Processo n.º 517/2021
(Autos de recurso contencioso)
Data: 27/Janeiro/2022
Recorrente:
- A
Entidade recorrida:
- Secretário para a Economia e Finanças
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, titular do BIRPM, melhor identificado nos autos, inconformado com o indeferimento tácito do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, referente ao recurso hierárquico necessário interposto do despacho do Sr. Presidente Substituto do Conselho de Administração do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), datada de 6.11.2020, relativamente à renovação da autorização de fixação de residência do seu filho menor, recorreu contenciosamente para este TSI, formulando as seguintes conclusões:
“1. Em 10 de Dezembro de 2020, o Recorrente interpôs recurso hierárquico necessário dirigido ao Sr. Secretário para a Economia e Finanças, no qual impugnou administrativamente o acto do Presidente Substituto do IPIM de 6 de Novembro de 2020 (o “Recurso Hierárquico Necessário”), que indeferiu o pedido de renovação da autorização de fixação de residência do Menor Interessado.
2. O Recurso Hierárquico Necessário não foi objecto de decisão nos prazos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 162º do CPA.
3. O Recorrente não foi notificado da decisão sobre o pedido formulado no Recurso Hierárquico Necessário e desconhece o momento da remessa a que alude o n.º 1 do artigo 162º do CPA, bem como a realização (ou não) dos procedimentos a que alude o n.º 2 do mesmo artigo e Código.
4. Presume-se a ocorrência do indeferimento tácito do Recurso Hierárquico Necessário em 11 de março de 2021, data do término do prazo de 90 (noventa) dias contados a partir da data da apresentação do Recurso Hierárquico Necessário, sendo tempestivo o presente recurso contencioso do indeferimento tácito, atento o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 25º do CPAC, conjugado com o n.º 4 do artigo 26º do mesmo Código.
5. Do indeferimento tácito do Recurso Hierárquico Necessário decorre a subsistência de todos os vícios alegados na impugnação administrativa, atendendo à falta de decisão expressa sobre o pedido naquele âmbito formulado, vícios que ferem de ilegalidade o acto ora recorrido.
6. É acto recorrido do presente recurso contencioso o indeferimento tácito – tendo concretamente em vista a fundamentação veiculada na decisão do Presidente Substituto do IPIM datada de 6 de Novembro de 2020 (o “Acto Primitivo”) – sendo a entidade recorrida o Sr. Secretário para a Economia e Finanças.
7. São os seguintes elementos, extraídos do processo administrativo n.º P0597/2006/04R, com interesse para a apreciação do presente recurso:
a) no ano de 2006, o Recorrente pediu, sob a apresentação n.º 597/2006, a autorização de residência temporária em Macau por investimento imobiliário – concedida ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 (Aprova o regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados, doravante, o “Regulamento”) -, a qual lhe foi atribuída pelo preenchimento de todos os requisitos cumulativamente exigidos pelo n.º 1 do artigo 3º daquele diploma;
b) tendo cumprido todos os requisitos previstos na lei, foi concedida, em 24/07/2006, a autorização de residência ao ora Recorrente, o qual adquiriu, entretanto, o estatuto de residente permanente da RAEM;
c) em consequência, foi igualmente concedido o estatuto de residente permanente da RAEM aos restantes familiares do ora Recorrente, a saber: a sua mulher B, em 26/10/2015 e o seu filho mais velho C em 13/07/2018;
d) com excepção do Menor Interessado que, em 2006 – portanto, à data do pedido inicial – ainda não era sequer nascido, os demais familiares do Recorrente adquiriram assim o estatuto de residentes permanentes da RAEM;
e) em 17/04/2018, sob a apresentação n.º 0597/2006/04R, o Recorrente submeteu aquilo que seria o último pedido de renovação de autorização de residência do Menor Interessado dirigido ao IPIM;
f) este pedido foi indeferido tendo por fundamento a não verificação da residência habitual do Menor Interessado na RAEM;
g) em todos os pedidos de renovação da autorização de residência na RAEM tanto do Recorrente como dos seus familiares, incluindo o Menor Interessado, nunca o IPIM exigiu o requisito da residência habitual como condição de aprovação – que de resto, não ocorria uma vez que todos eram residentes em Hong Kong -, sendo inédita a decisão constante do Acto Primitivo;
h) a decisão de indeferimento do IPIM referida em f) foi antecedida de duas audiências escritas (apresentadas em 26/04/2019 e 17/08/2020 respectivamente) tendo a segunda sido convocada com base em dados relacionados com as entradas e saídas do Menor Interessado na RAEM e que eram já existentes aquando da interpelação do IPIM para a realização da primeira audiência escrita em 04/04/2019;
i) o pedido de informação dos movimentos fronteiriços do Menor Interessado foi dirigido pelo IPIM ao Departamento de Controlo Fronteiriço do Corpo de Polícia de Segurança Pública da RAEM em 15/05/2020, quase um ano após o envio da primeira audiência escrita por parte do ora Recorrente e dois anos após o pedido da última renovação de residência do Menor Interessado na RAEM.
8. Foi a partir dos esclarecimentos prestados pelo ora Recorrente (acerca da definição e a natureza da propriedade horizontal) que a questão objecto da primeira audiência escrita caiu por completo, tendo o IPIM finalmente admitido que estava errado e que havia conduzido a uma apreciação errada do que vem postulado no Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
9. Curiosamente, e de uma forma inédita, foi o ora Recorrente convocado para uma segunda audiência escrita, na qual se colocou, pela primeira vez, a questão do prazo de estadia do Menor Interessado na RAEM.
10. O argumento central do IPIM – com o qual não se concorda – e que serviu de base para o indeferimento do pedido de renovação ora em causa consiste no entendimento de que o artigo 23º do Regulamento manda necessariamente aplicar aos casos de autorização de fixação de residência por investimento imobiliário, por via subsidiária, o n.º 3 do artigo 9º da Lei n.º 4/2003 (Princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência, doravante, a “Lei”).
11. Segundo o IPIM, a residência habitual do Menor Interessado é um requisito geral obrigatório para que aquele possa ver renovado o seu estatuto de residente da RAEM – o qual, recorde-se, foi obtido através do seu pai, ora Recorrente, com fundamento no investimento imobiliário na RAEM. A par deste requisito, somam-se, de acordo com o IPIM, aqueloutros constantes do n.º 1 do artigo 3º do Regulamento, e que consistem no cumprimento cumulativo, pelo interessado, das condições avançadas pela citada norma. Não é, porém, este o sentido da lei.
