura hierárquica em pirâmide e com a generalidade dos poderes executivos concentrados nas mãos do Chefe do Executivo. Este, para além de ser “o dirigente máximo da RAEM”, conforme o artigo 45.° da Lei Básica, é igualmente o “dirigente máximo” do Governo (artigo 63.°), com a competência de dirigir o Governo, como dispõe a al. 1) do artigo 50.°.
Deste modo, em especial após a extinção dos municípios provisórios e dos seus órgãos, pela Lei n.° 17/2001, que criou o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), quase toda a estrutura da organização administrativa da RAEM se reconduz a sectores directa ou indirectamente dependentes do Governo, não existindo administração autónoma territorial e sendo muito reduzida a administração autónoma associativa. Conclusão que não é desmentida, como veremos, pela recente criação do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), que sucedeu ao IACM”; (cfr., ob. cit., pág. 73).
E, mais adiante, pronunciando-se (expressamente) sobre a “administração autónoma” e em relação à Associação dos Advogados de Macau, considera também que: “Na RAEM esta forma de administração não existe: a criação do IACM implicou a extinção dos Municípios provisórios e dos seus órgãos, o que determinou o desaparecimento de qualquer forma de administração de interesses de circunscrições geográficas específicas no contexto especial da RAEM.
Em todo o caso, em termos associativos, identifica-se um caso isolado de uma associação pública que defende os interesses de uma classe determinada de pessoas que desempenham uma profissão liberal: reportamo-nos à Associação dos Advogados de Macau, associação pública destinada a representar os “licenciados em Direito que (…) exercem a advocacia em Macau” (artigo 1.° dos seus Estatutos) e que, deste modo, visa a prossecução dos interesses próprios dos profissionais liberais que representa, regendo-se com autonomia mas em obediência a princípios de ordem pública.
Apesar da existência de outras associações que poderiam suscitar dúvidas, consideramos ser esta Associação um exemplo isolado, pois constitui o único caso de uma associação de carácter público, Por conseguinte, a excepção que ela constitui não chega para invalidar a afirmação de que não existe administração autónoma na RAEM”; (cfr., pág. 84).
Todavia, e seja como for, (e tendo-se também em conta que em causa nos presentes autos está – recorde-se – uma questão de “custas”), afigura-se-nos que a “tónica” não deve estar em saber se a Associação dos Advogados de Macau integra, ou não, a “Administração indirecta”, mas antes se, no âmbito das suas “atribuições” e “competências”, desenvolve uma actividade (administrativa) destinada à “realização dos fins da R.A.E.M.”, e assim, se de forma mais ampla, integra, ou não, a “Administração da Região”.
E, aí, (sem prejuízo do respeito devido a outro entendimento), à vista cremos que está a resposta.
De facto, constituindo os Advogados profissionais (especialmente qualificados) essenciais ao (normal) funcionamento do “Sistema Judiciário” e à (desejada) boa “administração da justiça” – atente-se, v.g., e em especial, na “obrigatoriedade de assistência do defensor” no processo penal, (cfr., art°s 53° e segs. do C.P.P.M.), na “constituição obrigatória de advogado” em processo civil e no processo contencioso, (cfr., art. 74° do C.P.C.M. e art. 4° do C.P.A.C.) – e tendo-se confiado, (delegado), à Associação dos Advogados de Macau a sua “formação”, “credenciação”, e, através do ora recorrente, o “exercício da jurisdição disciplinar” exclusiva sobre os advogados e advogados estagiários por acto autoritário do poder público, (cfr., art. 2° e 4° do citado “Estatuto”, sendo de notar, também, que o próprio “Conselho Superior de Advocacia” inclui na sua composição um Magistrado Judicial e um Magistrado do Ministério Público eleitos pelos seus pares), mais adequado nos parece de considerar como um “organismo personalizado” que desenvolve uma actividade de concretização de “fins públicos e colectivos”, igualmente por tal “realidade” se justificando, em nossa opinião, que da sua deliberação punitiva caiba “recurso contencioso”, como o anterior, e que deu origem aos presentes autos; (sobre o conceito de pessoa colectiva de direito público por oposição à de direito privado, cfr., v.g., P. Cardinal in, “A Pessoa Colectiva de Direito Público”, texto publicado na edição de “O Direito” de Maio de 1991).
Nesta medida, sendo de se considerar uma pessoa colectiva de direito público com “competências” que lhe são reconhecidas no âmbito de uma dinâmica de descentralização administrativa, e em causa nos presentes autos estando, exactamente, o exercício da dita “jurisdição disciplinar”, motivos não parecem existir para se não ter como abrangida pela “isenção subjectiva” a que se refere a alínea b) do n.° 1 do art. 2° do R.C.T..
De facto, e como – bem – observa o Ministério Público no seu Parecer, “(…) quem contende nos Tribunais na defesa de actuações materialmente administrativas que visaram a prossecução de interesses públicos não deve suportar o pagamento de custas”; (cfr., fls. 256).”

Acompanhando esta douta posição defendida pelo Venerando TUI, sem necessidade de delongas considerações, este TSI julga conceder provimento ao recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso jurisdiconal interposto pela Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico, no sentido de conceder à sociedade XX控股有限公司 o registo das marcas N/****** e N/******, ambos da classe 45, com excepção do item “serviços de contencioso”.
Sem custas por esta recorrente beneficiar da isenção subjectiva prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do Regulamento das Custas dos Tribunais.
Mais acordam em conceder provimento ao recurso interposto pela Associação dos Advogados de Macau, determinando que esta beneficia da isenção subjectiva prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do Regulamento das Custas dos Tribunais.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 20 de Janeiro de 2022

Relator
Tong Hio Fong

Primeiro Juiz-Adjunto
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro



Por razões expostas no Acórdão tirado no processo nº 9/2019 em 05MAR2020 quanto à questão da isenção subjectiva da AAM, fiquei vencido apenas quanto ao recurso interposto pela AAM.
Segundo Juiz-Adjunto
Lai Kin Hong



Recurso cível 739/2021 Página 17