Processo n.º 278/2021
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 24 de Fevereiro de 2022
ASSUNTOS:
- Responsabilidade solidária da concessionária de jogos com a promotora de jogos
SUMÁRIO:
I – A ratio legis das normas do artigo 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril, e da al. 5) do artigo 30º do mesmo Regulamento, visa impôr às concessionárias de jogo um dever especial de controlar todas as actividades desenvolvidas nos seus casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, visto que as concessionárias são beneficiárias últimas destas actividades, razão pela qual o legislador fala de “fiscalizar a actividade dos promotores de jogo, nomeadamente quanto ao cumprimento das suas obrigações legais, regulamentares e contratuais”.
II – Provando-se que a promotora aceitou o depósito de dinheiro na conta aberta na sua sala VIP (casino), mas não devolveu a quantia depositada, quando foi interpela pelo seu depositante, e, a concessionária vem a ser demandada conjuntamente com a promotora de jogo, a concessionária é responsável solidária, porque não cumpriu o seu dever de fiscalização, pelos prejuízos decorrentes daquela actividade, nos termos do artigo 29º do citado Regulamento Administrativo, salvo se a concessionária provasse que fazia tudo para cumprir o seu dever de fiscalização, mas não conseguiu evitar o resultado danoso sem culpa sua.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 278/2021
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 24 de Fevereiro de 2022
Recorrentes : - A Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada (A博彩中介一人有限公司) (1ª Ré)
- B S. A. (B股份有限公司) (3ª Ré)
Recorridos : - C (1º Autor)
- D (2ª Autora)
2ª Ré : - E Promoção de Jogos – Sociedade Limitada (E博彩中介有限公司)
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
Nota preliminar:
Foi apresentado pelo Exmo. Juíz Relator o projecto do acórdão deste processo com o seguinte teor:
Processo nº 278/2021
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CV3-17-0096-CAO, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:
I) RELATÓRIO
C, titular do Bilhete de Identidade de Residente da R.P.C. nºXXX, residente na 中国XXX; e
D, titular de passaporte da América nºXXX, residente na América, XXX, vem intentar a presente
ACÇÃO ORDINÁRIA contra
A Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada (A博彩中介一人有限公司), sociedade comercial registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.ºXXX, com sede em Macau, XXX;
E Promoção de Jogos – Sociedade Limitada (E博彩中介有限公司), sociedade comercial registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.ºXXX, com sede em Macau, XXX; e
B, S.A. (B股份有限公司), sociedade comercial registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.ºXXX, com sede em Macau, XXX.
Os Autores alegam, sucintamente, que a Sala VIP E, foi explorada pela 2ª Ré sob autorização da 3ª Ré no casino de B, em Dezembro de 2012, foram abertas contas com os n° SS353 pelo 1° Autor e n° SS364 pela 2ª Autora na respectiva Sala VIP. Em Dezembro de 2013, os Autores verificaram que a tabuleta da “Sala VIP E” tinha desaparecido, restando apenas “Sala VIP YYYY (B)”, explorada pela 1ª Ré. No entanto, os funcionários da “Sala VIP YYYY (B)” disse aos Autores que a Sala VIP E foi adquirida pela 1ª Ré e a designação foi alterada para a Sala VIP YYYY (B)”, dizendo que os depósitos deles nas contas da Sala VIP E foram transferidos para a “Sala VIP YYYY (B)” com os mesmos números. O 1° Autora tinha na conta da “Sala VIP YYYY”, o valor de HKD$58.000.000.00, de fichas de jogos à data de 4 de Março de 2015 e a 2ª Autora tinha o valor de HKD$2.000.000,00, de fichas de jogo, à data de 14 de Abril de 2015. A partir de 14 de Outubro de 2015, o 1° Autor e o representante da 2ª Autora pretenderam, por várias vezes, levantar fichas de jogo das contas acima referidas mas foram recusados. Pugnando os Autores que a 1ª Ré e 2ª Ré, na qualidade de depositário, tem a obrigação da restituição dessa quantia e tem também a 3ª Ré a obrigação solidária pela restituição, por ser esta sub-concessionária de jogo e nessa qualidade, assume a responsabilidade de indemnizar aos terceiros os danos causados pelos actos praticados pelos promotores de jogo, ora as 1ª e 2ª Ré, ao abrigo do disposto do art°29°, 30° e 30°-A do Regulamento Administrativo n°6/2002.
Pedido seguintes pretensões:
a) Condene a 1ª, 2ª e 3ª Rés a restituir, solidariamente, aos dois Autores a quantia de HKD$58.000.000,00 e HKD$2.000.000,00, respectivamente, em fichas de jogo em numerário ou igual montante em numerário;
b) Acrescidos de juros de mora, calculados à taxa legal de 9,75%, a contar da data da citação da primeira e qualquer uma das Rés, até ao pagamento integral e efectivo;
c) Condene as três Rés a efectuarem o pagamento aos Autores dos encargos processuais e de procuradoria derivados da presente acção, tudo conforme o que consta da p.i. de fls. 2 a 12.
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Citadas todas as Rés, somente as 2ª e 3ª Rés apresentaram contestações constantes, de fls. 143 a 149 e 123 a 135 dos autos, respectivamente.
A 2ª Ré, defendeu, na contestação, com a excepção de litispendência, alegando, para o efeito, de que os cônjuges dos Autores tinham instaurado outra acção com os mesmos actos carreados e os mesmos pedidos no processo CV1-17-007-CAO, e impugnando ainda que os Autores eram sócios encapotados da 2ª Ré, e as quantias entregues a ela pelos Autores eram fundo de investimento na exploração da referida sala VIP, do qual receberam juros mensais, correspondente a 3% do capital investido, dada à crise na indústria de jogo, deixou de produzir lucro e acabou por terminar a actividade de Sala VIP, como os Autores eram sócios, eles responsabilizaram-se também pela perda do negócio, pelo que não tem obrigação de lhes restituir a quantia reclamada. Enquanto a 3ª Ré impugnou de todos os factos alegados pelos Autores, nomeadamente, pondo em causa o efectivo depósito das quantias alegadas pelos Autores.
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Os Autores replicaram, no articulado de fls. 155 a 156 sobre a excepção deduzida pela 2ª Ré.
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Saneados os autos no saneador, foi julgada improcedente a excepção de litispendência, e em seguida, foram seleccionados factos considerados assentes e os factos que se integram na base instrutória.
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Realiza-se a audiência de discussão e julgamento por Tribunal Colectivo de acordo com o formalismo legal.
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O Tribunal é competente em razão da matéria, da hierarquia e internacionalmente e o processo é próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II) FACTOS
Dos autos resultam assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
Da Matéria de Facto Assente:
- A 1ª Ré exerce a actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, é pessoa colectiva promotora de jogos, titular da Licença de Promotor de Jogo nºXXX. (alínea A) dos factos assentes)
- A 3ª Ré por subconcessão da R no âmbito do Contrato de Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino pela RAEM, tornou-se subconcessionária de actividade de jogos de fortuna ou azar. (alínea B) dos factos assentes)
- Desde 2 de Setembro de 2011, a 1ª Ré obteve autorização da 3ª Ré para exploração de actividade de promoção de jogos. A 2ª Ré explora a “Sala VIP YYYY” no casino B da 1ª Ré. (alínea C) dos factos assentes)
- A “Sala VIP YYYY” trata-se de uma sala de jogos VIP explorada pela cooperação entre a 1ª e a 3ª Ré. (alínea D) dos factos assentes)
- No período compreendido entre 21 de Setembro de 2011 e 30 de Novembro de 2013, a 2ª Ré obteve autorização para exploração de actividade de promoção de jogos junto da 3ª Ré e começou a explorar a “Sala VIP E” no Casino B. (alínea E) dos factos assentes)
- Em 1 de Dezembro de 2013, a 2ª Ré e a 3ª Ré terminaram a relação de cooperação. Até à presente data o funcionamento da “Sala VIP E” mantém-se suspenso. (alínea F) dos factos assentes)
- Com a autorização e o consentimento da 3ª Ré, a 1ª e 2ª Ré instalaram cada qual a sua tesouraria autónoma na “Sala VIP YYYY” e na “Sala VIP E”, a fim de os seus clientes poderem depositar, trocar e levantar fichas de jogo, bem como para providenciar diversas facilidades aos mesmos. (alínea G) dos factos assentes)
Da Base Instrutória:
- Até 10 de Novembro de 2016, a 2ª Ré exercia a actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, outrora designada por “E Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada”, é pessoa colectiva promotora de jogos, era titular da Licença de Promotor de Jogo n.ºE314. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- O 1º Autor abriu na 2ª Ré a conta nºSS353 e F abriu a conta nºSS352. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- A 2ª Autora abriu a conta nºSS364 e G abriu a conta nºSS1013. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- Quando abriu as respectivas contas, o 1º Autor declarou expressamente à 2ª Ré que as fichas de jogo depositadas nas contas nºSS353 ou SS352 podiam ser movimentadas a qualquer momento pelo 1º Autor ou F. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- … mas o pedido tinha de ser feito pelo próprio titular da conta ou por F, mediante a exibição do respectivo documento de identificação junto da tesouraria. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- Quando abriu as respectivas contas, a 2ª Autora declarou expressamente à 2ª Ré que as fichas de jogo depositadas nas contas nºsSS364 ou SS1013 podiam ser movimentadas a qualquer momento pela 2ª Autora ou G. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- … mas o pedido tinha de ser feito pelo próprio titular da conta ou por G, mediante a exibição do respectivo documento de identificação junto da tesouraria. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- Desde a abertura das referidas contas, o 1º Autor da sua própria conta ou de F, a 2ª Autora da sua própria conta ou de G, chegaram a efectuar o levantamento de fichas de jogo em numerário ou fichas de jogo “junkets”, conforme o procedimento acima referido. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- Desde Dezembro de 2013 a 1ª Ré passa a explorar a “Sala VIP E” sob a sua designação de “Sala VIP YYYY (B)”. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- As contas abertas pelos Autores, F e G na “Sala VIP E” foram todas transferidas para a “Sala VIP YYYY (B)”, mantendo-se os mesmos números da conta e os respectivos saldos. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- Os Autores, F e G concordaram manter a totalidade do montante depositado na “Sala VIP E” na “Sala VIP YYYY (B)”. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- Não houve alteração do número das contas nem na forma de utilização das mesmas, podiam efectuar a qualquer momento depósito ou levantamento de fichas de jogo em numerário, ou “junkets”, bastava que fosse pedido pelo próprio 1º Autor ou F, própria 2ª Autora ou G, mediante a exibição do documento de identificação junto da tesouraria. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- Desde então, os autores efectuaram apostas como habitualmente na “Sala VIP YYYY (B)”, bem como, levantaram fichas de jogo em numerário ou “junkets” para jogar. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
- Sempre que os Autores efectuassem levantamentos de fichas de jogo nas respectivas contas, a “Sala VIP YYYY (B)” emitia um comprovativo de empréstimo, onde afigurava na parte superior “Sala VIP YYYY (B)”/“ZZZZ VIP Club” e na parte inferior estava imprimido “A Gaming Promotion Company Limited” (Licença de Promotor de Jogo nºE281). (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
- No dia 4 de Março de 2015, na conta nºSS353 da “Sala VIP YYYY (B)”, o 1º Autor tinha o depósito acumulado de HKD$58.000.00,00 em fichas de jogo em numerário. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- Até 14 de Abril de 2015, na conta nºSS364 da “Sala VIP YYYY (B)”, a 2ª Autora tinha o depósito acumulado de HKD$2.000.000,00 em fichas de jogo em numerário. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- Em meados de Abril de 2015, o 1º Autor e G deslocaram-se à “Sala VIP YYYY (B)” para jogar e, quando pretendiam efectuar o levantamento de fichas de jogo em numerário da respectiva conta, foi-lhes recusado. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
- Após discussão, a sala VIP permitiu ao 1º Autor e G o levantamento de montante não superior a HKD$500.000,00 em fichas de jogo “junkets” da respectiva conta, mas limitando-lhes em jogar na sala VIP. (resposta ao quesito 21º da base instrutória)
- A partir dessa data, o 1° Autor deslocou-se várias vezes à Sala VIP YYYY (B), exigindo o levantamento de fichas de jogo em numerário da conta n°SS353, mas foi-lhe recusado pela sala VIP.. (resposta ao quesito 22º da base instrutória)
- A 2ª Autora incumbiu por várias vezes a G para ir à Sala VIP YYYY (B), para pedir o levantamento de fichas de jogo em numerário da conta n°SS364, mas foi-lhe recusado pela sala VIP. (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
- Em 14 de Outubro de 2015, a 2ª Autora incumbiu G para acompanhar o 1º Autor à “Sala VIP YYYY (B)”, e cada um pediu o levantamento de fichas de jogo “junkets” das contas nºSS364 e SS353, respectivamente, para jogarem na sala VIP. (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
- Porém, a referida sala VIP recusou o pedido dos mesmos, não lhes permitiu efectuar o levantamento de quaisquer fichas de jogo em numerário ou “junkets”, nem dispor das suas próprias contas. (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
- Até à presente data, o 1º Autor ainda tem depositado na conta nºSS353 da “Sala VIP YYYY (B)” a quantia de HKD$58.000.000,00 em fichas de jogo em numerário. (resposta ao quesito 26º da base instrutória)
- Até à presente data, a 2ª Autora ainda tem depositado na conta nºSS364 da “Sala VIP YYYY (B)” a quantia de HKD$2.000.000,00 em fichas de jogo em numerário. (resposta ao quesito 27º da base instrutória)
- Os Autores deslocaram-se pessoalmente ou por representação de terceiro à “Sala VIP YYYY (B)” para solicitar o levantamento de fichas de jogo em numerário ou “junkets” das contas nºSS353 e SS364, tendo-lhes sido sempre recusado. (resposta ao quesito 28º da base instrutória)
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III) FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
Considerando as posições tomadas pelas partes, para o conhecimento do presente litígio, importa apreciar as seguintes questões relevantes:
-Natureza Jurídica das Relações Jurídicas celebradas pelos Autores e a 2ª Ré
-Relação entre os Autores e a 1ª Ré e 2ª Ré
-Obrigação de restituição
-Responsabilidade das 1ª e 2ª Rés
-Responsabilidade da 3ª Ré
Vejamos
Natureza jurídica das relações jurídicas celebradas pelos Autores e 2ª Ré
Alegaram os Autores que abriram contas na Sala VIP explorada pelas 1ª e 2ª Rés e que nelas são depositadas fichas de jogos numerários ou fichas de jogo “junkets”. À data de Outubro de 2015, tinham na conta do 1° Autor valor de HKD$58.000.000,00 e na da 2ª Autor o valor de HKD$2.000.000,00.
A 2ª Ré defendeu que as contas abertas pelo 1° Autor e pela 2ª Autora se destinaram a receber os lucros provenientes de investimento feitos por estes na exploração da sala VIP. Como o negócio não correu bem, deixando de distribuir os lucros e terminou a actividade da sala VIP, sendo os Autores sócios da 2ª Ré, respondem pelos prejuízos da sala VIP, não tendo o direito e exigir a restituição do investimento.
Dispõe-se o art°1111° do C.C., “Depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que o guarde, e a restitua quando for exigida.”
Prevê-se, por outro lado, o art°1131° C.C., “Diz-se irregular o depósito que tem por objecto coisas fungíveis.” A este é aplicável o regime de contrato de mútuo, na medida possível. (art°1132° C.C.)
Feita a audiência de discussão e julgamento, não vem comprovado nenhum dos factos de investimento e recebimento dos lucros alegados pela 2ª Ré mas prova-se o seguinte matéria fáctica:.
No período entre 21/09/2011 e 30/11/2013, sob autorização da 3ª Ré, a 2ª Ré explorou a “Sala VIP E” no casino B e instalou a tesouraria autónoma nessa Sala VIP a fim de os seus clientes poderem depositar, trocar e levantar fichas de jogo, bem como para providenciar diversas facilidades aos mesmos (alínea E) e G) dos factos assentes)
O 1° Autor e a 2ª Autora abriram contas nessa Sala VIP com os n°s de SS353 e SS352, respectivamente. ( resposta dada ao quesito 4°)
Desde Dezembro de 2013, a 1ª Ré passa a explorar a “Sala VIP E” sob a designação de “Sala VIP YYYY”. As contas abertas pelos Autores na “Sala VIP E” foram transferidas para a “Sala VIP YYYY”, mantendo-se os mesmos números das contas e os respectivos saldos, com a concordância dos Autores. (respostas dadas aos quesitos 11° a 13°)
Quer na sala VIP E quer depois da transferência, os Autores chegaram a efectuar o levantamento de fichas de jogo em numerários ou fichas de jogo “junkets” para jogar através dessas contas. (respostas dadas aos quesitos 10° e 15°)
O 1° Autor, à data de Março de 2015, tinha na sua conta depósito acumulado de HKD$58.000.000,00 em fichas de jogos em numerário enquanto a 2ª Autora tinha depósito de HKD$2.000.000,00, à data de 14 de Abril de 2015. ( respostas dadas aos quesitos 17° e 18°)
Da factualidade acima referida se deduz que as duas contas abertas pelo 1° Autor e pela 2ª Autora serviam-se, essencialmente, para a guarda das fichas de jogo da sua pertença, permitiram-lhes levantar as fichas de jogo em numerário ou “junkets” para jogar e não, como disse a 2ª Ré, foram investimento na Sala VIP E, assim, os factos apurados enquadram-se na figura de depósito.
Sendo as fichas de jogos determinadas por qualidade e convertível, directamente, em dinheiro com equivalente valor, deverão ser consideradas coisa fungíveis, conforme a definição prevista no art°197° do C.C..
Assim, melhor ponderado o caso em apreço, as relações jurídicas entre os Autores e a 2ª Ré consubstanciam-se no conceito de depósito irregular e não de simples depósito, em que a Sala VIP E desempenhava o papel de depositário.
Relação entre os Autores e as 1ª Ré e 2ª Ré
Vem comprovado que em 1 Dezembro de 2013, a 2ª Ré e 3ª Ré terminaram a relação de cooperação, até à data, o funcionamento da “Sala VIP E” mantém-se suspenso.
Provado está que desde Dezembro de 2013, a 1ª Ré passa a explorar a “Sala VIP E” sob a designação de “Sala VIP YYYY”, com a autorização da 3ª Ré.
Mais ficou provado que as duas contas abertas pelos Autores na “Sala VIP E” foram todas transferidas para a Sala VIP YYYY (B), mantendo-se os mesmos números de conta e os respectivos saldos. Os Autores concordaram manter a totalidade do montante depositado na “Sala VIP E” na “Sala VIP YYYY (B)” e que o número de conta e a forma de utilização as mesmas não foram alteradas, os Autores podiam efectuar a qualquer momento depósito ou levantamento de fichas de jogos, na forma como era adoptada na “Sala VIP E”.
Desde então, os Autores efectuaram aposta como habitualmente na “Sala VIP YYYY (B)”, bem como levantaram fichas de jogo em numerários ou “junkets” para jogar.
Como é que qualifica essa conduta da 2ª Ré na transferir o saldo nas duas contas dos Autores na “Sala VIP E” para a “Sala VIP YYYY (B)”, com a concordância dos Autores?
Para responder, urge determinar quem é titular da “Sala VIP YYYY(B)”, se é a 2ª Ré ou 1ª Ré.
Segundo o disposto do art°23° e 24° do R.A. n°6/2002, os promotores de jogo só podem exercer actividade de promoção de jogo se estiver registado junto de uma concessionária ou sub-concessionária, através do contrato celebrado entre eles, carecendo sempre da autorização do Governo.
Portanto, quando a 2ª Ré terminou a cooperação com a 3ª Ré em Dezembro de 2013, aquela deixou de poder exercer actividade de promoção de jogo no casino explorada por esta, como consequência lógica, não podendo aquela manter a Sala VIP E e tesouraria autónoma no casino da 3ª Ré.
De acordo com os factos assentes, a Sala VIP YYYY (B) é uma sala de jogos VIP explorada pela cooperação entre a 1ª Ré e 3ª Ré, significa que quem é autorizada pela 3ª Ré e pelo Governo para explorar a Sala VIP YYYY (B) é a 1ª Ré, a 1ª Ré é titular dessa Sala VIP. (cfr. ofício do D.I.C.J. de fls. 65).
Na verdade, ficou provado que a 2ª Ré explora a referida sala no casino B da 1ª Ré. Mas, desde Dezembro de 2013, a 2ª Ré deixou de ser entidade autorizada pela sub-concessionária, não tendo habilitação para exercer actividade de promoção de jogo. Essa exploração da 2ª Ré só pode ser exploração de facto, consentida pela 1ª Ré. À míngua da relação interna entre a 1ª Ré e 2ª Ré, uma coisa é certa que a exploração da Sala VIP pela 2ª Ré não foi autorizada pela D.I.C.J.. Perante a sub-concessionária e a RAEM, a quem é autorizada a explorar a Sala VIP YYYY é e somente ela, sendo sempre ela titular da mesma, mesmo que ela deixasse ao terceiro não habilitado para exercer a actividade de promoção de jogo, ao arrepio da norma reguladora da actividade de promoção de jogo. De qualquer modo, a actividade exercida sob nome deste estabelecimento comercial é juridicamente considerada praticada pelo seu titular e é ela imputável.
Não sendo a 2ª Ré titular da Sala VIP YYYY, a transferência dos saldos das duas contas dos Autores na Sala VIP E para Sala VIP YYYY (B) implica, a entrega saldos da sua posse para outra entidade.
Prevê-se o art°1115° do C.C. que o depositário não tem o direito de usar a coisa depositada nem de a dar em depósito a outrem, se o depositante o não tiver autorizado.
A transferência dos saldos obteve concordância dos dois Autores, poderão ser considerado como subdepósito?
Cremos que não. Como se disse acima, a relação celebrada entre os Autores e a 2ª Ré é depósito irregular, a ele é aplicável o regime de mútuo.
Segundo o disposto do art°1071° do C.C., as coisas mutuadas tornam-se propriedade do mutuário pelo facto de entrega. Com a entrega das fichas de jogo à 2ª Ré pelos Autores, aquela passa a ser proprietária das mesmas, pelo que a transferência das fichas de jogo na sua posse para outra entidade não deverá ser entendida como subdepósito 1.
A situação em causa deverá ser classificada como cessão da posição contratual operada por parte do depositário.
Preceitua-se o art°418°, n° 1 do C.C., “No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, ante ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.”
Com a transferência do saldo, passarão os saldos dos Autores ser depositados na Sala VIP YYYY (B), pertencente à 1ª Ré e não à 2ª Ré.
O que ocorre, no fundo, é a modificação subjectiva das relações jurídicas primitivamente celebradas entre os Autores e a 2ª Ré, passando a 1ª Ré ser depositária dos saldos dos Autores.
A transferência da posição contratual de depositário teve o consentimento dos Autores, portanto, a cessão é validamente realizada.
Assim, as relações jurídicas de depósito irregular originalmente estabelecidas entre os Autores e a 2ª Ré passam a ser entre aqueles e a 1ª Ré.
Obrigação de restituição
Clarificada está com quem os Autores se mantêm contrato de depósito irregular, é momento para analisar a responsabilidade de cada uma das Rés.
Pretendem os Autores a restituição das fichas de jogo depositadas nas duas contas com os juros de mora.
Conforme o disposto do art°1075°, n°1, aplicável ao caso por força do art° 1132°, ambos do C.C., a obrigação de restituição vence-se 30 dias após a exigência do seu cumprimento.
Ficou provado, pelo menos, que em 14 de Outubro de 2015, o 1° Autor e a 2ª Autora, através do G, pediram à “Sala VIP YYYY (B)” o levantamento de fichas de jogo depositadas nas contas abertas, mas foram recusados por essa sala. Assim, a obrigação de restituir as fichas de jogo vence-se a partir do dia 14 de Novembro de 2015.
Ao recusar a restituição das fichas de jogo, incorreu-se a Sala VIP YYYY no incumprimento e encontra-se em mora desde 14 de Novembro de 2015, com a obrigação de indemnizar os juros vencidos e vincendos à taxa legal.
Responsabilidade das 1ª Ré e 2ª Ré
A cessão da posição contratual tem por efeito a modificação dum dos sujeitos da relação de depósito, que é o depositário. A posição de depositária ocupada pela 2ª Ré nas relações de depósito mantidas com os Autores é substituída pela 1ª Ré, o que temos é o mesmo vínculo jurídico com um dos sujeitos substituído e não dois vínculos com sujeitos diferentes.
