Processo nº 1037/2021
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 17 de Fevereiro de 2022
Recorrente: A (Autor)
Recorrida: B, S.A. (Ré)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
Por sentença de 12/10/2021, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré B, S.A. a pagar ao Autor A a quantia de MOP$495,153.04, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, alegando, em sede de conclusões, o seguinte:
1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação das Recorridas na atribuição de uma compensação devida ao Recorrente pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal à luz do DL n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
2. Pelas razões que adiante melhor se expõem, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devida pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e, deste modo, se mostra em violação ao disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, razão pela qual se impõe que a mesma seja julgada nula e substituída por outra que decida em conformidade com a melhor interpretação a conferir ao referido preceito;
Em concreto,
3. Entendeu o Tribunal a quo ser de sufragar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância e, em consequência, condenar as Rés a pagar ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral;
4. Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
5. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
6. Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
7. In casu, resulta da matéria de facto provada que: "entre 22/07/2004 a 31/12/2008 o Autor prestou 201 dias de trabalho ao sétimo dia para a 2.ª Ré (B), após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho" e, bem assim, "que a 2.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo" - deve a 2.ª Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$103,515.00 a título do dobro do salário - e não só apenas de MOP$51,757.50 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
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A Ré respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 304 a 310, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. Desde 22/04/2004 ao presente o Autor esteve ao serviço da Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
2. Entre 22/04/2004 e 31/07/2010, o Autor exerceu funções para a Ré (B). – ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003. (B)
3. Desde o início da prestação de trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (C)
4. Entre 22/04/2004 a 31/07/2010 a Ré (B) pagou ao Autor a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (D)
5. Entre 22/04/2004 a 31/12/2019, o Autor gozou de dias de férias anuais e de dias de dispensa ao trabalho por cada ano civil, nomeadamente durante o período entre 04/08/2005 a 27/08/2005, 01/08/2006 a 02/08/2006, 26/08/2006 a 19/09/2006, 08/09/2007 a 29/09/2007, 28/08/2008 a 28/09/2008, 04/08/2009 a 26/08/2009, 04/09/2010 a 28/09/2010, 10/09/2011 a 11/10/2011, 08/09/2012 a 30/09/2012, 23/05/2013 a 22/06/2013, 31/08/2013 a 24/09/2013, 03/05/2014 a 31/05/2014, 18/04/2015 a 12/05/2015, 05/01/2016 a 02/02/2016, 18/04/2017 a 16/05/2017, 25/01/2018 a 24/02/2018, 09/02/2019 a 09/03/2019. (1.º)
6. Entre 01/08/2010 a 31/01/2011, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$7,500.00, a título de salário de base mensal.
Entre 01/02/2011 a 31/07/2012, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$7,875.00, a título de salário de base mensal. (1.º-A)
7. Entre 01/08/2012 a 20/07/2013, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$8.663,00, a título de salário de base mensal. (1.º-B)
8. Entre 21/07/2013 a 31/12/2013, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$9,183.00, a título de salário de base mensal.
Entre 01/01/2014 a 31/12/2014, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$9,643.00, a título de salário de base mensal.
Entre 01/01/2015 a 20/07/2016, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$10,000.00, a título de salário de base mensal. (1.º-C)
9. Entre 21/07/2016 a 20/07/2019, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$10.126,00, a título de salário de base mensal. (1.º-D)
10. Entre 21/07/2019 a 31/12/2019, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$11.326,00, a título de salário de base mensal. (1.º-E)
11. Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003 ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para a Ré até 31/07/2010, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (2.º)
12. Entre 22/04/2004 a 31/07/2010, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré. (3.º)
13. Entre 22/04/2004 a 31/07/2010, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (4.º)
14. Entre 22/04/2004 a 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) durante os feriados obrigatórios. (5.º)
15. Entre 22/04/2004 a 31/12/2008, a Ré (B) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado pelo Autor nos referidos dias de feriado obrigatório. (6.º)
16. Entre 22/04/2004 a 31/07/2010, a Ré procedeu a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (7.º)
17. A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela Ré e/ou pela agência de emprego. (8.º)
18. Entre 22/04/2004 a 31/12/2019, por ordem da Ré (B), o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (9.º)
19. Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspecionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (10.º)
20. Entre 22/04/2004 a 31/12/2008, o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início dos 1407 dias/turnos de trabalho efectivo que prestou para a Ré, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (11.º)
21. Entre 01/01/2009 a 31/07/2010 o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início dos 484 dias/turnos que prestou para a Ré, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (12.º)
22. Entre 01/08/2010 a 31/01/2011, o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início dos 140 dias/turnos de trabalho efectivo que prestou para a Ré, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos.
