Processo nº 884/2021
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Fiscal)
Data do Acórdão: 17 de Fevereiro de 2022
ASSUNTO:
- Imposto Complementar de Rendimentos
- Poder discricionário/vinculado
- Isenção
- Dupla tributação
SUMÁRIO:
- A qualificação do poder segundo o qual a Administração actua como discricionário ou vinculado resulta dos termos em que a legislação aplicável o configura e não de prova a produzir nos autos;
- Consagrando o nº 2 do artº 28º da Lei nº 16/2001 que a Administração apenas às concessionárias pode conceder isenção de imposto complementar de rendimentos, este poder é discricionário quanto às concessionárias mas vinculado quanto a outros sujeitos aos quais a lei não autoriza que seja concedida isenção;
- A apreciação da eventual violação dos princípios da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade apenas é possível quando está em causa o exercício de um poder discricionário e não quando a administração actua no exercício de um poder vinculado;
- O facto dos mesmos rendimentos estarem sujeitos a impostos distintos, resulta de uma opção política em função da natureza ou proveniência da matéria colectável, não resultando desta dupla tributação qualquer ilegalidade que afecte o acto.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 884/2021
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Fiscal)
Data: 17 de Fevereiro de 2022
Recorrente: A Limited
Recorrida: Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A Limited, com os demais sinais dos autos,
vem interpor recurso contencioso da Deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos de 2 de Abril de 2020 que rejeitou a reclamação da agora Recorrente, mantendo o rendimento colectável desta para o ano de 2017 no montante de MOP121.443.808,001 e aplicou o agravamento a título de custas de 0.01% sobre a colecta, contra
Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças.
Foi proferida sentença na qual foi julgado improcedente o recurso contencioso e mantido o acto recorrido.
Não se conformando com a sentença proferida veio a Recorrente interpor o presente recurso, concluindo que:
1. A Recorrente aceitou para efeitos de confissão da entidade recorrida que foi proferido um despacho do Sr. Director dos Serviços de Finanças através do qual “foi sancionado o entendimento mediante o qual as remunerações [...] não deverão ser tributadas em qualquer sede de imposto da RAEM, porquanto terão as mesmas sido colectadas a montante do acto de pagamento pela prestação de serviços e ocupação e uso de espaços.”.
2. A sentença recorrida violou as disposições conjugadas do artigo 76º do CPAC e 562º/3 do CPC por não ter especificado nos factos provados, aqueles que ficaram provados por documentos e que resultaram de confissão reduzida a escrito.
3. No mínimo, deveria ter ficado consignado na sentença recorrida que em casos semelhantes, anteriormente, a Recorrida teve um entendimento em relação à matéria em causa nos presentes autos que é favorável à pretensão da Recorrente, através da confissão que:
a. as remunerações não devem ser tributadas em qualquer sede de imposto;
b. Com base na fundamentação: “foram colectadas a montante do acto de pagamento pela prestação de serviços e ocupação e uso de espaços.”.
c. Os serviços da Recorrida tratam os casos dos contribuintes de maneira diferente - ou seja, existe alguma margem de discricionaridade.
4. Estes factos são essenciais para a procedência dos argumentos avançados pela Recorrente, nomeadamente de que a invocação do princípio da legalidade esconde alguma margem de discricionaridade ou de interpretação que a Recorrida exerce em relação a outros contribuintes.
5. Os artigos 76º do CP AC e 562º/3 do CPC devem ser interpretados no sentido de que na sentença devem ser mencionados todos os factos com interesse para a causa que que tenham sido admitidos por acordo das partes, provados por documentos, por confissão reduzida a escrito e os restantes factos tribunal deu como provados.
6. Nas suas alegações facultativas, a Recorrente alegou “factos supervenientes” em virtude dos factos alegados pela própria Recorria nas suas contra-alegações e da junção por esta de um documento.
7. Nessas alegações facultativas, a Recorrida acrescentou, entre outras, as Conclusões H).
8. Ora, desde o início do processo instrutor, a entidade recorrida defendeu o entendimento que não tem margem de discricionaridade, bem como que a decisão de não tributação dos rendimentos provenientes do contrato de serviços com a concessionária de jogo B não foi sua.
9. Porém, o que se verifica é que existe um Despacho do Director da Recorrida a corroborar a posição defendida pela Recorrente mas que esse despacho não se encontra no Processo Administrativo.
10. Após proferido o acto administrativo, não pode a Administração modificar, alterar ou corrigir a sua fundamentação, muito menos já em sede de contra-alegações do recurso contencioso.