Por isso, a 1ª Ré passará ser depositária nas relações de depósito estabelecidas pelos Autores, assumindo ela a obrigação da restituição das fichas de jogo depositadas nas contas abertas na “Sala VIP YYYY (B)”
Em relação à 2ª Ré, conforme o ensinamento do Prof. Antunes Varela, através da cessão da posição contratual, a cedente perde os direitos de créditos que dispunha e obteve, ao mesmo tempo, a libertação das obrigações a que estava adstrita perante o cedido, sem prejuízo de convenção das partes.2
Assim, na ausência de convenção em particular, com a cessão válida da posição contratual, fica a 2ª Ré libertada das obrigações que tinha perante os Autores e passa a cessionária, ou seja, a 1ª Ré a cumprir essas obrigações em lugar da 2ª Ré.
Pelo que somente a 1ª Ré tem a obrigação de restituir aos Autores os saldos depositadas nas duas contas na Sala VIP YYYY”
Responsabilidade da 3ª Ré
Pugnam os Autores que a 3ª Ré tem igualmente a responsabilidade de lhe indemnizar o montante reclamado por força do disposto do art°29° , 30° e 30°-A do Regulamento Administrativo n°6/2002.
Estatui-se o art°29° do R.A. n°6/2002 “As concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normais legais e regulamentares aplicáveis.”
Defende a 3ª Ré que as concessionárias não são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo por qualquer obrigação assumidas por estes. O âmbito de aplicação dessa norma deverá restringir-se à actividade tipicamente desenvolvidas pelos promotores de jogo no casino e não a todos aos actos praticados pelos mesmos.
Importa determinar qual será a boa interpretação do normativo em crise.
Dispõe-se o art°8°, n° 1do C.C., “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
Da letra da lei, refere-se apenas “pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administradores…..”, não havendo qualquer limitação do âmbito da actividade explorada pelo promotor de jogo.
Aliás, conforme o disposto do art°1 do referido regulamento administrativo, este tem por âmbito a regulamentação das condições do acesso ao exercício da actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino, isto é, as qualificações dos promotores de jogo e, as obrigações a assumir pelos promotores de jogo.
Entende-se por actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino a actividade que visa promover jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, junto de jogadores, através da atribuição de facilidades, nomeadamente de transporte, alojamento, alimentação e entretenimento, em contrapartida de um comissão ou outra remuneração paga por uma concessionária. (art°2 ° do RA)
Como é consabido, a actividade de promoção de jogo é componente essencial na ecologia de jogo de RAEM, a principal função dos promotores de jogo é angariar clientes para jogar nos casinos duma concessionária, sendo uma das condições do acesso ao exercício da actividade de promoção de jogo o registo junto de uma das concessionárias.
A exploração da actividade de promoção de jogo está condicionada com a autorização das concessionárias ou subconcessionárias. Razão pela qual as concessionárias têm que apresentar uma lista dos promotores de jogo que vão operar no seu casino ao D.I.C.J por cada ano. (art°23°, n°5 da Lei n°16/2001)
Porquê o nosso legislador impende sobre as concessionárias o dever de fiscalização da actividade de promotores de jogo e exige-lhes a responsabilizar solidariamente por actividade desenvolvida por estes no casino.
Parece ser pacífico que não existe entre os promotores de jogo e concessionárias uma relação de dependência, a actividade de promoção de jogo prestada pelos promotores de jogo não está sujeita às ordens ou instruções das concessionárias. A relação entre elas não é considerada como comitente e comissário.
Sendo certo que a actividade prestada pelos promotores de jogo é em benefício das concessionárias, pois todas as facilidades prestadas pelos promotores de jogo aos clientes/jogadores têm o único fim de estes jogarem no casino das concessionárias, a partir daí estas poderão obter lucros.
As concessionárias gozam do direito exclusivo de explorar os casinos, os seus proveitos principais provém dos jogadores que façam apostas de jogo e azar nos seus casinos. A procura dos jogadores a jogar no casino é relevante para que as concessionárias obtenham lucros da exploração de jogo.
O legislador não ignora o papel desempenhado pelos promotores de jogo na exploração de jogo de fortuna ou azar, assim, no momento da regulamentação do regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino prevista pela Lei n° 16/2001, tem previsto a figura dos promotores de jogo no seu art°2, permitindo às concessionárias, em vez de angariar por si próprias os clientes para jogar, a serem colaborados por terceiros, por escolha sua. Os promotores de jogo são, sob essa perspectiva, colaboradores ou auxiliares das concessionárias. É justamente por essa relação especial entre as concessionárias e promotores de jogo, o legislador exige àquelas a responsabilidade solidária pelas actividades desenvolvidas no casino pelos dos promotores jogos.
Julgamos essa opção legislativa baseia-se na ideia semelhante da responsabilidade objectiva.
As concessionárias beneficiam directamente das actividades promovidas pelos promotores de jogo, quanto mais sejam os jogadores, maior lucro possa obter. Tirando proveito das actividades de promoção de jogo, fará todo o sentido que arcar a concessionária a responsabilidade derivada da actividade desenvolvida pelos promotores e jogo.
No entanto, sendo o R.A. n° 6/2002 um diploma especificamente reger o acesso ao exercício, o licenciamento dos promotores de jogo e as obrigações dos promotores de jogo, cremos ser mais coerente e conforme com a finalidade do regulamento que a expressão “actividade desenvolvida no casino” a que se refere o art°29° não terá um sentido tão abrangente que abarca toda e qualquer actividade praticada pelos promotores de jogo.
Mas, não se acha certo o entendimento pugnado pela 3ª Ré que limita a responsabilidade das concessionárias às actividades típicas da promoção de jogo.
Como se resulta do disposto do art°2 do R.A. n°6/2002, considera-se de promoção de jogos de fortuna ou azar, as actividades que visam promover jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, não havendo uma definição determinada quais são essas actividades, as actividades referidas nesse artigo são enumerações exemplificativas e não taxativas. Se o legislador não deu uma definição precisa das actividades típicas da promoção de jogo, por consequência, quanto fala da actividade desenvolvida no casino pelos promotores de jogo no art°29°, não poderia pensar em restringir o seu âmbito às actividades típicas de promoção de jogo.
As actividades a que se refere o art°29°, como sendo actividades desenvolvidas no casino pelos promotores de jogo ou os seus auxiliares, tendo em conta que a função desempenhada pelos promotores de jogo na exploração de jogo, deverão ser entendidas actividades destinadas à promoção de jogo ou com conexão com a promoção de jogo.
Posto isso, é momento para analisar se a matéria apurada no presente caso concreto se enquadra nos pressupostos normativos acima referidos.
Entendemos que entre os Autores e a 1ª Ré existem contratos de depósito irregular, em que a 1ª Ré assume a qualidade de depositário.
A promoção de jogo é, no fundo, através do fornecimento das facilidades, de transporte, alojamento, alimentação e entretenimento, com o fim de angariar os jogadores a jogar em casino.
Aliás, não é menos verdade que a 1ª Ré, como entidade autónoma, poderá praticar negócio jurídico com quem quer que seja. Nem se diga que todas as actividades praticadas por esta constituir actividade de promoção de jogo.
Quando o promotor fornecer transporte, alojamento, alimento aos jogadores, atraindo-os para virem jogar nos casinos das concessionárias, não temos dúvidas de que essas actividades fazem parte da promoção de jogo. Mas se o mesmo promotor, por outras finalidades, fornecer os mesmos serviços ao seu cliente, essas actividades já não poderão ser entendidas como de promoção de jogo.
Por esse raciocínio, não é qualquer indivíduo, seja ou não jogador, que faz algum depósito na sala VIP dum casino torna-se automaticamente esse acto como actividade de promoção de jogo.
Para concluirmos que estamos perante actividade de promoção de jogo, é necessário indagar em que circunstância é que o agente proceder ao depósito.
No caso sub judice, cremos que existem elementos fácticos para concluir que os depósitos feitos pelos Autores têm conexão com a promoção de jogo.
A instalação da “Sala VIP YYYY” e da tesouraria autónoma nessa sala foi autorizada e consentida pela 3ª Ré, tendo por finalidade de os seus clientes poderem depositar, trocar e levantar fichas de jogo, bem como para providenciar diversas facilidades aos mesmos.
Desde a transferência do saldo para as contas da “Sala VIP YYYY” em Dezembro de 2013, os Autores levantaram fichas de jogo em numerário ou “junket” para jogo, concretamente, em meados de Abril de 2015, 1° Autora e o marido da 2ª Autora chegaram a levantar fichas de jogo no valor não superior a HKD$500.000,00 através das duas contas abertas na “Sala VIP YYYY (B) para jogar na referida Sala VIP.
Sem sombras de dúvidas, apostar/ jogar no casino é a actividade típica do promotor de jogo, e que seja actividade principal, se não única, que interessam as concessionárias ou subconcessionárias.
Logo, esses depósitos feitos pelos Autores nas contas abertas na “Sala VIP YYYY” têm ligação com a actividade de jogo.
Pelo que, por força do disposto do art°29° do R.A. n°6/2002, a 3ª Ré na qualidade de sub-concessionária, responsabiliza-se por essa actividade praticada pelos seus promotores de jogo, assumindo, em solidariedade com a 1ª Ré, pela restituição das fichas de jogo depositadas nas duas contas abertas na “Sala VIP YYYY” aos Autores.
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Nestes termos, julgam-se procedentes os pedidos dos Autores em relação à 1ª e 3ª Ré e improcedente em relação à 2ª Ré.
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IV) DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção, em consequência, decide:
- Absolver a 2ª Ré E Promoção de Jogos – Sociedade Limitada do pedido formulado pelos Autores;
- Condenar a 1ª Ré A Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada e a 3ª Ré B, S.A pagar, em solidariedade, ao Autor C a quantia de HKD$58.000.000,00 (cinquenta e oito milhões Hong Kong dólares) e a D,HKD$2.000.000,00 (dois milhões Hong Kong dólares), acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data de 14 de Novembro de 2015.
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Custas pelos Autores e 1ª e 3ª Rés na proporção do seu decaimento em 5% e 95%.
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Registe e Notifique.
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Resulta-se dos autos e das provas testemunhais indícios de que 1ª Ré deixa a 2ª Ré exercer actividade de promoção de jogo na “Sala VIP YYYY(B)”, inobservando as regras que regulamentam a actividade de promoção de jogo e a concessão de crédito para jogo, indiciando, eventualmente, ilicitudes administrativas e criminais, assim, extraia certidão da sentença e remeta-as ao D.I.C.J. e ao M°P° para os devidos efeitos.
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據上論結,本院裁定訴訟理由部分成立,裁決如下:
- 裁定原告C及D針對第二被告E博彩中介有限公司提出的訴訟請求不能成立,並開釋此名被告;
- 判處第一被告A博彩中介一人有限公司及第三被告B股份有限公司以連帶責任方式向原告C及D支付HKD$58,000,000元(港幣伍仟捌佰萬圓)及HKD$2,000,000元(港幣貳佰萬圓),附加自二O一五年十一月十四日起計以法定利率計算的遲延利息。
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訴訟費用由原告及第一及第三被告按敗訴比例由前者負擔5%及後兩者負擔95%。
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卷宗事實及證人證言顯示第一被告讓第二被告在“YYYY貴賓廳”進行博彩中介人業務,此行為有違規管博彩中介人業務及為賭博的借貸的法規,有可能構成行政及刑事不法行為,為適當的效力,提取判決證明書移送博彩監察協調局及檢察院。
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依法作出通知及登錄本判決。
Não se conformando com o decidido, vieram ambas as Rés, A Gaming Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada (doravante simplesmente designada por A) e B S. A. (doravante simplesmente designada por B), recorrer da mesma para este Tribunal de Segunda Instância.
A 1ª Ré A formulou as seguintes conclusões e pedidos:
1. Os Autores intentaram a acção sob a forma de processo ordinário contra a 1.ª, 2.a e 3.a Rés, devidamente identificadas nos autos, e pediram a condenação solidária das Rés, no pagamento de cinquenta e oito milhões de dólares de Hong Kong e dois milhões de dólares de Hong Kong, 1.º Autor e 2.º Autora, respectivamente, em fichas de jogo em numerário ou igual montante em numerário, acrescidos de juros de mora, calculados à taxa legal de 9.75%, a contar da data da citação de qualquer uma das Rés, até integral pagamento.
2. Realizada a audiência de discussão e julgamento pelo tribunal a quo resultou provado que o 1.º Autor e 2.a Autora haviam aberto contas com os n.ºs SS353 e SS364, junto da 2.a Ré, que as quantias de HKD58,000,000.00 e HKD$2,000,000.00, foram depositadas em fichas de jogo na sala VIP E, que a partir de Dezembro de 2013 passou a ser denominada Sala VIP YYYY e explorada pela 1.ª Ré e as contas abertas pelos Autores, assim como os saldos foram transferidos para a sala VIP YYYY.
3. Por não se conformar com a sentença, vem a ora Recorrente recorrer desta, contra o julgamento de matéria de facto e resposta dada pelo Tribunal Colectivo à matéria de facto, e sobre a douta sentença que deu provimento ao pedido formulado pelos Autores contra a 1.ª Ré, ora Recorrente supra melhor mencionada.
4. Não obstante impere o princípio da livre apreciação de prova, consagrado no artigo 558.° do Código de Processo Civil, a matéria de facto assente pela Primeira Instância pode sempre ser alterada nos termos do artigo 629.° do Código de Processo Civil pelo douto Tribunal de Segunda Instância.
5. A ora Recorrente entende, salvo o devido respeito, que o Tribunal a quo não fez a montante um exame e apreciação críticos e correcto das provas, traduzindo-se tal, a jusante, num manifesto erro de julgamento.
6. A ora Recorrente crê que constam elementos dos autos que permitem ao Venerando Tribunal ad quem, dar uma resposta quesitos 11, 12.º, 13.º, 17.º e 18.º da base instrutória diferente da que foi dada pelo tribunal a quo.
7. O quesito 11.º instrutória provou parcialmente que desde Dezembro de 2013 a 1ª Ré passara a explorar a "Sala VIP E" sob a sua designação de "Sala VIP YYYY (B.
8. O quesito 12.º da base instrutória provou que as contas abertas pelos Autores na sala VIP E foram todas transferidas para a sala VIP YYYY, mantendo-se os mesmos números de conta e saldos.
9. O quesito 13.º da base instrutória que os Autores concordaram manter a totalidade do montante depositado na "Sala VIP E" na "Sala VIP YYYY (B)" apenas que a sala VIP E mudou o nome para "YYYY (B)" e que com este nome foi explorada pela 1.ª Ré.
10. O quesito 17.º da base instrutória provou que no dia 4 de Março de 2015, na conta n.º SS353 da "Sala Vip YYYY (B), o 1.º Autor tinha o depósito acumulado de HKD$58.000.00,00 em fichas de jogo em numerário.
11. O quesito 18.º da base instrutória provou até 14 de Abril de 2015, na conta n.º SS364 da "Sala Vip YYYY (B), a 2.a Autora tinha o depósito acumulado de HKD$2.000.00,00 em fichas de jogo em numerário.
12. Todos estes quesitos estão relacionados entre si, porque dizem respeito à exploração da sala VIP YYYY por parte da 1.ª Ré e do alegado envolvimento da 1.ª Ré no funcionamento nesta sala VIP, termo que tem ser usado com a devida cautela, porque as salas VIP são espaços físicos concedidos pelas concessionárias para que lá exerçam a sua actividade.
13. Começando pelo quesito 11.° da base instrutória, resultou a prova testemunhal produzida por H, I e J, todos funcionários da Recorrente há vários anos, que: (i) das várias salas que a Recorrente utilizava, a sala VIP YYYY não era uma delas e que não tinham contacto com a sala; (ii) que não tinham [A] qualquer relação com a 2a Ré e que nunca tinham destacado funcionários para aquela sala, que não partilhavam clientes; e (iii) que todas as salas VIP da Recorrente a funcionar ou já fechadas tinham que ter a designação A.
14. Já das testemunhas da 2.a Ré, K, L e M resultou que: (i) que a E [sala]começou a funcionar na B em 2011 até Dezembro de 2013 e depois passou a denominar-se YYYY; (ii) que era explorada pela YYYY; (iii) que apesar de terem deixado de a explorar como promotora de jogo no B, puderam continuar a utilizar a sala VIP YYYY através do patrão da 1.ª Ré; (iv) que nada mudou, apenas a sala VIP E passou a denominar-se YYYY, assim como o placard e, tudo o resto se manteve-se inalterado; (v) também foi explicado que trabalhavam lá funcionários da 2.a Ré e que a 1.ª Ré nunca se ingeriu na actividade da 2.º Ré.
15. A certidão emitida pela DICJ a fls. 65 dos autos, remete-se apenas para o aspecto formal da situação, não tendo o tribunal a quo atendido à realidade material dos factos.
16. Ora, tendo em conta a prova testemunhal produzida, deveria ter sido dado como provado que a "exploração" da sala VIP YYYY era realizada pela 2.a Ré e, não pela 1.ª Ré, estando assim, reunidas as condições para que o Venerando Tribunal ad quem para o qual se recorre, altere a resposta ao quesito 11.º da base instrutória, para que se dê como provado que era a que 2.a Ré explorava a Sala VIP YYYY.
17. O quesito 12.º da base instrutória versa sobre as transferências das contas dos Autores para a sala VIP 1355 e quesito 13.º da base instrutória sobre o alegado consentimento dado pelos dois Autores da transferência da totalidade dos "depósitos" da "Sala VIP E".
18. Há que fazer a seguinte ressalva, os depósitos de montantes realizados por clientes, sejam em fichas ou em numerário, são sempre feitos junto dos promotores de jogo nas suas salas VIP, e não nas salas. Ou seja, os montantes ficam sob as alçadas dos promotores de jogo. E, ou bem que os Autores, ora Recorridos concordaram que a totalidade dos montantes se mantivesse com a 2.a Ré ou foram transferidos para a 1.a Ré, sendo que a segunda operação não é exequível.
19. Da prova testemunhal produzida pela testemunha da 2.° Ré, L, resultou que a sala VIP E passou a ter outro nome [YYYY], que apenas a designação e o placard mudaram, mantendo-se tudo o resto inalterado, já a testemunha H, funcionária da Recorrente explicou que nada tinham [A] que ver com o funcionamento da sala VIP YYYY.
20. Já a testemunha dos Autores, G, afirmou que, em momento algum foi assinado qualquer documento que vinculasse a 1.ª Ré à alegada transferência de contas e saldos ou de depósitos.
21. Quanto à prova documental, o tribunal a quo baseou-se nos documentos a fls. 88 a 94 para se convencer pela transferência de contas e depósitos, mas a verdade é que inexiste nos autos qualquer prova nesse sentido e conforme certidão do processo cível com o n.º CVl-17-0007-CAO, que, ainda corre termos, a fls. 318 a 324 dos autos, acção gémea da presente, verificamos que não se deu como provado no acórdão de resposta aos quesitos, quesito 13.º da base instrutória "D e C estavam também de acordo em colocar todos os depósitos na "Sala VIP YYYY" - Não Provado.
22. Não nos podemos, pois, bastar com a prova testemunhal, porque é contrariada em toda a linha e segundo as regras de experiência comum, não é crível que se transfiram ou depositem noutra salaVIP 60 milhões de dólares de Hong Kong sem qualquer documento para protecção dos depositantes.
23. E, para que houvesse consentimento de transferência de "depósitos", teria que se provar esse consentimento, de que maneira os montantes pertencentes aos Autores foram transferidos da 2.a Ré para a 1.ª Ré, ora Recorrente, o que quedou por provar por não haver um único documento nos autos nesse sentido.
24. Entendemos, pois, que face à prova testemunhal produzida e inexistência de prova documental que suporte a transferência de contas ou prestação de consentimento, se encontram reunidas as condições para que o Venerando Tribunal ad quem, para o qual se recorre, altere a resposta ao quesito 12.º da base instrutória, para que se dê como não provado que houve transição de contas dos Autores entre salas e, relativamente ao quesito 13.º da base instrutória, que se dê como não provado ou provado que os montantes depositados pelos Autores continuaram com a 2.a Ré.
25. Os quesitos 17.º e 18.º da base instrutória provaram que os montantes acumulados de HKD$58,000,000.00 e HKD$2,000,000.00 mantiveram-se depositados na sala VIP YYYY, tendo a Recorrente lançado mão da prova documental e testemunhal para provar que os quesitos em questão deveriam ter tido diferente sorte.
26. Assim, do depoimento das testemunhas da Recorrente, J e N, resultou que: (i) todos os documentos que os Autores juntaram aos autos para titular o "depósito" de montantes junto da ora Recorrente, nenhum deles é utilizado pela Recorrente desde o início de actividade como promotora de jogo, explicando também qual o tipo de documento que a Recorrente usa para os depósitos de quantias, como enviam mensagens aos clientes, que tipo de sistema é usado, um sistema centralizado e que não depende de uma mensagem de um dos funcionários, tudo conforme fls. 378 e 379 dos autos; (ii) quais os funcionários que são destacados para as salas VIP e que O e P não eram funcionárias da l.ª Ré.
27. Já a testemunha da 2.a Ré, L, quando lhe foi exibido o documento n.º 26 da petição inicial, reconheceu a assinatura lá aposta, assinatura de P, sua colega.
28. Entende-se que a prova documental também não foi avaliada em conformidade, pois, todos os documentos apresentados pelos Autores não eram usados pela Recorrente, e, para demonstrar isso mesmo, a Recorrente juntou a fls. 378 e 381, os talões de depósito, de mensagens enviadas aos clientes, de marker forms, de extractos de contas, que são completamente diferentes dos documentos juntos pelos Autores a fls. 88 a 96.
29. Como se não bastasse existem nos autos documentos que provam que, as funcioáarias O e P eram funcionárias da 2.ª Ré, tudo conforme ofício do Fundo de Segurança Social, junto a fls. 333 a 364 dos autos, em que se comprova que ambas as funcionárias estavam inscritas pela 2.a Ré.
30. Relembre-se que, P é a funcionária cuja assinatura consta do documento n.º 26 da petiçao inicial, a fls. 92 dos autos, e Q éa funcionária que enviou mensagens aos Autores relativas aos alegados depósitos dos Autores, a fls. 95 e 96 conforme se alcança através do ofício junto aos autos a fls. 236 e 237.
31. Ora, isto aliado ao processo crime que corre termos contra os sócios da 2.a Ré, em que a Recorrente não foi alvo de queixa-crime nem de despacho de pronúncia, demonstra inequivocamente que os Autores sabiam quem estava na posse dos montantes e era responsável pelo seu ressarcimento, a 2.a Ré!
32. Pelo que, se entende que se encontram reunidas as condições para que o Venerando Tribunal ad quem altere a resposta aos quesitos 17 e 18.º da base instrutória, e se dê como provado as quantias demandadas não se encontravam depositadas junto da Sala VIP YYYY, i.e., da 1.ª Ré, mas sim, da 2.a Ré. E, seja, a 2.a Ré, em conformidade, responsabilizada pelos montantes demandados no presente pleito.
33. Tendo em conta, o supra exposto, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por assentar num acórdão de matéria de facto que padece de deficiência, falta de fundamentação e contradição, vícios previstos no n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil.
34. À cautela e sem prescindir, caso não seja procedente a reapreciação da matéria de facto, salvo melhor entendimento, entendemos, que, que, sem o devido esclarecimento das relações existentes entre a 1.ª Ré, ora Recorrente e 2.ª Ré, e consequente qualificação jurídica dessa relação, o tribunal a quo não poderia ter decidido pelos depósitos dos Autores e consequente transferência dos montantes entregues à 2.ª Ré da Sala VIP E para a Sala VIP YYYY.
35. E fê-lo quando a página 12 da sentença refere que a forma de qualificar a conduta da 2.° Ré de transferir o saldo nas duas contas dos Autores na "Sala VIP E para a Sala VIp YYYY se resolve através da determinação da titularidade da sala", reduzindo a questão a uma mera transferência dos valores demandados pelos Autores da 2.ª Ré para a 1.ª Ré, que se operou através de uma cessão de posição contratual, nos termos do artigo 418.° do Código Civil.
36. E confundido conceitos, pois "a sala VIP desempenhava um papel de depositário" não corresponde à realidade material nem jurídica, pois as salas VIP não têm personalidade jurídica para receber depósitos.
37. Contudo, a 2.a Ré nunca se demitiu da sua responsabilidade quanto ao recebimento dos fundos, assumindo-se sempre responsável perante os Autores e negando qualquer envolvimento ou responsabilidade da 1.ª Ré.