12. A expressão “é subsidiariamente aplicável” tem que ser lida adequadamente, com parcimónia e dentro dos limites legalmente admissíveis. Não se pode, por isso mesmo, interpretar a lei de qualquer maneira, de forma a identificarem-se lacunas sempre que tal se revele conveniente a um certo entendimento da entidade decisora. Com efeito, só haverá lugar à aplicação subsidiária da lei se e quando houver uma omissão, ou seja, uma situação sem regulamentação jurídica apropriada e que reclame a aplicação da norma integradora chamada a intervir. Ora, no caso em apreço e salvo melhor entendimento, não há qualquer lacuna ou omissão no artigo 3º, n.º 1 do Regulamento que reclame a intervenção do artigo 23º do Regulamento e, por conseguinte, do artigo 9º, n.º 3 da Lei.
13. A residência habitual não faz parte do elenco de requisitos que o legislador colocou no artigo 3º, n.º 1 do Regulamento para a obtenção de autorização de residência por investimento imobiliário. Daí que não inclusão do critério da residência habitual é absolutamente intencional, pelo que não estamos perante um caso em que seja necessário suprir uma lacuna. Com efeito, à época da sua criação, um dos propósitos do Regulamento era o de atrair investimento de que a RAEM muito carecia, devido ao período de grave recessão económica que então se vivia (cfr. artigo 8º, n.º 1 do CC). Nessa medida, no que toca ao investimento imobiliário, não se exigiu aos investidores que aqui residissem com carácter de permanência, mas tão somente que aqui investissem. E tanto assim é que, nunca em momento algum foi exigido ao Recorrente e aos diversos membros da sua família (em particular ao Menor Interessado) que aqui residissem com carácter de permanência. De modo que, na modesta opinião do Recorrente, não pode o IPIM substituir-se ao legislador e juntar um requisito adicional cumulativo aos existentes no Regulamento, porquanto este estabeleceu já, de forma clara e taxativa, os requisitos relevantes para os interessados que pretendam adquirir a autorização de residência temporária na RAEM por via do investimento imobiliário.
14. A aplicação subsidiária da Lei é manifestamente ilegal à luz do enquadramento sistemático do Regulamento, o qual, no domínio concretamente em apreço, se prende com a autorização de residência temporária na RAEM tendo por base o investimento imobiliário.
15. O IPIM invocou, mal, a argumentação constante do acórdão do TSI de 2/7/2019 (processo n.º 473/2019), como forma de sustentar a aplicação subsidiária do artigo 9º, n.º 3 da Lei ao caso concreto.
16. O percurso interpretativo do IPIM ficou aquém da letra e do espírito do Regulamento, que se esgota nos requisitos dele constantes para a fixação de residência na RAEM nos casos de aquisição de residência por investimento.
17. Ao decidir de forma diversa, aplicando subsidiariamente a Lei, o IPIM violou o n.º 1 do artigo 3º do Regulamento, e bem assim os artigos 8º e 9º do CC, tornando assim o Acto Primitivo anulável, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 21º do CPAC, conjugada com os artigos 124º e 125º do CPA.
18.A audiência dos interessados ocorre logo que seja concluída a instrução e antes da decisão final, tratando-se de um trâmite destinado a preparar a decisão. No plano legal, a disciplinar da audiência dos interessados encontra abrigo nos artigos 93º a 97º do CPA, consagrando o chamado princípio da dupla decisão: a Administração está obrigada a elaborar um projecto de decisão devidamente fundamentado, projecto esse que será comunicado ao interessado para que este se pronuncie sobre ele, só depois devendo a administração tomar a decisão final.
19. Frente ao exposto, a propósito do mencionado direito de audiência prévia, não se afigura ao Recorrente que a entidade administrativa possa abrir um contraditório infindo, levando a que o momento procedimental da audiência dos interessados se desdobre em intervenções plúrimas, ficando a tomada autoritária da decisão convertida num processo quase transacional, realizado por ajustamentos múltiplos. Todavia, foi precisamente esta a solução preconizada pelo IPIM, o qual, após um longuíssimo e injustificado período de apreciação do processo de renovação de residência – que teve início, recorde-se, em 17/04/2018 – anunciou de repente, em 31/07/2020, a realização de uma segunda audiência escrita tendo por base uma questão nova: a residência habitual do Menor Interessado.
20. A audiência escrita não pode consistir num processo de tentativa e erro, transformando-se o princípio da dupla decisão, em função da conveniência da administração, numa tripla ou quadrupla decisão, até que se encontre um qualquer motivo que, na opinião da administração, seja passível de justificar o indeferimento das pretensões dos cidadãos. Vale isto por dizer que no momento em que o IPIM notificou o Recorrente para a primeira audiência escrita (após, repita-se, uma análise do processo que durou mais de um ano) tinha a obrigação de já ter feito uma avaliação completa do processo e dos motivos que eventualmente justificariam a recusa das pretensões do Recorrente. E, portanto, se não alegou a questão da residência permanente, foi porque não a considerou – e bem – pertinente para o processo do Recorrente, não podendo de modo algum vir depois alega-la extemporaneamente quando tinha a obrigação legal de já o ter feito.
21. Nessa medida, a realização injustificada de uma segunda audiência por parte do IPIM configura um abalroamento gritante do citado princípio e bem assim das garantias do administrado contra quem a decisão foi decidida, rectius, o Menor Interessado, nomeadamente deitando por terra quaisquer hipóteses de litigar com lisura num procedimento que se pretende, acima de tudo, justo e equitativo.
22. Para além disso, e a reforçar o entendimento de que não faria qualquer sentido a realização de uma segunda audiência prévia, compete ainda observar que a diligência em apreço não tem qualquer base legal ou justificação inteligível subjacente.
23. Apenas o surgimento de elementos novos justificaria a realização de uma segunda audiência escrita, sendo que ao não proceder a argumentação vertida na primeira audiência escrita de alguma forma permite que se venham trazer à colação novos argumentos, em momento posterior.