11. A fundamentação do acto administrativo deverá ser bastante para que se compreendam todos os fundamentos de facto e de direito do acto.
12. As quatro funções do dever de fundamentar os actos administrativos são: (1) a Defesa do particular; (2) o Controlo da Administração; (3) a Pacificação das relações entre a Administração e os particulares - posto que estes últimos tendem a aceitar melhor as decisões que lhes sejam desfavoráveis se as correspondentes razões lhes forem comunicadas de forma completa, clara e coerente; e (4) a Clarificação e prova dos factos sobre os quais assenta a decisão.
13. O objectivo essencial e imediato da fundamentação é, portanto, esclarecer concretamente a motivação do ato, permitindo a reconsiituição do iter cognoscitivo que levou à adoção de um ato com determinado conteúdo.
14. Donde decorre que a douta sentença recorrida não deveria aceitar a “nova fundamentação” do acto, por se ter esgotado essa opção. A legalidade do acto administrativo tem que ser aferida à luz dos fundamentos que dele constam expressamente e não sobre conjecturas que o Tribunal possa aventar ou com base em fundamentos que não foram tidos em conta pela Administração Tributária e que não são contemporâneos do acto.
15. A douta sentença recorrida deveria ter conhecido este vício invocado pela Recorrente nas suas alegações facultativas, aceitando-as como supervenientes.
16. Durante o procedimento, designadamente desde a fase da instrução, a Recorrente sempre pediu que fosse atendida a sua situação especial face à existência de casos decididos anteriormente pela Administração que concederam isenção fiscal de Imposto Complementar à Recorrente (até ao ano 2008) e a sociedades concorrentes da Recorrente (até ao presente).
17. Invocou, entre outros argumentos, que a situação jurídica se manteve, que houve violação do princípio da igualdade, que a decisão não estava fundamentada.
18. Só com a sua Contestação, a Recorrida não só veio confessar ter decidido casos semelhantes da forma que a Recorrente pretende, como vem confessar que a decisão partiu do próprio Director da Recorrente, e não do Exmo. Senhor Chefe do Executivo.
19. Os documentos juntos com a sua Contestação vieram revelar que na verdade, a questão já teria sido resolvida anteriormente, de forma que seria favorável à Recorrente.
20. O acto recorrido padece do vício de omissão de pronúncia, por não ter decidido sobre a matéria da reclamação com base na hipotética nãodiscricionaridade do acto e sua vinculação ao princípio da legalidade,
21. O que veio a ser contraditado pela junção de novo documento, no qual a Recorrida confessa poder decidir de outra forma, que seria mais favorável à Recorrente.
22. A douta sentença recorrida deveria ter aceite a matéria como superveniente, bem como deveria ter-se pronunciado sobre esta questão.
23. Os pressupostos mencionados na decisão recorrida e que foram absorvidos pela sentença - designadamente os parágrafos 1, 2, 3, 4 e 15 do acto recorrido - não sofreram qualquer alteração entre 29 de Julho de 2019 (data da apresentação da declaração do Imposto de Complementar de Rendimentos) e 2 de Abril de 2020 (data da nova fixação de rendimento colectável pela Recorrida),
24. E esses parágrafos não explicam minimamente quais foram as operações matemáticas, financeiras ou outras que levaram à alteração do montante do lucro tributável de MOP8,079,175.00 declarado pela Recorrente para MOP$121,443,808.00 fixado pela Recorrida
25. Além disso, o parágrafo 15 do acto recorrido é meramente conclusivo e despido de conteúdo quando desacompanhado dos parágrafos precedentes.
26. O segmento decisório: “É certo que a Administração Fiscal não se limitou a dizer o que é essencial, fazendo apelo a outras considerações na sua resposta negativa à reclamação - nos artigos 7, 8, 9 e 10. Todavia, ainda que se considerasse que em relação a esses fundamentos a administração fiscal não justificou de forma suficiente e esclarecida, nem por isso a consequência seria a anulação do acto pelo vício da falta de fundamentação”, aceita parcialmente os fundamentos do acto recorrido,
27. Mas fá-lo através da escolha cirúrgica de parte da fundamentação, eliminando outros pontos da mesma, ficando o parágrafo 15 órfão de conteúdo.
28. O que determina que seja esvaziado o conhecimento do iter cognoscitivo que conduziu ao acto recorrido.
29. No caso dos autos, o vício apontado à fundamentação do acto era que esta é contraditória.
30. Quando a fundamentação é contraditória não pode ser o Tribunal a escolher quais os termos da fundamentação que acha preferíveis para salvar o acto - A fundamentação do acto deveria ser bastante para resolver este conflito.