38. O acórdão de resposta aos quesitos transcrito não cura de saber se a exploração seria feita por terceiro releva, afirmando, "Todavia, o exercício da actividade de promoção de jogo está sujeito às exigências legais e inspeccionado pela entidade competente, o que interessa para o presente caso é qual é a entidade, legalmente autorizada para a exploração da sala. Conforme o teor ddo ofício emitido por DICJ de fls. 65, quem é, legalmente, autorizada a explorar a "sala VIP YYYY" é a 1ª Ré e não a 2ª Ré, não a 2ª Ré, não tendo relevância para o caso se a gestão, de facto, da respectiva sala foi dada a terceiro pela 1ª Ré e que esta se ache irresponsável por esta gestão perante terceiro.".
39. Não se concede que, a transferência ou deslocação física dos montantes peticionados pelos Autores da sala VIP E para a Sala VIP YYYY, possa determinar a transferência da responsabilização jurídica da 2.a Ré para a 1.ª Ré, pois, para que tal se verificasse, necessário seria que, a 2.a Ré tivesse efectivamente entregue as verbas em causa e, que essa transferência ou deslocação física fossem suportadas por um negócio jurídico entre 2.ª Ré e 1.ª Ré, o que quedou por se dar como provado, sequer constam dos autos elementos nesse sentido.
40. Somente existia uma trilogia de relações, entre 3.a Ré e 1.ª Ré, 2.a Ré e 3.a Ré, que cessou em Dezembro de 2013 e entre os Autores e 2.a Ré.
41. Vários são os elementos ao longo do processo que nos permitem entender como seria o funcionamento da sala VIP YYYY realizado pela 2.a Ré, seja, pelo facto de na sala VIP YYYY apenas lá trabalharem funcionários da 2.ª Ré, de haver documentos assinados por funcionários da 2.ª Ré e relativos àquela sala, como a existência de registos informáticos relativos às contas dos Autores, da sala VIP YYYY e da 2.a Ré, coincidentes.
42. Como já referido, curial seria ter aferido que tipo de relação jurídica existia entre 2.a Ré e 1.ª Ré para determinar como se operou a alegada transferência dos valores peticionados pelos Autores,
43. Contudo, e que um acordo existisse, seria nulo, porque simulado, i.e, se fosse sem o conhecimento da 3.a Ré, tudo nos termos e para os efeitos dos n.º s 1 e 2 do artigo 232.º do Código Civil e, do já referido n.º 1 artigo 20.º do Regulamento Administrativo 6/2002.
44. Entendemos, com o devido respeito, que o tribunal a quo ao não atender às relações jurídicas a montante existentes entre 1.ª e 2.ª Rés, que, a jusante justificariam a relação de depósito, que a sentença padece dos vícios de fundamentação estar em contradição com a decisão e, também, porque o tribunal a quo montante deixou de se pronunciar sobre questões relevantes para o pleito, tudo nos termos e para os efeitos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, devendo ser considerada nula.
45. Para além de um esclarecimento quanto à questão das natureza das relações jurídicas existentes entre 2.° Ré e 1.ª Ré, também releva a entrega de montantes dos Autores à 2.a Ré e, a que título foram feitos.
46. A acção foi conformada pelos Autores como um depósito, de fichas vivas inicialmente, que, teriam sido depositadas junto da 2.a Ré, desconhecendo-se até hoje qual o montante depositado e se corresponde ao montante demandado nos autos.
47. Ao passo que, a 2.a Ré, entendeu que o referido “depósito” servia o propósito de investimento, com uma retribuição de uma taxa de juros mensal, que tinha sido resultado da intermediação de um contacto oriundo da China, tendo o tribunal a quo entendido pelos depósitos, depósito irregular, visto estarmos perante fichas de jogo.
48. Sucede que, atenta a participação criminal apresentada pelos Autores contra a 2.° Ré, que levou ao despacho de pronúncia (cfr. doc. 1), tal qualificação não decorre da natureza das coisas, e, podemos dizer com alguma segurança que as fichas de jogo não poderão ter sido entendidas como bens fungíveis pelos Autores.
49. O depósito que diga respeito a bens fungíveis, é classificado como depósito irregular, e a obrigação de restituição do depósitário é genérica. Logo, a propriedade dos bens ir-se-á transferir para o depositário e a consequência é a de que o depósitário só está obrigado a devolver no mesmo género, qualidade e quantidade.
50. Ora, isto vai contra a participação criminal realizada pelos Autores, pois, se a propriedade dos bens transferiu-se para o depositário, neste caso, a 2.a Ré, não poderia ter havido lugar à prática do crime de abuso de confiança, p.e.p. (art.º 199.º).
51. O facto de a participação criminal pelos Autores ter sido realizada nos termos em que o foi, só se explica se os Autores entenderem que terão celebrado um depósito regular. Mas mais relevante, e que verdadeiramente importa para os autos, é o facto de os Autores confessarem que quem dispunha materialmente dos bens depositados era apenas a 2.ª Ré, e que a sua não restituição não pode ser imputada à 1.º Ré, neste sentido, anotação ao Código Civil Português, Pires de Lima/ Antunes Varela, anoto n.º 3 ao art.º 1189.º, p. 680.
52. Ou bem que, é a 2.a Ré, ou a 1.º Ré, que deve restituir as fichas de jogo as Autores. Ora, ao participar criminalmente da 2.a Ré, nos moldes em que o fez, por crime de abuso de confiança, sendo o objecto dessa participação o mesmo objecto desta acção, então estas, por urna razão lógica não podem ser devidas pela 1.ª Ré, mas tão-somente pela 2.ª Ré.
53. Mas podemos dizer, com certeza, que sem saber quem beneficiava desta entrega de fundos, qual o destino prosseguido com esta entrega, não se pode fazer uma qualificação segura.
54. No caso do depósito, o interesse prossguido seria o da guarda de valores, e, caso não fosse gratuito, os Autores teriam que pagar pelo serviço prestado pela 2.a Ré, sendo que, na primeira hipótese o negócio seria nulo pela prática de actos comerciais por urna sociedade, i.e., 2.a Ré, lhe estar vedada, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 177.º do Código Comercial.
55. Com o devido respeito, a sentença final não olhou à realidade material dos factos e retratou e não classificou a situação jurídica condignamente.
56. O tribunal a quo classificou a situação dos autos de depósito irregular, quando não há um único elemento nos autos que indicie que era essa a situação, como se retira do supra exposto.
57. Pelo exposto, e na medida em que, claramente há uma violação e interpretação errada da lei, nos termos das alíneas b) e d) do artigo 571.º do Código de Processo Civil, devendo a sentença proferida pelo tribunal a quo ser revogada.
58. Tendo em conta que autos são omissos quanto à retribuição do depósito, tal coloca-nos vários obstáculos relativamente à fundamentação do tribunal a quo. Começamos pelo facto de que a natureza do depósito prende-se com a questão da cessão da posição contratual e aplicação ao presente caso.
59. De seguida, inexiste nos autos qualquer elemento que conduza à cessão de posição contratual, estando vedada a presunção judicial pelo tribunal a quo nos termos em que o fez.
60. E, por fim, não há lugar (nem pode haver) a transferências de saldos com base em transferências de salas operadas por meio de cessão de posição contratual.
61. Relativamente à retribuição do depósito, o tribunal salta da reciprocidade das prestações para a cessão de posição contratual, mas há que ter em linha de conta que, "Havendo apenas uma presunção de gratuidade, a onerosidade pode resultar de convenção. Em qualquer contrato de depósito se pode estipular uma retribuição, sujeitando-o ao regime geral dos contratos sinalagmáticos", Código Civil Português anotado, nota n.º 2 ao artigo 1186.º, ob. cit., vol. II, pág. 836
62. O que quer dizer, que não é automático, ou seja, o contrato de depósito gratuito não está sujeito à disciplina dos contratos sinalagmáticos, conforme nota n.º 4 à norma supra melhor referida, ob cit., pág. 836 "...verifica-se que o contrato envolve em regra, ou pode muitas vezes pelo menos acarretar, obrigações para ambas as partes."
63. Ou seja, não houve qualquer convenção em sentido da onerosidade do depósito, da retribuição deste. E também não ficou demonstrado nos autos a reciprocidade das prestações no contrato de depósito, pelo que aplicar-lhe o regime da reciprocidade para saltarmos para a cessão de posição contratual, tal não se pode conceder porque não é possível, conforme resulta do supra melhor exposto.
64. Passando à cessão de posição contratual, o tribunal partiu duma presunção judicial (de que houve um acordo oral ou escrito) sem que haja qualquer elemento nesse sentido nos autos. Não foi discutido, não foi alegado, muito menos demonstrado.
65. Diz a este respeito a sentença, e mal, a nosso ver, "A situação em causa deverá se classificada como cessão da posição contratual.", para mais à frente dizer “Com a transferência do saldo, passarão os saldos dos Autores ser depositados na sala Vip YYYY (B), pertencente à 1ª Ré e não à 2.ª Ré”
66. As salas não pertencem às promotoras de jogo, são antes utilizadas pelas promotoras de jogo com a autorização das concessionárias ou subconcessionárias.
67. Fundou-se o tribunal a quo na previsão legal do artigo 418.º do Código Civil para justificar as transferências de saldos, entendendo que houve consentimento para tal por parte dos Autores.
68. No entanto, o caso dos autos é um contrato de depósito em que não há reciprocidade de prestações e não houve qualquer obrigatoriedade de retribuição do depositário, logo, não poderá haver lugar à aplicação do artigo 418.º do Código Civil e o alegado consentimento prestado pelos Autores é totalmente inócuo.
69. A isto acresce que o tribunal realizou uma presunção judicial, de que teria havido qualquer tipo de acordo que permitisse esta cessão, não havendo quaisquer elementos nos autos que indiciem esta cessão.
70. A realização das presunções judiciais estão a vários critérios substantivo-processuais, (i) à não inversão do ónus da prova, nem a desconsideração da teoria das normas e da distribuição estática do ónus da prova condensadas no artigo 335.°, n.º 1 e n.º 2, do Código Civil; (ii) só poderem ser feitas a partir de factos provados constantes da matéria assente, artigo 430.°, al. a) do Código de Processo Civil e suportada pela doutrina; (iii) a base da presunção judicial teria que estar integralmente provada, i.e., que existiu um acordo entre 2.° Ré e 1.ª Ré para que se operasse a cessão da posição contratual, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2004, Processo n.º 03B4354, disponível em www.dgsi.pt; "É, pois, imperativo do artigo 349.º (=equivalente ao art.º 342.º, do Código Civil de Macau de 1999) que a base da presunção esteja provada, que os respectivos factos integradores - revestidos dos atributos de seriedade, precisão e concordância - sejam conhecidos, possuindo o julgador acerca deles o grau de ciência que as provas podem proporcionar, uma exigência garantística elementar contra o risco de arbítrio no exercício da actividade jurisdicional”, e, nos termos conjugados dos artigos 335.º, n.º 1 e 2, artigo 342.º e 344.º do Código Civil deverá sempre ser apreciada a legalidade das presunções judiciais, sob pena de haver uma violação da lei substantiva.
71. Neste sentido, relembramos que, de acordo com os ensinamentos do Professor João Calvão da Silva, "não é possível a realização de presunções judiciais com recurso a factos não provados", As presunções judiciais e os arts. 712.º, 722.º e 729.º do Código de Processo Civil", in: Revista de Legislação e Jurisprudência (RLJ), Ano 135.º, 3935, Novembro-Dezembro 2005, Director: Manuel Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Coimbra, (2006), pp. 127-128.
72. Ora, é precisamente disso que aqui se trata, inexiste qualquer facto provado nos autos que conduza à cessão da posição contratual, e tal facto, é determinante para a fundamentação jurídica que sustentou a condenação da ora Recorrente, neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Janeiro de 2004, Processo n.º 03B1815.
73. No caso em apreço, tratamos de uma transferência não de saldos, mas de quantias milionárias, e, o tribunal a quo partiu de um facto não provado para presumir que a cessão de posição contratual se havia verificado, a arrepio da inexistência de qualquer elemento nesse sentido presente nos autos.
74. E, como já referido, mesmo que se pudesse aceitar a cessão de posição contratual, que não se aceita, tal está vedada nos termos do n.º 1 artigo 20.º do Regulamento Administrativo 6/2002.
75. Foi o entendimento do tribunal a quo, que como a 1.ª Ré era a responsável pela sala VIP YYYY, também deveria ser responsável pela pela restituição dos montantes.
76. Contudo, com o devido respeito, não nos podemos bastar com o facto de quem formalmente seria o promotor de jogo responsável pela sala VIP YYYY, i.e., a 1.ª Ré, e ser-lhe assacada a responsabilidade, descurando a relação existente entre Autores e 2.a Ré e, bastando-se, como o tribunal a quo parece ter feito com uma deslocação física (deslocação entre salas) dos referidos montantes.
77. Mesmo que se aceitassem que houve deslocação dos montantes da sala VIP E para a Sala Vip YYYY, tal só seria possível se, subjacente a esta deslocação estivesse uma deslocação jurídica da 2.a Ré para a 1.ª Ré, que poderia ocorrer, através da alienação da empresa comercial, nos termos do artigo 110.º do Código Comercial, ou porque houve uma sucessão a título particular nos contratos celebrados entre 2.a ré e 1.ª Ré, ou porque celebrou com a 2.a Ré um contrato que lhe permitiu a detenção das fichas de jogo (mandato).
78. O tribunal a quo entendeu na resposta ao quesito 11.º que não houve lugar à aquisição da sala VIP por parte da 1ª Ré.
79. Estas salas VIP são pertença, propriedade das concessionárias, sendo estas salas utilizadas pelos promotores de jogo para o exercício da sua actividade, i.e., os promotores de jogo exercem a sua empresa no mesmo espaço físico da sala VIP e o que que estará sempre em causa será a empresa de promoção de jogos, ou seja, da aquisição do negócio (empresa) de promoção de jogos da 2.a Ré pela 1.ª Ré, e não de salas VIP.
80. O tribunal entendeu que não houve lugar a "aquisição", não operando o artigo 110.º do Código Comercial, mas também não foi discutido nos autos um acordo que, do ponto de vista jurídico justificasse a transferência de posição contratual da 2.a Ré da sua relação contratual com os Autores para a 1.ª Ré.
81. Ao não haver aquisição da empresa da 2.a Ré pela 1.ª Ré também não se entende como os números das conta dos Autores se mantiveram inalteradas, nos mesmos termos, o que só vem cimentar o facto de que, dos factos constantes dos autos e da narrativa produzida por todos os intervenientes, que a realidade formal da utilização da sala VIP YYYY, não correspondia à utilização material, i.e., que continuava a ser utilizada pela 2.a Ré. Facto que foi completamente obliterado pelo tribunal a quo.
82. Relativamente à situação material, também se coloca o conhecimento dos Autores quanto a esta realidade, como já referido em sede destas alegações, a própria queixa-crime apresentada pelos Autores, é indiciadora do conhecimento por parte dos Autores.
83. Pois bem, tendo em conta que, não houve lugar a qualquer alienação da empresa comercial da 2.a Ré para a 1.ª Ré, ou qualquer acordo que justificasse a transferência da posição contratual da 2.a Ré para a 1.º Ré, ou sucessão nos contratos a título particular, a transferência de depósitos não se aplica ao caso em apreço.
84. À cautela e sem prescindir, no que concerne à responsabilização da 1.ª Ré nos termos da Lei 16/2001 e Regulamento Administrativo n.º 6/2002, tal responsabilização só poderia ter provimento se os "depósitos" que já se demonstrou que não foram feitos junto da 1.ª Ré, nem sequer transferidos da 2.a Ré para a 1.ª Ré, tivessem sido realizados para efeitos de jogo.
85. Conforme decorre da prova documental e testemunhal constante dos autos, há elementos suficientes que demonstram que os montantes peticionados não serviam o propósito de jogo. Ora, e nessa medida, só os depósitos para efeitos de jogo se incluem na actividade de promoção de jogos de fortuna e azar.
86. A sentença final deambula pela Lei nº 16/2001 e Regulamento Administrativo n.º 6/2002, entendendo que, os depósitos feitos pelos Autores têm conexão com a actividade de jogo e que, por força do artigo 29.º do Regulamento Administrativo 6/2002, deverá a ora Recorrente ser condenada, assim como, a 3.a Ré.
87. Contudo, esta não foi a situação dos autos, conforme amplamente se discorreu ao longo das alegações de recurso e, na medida em que, tendo por base a prova que foi feita nos autos, consegue-se aferir que, as quantias que foram depositadas, não com a 1.ª Ré, não se traduziram num depósito para efeitos de jogo, mas mais como se se tratasse de um depósito a prazo.
88. Ora, tal situação não se encontra prevista na Lei n° 16/2001, Regulamento Administrativo n° 6/2002 e, por não encontrar qualquer apoio na referida Lei e Regulamento, e, também, por não se aplicarem as normas civilísticas conforme decorre do já supra exposto, a ora Recorrente não poderá ser condenada pela realização de um depósito que não lhe foi afecto e, acima de tudo, que não foi realizado no âmbito da actividade da promoção de jogos de fortuna e azar.
89. Por fim, cumpre-nos salientar que, a sentença ora recorrida condenou a ora Recorrente em sentido diverso do peticionado pelos Autores.
90. Os Autores pediram a condenação do montante de HKD$60,000,000.00 acrescido de juros à taxa legal de 9,75% a contar da data da citação, da primeira e qualquer uma das Rés e o tribunal a quo condenou ora Recorrente a pagar a quantia supra melhor referida acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data de 14 de Novembro de 2015.
91. A presente acção foi intentada em 20 de Novembro de 2017 e a Recorrente presumiu-se citada, no 3.a dia útil posterior ao do envio da carta registada que se deu 19 de Janeiro de 2018, fls. 119 e 120 dos autos, ou seja, presumiu-se notificada a 22 de Janeiro de 2018.
92. Ora, a sentença recorrida para além condenar em objecto diverso e superior ao fixado pelos Autores, em clra violação do princípio do dispositivo, é mais gravosa para a Recorrente.
93. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de Novembro de 2009, Processo n.º 996/05.6TCLRS.Ll-6 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10 de Janeiro de 2011, Processo n.º 376/08.1TTVNG.P1, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10 de Janeiro de 2011, Processo n.º 376/08.1TTVNG.P1, disponível em www.dgsi.pt, com a necessárias adaptações em que se repele a condenação em objecto diverso daquele que foi pedido, atento que o pedido tenha sido feito de uma forma clara.
94. Os Autores delimitaram clara e objectivamente o pedido e qual a tutela jurídica do direito que se arrogam, e, o tribunal a quo, decidiu muito para além daquilo que foi peticionados pelos Autores
95. A ora Recorrente face a esta decisão vê-se na eminência de ter que pagar mais dois anos e dois meses de juros de mora sobre o valor de HKD$60,000,000.00, à taxa legal, o que rondará os HKD$12,000,000.00, valor que não foi peticionado pelos Autores.
96. Ora, se os Autores requereram que lhes fossem pagos juros a contar da data de citação, tal é bastante claro e o tribunal a quo, com o devido respeito, não poderia ter-se substituído à votnade dos Autores e corrigido um pedido que já de si era bastante claro
97. Ora, a sentença recorrida ao condenar em objecto diverso do pedido pelos Autores, está ferida de nulidade, nos termos e para os efeitos da alínea e) do artigo 571.° do Código de Processo Civil.
Face ao exposto, requer, muito respeitosamente, finalmente a V. Exa. se digne dar provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra em que: (i) sejam alteradas as respostas aos quesitos 11.º da base instrutória no sentido de ser dado como provado que a sala VIP YYYY era explorada pela 2.ª Ré e, não, pela 1.ª Ré, (ii) sejam alteradas as respostas aos quesitos 12.º e 13.º da base instrutória, no sentido em que se dê como não provado que houve transição das contas dos Autores e saldos e que as quantias demandadas continuaram com a 2.ª Ré; (iii) sejam alteradas as respostas aos quesitos 17.º e 18.º da base instrutória e que se dê como provado, que as quantias demandadas continuam depositadas junto da 2.º Ré; (iv) e, consequentemente, a douta sentença recorrida seja substituída por outra, que, em face deste novos factos, determine a improcedência do pedido formulado pelos Autores contra a 1.ª Ré, ora Recorrente e, procedência do pedido formulado pelos Autores contra a 2.ª Ré; (v) subsidiariamente, seja anulado o julgamento de matéria de facto nos autos, ordenando-se a repetição dos mesmos; e (vi) tendo em conta a aplicação errada da lei, seja revogada a sentença recorrida, determinando a improcedência do pedido formulado pelos Autores contra a 1.ª Ré, ora Recorrente, e seja a ora Recorrente absolvida e a 2.ª Ré seja condenada pelo pedido formulado pelos Autores.
Por sua vez a 3ª Ré B, apresentou as alegações, concluindo e pedindo:
(i) O Tribunal a quo violou o artigo 564.º do CPC ao determinar a condenação em quantidade superior ao peticionado pelos Recorridos;
(ii) Os Recorridos reclamaram o pagamento de juros de mora a partir da citação das Rés - o que, no caso da Recorrente, aconteceu no dia 17 de Janeiro de 2018 - e a primeira instância sentenciou que esses juros eram antes devidos a partir do dia 14 de Novembro de 2015;
(iii) Condenando ultra petitum, a sentença do Tribunal a quo é nula nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC;
Quanto ao mérito da Sentença recorrida:
(iv) O Tribunal a quo condenou a A no pedido em sede de responsabilidade meramente contratual;
(v) A Sentença recorrida condenou ainda a Recorrente com base no artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 por entender que (a) este enuncia um princípio de responsabilidade das concessionárias de jogo perante terceiros por actos dos promotores de jogo; e (b) os depósitos realizados pelos Recorridos na tesouraria da sala VIP da A subsumiam-se no segmento da previsão normativa do artigo 29.º que se refere à actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo;
(vi) Todavia, o Regulamento Administrativo n.º 6/2002 é um regulamento complementar;
(vii) O seu artigo 29.º regulamenta o n.º 3 do artigo 23.º da Lei n.º 16/2001 e consequentemente só trata da responsabilidade das concessionárias perante o Governo, por actos praticados por promotores de jogo com os quais tem relação;
(viii) A interpretação do referido artigo 29.º professada na Sentença recorrida importa que as concessionárias respondam objectivamente perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores de jogo, por estes contraídas no exercício da própria empresa, como se aquelas fossem suas fiadoras ope legis;
(ix) Isso representaria um risco extremo e injustificado, não explicado por qualquer circunstância especial da relação que se estabelece entre concessionárias e promotores;
(x) Os promotores de jogo são entidades autónomas, actuam em concorrência virtual com as concessionárias e estão sujeitos a licenciamento, exames à escrita e auditorias do regulador, corporizado na DICJ;
(xi) O artigo 29.º não responsabiliza as concessionárias perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores, contraídas no exercício da própria empresa;
(xii) Se o legislador tivesse querido instilar-Ihe esse sentido, tê-lo-ia expressado em termos inequívocos;
(xiii) Tendo decidido em contrário, a Sentença recorrida violou e fez errada aplicação de lei substantiva, a saber, o referido artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002.
PELO EXPOSTO, e com douto suprimento
deverá julgar-se procedente este recurso e, aplicando-se o regime jurídico adequado, revogar-se a Sentença do Tribunal Judicial de Base e decidir-se pela absolvição da Recorrente do pedido em que foi condenada, assim se fazendo
Justiça!
Aos recursos responderam os Autores pugnando pela improcedência de ambos os recursos.
II
Feitos subir os recursos para este TSI, onde foram liminarmente admitidos, foi pela recorrente A feito juntar aos autos uma certidão de um Acórdão penal absolutório do TJB.
Colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Incidente da junção dos documentos
Para tentar convencer este TSI de que os depósitos feitos na tesouraria da 2ª Ré E têm a natureza de investimento e não se destinam para jogos, a recorrente juntou a certidão de um despacho de pronúncia e a de um Acórdão penal absolutório, respectivamente com as alegações e após a admissão dos recursos pele Relator nesta segunda instância.
Portanto, há que averiguar se é admissível a junção tardia dos tais documentos.
Reza o artº 616º/1 do CPC que “as partes podem juntar documentos às alegações nos casos a que se refere o artigo 451.º ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância”.
Na primeira instância, a apresentação da prova por documentos rege-se pelas regras gerais consagradas no artº 450º do CPC, que reza:
(Momento da apresentação)
1. Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2. Se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em primeira instância, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
Em situações excepcionais, as partes são autorizadas a juntar documentos após os articulados ou mesmo após o encerramento da discussão em primeira instância.
São as situações previstas no artº 451º do CPC que preceitua:
(Apresentação em momento posterior)
1. Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
2. Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.