24. Apenas os dados novos justificam a realização de uma nova audiência prévia. A este propósito, não se diga que os elementos respeitantes às entradas e saídas do Menor Interessado consubstanciam dados novos: eles já existiam muito antes do pedido de informação dos movimentos fronteiriços dirigido pelo IPIM ao Departamento de Controlo Fronteiriço do Corpo de Polícia de Segurança Pública da RAEM em 15/05/2020, quase um ano após o envio da resposta à primeira audiência escrita por parte do ora Recorrente (e inúmeras insistências para que o processo fosse despachado). O que sucede na realidade é que, como se disse anteriormente, o IPIM não exige nem nunca exigiu a permanência em Macau por um certo número de dias aos investidores imobiliários, pelo que, concluída a aturada e demorada análise do processo do Menor Interessado não requereu as respectivas informações ao CPSP, porquanto as mesmas não eram relevantes para a procedência do pedido.
25. Só posteriormente, ao aperceber-se do absurdo da sua argumentação inicial a respeito da situação jurídica do imóvel (a qual, recorde-se, acabou por abdicar, como se depreende do teor do Parecer Técnico) e numa tentativa inexplicável de prejudicar uma criança de 10 anos para evitar admitir o erro em que incorrera, é que o IPIM avançou com um novo argumento como forma de denegar ao Menor Interessado o direito de renovação peticionado. Ora, na modesta opinião do Recorrente, tal conduta é absolutamente inadmissível e ilegal.
26. A realização de uma segunda audiência prévia extravasou os limites formais do procedimento administrativo, padecendo o referido procedimento de vício de violação de lei por ofensa ao princípio da dupla decisão e de uma formalidade essencial, devendo o Acto Primitivo ser anulado, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 21º do CPAC, conjugada com os artigos 124º e 125º do CPA.
27. Não é necessário um grande esforço argumentativo para se demonstrar a gritante violação do princípio da boa-fé por parte do IPIM, no caso sub judice, ainda que sua interpretação do Regulamento e da Lei fosse de alguma forma inteligível – o que não se concede.
28. Recordando os elementos constantes dos factos expostos nas alíneas a) a e) supra (cfr. “A) Dos Factos”), facilmente nos damos conta de que estamos perante um autêntico caso-escola de uma actuação administrativa inválida, por a mesma contrariar, temeraria e injustificadamente, as expectativas que foram criadas pela Administração e o seu interessado, rectius, o IPIM e o Recorrente. Com efeito, foram inicialmente definidos certos condicionalismos (os previstos n.º 1 do artigo 3º do Regulamento) para a aquisição e renovação da residência temporária do Menor Interessado na RAEM, os quais se repetiram e permaneceram inalterados durante anos a fio.
29. A comprovar o que ora se afirma estão o despacho de autorização de fixação de residência do Menor Interessado em 23/11/2011 e as subsequentes renovações em 12/07/2012 e 09/12/2015, que em nenhum momento estabelecem como condição para a manutenção da residência do Menor Interessado que este permaneça na RAEM. De resto, seguindo o mesmo critério que seguiram para a mãe e o irmão mais velho do Menor Interessado e para o próprio Recorrente.
30. De repente, e para o pedido que seria a última renovação do Menor Interessado, o IPIM mudou unilateralmente e sem qualquer aviso prévio a sua posição sobre os requisitos para a renovação da autorização de residência do Menor Interessado, introduzindo, em sede de uma segunda audiência escrita (ilegal, como se viu), um requisito adicional de permanência na RAEM, desta forma tomando uma decisão com base numa realidade que, ab initio, existia e sobre a qual nunca foi levantado problema.
31. Pouco seguro da exactidão da sua tese, o IPIM procurou justificar a exigência do seu superveniente requisito imposto (a residência habitual) com a aplicação subsidiária da Lei ao Regulamento, de forma tosca e precipitada – cuja análise fizemos já acima, em sede própria.
32. (In)felizmente, a situação não é inaudita, estando documentado na RAEM, v.g., um caso de jurisprudência que retrata na perfeição, mutatis mutandis, a mesmíssima situação vivida pelo Recorrente e o Menor Interessado – caso esse, é bom de ver, no qual a entidade Recorrida é a mesma. Referimo-nos ao acórdão do TSI de 02/07/2019 (processo n.º 473/2019), ao qual o IPIM fez ele próprio menção, a propósito de uma questão levantada no seu Parecer.
33. Semelhante orientação encontramos, a propósito da actividade discricionária da administração, em sede dos acórdãos do TSI de 27/07/2017 (processo n.º 468/2017) e de 23/05/2019 (processo n.º 378/2019), e bem assim no acórdão do TUI de 11/03/2007 (processo n.º 40/2007). Estes arestos aplicam-se como uma luva ao caso em apreço. Pena que o IPIM tenha decidido trazer jurisprudência à colação sem a ler na íntegra, pois se o tivesse feito, não teria certamente tomado uma decisão que é manifestamente ilegal – a menos que propositadamente não queira respeitar a jurisprudência da RAEM.
34. O IPIM criou sempre a expectativa no Recorrente de que a renovação da autorização de residência do Menor Interessado não estava sujeita a qualquer condicionalismo no que respeita à permanência por certo número de dias em Macau. Tanto em relação ao Menor Interessado, como anos antes relativamente aos restantes membros do agregado da família do Menor Interessado – os quais são todos, recorde-se, residentes permanentes da RAEM. Tal sucede porque, como vimos, é esse o regime legal aplicável àqueles que obtiveram residência em Macau por via do investimento imobiliário. Mas ainda que assim não se entendesse, ou seja, caso se entendesse que de facto o IPIM deveria ab initio ter imposto ao Menor Recorrido a permanência em Macau por um certo número de dias – o que não se concede e apenas por mero dever de cautela se equaciona – a verdade é que não o fez e, nessa medida, está agora legalmente impossibilitado de alegar esse requisito como motivo para recusa da renovação da autorização de residência do Menor Interessado, por se ter vinculado à sua conduta.
35. Em suma, precisado o sentido e o alcance do princípio da boa-fé e conjugando-os com os factos concretamente em apreço, andou muito mal o IPIM (em termos, recorde-se, praticamente iguais com o citado caso descrito no acórdão do TSI) ao indeferir o pedido de renovação do Menor Interessado, nos termos em que o fez. Ao fazê-lo, violou assim o princípio da boa-fé, nos termos do artigo 8º do CPA, e ainda o princípio da igualdade, na vertente da “regra do precedente”, nos termos do artigo 5º, n.º 1 do CPA, pelo que também por esta via deverá o Acto Primitivo ser anulado, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 21º do CPAC, conjugada com os artigos 124 e 125º do CPA.