Entre 01/02/2011 a 31/07/2012, o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início dos 451 dias/turnos de trabalho efectivo que prestou para a Ré, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (13.º)
23. Entre 01/08/2012 a 20/07/2013, o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início dos 262 dias/turnos de trabalho efectivo que prestou para a Ré, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (14.º)
24. Entre 21/07/2013 a 31/12/2013, o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início dos 122 dias/turnos de trabalho efectivo que prestou para a Ré, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos.
Entre 01/01/2014 a 31/12/2014, o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início dos 294 dias/turnos de trabalho efectivo que prestou para a Ré, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos.
Entre 01/01/2015 a 20/07/2016, o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início dos 449 dias/turnos de trabalho efectivo que prestou para a Ré, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (15.º)
25. Entre 21/07/2016 a 20/07/2019, o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início dos 880 dias/turnos de trabalho efectivo que prestou para a Ré, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (16.º)
26. Entre 21/07/2019 a 31/12/2019, o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início dos 144 dias/turnos de trabalho efectivo que prestou para a Ré, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (17.º)
27. A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (18.º)
28. A Ré (B) nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (19.º)
29. Entre 22/04/2004 a 31/12/2019, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (20.º)
30. Entre 22/04/2004 a 31/12/2008, o Autor prestou 201 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (21.º)
31. Entre 22/04/2004 a 31/12/2008, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (22.º)
32. Entre 01/01/2009 a 31/07/2010, o Autor prestou 69 dias de trabalho ao sétimo dia, para a Ré (B) após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (24.º)
33. Entre 01/08/2010 a 31/01/2011, o Autor prestou 19 dias de trabalho ao sétimo dia, para a Ré (B) após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho.
Entre 01/02/2011 a 31/07/2012, o Autor prestou 64 dias de trabalho ao sétimo dia, para a Ré (B) após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (25.º)
34. Entre 01/08/2012 a 20/07/2013, o Autor prestou 37 dias de trabalho ao sétimo dia, para a Ré (B) após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (26.º)
35. Entre 21/07/2013 a 31/12/2013, o Autor prestou 17 dias de trabalho ao sétimo dia, para a Ré (B) após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho.
Entre 01/01/2014 a 31/12/2014, o Autor prestou 42 dias de trabalho ao sétimo dia, para a Ré (B) após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho.
Entre 01/01/2015 a 20/07/2016, o Autor prestou 64 dias de trabalho ao sétimo dia, para a Ré (B) após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (27.º)
36. Entre 21/07/2016 a 20/07/2019, o Autor prestou 125 dias de trabalho ao sétimo dia, para a Ré (B) após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (28.º)
37. Entre 21/07/2019 a 31/12/2019, o Autor prestou 20 dias de trabalho ao sétimo dia, para a Ré (B) após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (29.º)
38. Entre 01/01/2009 a 31/12/2019 a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (30.º)
39. A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal em singelo, caso este tenha trabalhado em tal dia. (37.º)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
O recurso do Autor nesta parte não deixará de se julgar provido face à jurisprudência unânime deste TSI nos processos congéneres em que a Ré também é parte, no sentido de que a fórmula para a compensação do descanso semanal é: dias não gozados X salário diário X 2, para além do salário-base já recebido.
A título exemplificativo, citamos os Acórdãos deste TSI, proferidos no âmbito dos Processos 778/2010, 376/2012 e 61/2014 e 582/2014.
Nesta conformidade, o Autor tem o direito a receber:
Descanso semanal : HKD$250 * 201 * 2 = HKD$100,500.00, equivalentes a MOP$103,515.00 (à taxa cambial de 1.03).
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IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso do Autor, em consequência, revogar a sentença na parte respectiva e condenar a Ré a pagar ao Autor, a título da compensação pelo não gozo dos dias de descanso semanal, a quantia de MOP$103,515.00, com juros de mora à taxa legal a partir da data do presente aresto (cfr. Ac. do TUI, de 02/03/2011, Proc. nº 69/2010).
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Custas pela Ré.
Notifique e D.N..
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RAEM, aos 17 de Fevereiro de 2022.
Ho Wai Neng
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Declaração de voto vencido
Para o trabalho prestado em dias de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, o trabalhador tem direito a receber o dobro da retribuição (“dobro” esse que consiste, a meu modesto ver, na soma do salário diário em singelo mais um dia de acréscimo). Sendo assim, provado que entre 22/4/2004 e 31/12/2008 o autor já recebeu da ré B o salário diário em singelo, assim para efeito de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá direito a receber apenas mais um dia de acréscimo, sob pena de estar o autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório previsto no n.º 4 do artigo 17.º, o autor irá receber quatro dias de salário pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal.
Pelo que não merece, a meu ver, reparo a fórmula aplicada pelo Tribunal recorrido para cálculo da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, no âmbito no Decreto-Lei n.º 24/89/M.
Tong Hio Fong
17.2.2022
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