Paralelamente às situações excepcionais previstas no artº 451º, a lei autoriza especificamente que se juntem às alegações de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão, os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados ou os documentos cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância – artº 616º do CPC.
Ao que parece, in casu, os documentos foram apresentados para demonstrar o alegado erro na apreciação na prova pelo Tribunal a quo quanto à finalidade a que se destinavam os depósitos
Especificamente falando, a recorrente A pretende impugnar a matéria de que os depósitos foram feitos pelos Autores para jogar.
Ora, não obstante a natureza superveniente de ambas as certidões tendo em conta as datas em que foram praticados os actos processuais nos autos do processo CR1-20-0044-PCC, estas certidões são impertinentes e não têm qualquer valor para abalar a convicção do Tribunal a quo.
Pois, dada a função que tem o despacho de pronúncia no processo penal, ele não é mais do que um acto para fazer o processo entrar na fase de julgamento, não comportando todavia qualquer juízo de censura ao arguido acusado pelos factos nele descritos.
Em relação à certidão do Acórdão absolutório, a recorrente A diz no requerimento da junção desse documento que:
Esta junção é necessária e superveniente, na medida em que decorre da referida certidão da sentença que os depósitos efectuados pelos Recorridos neste autos e, por G e F teriam sido um investimento.
Transcrevemos a parte relevante da sentença, para referência.
“雖然四名被害人表示存款只是供彼等賭博,有關存款不涉及任何貴賓會的收息情況, 但證人K,L及M均助證了嫌犯XXX的說法, 其中K詳細講述了被害人G及C投資涉案 “貴賓會”的經過以及投資金額及K向彼等轉賬分紅的情況.”
Deste parágrafo da sentença resulta que, pese embora, os Ofendidos tenham dito que o dinheiro entregue à sociedade promotora de jogos E era para jogar, várias testemunhas contrariaram esta versão e vieram confirmar àqueles autos que os valores entregues serviriam o propósito de investimento.
Fulcral é o parágrafo em que o tribunal não afasta a hipótese de investimento, o que se melhor alcança no parágrafo que passamos a transcrever: “考慮到卷宗内的賬戶資料顯示K曾多次轉張賬金錢予G及C, 文件證據與K所述相符.因此, 本院認為四名被害人的存款極有可能屬投資性質, 基於疑罪從無原則, 本院不能還無疑問地認定兩名嫌犯私自將被害人的金錢私自取走並據為己有.”
Ora, do parágrafo supra é flagrante que o tribunal nunca afastou a tese de investimento. E este pormenor é francamente importante para a discussão dos presentes autos que ainda decorre. Isto porque, esta certidão poderá ajudar a esclarecer ou a lançar maior luz sobre a natureza dos alegados depósitos realizados pelos Recorridos e que são objecto de discussão jurídica nestes autos.
Pelo que, salvo melhor entendimento, a Recorrente entende que a junção desta certidão é essencial pelas razões supra melhor expostas e deverá ser admitida.
Ao que parece, “meios de prova” que, na óptica da recorrente, têm a virtude de abalar a convicção do Tribunal a quo de que os depósitos foram feitos pelos Autores para jogar, são aqueles dois parágrafos constantes da fundamentação de facto do Acórdão absolutório do TJB.
Ora, a propósito da eficácia da decisão penal absolutória na matéria de prova do processo civil, reza o artº 579º do CPC que:
1. A decisão penal, transitada em julgado, que tenha absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário.
2. A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil.
É de salientar que a lei diz “a decisão penal, transitada em julgado, que tenha absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados……”.
A questão principal discutida no processo penal é saber se os arguidos praticaram os factos que constituem a prática por eles de um crime de abuso de confiança.
Lidos o despacho de pronúncia e o Acórdão no seu todo e tendo em conta o contexto em que foram inseridos os dois parágrafos citados e transcritos pela recorrente A, é de notar que não estão incluídos no thema probandum daquele processo penal quaisquer factos essenciais ou instrumentais referentes à finalidade a que se destinavam os tais depósitos, e que os dois parágrafos não são mais do que um fundamento para sustentar o juízo de considerar não provados factos demonstrativos da apropriação por parte dos arguidos dos depósitos, e dada a incerteza quanto à finalidade para que foram feitos os depósitos, o Tribunal penal do TJB não afirmou nem infirmou que os depósitos foram feitos para jogo ou para investimento.
Assim, dada a impertinência dos documentos à impugnação da matéria de facto indicada pela recorrente A, é de indeferir a pretendida junção dos documentos, e consequentemente ordenar o seu desentranhamento.
Decidido o incidente da junção dos documentos, passemos então à apreciação do objecto do recurso.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Então comecemos pela apreciação do recurso interposto pela Ré A.
1. Recurso da Ré A
Constatando-se nas conclusões tecidas na minuta do recurso interposto pela 1ª Ré A, que, em primeiro lugar, esta pretende ver não provada a matéria dos quesitos 11º a 13º, 17º e 18º da base instrutória, que foi parcialmente julgada provada pelo Tribunal a quo e, subsidiariamente imputou à sentença recorrida erro de direito.
Versando a parte da matéria de facto impugnada sobre o “quem” é o sujeito que desde Dezembro de 2013, explorava a Sala VIP YYYY (B) e a alegada transferência dos depósitos nas contas abertas em nome dos Autores para a mesma sala VIP, o eventual êxito da impugnação abalará necessariamente a base fáctica em que se alicerçou a sentença recorrida na parte que, tendo qualificado o que se passou entre a 1ª Ré e 2ª Ré como cessão de posição contratual, decidiu condenar a 1ª Ré. enquanto cessionária, na restituição dos montantes depositados pelos Autores nas contas abertas junto da 2ª Ré E Promoção de Jogos – Sociedade Limitada, enquanto cedente.
Assim, temos de nos debruçarmos primeiro sobre a impugnação da matéria de facto.
Para a recorrente A, se devidamente valoradas as provas testemunhais produzidas e examinadas as provas documentais, os quesitos em causa mereceriam resposta negativa.
Pretende com a reapreciação dessas provas ver alterada a parte ora impugnada da matéria de facto, com vista à absolvição dos pedidos, julgados parcialmente procedentes em 1ª instância, de condenação na restituição dos depósitos e no pagamento dos juros legais.
Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.
Diz o artº 629º/1-a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida.
Reza, por sua vez, o artº 599º, para o qual remete o artº 629º/1-a), todos do CPC, que:
(Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto)
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
Os meios probatórios que, na óptica da recorrente, impunham decisão diversa são vários documentos e o depoimento das várias testemunhas que indicou na petição de recurso.
No caso dos autos, houve gravação dos depoimentos.
Pela recorrente foram identificados os documentos para ser reapreciados e transcritas as passagens da gravação do depoimento.
Satisfeitas assim as exigências processuais para a viabilização da reapreciação da matéria de facto com vista à eventual modificação por este Tribunal de Segunda Instância da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, já estamos em condições para apreciar se existem as alegadas incorrecções na apreciação da prova pelo tribunal a quo.
Todavia, dando uma vista de olhos ao teor da matéria de facto provada, ora impugnada, é-nos logo duvidosa a susceptibilidade de a matéria ser levada à base instrutória e de ser demonstrada directamente pelas provas produzidas e examinadas, quando não concretizada por outros factos materiais concretos.
Assim, antes de nos debruçar sobre a reapreciação da matéria de facto, urge averiguar se a matéria em causa pode ser objecto de prova.
Trata-se de uma questão de saber o que deve ser entendido com matéria de facto, susceptível de ser thema probandum.
Como se sabe, ao redigirem os articulados, não poucas vezes, as partes utilizam expressões contendo elementos normativos ou juízos meramente valorativos e conclusivos, e descrições qualificativas de factos concretos que, quando não concretizadas pelos factos materiais, não podem ser objecto da prova.
Assim, tanto as partes como o Tribunal, devem distinguir bem a matéria de facto da de direito.
Na formulação de Alberto dos Reis, é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior…… Entendem-se por factos materiais as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens – in Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 206-207, e 209.
Todavia, há que reconhecer uma realidade: hoje em dia, muitas expressões originariamente utilizadas na doutrina jurídica ou na lei como elementos normativos já invadiram na terminologia largamente usada na nossa comunicação quotidiana, tais como escritura pública, estado civil de solteiro ou casado, cheques, livrança, arrendamento, trespasse, posse, detenção, compra e venda, adopção, casamento.
Assim, não é raro que aceitamos habilmente, senão toleramos, a inserção deste tipo de expressões como parte integrante do thema probandum, de modo a permitir que o teor dessas expressões possa ser directamente demonstrado ou inferido da mensagem extraída dos meios de prova produzidos ou valorados.
Todavia, nem sempre isso é viável e tolerável.
Na verdade, há situações em que, pelo contexto em que são inseridas, essas expressões em caso algum podem ser tidas como meramente fácticas, isso acontece, por exemplo, quando se discuta se estamos perante uma escritura pública, um cheque, uma livrança, um arrendamento, um trespasse, uma posse ou detenção de uma coisa, um contrato de compra e venda, um acto jurídico de adopção, um laço matrimonial, cuja validade e existência jurídica constituem em si já juízos valorativos e conclusivos, insusceptíveis de ser objecto da simples prova.
Assim sendo, consoante a questão jurídica a discutir e a matéria controvertida tal como configuradas pelas partes nos seus articulados e o Juiz que se encarrega de elaborar o saneador deve ter muito cuidado na selecção da matéria para o questionário, especialmente na qualificação de expressões utilizadas pelas partes como matéria susceptível ou não de constituir objecto da prova, de modo a manter-se fiel à regra da separação dos poderes de cognição do julgador de facto e de direito, à luz da qual ao julgador de facto compete fixar todo o substrato fáctico susceptível de ser captado através dos meios de prova que lhe são facultados e ao julgador de direito cumpre a subsunção legal fazendo-o enquadrar à norma legal em abstracto.
É uma tarefa difícil, pois nem sempre é fácil a qualificação de uma expressão como matéria de facto ou como matéria de direito.
Esta tarefa do Juiz torna-se particularmente difícil quando as partes se socorrerem da prova testemunhal, na medida em que a representação de um determinado acontecimento que as testemunhas têm no seu mundo pessoal de pensamento pode não corresponder à avaliação jurídica desse acontecimento.
E mais difícil se torna a tal tarefa quando as partes misturaram nos seus articulados a matéria de facto com a matéria de direito, ou utilizaram abundantes expressões valorativas ou conclusivas, destituídas do suporte de factos materiais, ou conceitos genéricos e vagos, não acompanhados de factos puros que os preenchem.
É justamente esta última situação com que estamos confrontados, não obstante a convicção do Tribunal a quo se ter baseado também em alguns documentos, nomeadamente os constantes das fls. 87 a 94, que todavia para nós, não têm o teor suficiente para demonstrar o substrato factual translativo da exploração de uma sala VIP da 2ª Ré E para a 1ª Ré A e das contas abertas junto daquela Ré para esta última Ré.
In casu, a questão essencial à boa solução jurídica da lide consiste em saber, se no plano jurídico, houve a cessão de uma sala VIP de um promotor para o outro.
Ora, dada a natureza complexa das suas actividades de promoção de jogos legalmente autorizadas aos promotores de jogo licenciados pelos Serviços competentes, uma sala VIP, à semelhança do que sucede com um estabelecimento comercial, constitui uma universalidade e deve ter como componentes elementos corpóreos e incorpóreos, nomeadamente direito ao uso de espaços físicos onde se encontra instalada, a clientela, o aviamento, os créditos e as dívidas, o nome comercial, e os demais móveis ou equipamentos, o pessoal de operação contratado para assegurar o funcionamento da sala de jogos.
In casu, o Tribunal a quo entende que, ante a matéria de facto provada, houve a cessão da Sala VIP YYYY (B) de 2ª Ré E para a 1ª Ré A.
O tal entendimento alicerce-se essencialmente na matéria, ora impugnada, das respostas dadas aos quesitos 11º a 13º, que têm o seguinte teor:
- Desde Dezembro de 2013 a 1ª Ré passa a explorar a “Sala VIP E” sob a sua designação de “Sala VIP YYYY (B)”. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- As contas abertas pelos Autores, F e G na “Sala VIP E” foram todas transferidas para a “Sala VIP YYYY (B)”, mantendo-se os mesmos números da conta e os respectivos saldos. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- Os Autores, F e G concordaram manter a totalidade do montante depositado na “Sala VIP E” na “Sala VIP YYYY (B)”. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
É de notar que foram inseridas nesta matéria as expressões “passa a explorar a sala VIP”, “As contas abertas pelos Autores, ……na Sala VIP E foram todas transferidas para a “Sala VIP YYYY (B).
Todavia, para nós, numa acção em que a questão essencial a discutir consiste em saber se houve cessão de uma sala de jogos, ou da sua exploração de um sujeito para o outro, estas expressões, embora inseridas na matéria integrada por uma certa dose de substrato factual, não podem ser tidas como descrições fácticas, susceptíveis de ser demonstradas pela prova.
Na verdade, as tais expressões nada nos dizem o que concretamente aconteceu.
A aceitar estas expressões conclusivas, não alicerçadas sobre outros factos materiais, como matéria de facto, ficaria equívoca a fronteira entre a jurisdição do julgador de facto e a do julgador de direito.
Assim sendo, as respostas dadas aos quesitos 11º e 12º devem ser tidas por não escritas, nos termos prescritos no artº 549º/4 do CPC.
Eliminadas estas respostas, cai por terra toda a alicerce em que se fundou o juízo de direito no sentido de que a sala de jogos operada pela 2ª Ré E até 30NOV2013 foi cedida a favor de 1ª Ré A e a partir daí passou a utilizar o nome Sala VIP YYYY (B) e, consequentemente, deve ser a 1ª Ré, enquanto cessionária da mesma sala de jogos, condenada a restituir aos Autores as quantias peticionadas.
Procede assim, embora com fundamento diverso do que foi invocado pela recorrente, o pedido de absolvição dos pedidos.
O que prejudica o conhecimento das demais questões suscitadas pela 1ª Ré A, a título subsidiário.
Arrumado o recurso da Ré A, passemos à apreciação do recurso interposto pela 3ª Ré B.
2. Recurso da Ré B S.A.
Para nós com a acima decidida absolvição da 1ª Ré A, fica prejudicado o recurso interposto pela Ré B.
Na verdade, a condenação da Ré B na responsabilidade solidária pressupõe a condenação da 1ª Ré.
Com a revogação da condenação da Ré A, a Ré B deveria ter sido absolvida, uma vez que, tendo a 2ª Ré feito cessar as suas actividades a partir de Dezembro de 2013 e não tendo sido demonstrados actos ilícitos imputáveis à Ré A enquanto promotora de jogos da concessionária B, carece de qualquer substrato factual para responsabilizar a Ré B com fundamento na falta de fiscalização das actividades dos seus promotores de jogos.
Concluindo e resumindo:
1. Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.
2. Ao julgador de facto compete fixar todo o substrato fáctico susceptível de ser captado através dos meios de prova que lhe são facultados e ao julgador de direito cumpre a subsunção legal fazendo-o enquadrar à norma legal em abstracto.
3. Devem ser tidas por não escritas nos termos prescritos no artº 549º/4 do CPC as expressões “passa a explorar a sala VIP”, “As contas abertas pelos Autores, ……na Sala VIP E foram todas transferidas para a “Sala VIP YYYY (B), quando não sustentadas por outros factos matérias concretos, se a questão de direito consiste em saber se houve cessão da sala de jogos, ou cessão da exploração da sala de jogos.
Resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam:
* Indeferir a junção dos documentos a fls. 500 a 505 e a fls. 584 a 589v. dos presentes autos pela recorrente A Gaming Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada, e desentranhar e restituir os documentos à mesma recorrente;
* Revogar a sentença recorrida, absolvendo as Rés A Gaming Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada e B S. A. dos pedidos da acção.
Custas do incidente pela Ré A Gaming Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada e custas da acção pelos recorridos, em ambas as instâncias.
Registe e notifique.
* * *
Submetido à discussão e votação, o projecto não obteve vencimento da maioria do Colectivo, passa o primeiro-adjunto a ser relator deste processo ao abrigo do disposto no artigo 631º/3 do CPC.
* * *
I - RELATÓRIO
A Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada (A博彩中介一人有限公司) (1ª Ré), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 06/05/2020, dela veio, em 13/07/2020, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 462 a 499, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Os Autores intentaram a acção sob a forma de processo ordinário contra a 1.ª, 2.a e 3.a Rés, devidamente identificadas nos autos, e pediram a condenação solidária das Rés, no pagamento de cinquenta e oito milhões de dólares de Hong Kong e dois milhões de dólares de Hong Kong, 1.º Autor e 2.º Autora, respectivamente, em fichas de jogo em numerário ou igual montante em numerário, acrescidos de juros de mora, calculados à taxa legal de 9.75%, a contar da data da citação de qualquer uma das Rés, até integral pagamento.
2. Realizada a audiência de discussão e julgamento pelo tribunal a quo resultou provado que o 1.º Autor e 2.a Autora haviam aberto contas com os n.ºs SS353 e SS364, junto da 2.a Ré, que as quantias de HKD58,000,000.00 e HKD$2,000,000.00, foram depositadas em fichas de jogo na sala VIP E, que a partir de Dezembro de 2013 passou a ser denominada Sala VIP YYYY e explorada pela 1.ª Ré e as contas abertas pelos Autores, assim como os saldos foram transferidos para a sala VIP YYYY.
3. Por não se conformar com a sentença, vem a ora Recorrente recorrer desta, contra o julgamento de matéria de facto e resposta dada pelo Tribunal Colectivo à matéria de facto, e sobre a douta sentença que deu provimento ao pedido formulado pelos Autores contra a 1.ª Ré, ora Recorrente supra melhor mencionada.
4. Não obstante impere o princípio da livre apreciação de prova, consagrado no artigo 558.° do Código de Processo Civil, a matéria de facto assente pela Primeira Instância pode sempre ser alterada nos termos do artigo 629.° do Código de Processo Civil pelo douto Tribunal de Segunda Instância.
5. A ora Recorrente entende, salvo o devido respeito, que o Tribunal a quo não fez a montante um exame e apreciação críticos e correcto das provas, traduzindo-se tal, a jusante, num manifesto erro de julgamento.
6. A ora Recorrente crê que constam elementos dos autos que permitem ao Venerando Tribunal ad quem, dar uma resposta quesitos 11, 12.º, 13.º, 17.º e 18.º da base instrutória diferente da que foi dada pelo tribunal a quo.
7. O quesito 11.º instrutória provou parcialmente que desde Dezembro de 2013 a 1ª Ré passara a explorar a "Sala VIP E" sob a sua designação de "Sala VIP YYYY (B.
8. O quesito 12.º da base instrutória provou que as contas abertas pelos Autores na sala VIP E foram todas transferidas para a sala VIP YYYY, mantendo-se os mesmos números de conta e saldos.
9. O quesito 13.º da base instrutória que os Autores concordaram manter a totalidade do montante depositado na "Sala VIP E" na "Sala VIP YYYY (B)" apenas que a sala VIP E mudou o nome para "YYYY (B)" e que com este nome foi explorada pela 1.ª Ré.
10. O quesito 17.º da base instrutória provou que no dia 4 de Março de 2015, na conta n.º SS353 da "Sala Vip YYYY (B), o 1.º Autor tinha o depósito acumulado de HKD$58.000.00,00 em fichas de jogo em numerário.
11. O quesito 18.º da base instrutória provou até 14 de Abril de 2015, na conta n.º SS364 da "Sala Vip YYYY (B), a 2.a Autora tinha o depósito acumulado de HKD$2.000.00,00 em fichas de jogo em numerário.
12. Todos estes quesitos estão relacionados entre si, porque dizem respeito à exploração da sala VIP YYYY por parte da 1.ª Ré e do alegado envolvimento da 1.ª Ré no funcionamento nesta sala VIP, termo que tem ser usado com a devida cautela, porque as salas VIP são espaços físicos concedidos pelas concessionárias para que lá exerçam a sua actividade.
13. Começando pelo quesito 11.° da base instrutória, resultou a prova testemunhal produzida por H, I e J, todos funcionários da Recorrente há vários anos, que: (i) das várias salas que a Recorrente utilizava, a sala VIP YYYY não era uma delas e que não tinham contacto com a sala; (ii) que não tinham [A] qualquer relação com a 2a Ré e que nunca tinham destacado funcionários para aquela sala, que não partilhavam clientes; e (iii) que todas as salas VIP da Recorrente a funcionar ou já fechadas tinham que ter a designação A.
14. Já das testemunhas da 2.a Ré, K, L e M resultou que: (i) que a E [sala]começou a funcionar na B em 2011 até Dezembro de 2013 e depois passou a denominar-se YYYY; (ii) que era explorada pela YYYY; (iii) que apesar de terem deixado de a explorar como promotora de jogo no B, puderam continuar a utilizar a sala VIP YYYY através do patrão da 1.ª Ré; (iv) que nada mudou, apenas a sala VIP E passou a denominar-se YYYY, assim como o placard e, tudo o resto se manteve-se inalterado; (v) também foi explicado que trabalhavam lá funcionários da 2.a Ré e que a 1.ª Ré nunca se ingeriu na actividade da 2.º Ré.
15. A certidão emitida pela DICJ a fls. 65 dos autos, remete-se apenas para o aspecto formal da situação, não tendo o tribunal a quo atendido à realidade material dos factos.
16. Ora, tendo em conta a prova testemunhal produzida, deveria ter sido dado como provado que a "exploração" da sala VIP YYYY era realizada pela 2.a Ré e, não pela 1.ª Ré, estando assim, reunidas as condições para que o Venerando Tribunal ad quem para o qual se recorre, altere a resposta ao quesito 11.º da base instrutória, para que se dê como provado que era a que 2.a Ré explorava a Sala VIP YYYY.
17. O quesito 12.º da base instrutória versa sobre as transferências das contas dos Autores para a sala VIP 1355 e quesito 13.º da base instrutória sobre o alegado consentimento dado pelos dois Autores da transferência da totalidade dos "depósitos" da "Sala VIP E".
18. Há que fazer a seguinte ressalva, os depósitos de montantes realizados por clientes, sejam em fichas ou em numerário, são sempre feitos junto dos promotores de jogo nas suas salas VIP, e não nas salas. Ou seja, os montantes ficam sob as alçadas dos promotores de jogo. E, ou bem que os Autores, ora Recorridos concordaram que a totalidade dos montantes se mantivesse com a 2.a Ré ou foram transferidos para a 1.a Ré, sendo que a segunda operação não é exequível.
19. Da prova testemunhal produzida pela testemunha da 2.° Ré, L, resultou que a sala VIP E passou a ter outro nome [YYYY], que apenas a designação e o placard mudaram, mantendo-se tudo o resto inalterado, já a testemunha H, funcionária da Recorrente explicou que nada tinham [A] que ver com o funcionamento da sala VIP YYYY.
20. Já a testemunha dos Autores, G, afirmou que, em momento algum foi assinado qualquer documento que vinculasse a 1.ª Ré à alegada transferência de contas e saldos ou de depósitos.
21. Quanto à prova documental, o tribunal a quo baseou-se nos documentos a fls. 88 a 94 para se convencer pela transferência de contas e depósitos, mas a verdade é que inexiste nos autos qualquer prova nesse sentido e conforme certidão do processo cível com o n.º CVl-17-0007-CAO, que, ainda corre termos, a fls. 318 a 324 dos autos, acção gémea da presente, verificamos que não se deu como provado no acórdão de resposta aos quesitos, quesito 13.º da base instrutória "D e C estavam também de acordo em colocar todos os depósitos na "Sala VIP YYYY" - Não Provado.
22. Não nos podemos, pois, bastar com a prova testemunhal, porque é contrariada em toda a linha e segundo as regras de experiência comum, não é crível que se transfiram ou depositem noutra salaVIP 60 milhões de dólares de Hong Kong sem qualquer documento para protecção dos depositantes.
23. E, para que houvesse consentimento de transferência de "depósitos", teria que se provar esse consentimento, de que maneira os montantes pertencentes aos Autores foram transferidos da 2.a Ré para a 1.ª Ré, ora Recorrente, o que quedou por provar por não haver um único documento nos autos nesse sentido.
24. Entendemos, pois, que face à prova testemunhal produzida e inexistência de prova documental que suporte a transferência de contas ou prestação de consentimento, se encontram reunidas as condições para que o Venerando Tribunal ad quem, para o qual se recorre, altere a resposta ao quesito 12.º da base instrutória, para que se dê como não provado que houve transição de contas dos Autores entre salas e, relativamente ao quesito 13.º da base instrutória, que se dê como não provado ou provado que os montantes depositados pelos Autores continuaram com a 2.a Ré.