36. Percorrendo ainda o trilho de normas e de princípios violados pela actuação do IPIM através da sua decisão constante do Acto Primitivo, somos levados agora a considerar o princípio da proporcionalidade na actuação da administração, decorrente do disposto no artigo 5º, n.º 2 do CPA, nas suas três vertentes/subprincípios: adequação, exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito.
37. Atendendo à finalidade visada pelas normas do Regulamento atinentes à fixação da residência temporária por investimento imobiliário – que essencialmente consistem, como se viu, na atracção de investimento estrangeiro e dinamização do mercado imobiliário da RAEM – nunca a decisão do Acto Primitivo, de não renovação do título de residência com base em ponderações aritméticas e relacionadas com o conceito de residência habitual, se relevaria como adequada para a prossecução de tais fins, com sacrifício dos direitos legalmente protegidos do Recorrente e o Menor Interessado.
38. No que toca à consistência do Acto Primitivo em face do teste da necessidade ou exigibilidade, é fora de dúvidas que a decisão de não renovar, pela última vez, o título de residência de um menor de 10 anos deixa de ser necessária a partir do momento em que a sua família inteira é já residente permanente da RAEM, tendo os familiares do Menor Interessado adquirido a residência da RAEM pelas mesmas vias e nas mesmas condições que agora servem de arma de arremesso pelo IPIM para negar os direitos daquele. Pelo que, a medida levada a cabo por aquele instituto é efectivamente a mais lesiva possível e imaginária, com repercussões para não uma, mas várias pessoas que se vêem objectivamente afectadas por tal decisão.
39. No que toca ao teste da proporcionalidade em sentido estrito (ou racionalidade), este é aquele onde, de forma mais ostensiva, se dá por verificada a falta de racionalidade da decisão avocada pelo IPIM. Nesta sede, não é demais recordar que a decisão que o Sr. Presidente Substituto do IPIM tomou mais não significa do que cancelar a autorização de residência a uma criança de 10 anos, quando toda a sua família é já – conforme se referiu supra – residente permanente da RAEM. Defenderá o IPIM que um menor de 10 anos seja separado da família e venha sozinho para Macau para, como mencionado no teor de uma das suas comunicações, “tratar da sua vida quotidiana”? Onde está a justa medida desta solução?
40. Verifica-se aqui, com esta decisão, uma agressão violenta, voluntária e consciente do IPIM ao direito de constituir família dos residentes de Macau, de consagração expressa no artigo 38º da Lei Básica, e também ao princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos residentes, do artigo 4º do CPA.
41. De mais a mais, não se deve perder de vista que tal decisão se traduz numa penalização injustificável para o ora Recorrente, pai do Menor Interessado, que investiu tempo, dinheiro e recursos na RAEM para a valorização do património imobiliário da Região.
42. Quer dizer, se a missão do IPIM é promover o investimento na RAEM, casos como o que ora se discute servem o propósito diametralmente oposto, desencorajando qualquer pessoa decente, honesta e trabalhadora que esteja a pensar em investir na RAEM, atenta a demora no tempo de resposta, a constante incerteza de critérios, a apreciação errónea dos preceitos legais e por fim, a desrazoabilidade de actuação da actuação daquele Instituto.
43. Em conclusão, estamos a falar de uma família que nunca violou a lei ou cometeu crimes, que investiu as suas poupanças e aproveitou com sucesso o terreno destinado ao investimento que justificou a atribuição do seu estatuto de residente na RAEM e que, durante anos, cumpriu escrupulosamente com os todos requisitos que lhe foram impostos pela administração para a aquisição do referido estatuto de residência. Quer haja ou não uma questão controvertida ao nível dos requisitos formais a observar-se – o que não se concede e apenas por cautela de patrocínio se concebe – seria a maior das injustiças maquiavélicas exigir-se, repita-se, a uma criança de 10 anos, na última das renovações do seu título de residência antes da obtenção do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM, que viesse agora cumprir com requisitos inauditos, nunca antes exigidos, separando-a dos seus familiares residentes permanentes da RAEM.
44. Atendendo à carga lesiva que acarreta a decisão constante do Acto Primitivo e se dá por cabalmente demonstrada supra, a mesma é atentatória nomeadamente do princípio da proporcionalidade e dos seus subprincípios da necessidade, adequação e racionalidade (artigo 5º do CPA), do principio da justiça (artigo 7º do CPA), do direito de constituir família dos residentes de Macau (artigo 38º da Lei Básica), e do princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos residentes (artigo 4º do CPA), o que torna o Acto Primitivo também por esta via anulável, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 21º do CPAC, conjugada com os artigos 124º e 125º do CPA.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso contencioso ser julgado procedente e, em consequência, anulado o acto que indeferiu o recurso hierárquico necessário, relativo à última renovação da autorização de fixação de residência do descendente menor de idade de A, D, pedido que se fundamenta, de acordo com o disposto no artigo 21º, n.º 1, alínea d) do CPAC, em conjugação com os artigos 124º e 125º do CPA, em vício de violação de lei, com as demais consequências legais:
a) por ofensa ao n.º 1 do artigo 3º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, e bem assim os artigos 8º e 9º do Código Civil;
b) por ofensa ao princípio da dupla decisão e nomeadamente das formalidades essenciais atinentes à audiência de interessados;
c) por ofensa ao princípio da boa-fé, nos termos do artigo 8º do CPA, e ainda o princípio da igualdade, na vertente da “regra do precedente”, nos termos do artigo 5º, n.º 1 do CPA; e ainda
d) por ofensa ao princípio da proporcionalidade e dos seus subprincípios da necessidade, adequação e racionalidade (artigo 5º do CPA), do princípio da justiça (artigo 7º do CPA), do direito de constituir família dos residentes de Macau (artigo 38º da Lei Básica), e do princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos residentes (artigo 4º do CPA).”
*
Regularmente citada, contestou a entidade recorrida, tendo formulando as seguintes conclusões, pugnando pela improcedência do recurso:
“I. Aplicação subsidiária e aplicação analógica são coisas diferentes.
II. A administração não fez qualquer aplicação analógica de normas legais.
III. A Lei 4/2003, enquanto lei geral, é subsidiariamente aplicável em tudo o que não esteja previsto no RA 3/2005.
IV. A Lei 4/2003 prevê a falta de residência habitual na RAEM como causa de caducidade de toda e qualquer autorização temporária de residência.
V. A Administração não goza do poder discricionário de decidir se o beneficiário de uma autorização de residência pode manter essa autorização quando não tenha residência habitual na RAEM.
