--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). -----------------------
--- Data: 27/01/2022 --------------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng.----------------------------------------------------------------------------------
Processo n.º 1044/2021
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A
DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por sentença proferida a fls. 168 a 173 do Processo Comum Colectivo n.° CR3-21-0285-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de dano, p. e p. sobretudo pelo art.o 206.o, n.o 1, do Código Penal (CP), na pena de noventa dias de multa, à quantia diária de duzentas patacas, ou seja, na quantia total de dezoito mil patacas de multa (convertível em sessenta dias de prisão, no caso de não pagamento nem de substituição por trabalho), e no pagamento da quantia indemnizatória de duas mil e seiscentas patacas, arbitrada oficiosamente, ao ofendido, com juros legais desde a data dessa própria sentença até integral e efectivo pagamento.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, na sua motivação apresentada a fls. 187 a 194v dos presentes autos, na sua essência, existir erro notório na apreciação da prova, devendo ele, por força, nomeadamente, dos princípios da presunção da inocência e de in dubio pro reo, e do sentido e alcance do disposto nos art.os 50.o, n.o 1, alínea c), e 324.o, n.o 1, do Código de Processo Penal (CPP), passar a ser absolvido do crime de dano (devido sobretudo à ausência, nos autos, de prova objectiva comprovativa da prática do acto de danificação de veículo por que ele vinha acusado), ou devendo ser reenviado o processo para novo julgamento.
Ao recurso, respondeu o Digno Delegado do Procurador junto do Tribunal recorrido a fls. 196 a 198 dos autos, no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu, em sede de vista, a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 207 a 208v, pugnando também pela improcedência do recurso.
Cumpre decidir sumariamente do recurso, nos termos permitidos pelo art.o 407.o, n.o 6, alínea b), do CPP.
2. Do exame dos autos, sabe-se que a sentença ora recorrida se encontrou proferida a fls. 168 a 173, cuja fundamentação fáctica e probatória se dá por aqui integralmente reproduzida.
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente julgador do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
No caso, o recorrente fez constar diversos argumentos na sua motivação do recurso para sustentar o seu pedido de absolvição do crime de dano por que vinha condenado em primeira instância. Mas, na esteira da posição jurídica acima referenciada acerca do âmbito do dever judicial de decisão sobre recurso, só é de conhecer do vício de erro notório na apreciação da prova colocado materialmente nessa motivação a propósito do pedido de absolvição desse crime.
Sempre se diz que há erro notório na apreciação da prova como vício referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– <
[…]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
O art.º 400.º, n.º 2, corpo, do CPP manda atender também aos “elementos constantes dos autos” para efeitos de verificação do vício de erro notório na apreciação da prova.
Portanto, todos os elementos probatórios examinados em sede própria pelo Ente Julgador ora recorrido também têm que ser examinados na presente sede recursória, para se poder aquilatar da ocorrência ou não desse vício de julgamento de factos.
No caso dos autos, vistos todos os elementos probatórios já referidos na fundamentação probatória da decisão condenatória recorrida, não se mostra patente que o resultado de julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo tenha sido obtido com violação de quaisquer regras da experiência da vida humana, ou quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no campo de julgamento de factos, havendo, pois, que naufragar o recurso do arguido, porque este se limitou, evidentemente, a tentar fazer impor o seu ponto de vista sobre a factualidade provada, ao arrepio, assim, do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do mesmo Código.
Com efeito, o Tribunal recorrido já explicou, com congruência lógica, o resultado da sua livre convicção sobre os factos, após examinados os meios de prova aí referidos (cfr. o teor da fundamentação probatória da própria sentença recorrida, sobretudo na parte escrita a partir da 8.a linha da fl. 170v dos autos, até ao 2.o parágrafo da fl. 171 dos autos).
E esse resultado do julgamento de factos feito pelo mesmo Tribunal não é manifestamente desrazoável.
Já ficou, pois, produzida a prova cabal dos factos descritos como provados no texto da sentença, o que prejudica logicamente todo o demais alegado na motivação do recurso para sustentar o pedido de absolvição do crime.
Há, pois, que rejeitar o recurso, sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada, devido ao espírito do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, havendo, aliás, que louvar mesmo a decisão judicial recorrida.
4. Dest’arte, decide-se em rejeitar o recurso, por manifestamente improcedente.
Custas do recurso pelo arguido, com duas UC de taxa de justiça e três UC de sanção pecuniária (pela rejeição do recurso).
Macau, 27 de Janeiro de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
Processo n.º 1044/2021 Pág. 7/7