25. Os quesitos 17.º e 18.º da base instrutória provaram que os montantes acumulados de HKD$58,000,000.00 e HKD$2,000,000.00 mantiveram-se depositados na sala VIP YYYY, tendo a Recorrente lançado mão da prova documental e testemunhal para provar que os quesitos em questão deveriam ter tido diferente sorte.
26. Assim, do depoimento das testemunhas da Recorrente, J e N, resultou que: (i) todos os documentos que os Autores juntaram aos autos para titular o "depósito" de montantes junto da ora Recorrente, nenhum deles é utilizado pela Recorrente desde o início de actividade como promotora de jogo, explicando também qual o tipo de documento que a Recorrente usa para os depósitos de quantias, como enviam mensagens aos clientes, que tipo de sistema é usado, um sistema centralizado e que não depende de uma mensagem de um dos funcionários, tudo conforme fls. 378 e 379 dos autos; (ii) quais os funcionários que são destacados para as salas VIP e que O e P não eram funcionárias da l.ª Ré.
27. Já a testemunha da 2.a Ré, L, quando lhe foi exibido o documento n.º 26 da petição inicial, reconheceu a assinatura lá aposta, assinatura de P, sua colega.
28. Entende-se que a prova documental também não foi avaliada em conformidade, pois, todos os documentos apresentados pelos Autores não eram usados pela Recorrente, e, para demonstrar isso mesmo, a Recorrente juntou a fls. 378 e 381, os talões de depósito, de mensagens enviadas aos clientes, de marker forms, de extractos de contas, que são completamente diferentes dos documentos juntos pelos Autores a fls. 88 a 96.
29. Como se não bastasse existem nos autos documentos que provam que, as funcioáarias O e P eram funcionárias da 2.ª Ré, tudo conforme ofício do Fundo de Segurança Social, junto a fls. 333 a 364 dos autos, em que se comprova que ambas as funcionárias estavam inscritas pela 2.a Ré.
30. Relembre-se que, P é a funcionária cuja assinatura consta do documento n.º 26 da petiçao inicial, a fls. 92 dos autos, e Q éa funcionária que enviou mensagens aos Autores relativas aos alegados depósitos dos Autores, a fls. 95 e 96 conforme se alcança através do ofício junto aos autos a fls. 236 e 237.
31. Ora, isto aliado ao processo crime que corre termos contra os sócios da 2.a Ré, em que a Recorrente não foi alvo de queixa-crime nem de despacho de pronúncia, demonstra inequivocamente que os Autores sabiam quem estava na posse dos montantes e era responsável pelo seu ressarcimento, a 2.a Ré!
32. Pelo que, se entende que se encontram reunidas as condições para que o Venerando Tribunal ad quem altere a resposta aos quesitos 17 e 18.º da base instrutória, e se dê como provado as quantias demandadas não se encontravam depositadas junto da Sala VIP YYYY, i.e., da 1.ª Ré, mas sim, da 2.a Ré. E, seja, a 2.a Ré, em conformidade, responsabilizada pelos montantes demandados no presente pleito.
33. Tendo em conta, o supra exposto, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por assentar num acórdão de matéria de facto que padece de deficiência, falta de fundamentação e contradição, vícios previstos no n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil.
34. À cautela e sem prescindir, caso não seja procedente a reapreciação da matéria de facto, salvo melhor entendimento, entendemos, que, que, sem o devido esclarecimento das relações existentes entre a 1.ª Ré, ora Recorrente e 2.ª Ré, e consequente qualificação jurídica dessa relação, o tribunal a quo não poderia ter decidido pelos depósitos dos Autores e consequente transferência dos montantes entregues à 2.ª Ré da Sala VIP E para a Sala VIP YYYY.
35. E fê-lo quando a página 12 da sentença refere que a forma de qualificar a conduta da 2.° Ré de transferir o saldo nas duas contas dos Autores na "Sala VIP E para a Sala VIp YYYY se resolve através da determinação da titularidade da sala", reduzindo a questão a uma mera transferência dos valores demandados pelos Autores da 2.ª Ré para a 1.ª Ré, que se operou através de uma cessão de posição contratual, nos termos do artigo 418.° do Código Civil.
36. E confundido conceitos, pois "a sala VIP desempenhava um papel de depositário" não corresponde à realidade material nem jurídica, pois as salas VIP não têm personalidade jurídica para receber depósitos.
37. Contudo, a 2.a Ré nunca se demitiu da sua responsabilidade quanto ao recebimento dos fundos, assumindo-se sempre responsável perante os Autores e negando qualquer envolvimento ou responsabilidade da 1.ª Ré.
38. O acórdão de resposta aos quesitos transcrito não cura de saber se a exploração seria feita por terceiro releva, afirmando, "Todavia, o exercício da actividade de promoção de jogo está sujeito às exigências legais e inspeccionado pela entidade competente, o que interessa para o presente caso é qual é a entidade, legalmente autorizada para a exploração da sala. Conforme o teor ddo ofício emitido por DICJ de fls. 65, quem é, legalmente, autorizada a explorar a "sala VIP YYYY" é a 1ª Ré e não a 2ª Ré, não a 2ª Ré, não tendo relevância para o caso se a gestão, de facto, da respectiva sala foi dada a terceiro pela 1ª Ré e que esta se ache irresponsável por esta gestão perante terceiro.".
39. Não se concede que, a transferência ou deslocação física dos montantes peticionados pelos Autores da sala VIP E para a Sala VIP YYYY, possa determinar a transferência da responsabilização jurídica da 2.a Ré para a 1.ª Ré, pois, para que tal se verificasse, necessário seria que, a 2.a Ré tivesse efectivamente entregue as verbas em causa e, que essa transferência ou deslocação física fossem suportadas por um negócio jurídico entre 2.ª Ré e 1.ª Ré, o que quedou por se dar como provado, sequer constam dos autos elementos nesse sentido.
40. Somente existia uma trilogia de relações, entre 3.a Ré e 1.ª Ré, 2.a Ré e 3.a Ré, que cessou em Dezembro de 2013 e entre os Autores e 2.a Ré.
41. Vários são os elementos ao longo do processo que nos permitem entender como seria o funcionamento da sala VIP YYYY realizado pela 2.a Ré, seja, pelo facto de na sala VIP YYYY apenas lá trabalharem funcionários da 2.ª Ré, de haver documentos assinados por funcionários da 2.ª Ré e relativos àquela sala, como a existência de registos informáticos relativos às contas dos Autores, da sala VIP YYYY e da 2.a Ré, coincidentes.
42. Como já referido, curial seria ter aferido que tipo de relação jurídica existia entre 2.a Ré e 1.ª Ré para determinar como se operou a alegada transferência dos valores peticionados pelos Autores,
43. Contudo, e que um acordo existisse, seria nulo, porque simulado, i.e, se fosse sem o conhecimento da 3.a Ré, tudo nos termos e para os efeitos dos n.º s 1 e 2 do artigo 232.º do Código Civil e, do já referido n.º 1 artigo 20.º do Regulamento Administrativo 6/2002.
44. Entendemos, com o devido respeito, que o tribunal a quo ao não atender às relações jurídicas a montante existentes entre 1.ª e 2.ª Rés, que, a jusante justificariam a relação de depósito, que a sentença padece dos vícios de fundamentação estar em contradição com a decisão e, também, porque o tribunal a quo montante deixou de se pronunciar sobre questões relevantes para o pleito, tudo nos termos e para os efeitos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, devendo ser considerada nula.
45. Para além de um esclarecimento quanto à questão das natureza das relações jurídicas existentes entre 2.° Ré e 1.ª Ré, também releva a entrega de montantes dos Autores à 2.a Ré e, a que título foram feitos.
46. A acção foi conformada pelos Autores como um depósito, de fichas vivas inicialmente, que, teriam sido depositadas junto da 2.a Ré, desconhecendo-se até hoje qual o montante depositado e se corresponde ao montante demandado nos autos.
47. Ao passo que, a 2.a Ré, entendeu que o referido “depósito” servia o propósito de investimento, com uma retribuição de uma taxa de juros mensal, que tinha sido resultado da intermediação de um contacto oriundo da China, tendo o tribunal a quo entendido pelos depósitos, depósito irregular, visto estarmos perante fichas de jogo.
48. Sucede que, atenta a participação criminal apresentada pelos Autores contra a 2.° Ré, que levou ao despacho de pronúncia (cfr. doc. 1), tal qualificação não decorre da natureza das coisas, e, podemos dizer com alguma segurança que as fichas de jogo não poderão ter sido entendidas como bens fungíveis pelos Autores.
49. O depósito que diga respeito a bens fungíveis, é classificado como depósito irregular, e a obrigação de restituição do depósitário é genérica. Logo, a propriedade dos bens ir-se-á transferir para o depositário e a consequência é a de que o depósitário só está obrigado a devolver no mesmo género, qualidade e quantidade.
50. Ora, isto vai contra a participação criminal realizada pelos Autores, pois, se a propriedade dos bens transferiu-se para o depositário, neste caso, a 2.a Ré, não poderia ter havido lugar à prática do crime de abuso de confiança, p.e.p. (art.º 199.º).
51. O facto de a participação criminal pelos Autores ter sido realizada nos termos em que o foi, só se explica se os Autores entenderem que terão celebrado um depósito regular. Mas mais relevante, e que verdadeiramente importa para os autos, é o facto de os Autores confessarem que quem dispunha materialmente dos bens depositados era apenas a 2.ª Ré, e que a sua não restituição não pode ser imputada à 1.º Ré, neste sentido, anotação ao Código Civil Português, Pires de Lima/ Antunes Varela, anoto n.º 3 ao art.º 1189.º, p. 680.
52. Ou bem que, é a 2.a Ré, ou a 1.º Ré, que deve restituir as fichas de jogo as Autores. Ora, ao participar criminalmente da 2.a Ré, nos moldes em que o fez, por crime de abuso de confiança, sendo o objecto dessa participação o mesmo objecto desta acção, então estas, por urna razão lógica não podem ser devidas pela 1.ª Ré, mas tão-somente pela 2.ª Ré.
53. Mas podemos dizer, com certeza, que sem saber quem beneficiava desta entrega de fundos, qual o destino prosseguido com esta entrega, não se pode fazer uma qualificação segura.
54. No caso do depósito, o interesse prossguido seria o da guarda de valores, e, caso não fosse gratuito, os Autores teriam que pagar pelo serviço prestado pela 2.a Ré, sendo que, na primeira hipótese o negócio seria nulo pela prática de actos comerciais por urna sociedade, i.e., 2.a Ré, lhe estar vedada, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 177.º do Código Comercial.
55. Com o devido respeito, a sentença final não olhou à realidade material dos factos e retratou e não classificou a situação jurídica condignamente.
56. O tribunal a quo classificou a situação dos autos de depósito irregular, quando não há um único elemento nos autos que indicie que era essa a situação, como se retira do supra exposto.
57. Pelo exposto, e na medida em que, claramente há uma violação e interpretação errada da lei, nos termos das alíneas b) e d) do artigo 571.º do Código de Processo Civil, devendo a sentença proferida pelo tribunal a quo ser revogada.
58. Tendo em conta que autos são omissos quanto à retribuição do depósito, tal coloca-nos vários obstáculos relativamente à fundamentação do tribunal a quo. Começamos pelo facto de que a natureza do depósito prende-se com a questão da cessão da posição contratual e aplicação ao presente caso.
59. De seguida, inexiste nos autos qualquer elemento que conduza à cessão de posição contratual, estando vedada a presunção judicial pelo tribunal a quo nos termos em que o fez.
60. E, por fim, não há lugar (nem pode haver) a transferências de saldos com base em transferências de salas operadas por meio de cessão de posição contratual.
61. Relativamente à retribuição do depósito, o tribunal salta da reciprocidade das prestações para a cessão de posição contratual, mas há que ter em linha de conta que, "Havendo apenas uma presunção de gratuidade, a onerosidade pode resultar de convenção. Em qualquer contrato de depósito se pode estipular uma retribuição, sujeitando-o ao regime geral dos contratos sinalagmáticos", Código Civil Português anotado, nota n.º 2 ao artigo 1186.º, ob. cit., vol. II, pág. 836
62. O que quer dizer, que não é automático, ou seja, o contrato de depósito gratuito não está sujeito à disciplina dos contratos sinalagmáticos, conforme nota n.º 4 à norma supra melhor referida, ob cit., pág. 836 "...verifica-se que o contrato envolve em regra, ou pode muitas vezes pelo menos acarretar, obrigações para ambas as partes."
63. Ou seja, não houve qualquer convenção em sentido da onerosidade do depósito, da retribuição deste. E também não ficou demonstrado nos autos a reciprocidade das prestações no contrato de depósito, pelo que aplicar-lhe o regime da reciprocidade para saltarmos para a cessão de posição contratual, tal não se pode conceder porque não é possível, conforme resulta do supra melhor exposto.
64. Passando à cessão de posição contratual, o tribunal partiu duma presunção judicial (de que houve um acordo oral ou escrito) sem que haja qualquer elemento nesse sentido nos autos. Não foi discutido, não foi alegado, muito menos demonstrado.
65. Diz a este respeito a sentença, e mal, a nosso ver, "A situação em causa deverá se classificada como cessão da posição contratual.", para mais à frente dizer “Com a transferência do saldo, passarão os saldos dos Autores ser depositados na sala Vip YYYY (B), pertencente à 1ª Ré e não à 2.ª Ré”
66. As salas não pertencem às promotoras de jogo, são antes utilizadas pelas promotoras de jogo com a autorização das concessionárias ou subconcessionárias.
67. Fundou-se o tribunal a quo na previsão legal do artigo 418.º do Código Civil para justificar as transferências de saldos, entendendo que houve consentimento para tal por parte dos Autores.
68. No entanto, o caso dos autos é um contrato de depósito em que não há reciprocidade de prestações e não houve qualquer obrigatoriedade de retribuição do depositário, logo, não poderá haver lugar à aplicação do artigo 418.º do Código Civil e o alegado consentimento prestado pelos Autores é totalmente inócuo.
69. A isto acresce que o tribunal realizou uma presunção judicial, de que teria havido qualquer tipo de acordo que permitisse esta cessão, não havendo quaisquer elementos nos autos que indiciem esta cessão.
70. A realização das presunções judiciais estão a vários critérios substantivo-processuais, (i) à não inversão do ónus da prova, nem a desconsideração da teoria das normas e da distribuição estática do ónus da prova condensadas no artigo 335.°, n.º 1 e n.º 2, do Código Civil; (ii) só poderem ser feitas a partir de factos provados constantes da matéria assente, artigo 430.°, al. a) do Código de Processo Civil e suportada pela doutrina; (iii) a base da presunção judicial teria que estar integralmente provada, i.e., que existiu um acordo entre 2.° Ré e 1.ª Ré para que se operasse a cessão da posição contratual, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2004, Processo n.º 03B4354, disponível em www.dgsi.pt; "É, pois, imperativo do artigo 349.º (=equivalente ao art.º 342.º, do Código Civil de Macau de 1999) que a base da presunção esteja provada, que os respectivos factos integradores - revestidos dos atributos de seriedade, precisão e concordância - sejam conhecidos, possuindo o julgador acerca deles o grau de ciência que as provas podem proporcionar, uma exigência garantística elementar contra o risco de arbítrio no exercício da actividade jurisdicional”, e, nos termos conjugados dos artigos 335.º, n.º 1 e 2, artigo 342.º e 344.º do Código Civil deverá sempre ser apreciada a legalidade das presunções judiciais, sob pena de haver uma violação da lei substantiva.
71. Neste sentido, relembramos que, de acordo com os ensinamentos do Professor João Calvão da Silva, "não é possível a realização de presunções judiciais com recurso a factos não provados", As presunções judiciais e os arts. 712.º, 722.º e 729.º do Código de Processo Civil", in: Revista de Legislação e Jurisprudência (RLJ), Ano 135.º, 3935, Novembro-Dezembro 2005, Director: Manuel Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Coimbra, (2006), pp. 127-128.
72. Ora, é precisamente disso que aqui se trata, inexiste qualquer facto provado nos autos que conduza à cessão da posição contratual, e tal facto, é determinante para a fundamentação jurídica que sustentou a condenação da ora Recorrente, neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Janeiro de 2004, Processo n.º 03B1815.
73. No caso em apreço, tratamos de uma transferência não de saldos, mas de quantias milionárias, e, o tribunal a quo partiu de um facto não provado para presumir que a cessão de posição contratual se havia verificado, a arrepio da inexistência de qualquer elemento nesse sentido presente nos autos.
74. E, como já referido, mesmo que se pudesse aceitar a cessão de posição contratual, que não se aceita, tal está vedada nos termos do n.º 1 artigo 20.º do Regulamento Administrativo 6/2002.
75. Foi o entendimento do tribunal a quo, que como a 1.ª Ré era a responsável pela sala VIP YYYY, também deveria ser responsável pela pela restituição dos montantes.
76. Contudo, com o devido respeito, não nos podemos bastar com o facto de quem formalmente seria o promotor de jogo responsável pela sala VIP YYYY, i.e., a 1.ª Ré, e ser-lhe assacada a responsabilidade, descurando a relação existente entre Autores e 2.a Ré e, bastando-se, como o tribunal a quo parece ter feito com uma deslocação física (deslocação entre salas) dos referidos montantes.
77. Mesmo que se aceitassem que houve deslocação dos montantes da sala VIP E para a Sala Vip YYYY, tal só seria possível se, subjacente a esta deslocação estivesse uma deslocação jurídica da 2.a Ré para a 1.ª Ré, que poderia ocorrer, através da alienação da empresa comercial, nos termos do artigo 110.º do Código Comercial, ou porque houve uma sucessão a título particular nos contratos celebrados entre 2.a ré e 1.ª Ré, ou porque celebrou com a 2.a Ré um contrato que lhe permitiu a detenção das fichas de jogo (mandato).
78. O tribunal a quo entendeu na resposta ao quesito 11.º que não houve lugar à aquisição da sala VIP por parte da 1ª Ré.
79. Estas salas VIP são pertença, propriedade das concessionárias, sendo estas salas utilizadas pelos promotores de jogo para o exercício da sua actividade, i.e., os promotores de jogo exercem a sua empresa no mesmo espaço físico da sala VIP e o que que estará sempre em causa será a empresa de promoção de jogos, ou seja, da aquisição do negócio (empresa) de promoção de jogos da 2.a Ré pela 1.ª Ré, e não de salas VIP.
80. O tribunal entendeu que não houve lugar a "aquisição", não operando o artigo 110.º do Código Comercial, mas também não foi discutido nos autos um acordo que, do ponto de vista jurídico justificasse a transferência de posição contratual da 2.a Ré da sua relação contratual com os Autores para a 1.ª Ré.
81. Ao não haver aquisição da empresa da 2.a Ré pela 1.ª Ré também não se entende como os números das conta dos Autores se mantiveram inalteradas, nos mesmos termos, o que só vem cimentar o facto de que, dos factos constantes dos autos e da narrativa produzida por todos os intervenientes, que a realidade formal da utilização da sala VIP YYYY, não correspondia à utilização material, i.e., que continuava a ser utilizada pela 2.a Ré. Facto que foi completamente obliterado pelo tribunal a quo.
82. Relativamente à situação material, também se coloca o conhecimento dos Autores quanto a esta realidade, como já referido em sede destas alegações, a própria queixa-crime apresentada pelos Autores, é indiciadora do conhecimento por parte dos Autores.
83. Pois bem, tendo em conta que, não houve lugar a qualquer alienação da empresa comercial da 2.a Ré para a 1.ª Ré, ou qualquer acordo que justificasse a transferência da posição contratual da 2.a Ré para a 1.º Ré, ou sucessão nos contratos a título particular, a transferência de depósitos não se aplica ao caso em apreço.
84. À cautela e sem prescindir, no que concerne à responsabilização da 1.ª Ré nos termos da Lei 16/2001 e Regulamento Administrativo n.º 6/2002, tal responsabilização só poderia ter provimento se os "depósitos" que já se demonstrou que não foram feitos junto da 1.ª Ré, nem sequer transferidos da 2.a Ré para a 1.ª Ré, tivessem sido realizados para efeitos de jogo.
85. Conforme decorre da prova documental e testemunhal constante dos autos, há elementos suficientes que demonstram que os montantes peticionados não serviam o propósito de jogo. Ora, e nessa medida, só os depósitos para efeitos de jogo se incluem na actividade de promoção de jogos de fortuna e azar.
86. A sentença final deambula pela Lei nº 16/2001 e Regulamento Administrativo n.º 6/2002, entendendo que, os depósitos feitos pelos Autores têm conexão com a actividade de jogo e que, por força do artigo 29.º do Regulamento Administrativo 6/2002, deverá a ora Recorrente ser condenada, assim como, a 3.a Ré.
87. Contudo, esta não foi a situação dos autos, conforme amplamente se discorreu ao longo das alegações de recurso e, na medida em que, tendo por base a prova que foi feita nos autos, consegue-se aferir que, as quantias que foram depositadas, não com a 1.ª Ré, não se traduziram num depósito para efeitos de jogo, mas mais como se se tratasse de um depósito a prazo.
88. Ora, tal situação não se encontra prevista na Lei n° 16/2001, Regulamento Administrativo n° 6/2002 e, por não encontrar qualquer apoio na referida Lei e Regulamento, e, também, por não se aplicarem as normas civilísticas conforme decorre do já supra exposto, a ora Recorrente não poderá ser condenada pela realização de um depósito que não lhe foi afecto e, acima de tudo, que não foi realizado no âmbito da actividade da promoção de jogos de fortuna e azar.
89. Por fim, cumpre-nos salientar que, a sentença ora recorrida condenou a ora Recorrente em sentido diverso do peticionado pelos Autores.
90. Os Autores pediram a condenação do montante de HKD$60,000,000.00 acrescido de juros à taxa legal de 9,75% a contar da data da citação, da primeira e qualquer uma das Rés e o tribunal a quo condenou ora Recorrente a pagar a quantia supra melhor referida acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data de 14 de Novembro de 2015.
91. A presente acção foi intentada em 20 de Novembro de 2017 e a Recorrente presumiu-se citada, no 3.a dia útil posterior ao do envio da carta registada que se deu 19 de Janeiro de 2018, fls. 119 e 120 dos autos, ou seja, presumiu-se notificada a 22 de Janeiro de 2018.
92. Ora, a sentença recorrida para além condenar em objecto diverso e superior ao fixado pelos Autores, em clra violação do princípio do dispositivo, é mais gravosa para a Recorrente.
93. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de Novembro de 2009, Processo n.º 996/05.6TCLRS.Ll-6 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10 de Janeiro de 2011, Processo n.º 376/08.1TTVNG.P1, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10 de Janeiro de 2011, Processo n.º 376/08.1TTVNG.P1, disponível em www.dgsi.pt, com a necessárias adaptações em que se repele a condenação em objecto diverso daquele que foi pedido, atento que o pedido tenha sido feito de uma forma clara.
94. Os Autores delimitaram clara e objectivamente o pedido e qual a tutela jurídica do direito que se arrogam, e, o tribunal a quo, decidiu muito para além daquilo que foi peticionados pelos Autores
95. A ora Recorrente face a esta decisão vê-se na eminência de ter que pagar mais dois anos e dois meses de juros de mora sobre o valor de HKD$60,000,000.00, à taxa legal, o que rondará os HKD$12,000,000.00, valor que não foi peticionado pelos Autores.
96. Ora, se os Autores requereram que lhes fossem pagos juros a contar da data de citação, tal é bastante claro e o tribunal a quo, com o devido respeito, não poderia ter-se substituído à votnade dos Autores e corrigido um pedido que já de si era bastante claro
97. Ora, a sentença recorrida ao condenar em objecto diverso do pedido pelos Autores, está ferida de nulidade, nos termos e para os efeitos da alínea e) do artigo 571.° do Código de Processo Civil.