VI. No procedimento administrativo, a Administração pode e deve ouvir o interessado tantas vezes quantas forem necessárias para que ele tenha a oportunidade de se pronunciar sobre todas as questões relevantes para a decisão do seu caso.
VII. A violação dos princípios gerais do procedimento administrativo é questão que só assume relevância quando a Administração actua no uso de poderes discricionários, o que não foi o caso.
VIII. Tendo a Administração actuado no exercício de poderes vinculados, não pode ela ser acusada de ter frustrado quaisquer expectativas criadas na mente do interessado.
Pelos motivos expostos, parece-nos que terá de ser negado provimento ao presente recuso.”
*
Posteriormente, apresentou o recorrente alegações facultativas, reiterando a posição anteriormente assumida na petição de recurso.
*
Findo o prazo para alegações, o Digno Procurador Adjunto do Ministério Público deu o seguinte douto parecer:
“Na petição inicial e na sua alegação facultativa, o recorrente pediu a anulação do indeferimento tácito do recurso hierárquico necessário por si interposto (cfr. fls. 26 a 39 dos autos), sendo esse indeferimento consubstanciado, em boa verdade, em confirmar a decisão de indeferir o pedido (do recorrente) de renovação da autorização de residência.
Sustentando o seu pedido, o recorrente arrogou sucessivamente a não aplicação do n.º 3 do art. 9.º da Lei n.º 4/2003 ao vertente caso, a ilegal realização da segunda audiência, e a violação dos princípios da boa fé, da igualdade e da proporcionalidade.
*
Bem, o n.º 3 do art. 9.º da Lei n.º 4/2003 prevê inequivocamente que a residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência. Importa frisar que este n.º 3 é imprescindível à constitucionalidade desta Lei. Pois, a alínea 2) do art. 24.º da Lei Básica exige que tenha residido habitualmente em Macau pelos menos sete anos consecutivos. O que revela que como condição da aquisição do estatuto de residente permanente de Macau, ter residência habitual na RAEM durante pelos menos sete anos consecutivos tem dignidade constitucional.
Na nossa óptica, tanto a alínea 2) do art. 24.º da Lei Básica como o n.º 3 do art. 9º da Lei n.º 4/2003 são preceitos imperativos, de tal modo que vincula estritamente o poder administrativo. Note-se que o Regulamento Administrativo n.º 3/2005 é, antes de mais, um diploma regulamentar.
Nestes termos e por força da determinação legal no art. 3.º da Lei n.º 13/2009 (Regime jurídico de enquadramento das fontes normativas internas), a validade do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 depende da sua conformidade com a Lei Básica e a Lei n.º 4/2003.
Nesta conformidade alicerçam a ratio e o objectivo do art. 23º deste Regulamento Administrativo que estabelece: É subsidiariamente aplicável aos interessados que requeiram autorização de residência temporária nos termos do presente diploma o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau.
Tudo isto leva-nos a acreditar que o n.º 3 do art. 9º da Lei n.º 4/2003 se aplica às autorizações de residência temporária concedidas de acordo com o Regulamento Administrativo n.º 3/2005, por isso, não pode deixar de ser infundado o primeiro fundamento do recorrente.
*
No sumário do Acórdão tirado no seu Processo n.º 6/2003, o douto TUI inculca: IV– À alteração da qualificação jurídica deve aplicar-se, por analogia, o disposto no n.º 1, do art.º 339.º do Código de Processo Penal, devendo o juiz comunicar a alteração ao arguido e conceder-lhe, se ele requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa. V– Quando a alteração implicar a aplicação de penalidade mais elevada o juiz tem sempre de observar o contraditório. VI– A doutrina mencionada em III, IV e V aplica-se, com as necessárias adaptações, em processo disciplinar.
Da sua banda, entende, e bem, o douto TSI que “具權限實體在變更加重預審員所建議的紀律處分、引用新的事實或改變原法律定性前,必須對相關違紀嫌疑人作出聽證,否則構成《公共行政工作人員通則》第298條所指的紀律處分程序無效,引致處分行為的可撤銷。” (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 424/2018)
A nosso ver, a orientação jurisprudencial supra aludida aplica-se não só ao processo disciplinar, mas também a demais procedimentos administrativos. Com efeito, afigura-se-nos pacífico o entendimento de que a alteração do fundamento legal do acto administrativo carece da prévia audiência do interessado, sob pena de germinar a invalidade.
Nesta ordem de vista, inclinamos a colher que a segunda audiência mostra cautelosa e legal, portanto é igualmente descabida a invocação da ilegal realização da segunda audiência e, em certa medida, é sofisticada a arrogada “violação do princípio da dupla decisão”.
*
À luz da jurisprudência autorizada e consolidada, o n.º 1 do art. 9º da Lei n.º 4/2003 se configura uma norma permissiva e atribui amplo poder discricionário (a título exemplificativo, Acórdãos do TUI nos Processos n.º 38/2012 e n.º 123/2014, do TSI nos n.º 766/2011, n.º 570/2012 e n.º 356/2013), diversamente, o n.º 3 deste art. 9º é preceito imperativo, sem deixar margem de livre apreciação. Daí resulta que nos casos em que o titular da autorização da residência temporária não tem a residência habitual na RAEM, o indeferimento do seu requerimento de renovação é vinculado, constituindo a única decisão legal.
Sendo assim e por natureza das coisas, é decerto impossível que tal indeferimento infrinja os princípios da boa fé, da igualdade e da proporcionalidade, na medida em que estes princípios bem como o da justiça se circunscrevem apenas ao exercício de poderes discricionários, sendo inoperante aos actos administrativos vinculados. (a título exemplificativo, cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º 32/2016, n.º 79/2015 n.º 46/2015, n.º 14/2014, n.º 54/2011, n.º 36/2009, n.º 40/2007, n.º 7/2007, n.º 26/2003 e n.º 9/2000, a jurisprudência do TSI vem andar no mesmo sentido).
Seja como for, a violação do princípio da igualdade não releva no exercício de poderes vinculados, já que não existe um direito à igualdade na ilegalidade. O princípio da igualdade não pode ser invocado contra o princípio da legalidade: um acto ilegal da Administração não atribui ao particular o direito de exigir a prática no futuro de acto de conteúdo idêntico em face de situações iguais. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 7/2007)
Em esteira, e sem prejuízo da sincera simpatia, não podemos deixar de entender que o despacho em escrutínio não colide com os supramencionados princípios, pelo que são inoperantes os argumentos tecidos pelo recorrente neste sentido.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
*
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas e têm interesse processual.