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Os Recorridos, C e D, veio, 30/09/2020, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 543 a 556, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. 對於上訴人提出的全部理據,被上訴人完全不予認同。
II. 反駁上訴陳述書III-A、III-B、IV-A方面。上訴人顯然質疑原審法庭的自由心證。本案事實事宜的合議庭裁判已闡述,認定相關事實是依據卷宗書證和證人證言,綜合分析。
III. 毫無疑問,“YYYY貴賓會”是由上訴人經營。
IV. 卷宗第65頁的書證,清楚顯示“YYYY貴賓會(B)”由第一被告經營,因而在認定相關事實上,不存在任何瑕疵。
V. 卷宗的正式借款憑證,顯示是“YYYY貴賓會(B)”發出,當中註明“A Gaming Promotion Company Limited(博彩中介人准照編號:E281)”,無疑明確顯示“YYYY貴賓會”是由上訴人經營。
VI. 根據《民法典》第三百九十條和《民事訴訟法典》第五百五十八條規定,證人的證言由法院自由評價,被上訴判決沒有違反任何法律規定的程序手續。
VII. 根據《民法典》第四百條第二款,被上訴人與上訴人設立寄託關係,上訴人與其他人存在的任何關係,不約束被上訴人。
VIII. 第三被告從沒有書面允許上訴人與第二被告轉讓博彩中介業務。
IX. 並且,相關協定無效。根據第6/2002號行政法規第二十條規定,上訴人不得將其經營“YYYY貴賓會”的業務,以任何方式或名義轉讓或讓與第三人,否則,相關合同無效。
X. 卷宗內的博彩監察協調局之書面證據,已充分證明上訴人是“經營”的性質。
XI. 卷宗書證可顯示兩名被上訴人在“E貴賓會”和“YYYY貴賓會”的存碼結餘,而存碼從“E貴賓會”轉移至“YYYY貴賓會”,已透過人證證實。
XII. 法律沒有規定“存碼移轉”之行為必須透過書面為之,更沒有規定相關事實必須透過書證證實。
XIII. 在於一般人的邏輯角度,已有收據證明籌碼存放在“YYYY貴賓會”。一般人根本不懂得分析移轉行為是否合法,也沒有法律規定或監管存碼行為的法定方式和程序。
XIV. 貴賓會開設在娛樂場的範圍內,而博彩業是澳門的龍頭產業,倘未有發生任何轟動的爭議事件,誰人會認為娛樂場和貴賓會不可靠?誰人會擔心相關存碼不可能被取回,因而要求每一步驟都需要相當嚴謹?
XV. “E貴賓會”和“YYYY貴賓會”是否存在企業轉讓,或是否存在合同地位的轉讓,並不必然影響上訴人與被上訴人之間是否存在寄託關係。
XVI. 應適用《民法典》關於寄託合同的規定。針對博彩中介人,雖有特別法律規範,但該法律只針對特別規定,凡沒有規定的,應適用一般法律。上訴人作為博彩中介人,本質上是法人,其行為受《民法典》規範,因而本案應適用當中關於寄託合同的規定。
XVII. 法律沒有規定寄託籌碼的法定要式,所以,可以書面或口頭方式為之。
XVIII. 在事實事宜的合議庭裁判當中,已認定調查基礎事實第6、7、8、9、12、13及14條,相關事實便是寄託關係之設立條款。相關事實認定,是原審法庭綜合人證和卷宗書證而判斷的。
XIX. 調查基礎事實第13條顯示,被上訴人同意將存碼轉至“YYYY貴賓會”,所以,受寄人身份由第二被告轉移予上訴人。
XX. 貴賓會是企業,不享有法律人格;而上訴人是法人,作為“YYYY貴賓會”的經營者,享有法律人格。向貴賓會寄存籌碼,相關寄託合同的權利義務便全由上訴人承擔。
XXI. 附於起訴狀的附件25和附件27之“YYYY貴賓會存碼現況總數表”清楚顯示兩名被上訴人在“YYYY貴賓會”之存碼金額,該兩份文件蓋有“YYYY貴賓會”印章,載有貴賓會職員簽名,足已認定存碼事實。
XXII. 附於起訴狀的附件24和附件26之“YYYY貴賓會”發出的收據,清楚顯示“YYYY貴賓會”收到兩名上訴人交來的籌碼款項,作為博彩用途,蓋有“YYYY貴賓會”印章,由貴賓會發出,足已認定存碼事實。
XXIII. 反駁上訴陳述書III-C、IV-A、IV-B方面。刑事信任之濫用罪,與民事上要求退還寄託物,涉及不同主體,當中的事實情節亦不盡相同,不可能混為一談。
XXIV. 被上訴人從來沒有指明針對哪一所博彩中介人或個人提起刑事檢舉,而控訴書是檢察院根據偵查資料而製作。
XXV. 信任之濫用罪是針對個人犯罪。根據罪狀法定原則,不可能控訴法人觸犯信任之濫用罪,因此不可能控告第一或第二被告。
XXVI. 本案涉及寄託法律關係,即合同責任;而信任之濫用罪,是涉及不法事實所生之民事侵權責任,兩者不相同。上訴人內部的員工是否涉及信任濫用,是民事侵權責任,亦可能涉及刑事責任,不妨礙上訴人返還之義務。
XXVII. 上訴人再次質疑原審法庭的自由心證。本案書證,尤其載有“YYYY貴賓會”名稱和蓋章的文件,由原審法庭按照法律規定作出判斷,判斷過程和理據沒有違法。
XXVIII. 反駁上訴陳述書IV-C方面。對於本案的寄託之有償性或無償性,上訴人在答辯時,沒有陳述相關事實,被上訴人也沒有陳述之。
XXIX. 根據《民事訴訟法典》第五條第一款和第二款處分原則,原審法庭不得考慮或審理。
XXX. 被上訴人的請求僅為款項之返還,至於是否有償,對被上訴人而言,沒有任何意義,也對於請求沒有任何實質作用。
XXXI. 兩名上訴人將籌碼由“E貴賓會”轉至“YYYY貴賓會”的情況不涉及第6/2002號行政法規第二十條所述的情況。條文針對的被轉讓之客體,是從事博彩中介業務。第一被告和第二被告均是合法的博彩中介人,各自經營貴賓會,將籌碼從“E貴賓會”轉至“YYYY貴賓會”只是貴賓會之間的業務往來,並非業務之轉讓。
XXXII. 反駁上訴陳述書IV-D方面。被上訴人寄存籌碼,存在商業利益,涉及賭博。
XXXIII. 被上訴人將籌碼寄存於涉案貴賓會,是為了賭博之用,因為,籌碼在澳門的日常生活並非流通貨幣,不可能以籌碼作衣食住行之消費使用,只是用來在娛樂場博彩投注。
XXXIV. 根據第16/2001號法律第二條第一款第(六)項,以及第6/2002號行政法規第二條規定,博彩中介人的工作是給予博彩者各種便利,而博彩中介人同意或允許博彩者將籌碼寄存於貴賓會,便是提供予博彩者的便利,方便博彩者無需在每次賭博時均提取大量現金前往娛樂場,亦減低自行攜帶大量現金的危險。
XXXV. 被上訴人將籌碼寄存在貴賓會,而貴賓會開設於第三被告的娛樂場之內,此更加清晰顯示相關寄存行為是涉及娛樂場博彩活動。
XXXVI. 博彩中介人是營利的個人或法人,若寄存籌碼與賭博無關,對博彩中介人沒有任何利益好處或商業利益,根本不會接受此寄存。當中的利益不只限於金錢得益,還包含其他非金錢之利益,以及潛在的利益,如便利客人可以增加客人賭博的機會,提昇因客人多賭博而獲得的利益。
XXXVII. 卷宗證據顯示本案寄存籌碼用於賭博,上訴人重覆質疑原審法庭的自由心證。
XXXVIII. 反駁上訴陳述書IV-E方面。被上訴判決沒有違反處分原則,起訴狀第71條和第72條事實指出,債務人構成遲延,須支付自遲延之日起計,按法定利率計算之利息,以作為損害賠償。
XXXIX. 在證實上訴人須向被上訴人支付損害賠償的情況下,對於如何界定遲延之日,原審法庭得根據《民事訴訟法典》第567條,自由適用相關法律規定而作出判定,不受被上訴人認定之遲延之日。
XL. 即使不認同上述觀點,被上訴人亦不認為被上訴判決違反處分原則,而可能僅僅存在筆誤錯漏的情況,根據《民事訴訟法典》第569條第2款、第570條第1款和第2款規定,法官得在卷宗上呈前,更正判決之錯漏、補正無效。
XLI. 即使不認同上述觀點,縱然存在違反處分原則的情況(但被上訴人不如此認為),得根據《民事訴訟法典》第573條第1款,就遺漏和無效作出補正。
XLII. 綜上,被上訴判決沒有違反任何法律規定,其解釋和法律適用完全合理合法,上訴人提出的上訴理由應被判處不成立。
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B S. A. (B股份有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 06/05/2020, dela veio, em 13/07/2020, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 506 a 522, tendo formulado as seguintes conclusões:
(i) O Tribunal a quo violou o artigo 564.º do CPC ao determinar a condenação em quantidade superior ao peticionado pelos Recorridos;
(ii) Os Recorridos reclamaram o pagamento de juros de mora a partir da citação das Rés - o que, no caso da Recorrente, aconteceu no dia 17 de Janeiro de 2018 - e a primeira instância sentenciou que esses juros eram antes devidos a partir do dia 14 de Novembro de 2015;
(iii) Condenando ultra petitum, a sentença do Tribunal a quo é nula nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC;
Quanto ao mérito da Sentença recorrida:
(iv) O Tribunal a quo condenou a A no pedido em sede de responsabilidade meramente contratual;
(v) A Sentença recorrida condenou ainda a Recorrente com base no artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 por entender que (a) este enuncia um princípio de responsabilidade das concessionárias de jogo perante terceiros por actos dos promotores de jogo; e (b) os depósitos realizados pelos Recorridos na tesouraria da sala VIP da A subsumiam-se no segmento da previsão normativa do artigo 29.º que se refere à actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo;
(vi) Todavia, o Regulamento Administrativo n.º 6/2002 é um regulamento complementar;
(vii) O seu artigo 29.º regulamenta o n.º 3 do artigo 23.º da Lei n.º 16/2001 e consequentemente só trata da responsabilidade das concessionárias perante o Governo, por actos praticados por promotores de jogo com os quais tem relação;
(viii) A interpretação do referido artigo 29.º professada na Sentença recorrida importa que as concessionárias respondam objectivamente perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores de jogo, por estes contraídas no exercício da própria empresa, como se aquelas fossem suas fiadoras ope legis;
(ix) Isso representaria um risco extremo e injustificado, não explicado por qualquer circunstância especial da relação que se estabelece entre concessionárias e promotores;
(x) Os promotores de jogo são entidades autónomas, actuam em concorrência virtual com as concessionárias e estão sujeitos a licenciamento, exames à escrita e auditorias do regulador, corporizado na DICJ;
(xi) O artigo 29.º não responsabiliza as concessionárias perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores, contraídas no exercício da própria empresa;
(xii) Se o legislador tivesse querido instilar-Ihe esse sentido, tê-lo-ia expressado em termos inequívocos;
(xiii) Tendo decidido em contrário, a Sentença recorrida violou e fez errada aplicação de lei substantiva, a saber, o referido artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002.
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Os Recorridos, C e D, veio, 30/09/2020, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 529 a 540, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. 第一,被上訴判決沒有違反處分原則。
II. 起訴狀第71條和第72條事實指出,債務人構成遲延,須支付自遲延之日起計,按法定利率計算之利息,以作為損害賠償。
III. 在證實上訴人須向被上訴人支付損害賠償的情況下,對於如何界定遲延之日,原審法庭得根據《民事訴訟法典》第567條,自由適用相關法律規定而作出判定,不受被上訴人認定之遲延之日所約束,故此,被上訴判決沒有違反處分原則。
IV. 即使不認同上述觀點,被上訴人亦不認為被上訴判決違反處分原則,而可能僅僅存在筆誤錯漏的情況。
V. 由於本案的事實涉及多個日期,橫跨數年,不排除在日期上存有筆誤錯漏的情況,根據《民事訴訟法典》第569條第2款、第570條第1款和第2款規定,法官得在卷宗上呈前,更正判決之錯漏、補正無效。
VI. 即使不認同上述觀點,縱然存在違反處分原則的情況(但被上訴人不如此認為),得根據《民事訴訟法典》第573條第1款,就遺漏和無效作出補正。
VII. 第二,被上訴人在貴賓會寄託籌碼的行為屬於“在娛樂場進行的活動”,是博彩中介人的業務工作之一。
VIII. 被上訴判決已證實被上訴人將籌碼寄存於涉案貴賓會,是為了賭博。
IX. 根據第16/2001號法律第二條第一款第(六)項,以及第6/2002號行政法規第二條,博彩中介人的工作是給予博彩者各種便利。
X. 第一被告和第二被告同意或允許被上訴人寄存籌碼是方便被上訴人無需在每次賭博時均提取大量現金,尤其被上訴人是中國內地居民,提取大量現金離開中國內地而前往澳門賭博存在限制規範和安全風險。
XI. 被上訴人寄存籌碼的地方,是開設於上訴人娛樂場內的貴賓會,此清晰顯示相關寄存行為涉及娛樂場博彩活動。
XII. 第三,第6/2002號行政法規第二十九條所指之承批公司的責任並不僅限於向政府承擔責任,條文沒有最起碼之文字對應,與第16/2001號法律第二十三條第三款沒有必然聯繫。
XIII. 根據《民法典》第八條第一款和第二款,進行法律解釋時,必須在法律字面上有最起碼文字對應之含義。
XIV. 第16/2001號法律第二十三條第三款明確訂明博彩中介人須向政府承擔責任,條文存有最起碼之“政府”的文字表述;但第6/2002號行政法規第二十九條完全沒有指出博彩中介人須向誰承擔連帶責任,條文沒有最起碼之“政府”二字的文字表述。
XV. 澳門的經濟發展主要依靠博彩業,社會福利與政府稅收有莫大關係,博彩業的健康發展對澳門特區發展尤為重要,不單對政府稅收重要,也涉及澳門社會之公共利益,牽涉全部澳門居民之大眾利益和福利,為此,因娛樂場活動而承擔的責任不只針對澳門政府,而應針對所有因相關活動而遭受損害的自然人和法人。
XVI. 所以,應理解第6/2002號行政法規第二十九條所規定的連帶責任是針對所有遭受損害的自然人和法人。
XVII. 第四,第一被告和第二被告在上訴人的娛樂場範圍內接受被上訴人寄託籌碼,上訴人負監管義務。
XVIII. 根據第6/2002號行政法規第三十條第(五)項、第6/2002號行政法規第二十三條,上訴人負義務監察第一被告和第二被告從事博彩中介人業務,當中包括被上訴人寄存籌碼之行為。
XIX. 第6/2002號行政法規第二十九條是立法者對承批公司沒有嚴格遵守監管博彩中介人的義務而作出之懲罰規定。此連帶責任之承擔是法律推定,除非上訴人完全推翻之。
XX. 其次,第2/2006號法律第六條第(二)項、第七條第一款第(一)項,第7/2006號行政法規第三條第一款第(二)項,以及博彩監察協調局第1/2016號指引關於清洗黑錢及資助恐怖主義犯罪的預措施第十條第1款第4)項皆規定上訴人作為承批公司,負監管博彩中介人之義務。
XXI. 根據被上訴判決的已證事實顯示兩名被上訴人寄存籌碼款項逾澳門幣五十萬元,為預防及遏止清洗黑錢犯罪,上訴人負監管義務。
XXII. 上訴人作為承批公司,其所肩負的謹慎義務必須比一般普通人士或任何博彩中介人為高,因為,法律就承批公司之資格審批和運作所訂定的規定比一般普通人士和任何博彩中介人為高,這是由於博彩業對於澳門社會和經濟有著非常大之影響和重要性,也是由於承批公司的數量有著法律限制。
XXIII. 上訴人應對博彩中介人作出嚴格謹慎的篩選,制定嚴格標準和制度以要求相關博彩中介人妥善確切履行所有法定和約定之義務,且設定一套監管監控機制,以免博彩中介人出現違反義務但承批公司被蒙在鼓裹的情況。
XXIV. 上訴人有權自由選擇博彩中介人,而其權利相對應是要承擔因其選擇而產生的風險、義務及責任,既然揀選了第一被告和第二被告,便要承擔相關責任和風險。
XXV. 本案的情況不同於《民法典》第四百九十三條規定的委託人之責任,但上訴人與第一被告和第二被告所需要承擔的連帶責任,兩者之間,背後的立法精神均為一致,是相同的法律邏輯。
XXVI. 綜上,被上訴判決沒有違反任何法律規定,其解釋和法律適用完全合理合法,上訴人提出的上訴理由應被判處不成立。
*
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Da Matéria de Facto Assente:
- A 1ª Ré exerce a actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, é pessoa colectiva promotora de jogos, titular da Licença de Promotor de Jogo nºE281. (alínea A) dos factos assentes)
- A 3ª Ré por subconcessão da R no âmbito do Contrato de Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino pela RAEM, tornou-se subconcessionária de actividade de jogos de fortuna ou azar. (alínea B) dos factos assentes)
- Desde 2 de Setembro de 2011, a 1ª Ré obteve autorização da 3ª Ré para exploração de actividade de promoção de jogos. A 2ª Ré explora a “Sala VIP YYYY” no casino B da 1ª Ré. (alínea C) dos factos assentes)
- A “Sala VIP YYYY” trata-se de uma sala de jogos VIP explorada pela cooperação entre a 1ª e a 3ª Ré. (alínea D) dos factos assentes)
- No período compreendido entre 21 de Setembro de 2011 e 30 de Novembro de 2013, a 2ª Ré obteve autorização para exploração de actividade de promoção de jogos junto da 3ª Ré e começou a explorar a “Sala VIP E” no Casino B. (alínea E) dos factos assentes)
- Em 1 de Dezembro de 2013, a 2ª Ré e a 3ª Ré terminaram a relação de cooperação. Até à presente data o funcionamento da “Sala VIP E” mantém-se suspenso. (alínea F) dos factos assentes)
- Com a autorização e o consentimento da 3ª Ré, a 1ª e 2ª Ré instalaram cada qual a sua tesouraria autónoma na “Sala VIP YYYY” e na “Sala VIP E”, a fim de os seus clientes poderem depositar, trocar e levantar fichas de jogo, bem como para providenciar diversas facilidades aos mesmos. (alínea G) dos factos assentes)
Da Base Instrutória:
- Até 10 de Novembro de 2016, a 2ª Ré exercia a actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, outrora designada por “E Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada”, é pessoa colectiva promotora de jogos, era titular da Licença de Promotor de Jogo n.ºE314. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- O 1º Autor abriu na 2ª Ré a conta nºSS353 e F abriu a conta nºSS352. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- A 2ª Autora abriu a conta nºSS364 e G abriu a conta nºSS1013. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- Quando abriu as respectivas contas, o 1º Autor declarou expressamente à 2ª Ré que as fichas de jogo depositadas nas contas nºSS353 ou SS352 podiam ser movimentadas a qualquer momento pelo 1º Autor ou F. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- … mas o pedido tinha de ser feito pelo próprio titular da conta ou por F, mediante a exibição do respectivo documento de identificação junto da tesouraria. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- Quando abriu as respectivas contas, a 2ª Autora declarou expressamente à 2ª Ré que as fichas de jogo depositadas nas contas nºsSS364 ou SS1013 podiam ser movimentadas a qualquer momento pela 2ª Autora ou G. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- … mas o pedido tinha de ser feito pelo próprio titular da conta ou por G, mediante a exibição do respectivo documento de identificação junto da tesouraria. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- Desde a abertura das referidas contas, o 1º Autor da sua própria conta ou de F, a 2ª Autora da sua própria conta ou de G, chegaram a efectuar o levantamento de fichas de jogo em numerário ou fichas de jogo “junkets”, conforme o procedimento acima referido. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- Desde Dezembro de 2013 a 1ª Ré passa a explorar a “Sala VIP E” sob a sua designação de “Sala VIP YYYY (B)”. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- As contas abertas pelos Autores, F e G na “Sala VIP E” foram todas transferidas para a “Sala VIP YYYY (B)”, mantendo-se os mesmos números da conta e os respectivos saldos. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- Os Autores, F e G concordaram manter a totalidade do montante depositado na “Sala VIP E” na “Sala VIP YYYY (B)”. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- Não houve alteração do número das contas nem na forma de utilização das mesmas, podiam efectuar a qualquer momento depósito ou levantamento de fichas de jogo em numerário, ou “junkets”, bastava que fosse pedido pelo próprio 1º Autor ou F, própria 2ª Autora ou G, mediante a exibição do documento de identificação junto da tesouraria. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- Desde então, os autores efectuaram apostas como habitualmente na “Sala VIP YYYY (B)”, bem como, levantaram fichas de jogo em numerário ou “junkets” para jogar. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
- Sempre que os Autores efectuassem levantamentos de fichas de jogo nas respectivas contas, a “Sala VIP YYYY (B)” emitia um comprovativo de empréstimo, onde afigurava na parte superior “Sala VIP YYYY (B)”/“ZZZZ VIP Club” e na parte inferior estava imprimido “A Gaming Promotion Company Limited” (Licença de Promotor de Jogo nºE281). (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
- No dia 4 de Março de 2015, na conta nºSS353 da “Sala VIP YYYY (B)”, o 1º Autor tinha o depósito acumulado de HKD$58.000.00,00 em fichas de jogo em numerário. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- Até 14 de Abril de 2015, na conta nºSS364 da “Sala VIP YYYY (B)”, a 2ª Autora tinha o depósito acumulado de HKD$2.000.000,00 em fichas de jogo em numerário. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- Em meados de Abril de 2015, o 1º Autor e G deslocaram-se à “Sala VIP YYYY (B)” para jogar e, quando pretendiam efectuar o levantamento de fichas de jogo em numerário da respectiva conta, foi-lhes recusado. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
- Após discussão, a sala VIP permitiu ao 1º Autor e G o levantamento de montante não superior a HKD$500.000,00 em fichas de jogo “junkets” da respectiva conta, mas limitando-lhes em jogar na sala VIP. (resposta ao quesito 21º da base instrutória)
- A partir dessa data, o 1° Autor deslocou-se várias vezes à Sala VIP YYYY (B), exigindo o levantamento de fichas de jogo em numerário da conta n°SS353, mas foi-lhe recusado pela sala VIP.. (resposta ao quesito 22º da base instrutória)
- A 2ª Autora incumbiu por várias vezes a G para ir à Sala VIP YYYY (B), para pedir o levantamento de fichas de jogo em numerário da conta n°SS364, mas foi-lhe recusado pela sala VIP. (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
- Em 14 de Outubro de 2015, a 2ª Autora incumbiu G para acompanhar o 1º Autor à “Sala VIP YYYY (B)”, e cada um pediu o levantamento de fichas de jogo “junkets” das contas nºSS364 e SS353, respectivamente, para jogarem na sala VIP. (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
- Porém, a referida sala VIP recusou o pedido dos mesmos, não lhes permitiu efectuar o levantamento de quaisquer fichas de jogo em numerário ou “junkets”, nem dispor das suas próprias contas. (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
- Até à presente data, o 1º Autor ainda tem depositado na conta nºSS353 da “Sala VIP YYYY (B)” a quantia de HKD$58.000.000,00 em fichas de jogo em numerário. (resposta ao quesito 26º da base instrutória)
- Até à presente data, a 2ª Autora ainda tem depositado na conta nºSS364 da “Sala VIP YYYY (B)” a quantia de HKD$2.000.000,00 em fichas de jogo em numerário. (resposta ao quesito 27º da base instrutória)
- Os Autores deslocaram-se pessoalmente ou por representação de terceiro à “Sala VIP YYYY (B)” para solicitar o levantamento de fichas de jogo em numerário ou “junkets” das contas nºSS353 e SS364, tendo-lhes sido sempre recusado. (resposta ao quesito 28º da base instrutória)
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
Relativamente ao pedido da junção de um documento formulado pela Recorrente/1ª Ré, vai o mesmo indeferido com os mesmos fundamentos produzidos no projecto do acórdão do Exmo. Senhor Relator que ficou vencido na decisão final.
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Comecemos pela parte da impugnação de matéria de factos.
A 1ª Ré veio a atacar as respostas dadas pelo Colectivo aos quesitos 11º a 13º, 17º e 18º.
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A propósito da impugnação da matéria de facto, o legislador fixa um regime especial, constante do artigo 599º (Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto) do CPC, que tem o seguinte teor:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
Ora, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.
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No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio3.
É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
Será com base na convicção desse modo formada pelo Tribunal de recurso que se concluirá pelo acerto ou erro da decisão recorrida.
Repita-se, ao Tribunal de recurso não compete reapreciar todas as provas produzidas e analisadas pelo Tribunal a quo, mas só aqueles pontos concretos indicados pela Recorrente como errados ou omissos!