Não existe nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
Em 2006, o recorrente requereu a autorização de residência temporária na RAEM, mediante a aquisição de bem imóvel.
Em consequência, foi concedida em 24.7.2006 a autorização de residência ao recorrente e aos restantes familiares do recorrente, a saber, a sua mulher B e o seu filho mais velho C.
À data do pedido inicial, o filho mais novo do recorrente ainda não nasceu.
Em 17.4.2018, o recorrente submeteu o último pedido de renovação da autorização de residência do seu filho mais novo junto do IPIM.
Foram realizadas duas audiências escritas, apresentadas em 26.4.2019 e 17.8.2020, respectivamente, cuja teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
A 4.11.2020, foi elaborada a seguinte Proposta registada sob o n.º 0597/2006/04R: (fls. 41 a 45 dos autos)
“事由:審查臨時居留許可申請
投資居留及法律廳高級經理下:
1. 利害關係人身份資料及建議批給臨時居留許可期限如下:
序號
姓名
關係
證件/編號
證件有
效期
臨時居留許可有效期至
首次獲批
申請日期
1
(D)
卑親屬
香港永久性居民身份證XXX
2018/07/14
2011/11/10
2. 申請人(A) 於2006年7月14日首次獲批臨時居留許可申請,並於2013年7月14日已持續獲批准滿7年臨時居留許可,並已領取澳門永久性居民身份證。
3. 根據卷宗資料顯示,申請人與其配偶B仍存有持續的婚姻關係(見第14至16頁)。
4. 為續期目的,申請人提交下列不動產文件(見25至40頁)及在本澳信用機構所擁有的定期存款證明文件(見第41至42頁):
(1) 物業標示編號: 9875
氹仔,XXX
價值: 1,005,487.11澳門元
登記日期: 2016/12/12(336)
(2) 物業標示編號: 9875
氹仔,XXX
價值: 2,604,762.88澳門元
登記日期: 2016/12/12(336)
5. 透過上述不動產文件顯示,申請人於2016年12月12日將其獲批臨時居留許可依據的不動產作分層登記(性質臨時性登記),設定為兩個作商業用途的獨立單位,由於設定分層所有權的情況及不動產物權的改變,而申請人沒有就該狀況變更依法適時向本局作出通知。
6. 為核實申請人在臨時居留許可存續期間於澳門的居留情況,本局於2020年5月15日透過第02169/DJFR/2020號公函向治安警察局索取相關的出入境紀錄資料如下(見第106至121頁):
(申請人A) 期間
留澳日數
2017年1月1日至2017年12月31日
8
2018年1月1日至2018年12月31日
18
2019年1月1日至2019年12月31日
18
2020年1月1日至2020年4月30日
1
(卑親屬D) 期間
留澳日數
2017年1月1日至2017年12月31日
0
2018年1月1日至2018年12月31日
4
2019年1月1日至2019年12月31日
7
2020年1月1日至2020年4月30日
0
7. 根據第3/2005號行政法規第23條補充適用第4/2003號法律第9條第3款的規定,利害關係人在澳門特別行政區通常居住是維持居留許可的條件,但透過治安警察局的“出入境紀錄”資料顯示,以及申請人提供的各項資料,未能反映其卑親屬在獲批臨時居留許可期間以本澳為生活中心,開展日常事務,故認為其卑親屬並沒有遵守維持臨時居留許可的條件。
8. 基於上述情況,不利於申請人之卑親屬是次臨時居留許可續期申請,故本局對利害關係人進行了書面聽證程序(見第56至58頁及第146至148頁),隨後,申請人授權律師提交了回覆意見及相關文件(見第59至63頁及第149至158頁),有關回覆意見的主要內容如下:
1) 申請人2005年12月7日購買氹仔木鐸街40號物業並登記(物業標示編號為9875),至今為止,該物業持有人為申請人,且不帶任何負擔,符合第3/2005號行政法規第3條第1款第(一)項規定。
2) 就該物業訂立分層所有權之事實,其既不影響該物業的物權,亦沒有形成該物業負擔,申請人始終保持臨時居留許可獲批准時被考慮的具重要性的法律狀況,沒有任何變更,故依據第3/2005號行政法規第18條的規定,申請人沒有通知本局的義務。
3) 申請人之卑親屬年僅10歲,不能獨自在澳門生活,故須隨父母來往澳門;按治安警察局提供的資料顯示,申請人之卑親屬會隨其父親來澳,且有一定的頻繁度。
4) 申請人認為依據第3/2005號行政法規的規定,通常居住不是透過投資不動產獲批臨時居留許可申請及續期之法律要件,第3/2005號行政法規不存在法律漏洞而需要填補,故不須引用第4/2003號法律作為補充制度,所以,第3/2005號行政法規第23條不適用於本個案。
5) 最後,申請人請求批准其卑親屬臨時居留許可續期申請。
9. 就上述回覆意見,茲分析如下:
1) 根據《民法典》第1323條(分層建築物之所有人就有關房地產所擁有之權利及限制)第1款規定: “分層建築物之每一所有人係屬其所有之單位之唯一所有人,亦係有關分層建築物之共同部分之共有人。”
2) 於本案,申請人將其獲批臨時居留許可依據的不動產作分層登記,設定為兩個用作商業用途的獨立單位,合共價值為3,610,250.00澳門元,雖然設定分層所有權的情況涉及不動產物權的改變,但按物業登記資料顯示,申請人仍擁有該分層建築物全數單位,也包括共有部分的全部業權。
3) 為跟進上述不動產作分層登記後,物業標示(編號為9875)仍維持不變的情況,本局致函法務局(見第122頁),並獲其回覆(見第127至141頁),當中指出: (1) 申請人於2016年12月12日設定分層所有權為性質臨時性登記,後於2019年12月2日轉為確定;(2) 從物業登記資料所見,在該個案中,並未發現標示編號為9875的土地狀況或性質出現變更。
4) 基於上述第1)至3)點,考慮到雖然申請人將用作臨時居留許可依據的不動產作分層登記,但其仍擁有該分層建築物全數單位,也包括共有部分的全部業權,故建議接納申請人將其獲批臨時居留許可依據的不動產作分層登記的法律狀況變更。
5. 第3/2005號行政法規第23條規定: “入境、逗留及定居澳門特別行政區的一般制度,補充適用於按照本行政法規的規定申請臨時居留許可的利害關係人”,在澳門法律體系中,它所援引的是第4/2003號法律。
6) 值得指出的是中級法院於第473/2019號卷宗內作出以下判決: “I – Em matéria de pedido da autorização (e renovação) de fixação de residência temporária em Macau por parte dos titulares de qualificação profissional e especializada, o artigo 9º (mormente o seu n.º 3) da Lei n.º 4/2003 (regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na RAEM), de 17 de Março, aplica-se subsidiariamente, por força da remissão feita pelo artigo 23º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, de 4 de Abril, não obstante este último ser um diploma de carácter especial, por estabelecer o regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados.”