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Ora, as respostas dos quesitos sob impugnação têm o seguinte teor:
- Desde Dezembro de 2013 a 1ª Ré passa a explorar a “Sala VIP E” sob a sua designação de “Sala VIP YYYY (B)”. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- As contas abertas pelos Autores, F e G na “Sala VIP E” foram todas transferidas para a “Sala VIP YYYY (B)”, mantendo-se os mesmos números da conta e os respectivos saldos. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- Os Autores, F e G concordaram manter a totalidade do montante depositado na “Sala VIP E” na “Sala VIP YYYY (B)”. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
(…)
- No dia 4 de Março de 2015, na conta nºSS353 da “Sala VIP YYYY (B)”, o 1º Autor tinha o depósito acumulado de HKD$58.000.00,00 em fichas de jogo em numerário. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- Até 14 de Abril de 2015, na conta nºSS364 da “Sala VIP YYYY (B)”, a 2ª Autora tinha o depósito acumulado de HKD$2.000.000,00 em fichas de jogo em numerário. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
Ao responder a estes quesitos, o distinto Colectivo fundamentou as suas respostas nos seguintes termos:
“(…)”
A convicção do Tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência que depuseram sobre os quesitos da base instrutória, nos documentos de fls. 13 a 102, 284 a 310, 317 a 327, 334 a 364, 371 e 378 a 381 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, o que permite formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos.
A habilitação para o exercício da actividade de promoção de jogo pela 2ª Ré está comprovada pelas informações e certidão passada pela DICJ contantes de de fls. 64, 234 e 327.
A testemunha G, cônjuge da 2ª Autora deu conta a abertura das contas na sala VIP E por ele, sua mulher, o 1° Autor e a mulher deste, a forma de movimentação do depósito nessas contas, assim como as circunstâncias da transferência do depósito nessas contas para a “sala VIP YYYY” e da possibilidade da movimentação das contas no início mas a partir de certo momento, a sala rejeitou completamente o levantamento das fichas aí depositadas, enquanto a testemunhas F, mulher do 1° Autor, não soube nada mais de que foram abertas contas na sala VIP E, dizendo que todas as formalidades para a sua abertura foram tratadas pelo 1° Autor.
As testemunhas da 2ª Ré apresentaram a versão de que os depósitos demonstrados nos talões de fls.88 e 92 são fundo investido na sala VIP pelos Autores e os seus cônjuges. A testemunha K descreveram que os Autores investiram na sala VIP contra o recebimento das remunerações mensais fixas, assumindo estes também por perdas da sala VIP, tentando ainda explicar de acordo com os registos documentais de fls. 295 a 310 de que houve realmente o depósito das referidas remunerações por ele nas duas contas dos Autores, e que estes não podiam reaver o fundo por haver perdas no negócio, enquanto as testemunhas S e T afirmaram, vulgarmente, sem maiores detalhares que os Autores eram investidores da sala VIP e não jogadores de sala VIP.
Mas, sobre ao alegado acordo de investimento de valor tão elevado, não houve qualquer documento que titula o acordo com as cláusulas pormenores dos direitos e obrigações dos contraentes, os documentos de fls. 295 a 310 só ilustram a movimentação dessas contas a título de empréstimo/devolução ou depósito/levantamento, sem outras indicação, por isso, só com as declarações verbais duma testemunha é manifestamente insuficiente para convencer uma outra realidade completamente diferente do que foi inscrito nos dois documentos de fls.88 e 94.
As testemunhas J, H, XX, I, todos empregados da 1ª Ré, deram conta de que ou as comissões concedidas pela B foram entregues através da 1ª Ré à respectiva sala e não entraram na conta da 1ª Ré, ou a gestão dessa sala não foi feita pela 1ª Ré, ou as formalidades de “marker form” e a forma de confirmação da movimentação da conta da sala VIP “YYYY” são diferentes do sistema utilizado pela 1ª R, a última testemunha até disse que sob instrução do seu patrão, ela diligenciou junto do B para obteve a autorização sob o nome da 1ª Ré para a exploração da sala VIP em causa, mas, depois, entregou-a à 2ª Ré, não tendo a 1ª Ré intervindo no seu funcionamento. A testemunha K complementa que foi por relação da amizade que ela tem com o patrão da 1ª Ré é que esta “emprestar a licença de promotor e jogo” com vista a obter autorização da B para manter a exploração da sala VIP nesse casino. Todo o depoimento dessas testemunhas aponta que a sala VIP “YYYY”, não foi, na substância, explorada pela 1ª Ré, mas pela 2ª Ré. Todavia, o exercício da actividade de promoção de jogo está sujeito às exigências legais e inspeccionado pela entidade competente, o que interesse para o presente caso é qual é a entidade, legalmente, autorizada para a exploração a sala. Conforme o teor do ofício emitido por DICJ, de fls. 65, quem é, legalmente, autorizada a explorar a “sala VIPYYYY” é a 1ª Ré e não a 2ª Ré, não tendo relevância para o caso se a gestão, de facto, da respectiva sala foi dada ao terceiro pela 1ª Ré e que esta se acha irresponsável por esta gestão perante terceiro.
Considerando, no global, de todas essas provas, em comparação com o depoimento das testemunhas, os documentos são mais fiáveis das meras palavras. Assim, tomando em conta os recibos passados pela Sala VIP “YYYY” (fls. 88 a 94), os registos de movimentação dessas contas com os mesmos números pelos Autores ou essas testemunhas, alguns dos quais que remontam à data anterior à do funcionamento da Sala VIP “YYYY” (fls. 81, 82, 295 a 310), o titular da sala VIP “YYYY” (fls.65), complementado com o depoimento das testemunhas GeF, convencemos pelos factos de depósitos feitos pelos Autores, da forma de movimentação das contas, da transferência dos depósitos para a sala VIP “YYYY” e da recusa de levantamento dos valores depositados nessas contas por essa sala, respondendo, assim, aos factos da base instrutória nos termos respondidos.”
Globalmente analisada a matéria em discussão, é de realçar que, mesmo que as respostas dos quesitos sejam alteradas, existem nos autos outros factos assentes que são suficientes para sustentar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, a saber:
- Desde 2 de Setembro de 2011, a 1ª Ré obteve autorização da 3ª Ré para exploração de actividade de promoção de jogos. A 2ª Ré explora a “Sala VIP YYYY” no casino B da 1ª Ré. (alínea C) dos factos assentes)
- A “Sala VIP YYYY” trata-se de uma sala de jogos VIP explorada pela cooperação entre a 1ª e a 3ª Ré. (alínea D) dos factos assentes)
- No período compreendido entre 21 de Setembro de 2011 e 30 de Novembro de 2013, a 2ª Ré obteve autorização para exploração de actividade de promoção de jogos junto da 3ª Ré e começou a explorar a “Sala VIP E” no Casino B. (alínea E) dos factos assentes) (sublinhado nosso)
- Em 1 de Dezembro de 2013, a 2ª Ré e a 3ª Ré terminaram a relação de cooperação. Até à presente data o funcionamento da “Sala VIP E” mantém-se suspenso. (alínea F) dos factos assentes)
- Com a autorização e o consentimento da 3ª Ré, a 1ª e 2ª Ré instalaram cada qual a sua tesouraria autónoma na “Sala VIP YYYY” e na “Sala VIP E”, a fim de os seus clientes poderem depositar, trocar e levantar fichas de jogo, bem como para providenciar diversas facilidades aos mesmos. (alínea G) dos factos assentes) (sublinhado nosso)
(…)
Da Base Instrutória:
- Até 10 de Novembro de 2016, a 2ª Ré exercia a actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, outrora designada por “E Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada”, é pessoa colectiva promotora de jogos, era titular da Licença de Promotor de Jogo n.ºE314. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- O 1º Autor abriu na 2ª Ré a conta nºSS353 e F abriu a conta nºSS352. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- A 2ª Autora abriu a conta nºSS364 e G abriu a conta nºSS1013. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- Quando abriu as respectivas contas, o 1º Autor declarou expressamente à 2ª Ré que as fichas de jogo depositadas nas contas nºSS353 ou SS352 podiam ser movimentadas a qualquer momento pelo 1º Autor ou F. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- … mas o pedido tinha de ser feito pelo próprio titular da conta ou por F, mediante a exibição do respectivo documento de identificação junto da tesouraria. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- Quando abriu as respectivas contas, a 2ª Autora declarou expressamente à 2ª Ré que as fichas de jogo depositadas nas contas nºsSS364 ou SS1013 podiam ser movimentadas a qualquer momento pela 2ª Autora ou G. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- … mas o pedido tinha de ser feito pelo próprio titular da conta ou por G, mediante a exibição do respectivo documento de identificação junto da tesouraria. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- Desde a abertura das referidas contas, o 1º Autor da sua própria conta ou de F, a 2ª Autora da sua própria conta ou de G, chegaram a efectuar o levantamento de fichas de jogo em numerário ou fichas de jogo “junkets”, conforme o procedimento acima referido. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
(…)’.
Para vingar a sua posição, a Recorrente invocou essencialmente os seguintes argumentos:
“(…)
13. Começando pelo quesito 11.° da base instrutória, resultou a prova testemunhal produzida por H, I e J, todos funcionários da Recorrente há vários anos, que: (i) das várias salas que a Recorrente utilizava, a sala VIP YYYY não era uma delas e que não tinham contacto com a sala; (ii) que não tinham [A] qualquer relação com a 2a Ré e que nunca tinham destacado funcionários para aquela sala, que não partilhavam clientes; e (iii) que todas as salas VIP da Recorrente a funcionar ou já fechadas tinham que ter a designação A.
14. Já das testemunhas da 2.a Ré, K, L e M resultou que: (i) que a E [sala]começou a funcionar na B em 2011 até Dezembro de 2013 e depois passou a denominar-se YYYY; (ii) que era explorada pela YYYY; (iii) que apesar de terem deixado de a explorar como promotora de jogo no B, puderam continuar a utilizar a sala VIP YYYY através do patrão da 1.ª Ré; (iv) que nada mudou, apenas a sala VIP E passou a denominar-se YYYY, assim como o placard e, tudo o resto se manteve-se inalterado; (v) também foi explicado que trabalhavam lá funcionários da 2.a Ré e que a 1.ª Ré nunca se ingeriu na actividade da 2.º Ré.
15. A certidão emitida pela DICJ a fls. 65 dos autos, remete-se apenas para o aspecto formal da situação, não tendo o tribunal a quo atendido à realidade material dos factos.
16. Ora, tendo em conta a prova testemunhal produzida, deveria ter sido dado como provado que a "exploração" da sala VIP YYYY era realizada pela 2.a Ré e, não pela 1.ª Ré, estando assim, reunidas as condições para que o Venerando Tribunal ad quem para o qual se recorre, altere a resposta ao quesito 11.º da base instrutória, para que se dê como provado que era a que 2.a Ré explorava a Sala VIP YYYY.
17. O quesito 12.º da base instrutória versa sobre as transferências das contas dos Autores para a sala VIP 1355 e quesito 13.º da base instrutória sobre o alegado consentimento dado pelos dois Autores da transferência da totalidade dos "depósitos" da "Sala VIP E".
18. Há que fazer a seguinte ressalva, os depósitos de montantes realizados por clientes, sejam em fichas ou em numerário, são sempre feitos junto dos promotores de jogo nas suas salas VIP, e não nas salas. Ou seja, os montantes ficam sob as alçadas dos promotores de jogo. E, ou bem que os Autores, ora Recorridos concordaram que a totalidade dos montantes se mantivesse com a 2.a Ré ou foram transferidos para a 1.a Ré, sendo que a segunda operação não é exequível.
19. Da prova testemunhal produzida pela testemunha da 2.° Ré, L, resultou que a sala VIP E passou a ter outro nome [YYYY], que apenas a designação e o placard mudaram, mantendo-se tudo o resto inalterado, já a testemunha H, funcionária da Recorrente explicou que nada tinham [A] que ver com o funcionamento da sala VIP YYYY.
20. Já a testemunha dos Autores, G, afirmou que, em momento algum foi assinado qualquer documento que vinculasse a 1.ª Ré à alegada transferência de contas e saldos ou de depósitos.
21. Quanto à prova documental, o tribunal a quo baseou-se nos documentos a fls. 88 a 94 para se convencer pela transferência de contas e depósitos, mas a verdade é que inexiste nos autos qualquer prova nesse sentido e conforme certidão do processo cível com o n.º CVl-17-0007-CAO, que, ainda corre termos, a fls. 318 a 324 dos autos, acção gémea da presente, verificamos que não se deu como provado no acórdão de resposta aos quesitos, quesito 13.º da base instrutória "D e C estavam também de acordo em colocar todos os depósitos na "Sala VIP YYYY" - Não Provado.
22. Não nos podemos, pois, bastar com a prova testemunhal, porque é contrariada em toda a linha e segundo as regras de experiência comum, não é crível que se transfiram ou depositem noutra salaVIP 60 milhões de dólares de Hong Kong sem qualquer documento para protecção dos depositantes.
23. E, para que houvesse consentimento de transferência de "depósitos", teria que se provar esse consentimento, de que maneira os montantes pertencentes aos Autores foram transferidos da 2.a Ré para a 1.ª Ré, ora Recorrente, o que quedou por provar por não haver um único documento nos autos nesse sentido.
24. Entendemos, pois, que face à prova testemunhal produzida e inexistência de prova documental que suporte a transferência de contas ou prestação de consentimento, se encontram reunidas as condições para que o Venerando Tribunal ad quem, para o qual se recorre, altere a resposta ao quesito 12.º da base instrutória, para que se dê como não provado que houve transição de contas dos Autores entre salas e, relativamente ao quesito 13.º da base instrutória, que se dê como não provado ou provado que os montantes depositados pelos Autores continuaram com a 2.a Ré.
(…)”.
É de ver que a Impugnante/Recorrente, para além de estar a atacar a convicção do julgador, não cumpriu o ónus específico imposto pelo artigo 599º/2 do CPC, necessitando de invocar as provas concretas constantes dos autos que imponham necessariamente uma decisão diversa da proferida pelo Tribunal recorrido em sede de apreciação de provas.
Ora, os elementos probatórios alegados pela impugnante para tentar contrariar a decisão de matéria de facto ora posta em crise consistem nos depoimentos de testemunhas que depuseram a favor da versão defendida pela 1ª Ré, só que o Colectivo fez um exame crítico sobre todas as provas produzidas, das quais se destacam as provas documentais, principalmente as informações fornecidas pela DSIJ (fls. 234 e 235), as constantes de fls. 74 a 103 (fichas de depósitos feitos) e fls. 405 a 407 (movimentos das quantias pelo Autor na conta controlada pela 1ª Ré). Aliás, importa destacar também uma outra ideia que decorre da lógica das coisas: quer a 1ª Ré, quer a 2ª, nunca negou que os Autores têm quantias depositadas na sala VIP, mas nenhuma delas chegou a apresentar provas de que tais quantias já foram devolvidas aos Autores no momento em que a 2ª Ré cessou a sua actividade, ónus que recai sobre as Rés, perante a prova da existência dos créditos produzidas pelos Autores. Pelo contrário, os documentos de fls. 88 a 102 dos autos demonstram claramente que, durante o ano de 2015, o Autor chegou ainda a movimentar as quantias depositadas na sua conta aberta na sala VIP “YYYY” (que já pertence à 1ª Ré – fls. 65 dos autos).
Um outro aspecto invocado pela Recorrente neste ponto consiste na necessidade de distinguir entre “realidade material dos factos” e “a realidade formal dos mesmos” (no que se refere às relações entre a 1ª Ré e a 2ª Ré), só que, em vez de alegar pontos probatórios concretos capazes de contrariar a versão factual definida pelo Colectivo, veio simplesmente a “lançar dúvidas”, exemplo disto:
“(…)
22. Não nos podemos, pois, bastar com a prova testemunhal, porque é contrariada em toda a linha e segundo as regras de experiência comum, não é crível que se transfiram ou depositem noutra salaVIP 60 milhões de dólares de Hong Kong sem qualquer documento para protecção dos depositantes.
23. E, para que houvesse consentimento de transferência de "depósitos", teria que se provar esse consentimento, de que maneira os montantes pertencentes aos Autores foram transferidos da 2.a Ré para a 1.ª Ré, ora Recorrente, o que quedou por provar por não haver um único documento nos autos nesse sentido.
(…)”.
A este propósito, o distintivo Colectivo fez análise fundada nos seguintes termos:
“(…)
A testemunhaK complementa que foi por relação da amizade que ela tem com o patrão da 1ª Ré é que esta “emprestar a licença de promotor e jogo” com vista a obter autorização da B para manter a exploração da sala VIP nesse casino. Todo o depoimento dessas testemunhas aponta que a sala VIP “YYYY”, não foi, na substância, explorada pela 1ª Ré, mas pela 2ª Ré. Todavia, o exercício da actividade de promoção de jogo está sujeito às exigências legais e inspeccionado pela entidade competente, o que interesse para o presente caso é qual é a entidade, legalmente, autorizada para a exploração a sala. Conforme o teor do ofício emitido por DICJ, de fls. 65, quem é, legalmente, autorizada a explorar a “sala VIPYYYY” é a 1ª Ré e não a 2ª Ré, não tendo relevância para o caso se a gestão, de facto, da respectiva sala foi dada ao terceiro pela 1ª Ré e que esta se acha irresponsável por esta gestão perante terceiro.
Considerando, no global, de todas essas provas, em comparação com o depoimento das testemunhas, os documentos são mais fiáveis das meras palavras. Assim, tomando em conta os recibos passados pela Sala VIP “YYYY” (fls. 88 a 94), os registos de movimentação dessas contas com os mesmos números pelos Autores ou essas testemunhas, alguns dos quais que remontam à data anterior à do funcionamento da Sala VIP “YYYY” (fls. 81, 82, 295 a 310), o titular da sala VIP “YYYY” (fls.65), complementado com o depoimento das testemunhas GeF, convencemos pelos factos de depósitos feitos pelos Autores, da forma de movimentação das contas, da transferência dos depósitos para a sala VIP “YYYY” e da recusa de levantamento dos valores depositados nessas contas por essa sala, respondendo, assim, aos factos da base instrutória nos termos respondidos.”
Por outro lado, o teor do documento de fls. 65 dos autos veio a confirmar a versão factual fixada pelo Colectivo, ou seja, depois de a 2ª Ré cessar a sua actividade como promotora de jogos, os Autores continuavam a movimentar as suas quantias, conforme o teor dos documentos acima referidos, agora através das contas controladas pela 1ª Ré. Nestes termos, não merecem censura as respostas fixadas pelo Tribunal recorrido em matéria em discussão.
Pelo que, na ausência de elementos probatórios concretos, cujo ónus recai sobre a Recorrente, é de julgar improcedente a impugnação de matéria de facto, feita pela 1ª Ré/Recorrente.
*
Prosseguindo, passemos a ver a decisão do mérito.
Como esta parte do recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
I) RELATÓRIO
C, titular do Bilhete de Identidade de Residente da R.P.C. nºXXX, residente na 中国XXX; e
D, titular de passaporte da América nºXXX, residente na América, XXX, vem intentar a presente
ACÇÃO ORDINÁRIA contra
A Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada (A博彩中介一人有限公司), sociedade comercial registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.ºXXX, com sede em Macau, XXX;
E Promoção de Jogos – Sociedade Limitada (E博彩中介有限公司), sociedade comercial registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.ºXXX, com sede em Macau, XXX; e
B, S.A. (B股份有限公司), sociedade comercial registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.ºXXX, com sede em Macau, XXX.
Os Autores alegam, sucintamente, que a Sala VIP E, foi explorada pela 2ª Ré sob autorização da 3ª Ré no casino de B, em Dezembro de 2012, foram abertas contas com os n° SS353 pelo 1° Autor e n° SS364 pela 2ª Autora na respectiva Sala VIP. Em Dezembro de 2013, os Autores verificaram que a tabuleta da “Sala VIP E” tinha desaparecido, restando apenas “Sala VIP YYYY (B)”, explorada pela 1ª Ré. No entanto, os funcionários da “Sala VIP YYYY (B)” disse aos Autores que a Sala VIP E foi adquirida pela 1ª Ré e a designação foi alterada para a Sala VIP YYYY (B)”, dizendo que os depósitos deles nas contas da Sala VIP E foram transferidos para a “Sala VIP YYYY (B)” com os mesmos números. O 1° Autora tinha na conta da “Sala VIP YYYY”, o valor de HKD$58.000.000.00, de fichas de jogos à data de 4 de Março de 2015 e a 2ª Autora tinha o valor de HKD$2.000.000,00, de fichas de jogo, à data de 14 de Abril de 2015. A partir de 14 de Outubro de 2015, o 1° Autor e o representante da 2ª Autora pretenderam, por várias vezes, levantar fichas de jogo das contas acima referidas mas foram recusados. Pugnando os Autores que a 1ª Ré e 2ª Ré, na qualidade de depositário, tem a obrigação da restituição dessa quantia e tem também a 3ª Ré a obrigação solidária pela restituição, por ser esta sub-concessionária de jogo e nessa qualidade, assume a responsabilidade de indemnizar aos terceiros os danos causados pelos actos praticados pelos promotores de jogo, ora as 1ª e 2ª Ré, ao abrigo do disposto do art°29°, 30° e 30°-A do Regulamento Administrativo n°6/2002.
Pedido seguintes pretensões:
d) Condene a 1ª, 2ª e 3ª Rés a restituir, solidariamente, aos dois Autores a quantia de HKD$58.000.000,00 e HKD$2.000.000,00, respectivamente, em fichas de jogo em numerário ou igual montante em numerário;
e) Acrescidos de juros de mora, calculados à taxa legal de 9,75%, a contar da data da citação da primeira e qualquer uma das Rés, até ao pagamento integral e efectivo;
f) Condene as três Rés a efectuarem o pagamento aos Autores dos encargos processuais e de procuradoria derivados da presente acção, tudo conforme o que consta da p.i. de fls. 2 a 12.
***
Citadas todas as Rés, somente as 2ª e 3ª Rés apresentaram contestações constantes, de fls. 143 a 149 e 123 a 135 dos autos, respectivamente.
A 2ª Ré, defendeu, na contestação, com a excepção de litispendência, alegando, para o efeito, de que os cônjuges dos Autores tinham instaurado outra acção com os mesmos actos carreados e os mesmos pedidos no processo CV1-17-007-CAO, e impugnando ainda que os Autores eram sócios encapotados da 2ª Ré, e as quantias entregues a ela pelos Autores eram fundo de investimento na exploração da referida sala VIP, do qual receberam juros mensais, correspondente a 3% do capital investido, dada à crise na indústria de jogo, deixou de produzir lucro e acabou por terminar a actividade de Sala VIP, como os Autores eram sócios, eles responsabilizaram-se também pela perda do negócio, pelo que não tem obrigação de lhes restituir a quantia reclamada. Enquanto a 3ª Ré impugnou de todos os factos alegados pelos Autores, nomeadamente, pondo em causa o efectivo depósito das quantias alegadas pelos Autores.
*
Os Autores replicaram, no articulado de fls. 155 a 156 sobre a excepção deduzida pela 2ª Ré.
*
Saneados os autos no saneador, foi julgada improcedente a excepção de litispendência, e em seguida, foram seleccionados factos considerados assentes e os factos que se integram na base instrutória.
***
Realiza-se a audiência de discussão e julgamento por Tribunal Colectivo de acordo com o formalismo legal.
***
O Tribunal é competente em razão da matéria, da hierarquia e internacionalmente e o processo é próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
II) FACTOS
Dos autos resultam assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
(...)
***
III) FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
Considerando as posições tomadas pelas partes, para o conhecimento do presente litígio, importa apreciar as seguintes questões relevantes:
-Natureza Jurídica das Relações Jurídicas celebradas pelos Autores e a 2ª Ré
-Relação entre os Autores e a 1ª Ré e 2ª Ré
-Obrigação de restituição
-Responsabilidade das 1ª e 2ª Rés
-Responsabilidade da 3ª Ré
Vejamos
Natureza jurídica das relações jurídicas celebradas pelos Autores e 2ª Ré
Alegaram os Autores que abriram contas na Sala VIP explorada pelas 1ª e 2ª Rés e que nelas são depositadas fichas de jogos numerários ou fichas de jogo “junkets”. À data de Outubro de 2015, tinham na conta do 1° Autor valor de HKD$58.000.000,00 e na da 2ª Autor o valor de HKD$2.000.000,00.
A 2ª Ré defendeu que as contas abertas pelo 1° Autor e pela 2ª Autora se destinaram a receber os lucros provenientes de investimento feitos por estes na exploração da sala VIP. Como o negócio não correu bem, deixando de distribuir os lucros e terminou a actividade da sala VIP, sendo os Autores sócios da 2ª Ré, respondem pelos prejuízos da sala VIP, não tendo o direito e exigir a restituição do investimento.