7) 可以肯定,第4/2003號法律第9條第3款規定 “利害關係人在澳門特別行政區通常居住是維持居留許可的條件”適用於第3/2005號行政法規規定的投資者、管理人員及具特別資格技術人員臨時居留許可制度。
8) 行政當局在斷定利害關係人是否通常居住,並不單純依據其每年的留澳日數,而是根據第8/1999號法律第4條第4款的規定,結合考慮利害關係人的個人具體情況及其主要家庭成員的生活背景作綜合分析。
9) 在本個案中,經向治安警察局索取申請人及卑親屬的出入境資料顯示,其於2017年1月1日至2020年4月30日期間的留澳天數分別為8天、18天、18天和1天及0天、4天、7天和0天,留澳天數極少,相關事實反映其等自獲批臨時居留許可後長期不在澳。
10) 根據卷宗內申請人於2018年4月17日填報的“澳門特別行政區臨時居留申請書”和“家團成員表格”顯示,申請人及卑親屬的居住地為“香港XXX”,申請人自2003年起一直於“XXX Limited - HK”工作,而卑親屬自2016年起於香港“XXX附屬小學”就讀(見第1至10頁),相關資料反映了其等在獲批臨時居留許可期間沒有以澳門為生活中心,開展日常事務。
11) 申請人指其卑親屬年僅10歲,不能獨自在澳門生活,故須隨父母來往澳門;須指出的是,申請人為卑親屬的法定代理人,因個人意願選擇與卑親屬不在澳門居住、工作及讀書,而根據申請人及卑親屬的出入境資料顯示其等每年留在澳門的日數均不多於18日,這足以反映了其等日常生活事務並非圍繞着澳門展開,生活中心明顯不在澳門,且長期不在澳門居住顯示其等不把澳門視作常居地。
12) 基於此,經綜合考慮第8/1999號法律第4條第3款及第4款所指之各種情況,難以體現申請人之卑親在臨時居留許可期間以澳門為家庭生活中心及常居地,相關事實亦反映了申請人之卑親屬沒有在澳門通常居住,故未能滿足維持臨時居留許可的法定條件。
10. 審閱完畢,利害關係人在澳門特別行政區通常居住是維持居留許可的條件,然而,按治安警察局的出入境資料顯示,申請人之卑親屬絕大部份時間均不在本澳,經綜合考慮第8/1999號法律第4條第4款所指之各種情況,顯示申請人之卑親屬並沒有在澳門通常居住。經進行聽證程序,亦未能證實申請人之卑親屬以澳門為常居地和生活中心,故建議根據第3/2005號行政法規第23條補充適用第4/2003號法律第9條第3款及第5/2003號行政法規第22條第2款之規定,不批准申請人之卑親屬D (D) 是次的臨時居留許可續期申請。
請批閱。”
Posteriormente, foi dado o seguinte parecer jurídico:
“同意建議書內容建議。”
A 6.11.2020, o Presidente Substituo do Conselho de Administração do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau lavrou o seguinte despacho: (fls. 40):
“根據第68/2020號經濟財政司司長批示所授予之權限,並根據第3/2005號行政法規第23條補充適用第4/2003號法律第9條第3款及第5/2003號行政法規第22條第2款之規定,同意本建議書的分析,不批准下列利害關係人的臨時居留許可續期申請。
序號
姓名
關係
1
D (D)
卑親屬”
Inconformado, o recorrente interpôs recurso hierárquico necessário dirigido ao Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, no qual impugnou o acto do Presidente Substituto do IPIM. (fls. 26 a 39)
O recurso hierárquico não foi objecto de decisão dentro do prazo legal, pelo que foi considerado tacitamente indeferido.
*
O caso
Ao recorrente (e seus membros familiares) foi concedida a autorização de residência temporária na RAEM, com fundamento na aquisição de bem imóvel.
Posteriormente, foi concedido o estatuto de residente permanente na RAEM ao recorrente, à sua esposa e ao filho mais velho.
Submetido o último pedido de renovação de autorização de residência do seu filho mais novo, menor de idade, foi o mesmo indeferido com fundamento na falta de residência habitual do menor na RAEM.
Interposto o recurso hierárquico, não foi objecto de decisão dentro do prazo legal, daí que se presume ter sido o recurso indeferido tacitamente.
É este o acto recorrido.
*
Da (não) aplicabilidade subsidiária da Lei n.º 4/2003
Entende o recorrente que a Lei n.º 4/2003, em especial, o n.º 3 do artigo 9.º do referido diploma legal não é aplicável ao caso concreto.
Consagra-se o artigo 9.º o seguinte:
“Autorização
1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.” – sublinhado nosso
Em boa verdade, a Lei n.º 4/2003 estabelece os princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência na RAEM, sendo esta uma lei geral aplicável a todas as situações em que lidam com pedidos de entrada, permanência ou autorização de residência, tal como pedido de concessão de autorização temporária de residência com fundamento em investimento imobiliário.
E dúvidas de maior não restam de que é o próprio artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 (diploma que regulamenta o regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados) que manda aplicar subsidiariamente o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau previsto na Lei n.º 4/2003.
Como observa o Digno Procurador Adjunto, e bem, “o n.º 3 do art. 9.º da Lei n.º 4/2003 prevê inequivocamente que a residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência. Importa frisar que este n.º 3 é imprescindível à constitucionalidade desta Lei. Pois, a alínea 2) do art. 24.º da Lei Básica exige que tenha residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos. O que revela que como condição da aquisição do estatuto de residente permanente de Macau, ter residência habitual na RAEM durante pelo menos sete anos consecutivos tem dignidade constitucional.
(…)
Nesta conformidade alicerçam a ratio e o objectivo do art. 23.º deste Regulamento Administrativo que estabelece: É subsidiariamente aplicável aos interessados que requeiram autorização de residência temporária nos termos do presente diploma o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau.
Tudo isto leva-nos a acreditar que o n.º 3 do art. 9.º da Lei n.º 4/2003 se aplica às autorizações de residência temporária concedidas de acordo com o Regulamento Administrativo n.º 3/2005, por isso, não pode deixar de ser infundado o primeiro fundamento do recorrente.”
Concordamos inteiramente com as considerações tecidas pelo Digno Magistrado do Ministério Público, que aqui fazemos a nossa, improcedendo, assim, o recurso quanto a esta parte.
*
Do alegado vício de violação de lei resultante da realização ilegal da segunda audiência escrita convocada pelo IPIM
Entende o recorrente que a Administração incorreu em vício de violação de lei por lhe ter concedido uma segunda audiência.
A nosso ver, sem razão o recorrente.
Ora bem, salvo o devido respeito, caso surjam circunstâncias ou factos novos, teria haver lugar a nova audiência do interessado, sob pena de violar o direito de defesa do interessado.
Tal como opina o Digno Procurador Adjunto, “...a orientação jurisprudencial supra aludida aplica-se não só ao processo disciplinar, mas também a demais procedimentos administrativos. Com efeito, afigura-se-nos pacífico o entendimento de que a alteração do fundamento legal do acto administrativo carece da prévia audiência do interessado, sob pena de germinar a invalidade.”
No caso vertente, tendo surgido no decurso do procedimento administrativo questão ou ponderação nova relativamente à eventual falta de residência habitual do filho menor do recorrente na RAEM, andou bem a Administração ao proceder à nova audiência do interessado, caso contrário o seu direito de defesa ficaria preterido.
Improcede, pois, o vício apontado.
*
Da alegada violação de lei consistente na violação manifesta do princípio da boa fé
Entende o recorrente que o acto recorrido violou as expectativas que foram criadas pela Administração, na medida em que tanto no despacho de autorização de fixação de residência do filho menor do recorrente tanto nos despachos de subsequentes renovações, nunca foi estabelecida a permanência na RAEM como condição para a manutenção da residência do menor. Melhor dizendo, entende o recorrente que o IPIM sempre criou no recorrente a expectativa de que a renovação da autorização de residência do seu filho não estava sujeita a qualquer condicionalismo no que respeita à permanência por certo número de dias na RAEM.
No que respeita a essa questão, alinhamos pelo entendimento expresso no Acórdão do Venerando TUI, no âmbito do Processo n.º 182/2020, que a seguir se transcreve:
“Consagrando o “princípio da boa fé” prescreve o art. 8° do C.P.A. que: “1. No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé. 2. No cumprimento do disposto no número anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial: a) Da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa; b) Do objectivo a alcançar com a actuação empreendida”.
Todavia, como cremos ser pacífico, a invocação e alegação de desrespeito dos princípios fundamentais de direito administrativo – como é o caso do referido “princípio da boa fé” – só é relevante no exercício dos “poderes administrativos discricionários”, (ou seja, quando a Administração pode escolher a solução a adoptar com base em critérios de oportunidade e conveniência), e não no âmbito do exercício do “poder vinculado”, (em que não tem margem para optar ou para decidir, havendo aqui que se limitar a cumprir a Lei); (cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 03.04.2020, Proc. n.° 7/2019, de 09.09.2020, Procs. n°s 56/2020, 62/2020 e 63/2020, de 16.09.2020, Proc. n.° 65/2020, de 14.10.2020, Proc. n.° 124/2020 e de 27.11.2020, Proc. n.° 157/2020).
Ora, nos termos do art. 9°, n.° 3 da Lei n.° 4/2003, (que estabelece os “Princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência”, in B.O. n.° 11/2003 de 17.03.2003): “A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência”. Por sua vez, nos termos do art. 24°, al. 2) do Regulamento Administrativo n.° 5/2003, (“Regulamento sobre a entrada, permanência e autorização de residência” que desenvolve a supra referida Lei n° 4/2003; vd., B.O. n.° 15/2003 de 04.04.2003), é causa de caducidade da autorização de residência “Qualquer circunstância que, nos termos da lei de princípios e do presente regulamento, seja impeditiva da manutenção da autorização, nomeadamente a falta de residência habitual do interessado na RAEM”. Atento o assim preceituado, e tendo a Administração entendido – e como se viu, adequadamente – que o ora recorrido não tinha “residência habitual” em Macau, apenas uma (só) solução lhe era possível adoptar: indeferir o pedido de renovação da sua autorização de residência.
Agiu, desta forma, (no cumprimento do legalmente estatuído), no exercício de um poder administrativo “vinculado”, adequada não sendo a relevância dada assim como a consideração de violação do aludido “princípio administrativo da boa fé”.”
Conforme se depreende do julgado acima transcrito, sem necessidade de delongas considerações, improcedem, necessariamente, as razões invocadas pelo recorrente.
*
Da alegada violação do princípio da proporcionalidade
Defende ainda o recorrente que o acto recorrido violou o princípio da proporcionalidade, por a decisão de não renovar o título de residência de um menor de 10 anos deixar de ser necessária a partir do momento em que a sua família inteira já é residente permanente da RAEM.
Ora bem, em primeiro lugar, tal como foi dito acima, estando-se diante do exercício de poderes vinculados, logo tenha verificado que a pessoa interessada não tinha residência habitual em Macau, a Administração apenas pode tomar uma só solução, que é indeferir o seu pedido de renovação da autorização de residência, como é o caso dos autos.
Sendo assim, não se coloca aqui a questão de eventual violação do princípio da proporcionalidade, o qual constitui apenas um dos limites internos da discricionariedade administrativa.
Em segundo lugar, mesmo que assim não entenda, é bom de ver que não há qualquer impedimento de o menor reunir os seus pais e outros membros familiares tanto na RAEM como em outro lugar, o que não se pode é obter o estatuto de residente da RAEM. No fundo, isso significa que a não concessão do estatuto de residente da RAEM ao filho menor não se traduz em qualquer actuação desrazoável ou desproporcional, improcedendo, assim, o recurso quanto a esta parte.
*
Isto posto, sem mais considerandos, somos a julgar improcedente o presente recurso contencioso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto administrativo impugnado.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 8 U.C.
***
RAEM, aos 27 de Janeiro de 2022
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
Mai Man Ieng
Recurso Contencioso 517/2021 Pág. 38