Dispõe-se o art°1111° do C.C., “Depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que o guarde, e a restitua quando for exigida.”
Prevê-se, por outro lado, o art°1131° C.C., “Diz-se irregular o depósito que tem por objecto coisas fungíveis.” A este é aplicável o regime de contrato de mútuo, na medida possível. (art°1132° C.C.)
Feita a audiência de discussão e julgamento, não vem comprovado nenhum dos factos de investimento e recebimento dos lucros alegados pela 2ª Ré mas prova-se o seguinte matéria fáctica:.
No período entre 21/09/2011 e 30/11/2013, sob autorização da 3ª Ré, a 2ª Ré explorou a “Sala VIP E” no casino B e instalou a tesouraria autónoma nessa Sala VIP a fim de os seus clientes poderem depositar, trocar e levantar fichas de jogo, bem como para providenciar diversas facilidades aos mesmos (alínea E) e G) dos factos assentes)
O 1° Autor e a 2ª Autora abriram contas nessa Sala VIP com os n°s de SS353 e SS352, respectivamente. ( resposta dada ao quesito 4°)
Desde Dezembro de 2013, a 1ª Ré passa a explorar a “Sala VIP E” sob a designação de “Sala VIP YYYY”. As contas abertas pelos Autores na “Sala VIP E” foram transferidas para a “Sala VIP YYYY”, mantendo-se os mesmos números das contas e os respectivos saldos, com a concordância dos Autores. (respostas dadas aos quesitos 11° a 13°)
Quer na sala VIP E quer depois da transferência, os Autores chegaram a efectuar o levantamento de fichas de jogo em numerários ou fichas de jogo “junkets” para jogar através dessas contas. (respostas dadas aos quesitos 10° e 15°)
O 1° Autor, à data de Março de 2015, tinha na sua conta depósito acumulado de HKD$58.000.000,00 em fichas de jogos em numerário enquanto a 2ª Autora tinha depósito de HKD$2.000.000,00, à data de 14 de Abril de 2015. ( respostas dadas aos quesitos 17° e 18°)
Da factualidade acima referida se deduz que as duas contas abertas pelo 1° Autor e pela 2ª Autora serviam-se, essencialmente, para a guarda das fichas de jogo da sua pertença, permitiram-lhes levantar as fichas de jogo em numerário ou “junkets” para jogar e não, como disse a 2ª Ré, foram investimento na Sala VIP E, assim, os factos apurados enquadram-se na figura de depósito.
Sendo as fichas de jogos determinadas por qualidade e convertível, directamente, em dinheiro com equivalente valor, deverão ser consideradas coisa fungíveis, conforme a definição prevista no art°197° do C.C..
Assim, melhor ponderado o caso em apreço, as relações jurídicas entre os Autores e a 2ª Ré consubstanciam-se no conceito de depósito irregular e não de simples depósito, em que a Sala VIP E desempenhava o papel de depositário.
Relação entre os Autores e as 1ª Ré e 2ª Ré
Vem comprovado que em 1 Dezembro de 2013, a 2ª Ré e 3ª Ré terminaram a relação de cooperação, até à data, o funcionamento da “Sala VIP E” mantém-se suspenso.
Provado está que desde Dezembro de 2013, a 1ª Ré passa a explorar a “Sala VIP E” sob a designação de “Sala VIP YYYY”, com a autorização da 3ª Ré.
Mais ficou provado que as duas contas abertas pelos Autores na “Sala VIP E” foram todas transferidas para a Sala VIP YYYY (B), mantendo-se os mesmos números de conta e os respectivos saldos. Os Autores concordaram manter a totalidade do montante depositado na “Sala VIP E” na “Sala VIP YYYY (B)” e que o número de conta e a forma de utilização as mesmas não foram alteradas, os Autores podiam efectuar a qualquer momento depósito ou levantamento de fichas de jogos, na forma como era adoptada na “Sala VIP E”.
Desde então, os Autores efectuaram aposta como habitualmente na “Sala VIP YYYY (B)”, bem como levantaram fichas de jogo em numerários ou “junkets” para jogar.
Como é que qualifica essa conduta da 2ª Ré na transferir o saldo nas duas contas dos Autores na “Sala VIP E” para a “Sala VIP YYYY (B)”, com a concordância dos Autores?
Para responder, urge determinar quem é titular da “Sala VIP YYYY(B)”, se é a 2ª Ré ou 1ª Ré.
Segundo o disposto do art°23° e 24° do R.A. n°6/2002, os promotores de jogo só podem exercer actividade de promoção de jogo se estiver registado junto de uma concessionária ou sub-concessionária, através do contrato celebrado entre eles, carecendo sempre da autorização do Governo.
Portanto, quando a 2ª Ré terminou a cooperação com a 3ª Ré em Dezembro de 2013, aquela deixou de poder exercer actividade de promoção de jogo no casino explorada por esta, como consequência lógica, não podendo aquela manter a Sala VIP E e tesouraria autónoma no casino da 3ª Ré.
De acordo com os factos assentes, a Sala VIP YYYY (B) é uma sala de jogos VIP explorada pela cooperação entre a 1ª Ré e 3ª Ré, significa que quem é autorizada pela 3ª Ré e pelo Governo para explorar a Sala VIP YYYY (B) é a 1ª Ré, a 1ª Ré é titular dessa Sala VIP. (cfr. ofício do D.I.C.J. de fls. 65).
Na verdade, ficou provado que a 2ª Ré explora a referida sala no casino B da 1ª Ré. Mas, desde Dezembro de 2013, a 2ª Ré deixou de ser entidade autorizada pela sub-concessionária, não tendo habilitação para exercer actividade de promoção de jogo. Essa exploração da 2ª Ré só pode ser exploração de facto, consentida pela 1ª Ré. À míngua da relação interna entre a 1ª Ré e 2ª Ré, uma coisa é certa que a exploração da Sala VIP pela 2ª Ré não foi autorizada pela D.I.C.J.. Perante a sub-concessionária e a RAEM, a quem é autorizada a explorar a Sala VIP YYYY é e somente ela, sendo sempre ela titular da mesma, mesmo que ela deixasse ao terceiro não habilitado para exercer a actividade de promoção de jogo, ao arrepio da norma reguladora da actividade de promoção de jogo. De qualquer modo, a actividade exercida sob nome deste estabelecimento comercial é juridicamente considerada praticada pelo seu titular e é ela imputável.
Não sendo a 2ª Ré titular da Sala VIP YYYY, a transferência dos saldos das duas contas dos Autores na Sala VIP E para Sala VIP YYYY (B) implica, a entrega saldos da sua posse para outra entidade.
Prevê-se o art°1115° do C.C. que o depositário não tem o direito de usar a coisa depositada nem de a dar em depósito a outrem, se o depositante o não tiver autorizado.
A transferência dos saldos obteve concordância dos dois Autores, poderão ser considerado como subdepósito?
Cremos que não. Como se disse acima, a relação celebrada entre os Autores e a 2ª Ré é depósito irregular, a ele é aplicável o regime de mútuo.
Segundo o disposto do art°1071° do C.C., as coisas mutuadas tornam-se propriedade do mutuário pelo facto de entrega. Com a entrega das fichas de jogo à 2ª Ré pelos Autores, aquela passa a ser proprietária das mesmas, pelo que a transferência das fichas de jogo na sua posse para outra entidade não deverá ser entendida como subdepósito 4.
A situação em causa deverá ser classificada como cessão da posição contratual operada por parte do depositário.
Preceitua-se o art°418°, n° 1 do C.C., “No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, ante ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.”
Com a transferência do saldo, passarão os saldos dos Autores ser depositados na Sala VIP YYYY (B), pertencente à 1ª Ré e não à 2ª Ré.
O que ocorre, no fundo, é a modificação subjectiva das relações jurídicas primitivamente celebradas entre os Autores e a 2ª Ré, passando a 1ª Ré ser depositária dos saldos dos Autores.
A transferência da posição contratual de depositário teve o consentimento dos Autores, portanto, a cessão é validamente realizada.
Assim, as relações jurídicas de depósito irregular originalmente estabelecidas entre os Autores e a 2ª Ré passam a ser entre aqueles e a 1ª Ré.
Obrigação de restituição
Clarificada está com quem os Autores se mantêm contrato de depósito irregular, é momento para analisar a responsabilidade de cada uma das Rés.
Pretendem os Autores a restituição das fichas de jogo depositadas nas duas contas com os juros de mora.
Conforme o disposto do art°1075°, n°1, aplicável ao caso por força do art° 1132°, ambos do C.C., a obrigação de restituição vence-se 30 dias após a exigência do seu cumprimento.
Ficou provado, pelo menos, que em 14 de Outubro de 2015, o 1° Autor e a 2ª Autora, através do G, pediram à “Sala VIP YYYY (B)” o levantamento de fichas de jogo depositadas nas contas abertas, mas foram recusados por essa sala. Assim, a obrigação de restituir as fichas de jogo vence-se a partir do dia 14 de Novembro de 2015.
Ao recusar a restituição das fichas de jogo, incorreu-se a Sala VIP YYYY no incumprimento e encontra-se em mora desde 14 de Novembro de 2015, com a obrigação de indemnizar os juros vencidos e vincendos à taxa legal.
Responsabilidade das 1ª Ré e 2ª Ré
A cessão da posição contratual tem por efeito a modificação dum dos sujeitos da relação de depósito, que é o depositário. A posição de depositária ocupada pela 2ª Ré nas relações de depósito mantidas com os Autores é substituída pela 1ª Ré, o que temos é o mesmo vínculo jurídico com um dos sujeitos substituído e não dois vínculos com sujeitos diferentes.
Por isso, a 1ª Ré passará ser depositária nas relações de depósito estabelecidas pelos Autores, assumindo ela a obrigação da restituição das fichas de jogo depositadas nas contas abertas na “Sala VIP YYYY (B)”
Em relação à 2ª Ré, conforme o ensinamento do Prof. Antunes Varela, através da cessão da posição contratual, a cedente perde os direitos de créditos que dispunha e obteve, ao mesmo tempo, a libertação das obrigações a que estava adstrita perante o cedido, sem prejuízo de convenção das partes.5
Assim, na ausência de convenção em particular, com a cessão válida da posição contratual, fica a 2ª Ré libertada das obrigações que tinha perante os Autores e passa a cessionária, ou seja, a 1ª Ré a cumprir essas obrigações em lugar da 2ª Ré.
Pelo que somente a 1ª Ré tem a obrigação de restituir aos Autores os saldos depositadas nas duas contas na Sala VIP YYYY”
Responsabilidade da 3ª Ré
Pugnam os Autores que a 3ª Ré tem igualmente a responsabilidade de lhe indemnizar o montante reclamado por força do disposto do art°29° , 30° e 30°-A do Regulamento Administrativo n°6/2002.
Estatui-se o art°29° do R.A. n°6/2002 “As concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normais legais e regulamentares aplicáveis.”
Defende a 3ª Ré que as concessionárias não são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo por qualquer obrigação assumidas por estes. O âmbito de aplicação dessa norma deverá restringir-se à actividade tipicamente desenvolvidas pelos promotores de jogo no casino e não a todos aos actos praticados pelos mesmos.
Importa determinar qual será a boa interpretação do normativo em crise.
Dispõe-se o art°8°, n° 1do C.C., “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
Da letra da lei, refere-se apenas “pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administradores…..”, não havendo qualquer limitação do âmbito da actividade explorada pelo promotor de jogo.
Aliás, conforme o disposto do art°1 do referido regulamento administrativo, este tem por âmbito a regulamentação das condições do acesso ao exercício da actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino, isto é, as qualificações dos promotores de jogo e, as obrigações a assumir pelos promotores de jogo.
Entende-se por actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino a actividade que visa promover jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, junto de jogadores, através da atribuição de facilidades, nomeadamente de transporte, alojamento, alimentação e entretenimento, em contrapartida de um comissão ou outra remuneração paga por uma concessionária. (art°2 ° do RA)
Como é consabido, a actividade de promoção de jogo é componente essencial na ecologia de jogo de RAEM, a principal função dos promotores de jogo é angariar clientes para jogar nos casinos duma concessionária, sendo uma das condições do acesso ao exercício da actividade de promoção de jogo o registo junto de uma das concessionárias.
A exploração da actividade de promoção de jogo está condicionada com a autorização das concessionárias ou subconcessionárias. Razão pela qual as concessionárias têm que apresentar uma lista dos promotores de jogo que vão operar no seu casino ao D.I.C.J por cada ano. (art°23°, n°5 da Lei n°16/2001)
Porquê o nosso legislador impende sobre as concessionárias o dever de fiscalização da actividade de promotores de jogo e exige-lhes a responsabilizar solidariamente por actividade desenvolvida por estes no casino.
Parece ser pacífico que não existe entre os promotores de jogo e concessionárias uma relação de dependência, a actividade de promoção de jogo prestada pelos promotores de jogo não está sujeita às ordens ou instruções das concessionárias. A relação entre elas não é considerada como comitente e comissário.
Sendo certo que a actividade prestada pelos promotores de jogo é em benefício das concessionárias, pois todas as facilidades prestadas pelos promotores de jogo aos clientes/jogadores têm o único fim de estes jogarem no casino das concessionárias, a partir daí estas poderão obter lucros.
As concessionárias gozam do direito exclusivo de explorar os casinos, os seus proveitos principais provém dos jogadores que façam apostas de jogo e azar nos seus casinos. A procura dos jogadores a jogar no casino é relevante para que as concessionárias obtenham lucros da exploração de jogo.
O legislador não ignora o papel desempenhado pelos promotores de jogo na exploração de jogo de fortuna ou azar, assim, no momento da regulamentação do regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino prevista pela Lei n° 16/2001, tem previsto a figura dos promotores de jogo no seu art°2, permitindo às concessionárias, em vez de angariar por si próprias os clientes para jogar, a serem colaborados por terceiros, por escolha sua. Os promotores de jogo são, sob essa perspectiva, colaboradores ou auxiliares das concessionárias. É justamente por essa relação especial entre as concessionárias e promotores de jogo, o legislador exige àquelas a responsabilidade solidária pelas actividades desenvolvidas no casino pelos dos promotores jogos.
Julgamos essa opção legislativa baseia-se na ideia semelhante da responsabilidade objectiva.
As concessionárias beneficiam directamente das actividades promovidas pelos promotores de jogo, quanto mais sejam os jogadores, maior lucro possa obter. Tirando proveito das actividades de promoção de jogo, fará todo o sentido que arcar a concessionária a responsabilidade derivada da actividade desenvolvida pelos promotores e jogo.
No entanto, sendo o R.A. n° 6/2002 um diploma especificamente reger o acesso ao exercício, o licenciamento dos promotores de jogo e as obrigações dos promotores de jogo, cremos ser mais coerente e conforme com a finalidade do regulamento que a expressão “actividade desenvolvida no casino” a que se refere o art°29° não terá um sentido tão abrangente que abarca toda e qualquer actividade praticada pelos promotores de jogo.
Mas, não se acha certo o entendimento pugnado pela 3ª Ré que limita a responsabilidade das concessionárias às actividades típicas da promoção de jogo.
Como se resulta do disposto do art°2 do R.A. n°6/2002, considera-se de promoção de jogos de fortuna ou azar, as actividades que visam promover jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, não havendo uma definição determinada quais são essas actividades, as actividades referidas nesse artigo são enumerações exemplificativas e não taxativas. Se o legislador não deu uma definição precisa das actividades típicas da promoção de jogo, por consequência, quanto fala da actividade desenvolvida no casino pelos promotores de jogo no art°29°, não poderia pensar em restringir o seu âmbito às actividades típicas de promoção de jogo.
As actividades a que se refere o art°29°, como sendo actividades desenvolvidas no casino pelos promotores de jogo ou os seus auxiliares, tendo em conta que a função desempenhada pelos promotores de jogo na exploração de jogo, deverão ser entendidas actividades destinadas à promoção de jogo ou com conexão com a promoção de jogo.
Posto isso, é momento para analisar se a matéria apurada no presente caso concreto se enquadra nos pressupostos normativos acima referidos.
Entendemos que entre os Autores e a 1ª Ré existem contratos de depósito irregular, em que a 1ª Ré assume a qualidade de depositário.
A promoção de jogo é, no fundo, através do fornecimento das facilidades, de transporte, alojamento, alimentação e entretenimento, com o fim de angariar os jogadores a jogar em casino.
Aliás, não é menos verdade que a 1ª Ré, como entidade autónoma, poderá praticar negócio jurídico com quem quer que seja. Nem se diga que todas as actividades praticadas por esta constituir actividade de promoção de jogo.
Quando o promotor fornecer transporte, alojamento, alimento aos jogadores, atraindo-os para virem jogar nos casinos das concessionárias, não temos dúvidas de que essas actividades fazem parte da promoção de jogo. Mas se o mesmo promotor, por outras finalidades, fornecer os mesmos serviços ao seu cliente, essas actividades já não poderão ser entendidas como de promoção de jogo.
Por esse raciocínio, não é qualquer indivíduo, seja ou não jogador, que faz algum depósito na sala VIP dum casino torna-se automaticamente esse acto como actividade de promoção de jogo.
Para concluirmos que estamos perante actividade de promoção de jogo, é necessário indagar em que circunstância é que o agente proceder ao depósito.
No caso sub judice, cremos que existem elementos fácticos para concluir que os depósitos feitos pelos Autores têm conexão com a promoção de jogo.
A instalação da “Sala VIP YYYY” e da tesouraria autónoma nessa sala foi autorizada e consentida pela 3ª Ré, tendo por finalidade de os seus clientes poderem depositar, trocar e levantar fichas de jogo, bem como para providenciar diversas facilidades aos mesmos.
Desde a transferência do saldo para as contas da “Sala VIP YYYY” em Dezembro de 2013, os Autores levantaram fichas de jogo em numerário ou “junket” para jogo, concretamente, em meados de Abril de 2015, 1° Autora e o marido da 2ª Autora chegaram a levantar fichas de jogo no valor não superior a HKD$500.000,00 através das duas contas abertas na “Sala VIP YYYY (B) para jogar na referida Sala VIP.
Sem sombras de dúvidas, apostar/ jogar no casino é a actividade típica do promotor de jogo, e que seja actividade principal, se não única, que interessam as concessionárias ou subconcessionárias.
Logo, esses depósitos feitos pelos Autores nas contas abertas na “Sala VIP YYYY” têm ligação com a actividade de jogo.
Pelo que, por força do disposto do art°29° do R.A. n°6/2002, a 3ª Ré na qualidade de sub-concessionária, responsabiliza-se por essa actividade praticada pelos seus promotores de jogo, assumindo, em solidariedade com a 1ª Ré, pela restituição das fichas de jogo depositadas nas duas contas abertas na “Sala VIP YYYY” aos Autores.
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Nestes termos, julgam-se procedentes os pedidos dos Autores em relação à 1ª e 3ª Ré e improcedente em relação à 2ª Ré.
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IV) DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção, em consequência, decide:
- Absolver a 2ª Ré E Promoção de Jogos – Sociedade Limitada do pedido formulado pelos Autores;
- Condenar a 1ª Ré A Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada e a 3ª Ré B, S.A pagar, em solidariedade, ao AutorC a quantia de HKD$58.000.000,00 (cinquenta e oito milhões Hong Kong dólares) e a D,HKD$2.000.000,00 (dois milhões Hong Kong dólares), acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data de 14 de Novembro de 2015.
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Custas pelos Autores e 1ª e 3ª Rés na proporção do seu decaimento em 5% e 95%.
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Registe e Notifique.
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Resulta-se dos autos e das provas testemunhais indícios de que 1ª Ré deixa a 2ª Ré exercer actividade de promoção de jogo na “Sala VIP YYYY(B)”, inobservando as regras que regulamentam a actividade de promoção de jogo e a concessão de crédito para jogo, indiciando, eventualmente, ilicitudes administrativas e criminais, assim, extraia certidão da sentença e remeta-as ao D.I.C.J. e ao M°P° para os devidos efeitos.
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據上論結,本院裁定訴訟理由部分成立,裁決如下:
- 裁定原告C及D針對第二被告E博彩中介有限公司提出的訴訟請求不能成立,並開釋此名被告;
- 判處第一被告A博彩中介一人有限公司及第三被告B股份有限公司以連帶責任方式向原告C及D支付HKD$58,000,000元(港幣伍仟捌佰萬圓)及HKD$2,000,000元(港幣貳佰萬圓),附加自二O一五年十一月十四日起計以法定利率計算的遲延利息。
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訴訟費用由原告及第一及第三被告按敗訴比例由前者負擔5%及後兩者負擔95%。
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卷宗事實及證人證言顯示第一被告讓第二被告在“YYYY貴賓廳”進行博彩中介人業務,此行為有違規管博彩中介人業務及為賭博的借貸的法規,有可能構成行政及刑事不法行為,為適當的效力,提取判決證明書移送博彩監察協調局及檢察院。
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依法作出通知及登錄本判決。
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Ora, como os factos fixados pelo Tribunal recorrido não foram alterados, e, todas as questões suscitadas pelas partes no processo já foram objecto de análise por parte do Tribunal a quo, com os argumentos acima integralmente reproduzidos, que subscrevemos e sufragamos as posições assumidas.
Nestes termos, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual é de manter a sentença recorrida, salvo os seguintes pontos:
1) – Relativamente ao recurso interposto pela B no que se rerefe à data em que se iniciou a contagem dos juros (a sentença fixou a data de 14/11/2015), cremos que se trata de um lapso, porque esta data não é mencionada em nenhum dos factos assentes (há uma data referida que foi em 14/10/2015), acresce ainda o factor de que os Autores pediram que os juros se vencem a partir da citação, obviamente é esta data que deve valer para este efeito. Assim, rectifica-se esta parte da sentença recorrida, dando provimento ao recurso interposto pela B.
2) – Relativamente à 2ª questão levantada pela B no que se refere ao fundamento legal da sua responsabilidade, o Tribunal recorrido já procedeu a uma análise exaustiva sobre esta matéria, cujos argumentos são reproduzidos aqui integralmente para servir de base de fundamentos deste aresto, motivo pelo qual é de manter a decisão recorrida.
Concluindo, pelo expendido, julga-se improcedente o recurso interposto pela 1ª Ré e parcialmente procedente o recurso interposto pela 3ª Ré/B.
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Síntese conclusiva:
I – A ratio legis das normas do artigo 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril, e da al. 5) do artigo 30º do mesmo Regulamento, visa impôr às concessionárias de jogo um dever especial de controlar todas as actividades desenvolvidas nos seus casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, visto que as concessionárias são beneficiárias últimas destas actividades, razão pela qual o legislador fala de “fiscalizar a actividade dos promotores de jogo, nomeadamente quanto ao cumprimento das suas obrigações legais, regulamentares e contratuais”.
II – Provando-se que a promotora aceitou o depósito de dinheiro na conta aberta na sua sala VIP (casino), mas não devolveu a quantia depositada, quando foi interpela pelo seu depositante, e, a concessionária vem a ser demandada conjuntamente com a promotora de jogo, a concessionária é responsável solidária, porque não cumpriu o seu dever de fiscalização, pelos prejuízos decorrentes daquela actividade, nos termos do artigo 29º do citado Regulamento Administrativo, salvo se a concessionária provasse que fazia tudo para cumprir o seu dever de fiscalização, mas não conseguiu evitar o resultado danoso sem culpa sua.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso interposto pela 1ª Ré, parcialmente procedente o recurso interposto pela 3ª Ré/B, mantendo-se a sentença recorrida, salvo as alterações abaixo indicadas:
- “Condenar a 1ª Ré A Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada e a 3ª Ré B, S.A pagar, em solidariedade, ao AutorC a quantia de HKD$58.000.000,00 (cinquenta e oito milhões Hong Kong dólares) e a D,HKD$2.000.000,00 (dois milhões Hong Kong dólares), acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar da data da citação das Rés (data da primeira citada).
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Ordena-se o desentranhamento do documento (fls. 500 e seguintes), cuja junção foi pedida pela 1ª Ré/Recorrente em sede deste recurso, com custas incidentais a cargo da mesma, que se fixa em 2 UCs.
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Mantém-se o demais decidido.
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Custas pelas Recorrentes, sendo 2/3 a cargo da 1ª Ré e 1/3 a cargo da 3ª Ré.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 24 de Fevereiro de 2022.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Vencido nos termos do projecto do Acórdão por mim apresentado à conferência.
Lai Kin Hong
1 Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. II., pg. 842
2 Antunes Varela, in Obrigações em Geral, 5ª edição, vol. II, pg. 400
3 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
4 Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. II., pg. 842
5 Antunes Varela, in Obrigações em Geral, 5ª edição, vol. II, pg. 400
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