31. A correcção à base de tributação efectuada pela Recorrida tem subjacente determinada fundamentação, que conduziu à qualificação da operação tributária para efeitos de Imposto Complementar de Rendimentos, e com base na qual, a ora Recorrente exerceu a sua defesa, e que alicerçaram a delimitação do acervo probatório que despoletou a decisão judicial, subjazendo, pois à decisão recorrida a imposição de fundamentação dos actos plasmada no art. 114º e 115º do Código do Procedimento Administrativo e no artigo 41º/1 do RICR, princípio da vinculação temática e o direito à prova.
32. Se não é lícito à Recorrida, em momento posterior, tentar colmatar um lapso, erro de procedimento, ou erro de interpretação, alterando a conclusão a que chegou e cuja decisão já produziu efeitos na esfera de actuação do sujeito passivo, e com base na qual, exerceu a sua defesa - por maioria de razão também ao tribunal será vedado corrigir as deficiências do acto.
33. Decorre inequivocamente da fundamentação do acto tributário em sindicância que a A.T. qualifica o contrato celebrado entre a Recorrente e a B “como situações diferentes” da de outros contribuintes, mais ali se dizendo que o acto é vinculado, pese embora haver nos autos prova de que a decisão da A.T. é diferente para outros casos.
34. Praticado um acto com determinada fundamentação, a apreciação contenciosa da sua legalidade tem de se fazer em face dessa mesma fundamentação.
35. Os factos e fundamentos de direito enunciados no na Deliberação da Comissão de Revisão são contraditórios entre si e não cabe ao Tribunal escolher ou optar pelo fundamento que mais lhe convém. Esse papel pertence inevitavelmente ao autor do acto. É a ele e apenas a ele quem cabe apresentar todos os fundamentos que subjazem à prática do acto.
36. Os fundamentos de facto e de direito invocados pela A.T. não apontam de forma congruente no sentido de que a decisão constitui uma decisão lógica e necessária dos motivos invocados como justificação.
37. O artigo 21º do CICR quando dispõe que «Consideram-se custos ou perdas imputáveis ao exercício os que tiverem de ser suportados para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos e para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: […] f) Encargos fiscais e parafiscais a que estiver sujeito o contribuinte, sem prejuízo do disposto na alínea b) do artigo 29.º.», é um afloramento do princípio da proibição da dupla tributação, aplicável à Recorrente.
38. A questão que se coloca nos autos é que a Recorrente não pagou, por si, o Imposto Especial sobre o Jogo, quem o fez foi a sua parceira de negócios - a B.
39. Ora, no âmbito do contrato de prestação de serviços e de cedência de espaços, a retribuição da Recorrente seria uma percentagem calculada sobre o rendimento líquido anual proveniente de actividades de jogo.
40. Ou seja, do rendimento do jogo obtido pela B uma parcela é entregue directamente à RAEM a título de imposto sobre o jogo, o remanescente é dividido entre B e Recorrente.
41. Supondo que a actividade que a Recorrente desenvolve fosse executada só e directamente pela Concessionária, a mesma actividade estaria sem qualquer dúvida isenta do pagamento de imposto complementar.
42. Mas pelo facto de a Recorrida desenvolver esta actividade em colaboração com a Concessionária em regime de sua associada - a sociedade Reclamante terá um prejuízo patrimonial correspondente a um esforço fiscal injusto, injustificado e inesperado para a Administração Fiscal- pois conforme se disse, caso a B não recorresse a prestadores de serviços externos e desenvolvesse a actividade por si própria estaria isenta do imposto complementar.
43. A invocação do princípio da legalidade tem apenas por função esconder que na realidade a fundamentação por trás do acto praticado foi que a Recorrente tem mesmo um tratamento diferente do prestado pela Recorrida às empresas suas concorrentes.
44. Através do Despacho do Chefe do Executivo n.º 333/2007, foi concedida à B a isenção do pagamento do imposto complementar de rendimentos, “relativamente aos lucros gerados pela exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino”.
45. A Direcção de Serviços de Finanças reconhece a outras sociedades nas mesmas circunstâncias da Recorrente que o seu rendimento “relacionado com o jogo não está sujeito a imposto complementar durante o termo efectivo do Contrato de Serviços, dado que os honorários recebidos no âmbito do Contrato de Serviços derivam do rendimento do jogo da B, que se encontra isento nos termos do disposto no no. 2 do artigo 28º da Lei 16/2001 e da isenção concedida pelo despacho no 30/2004 de 23 de Fevereiro de 2004 e depois pelo despacho no 378/2011.”
46. Além disso, a Direcção dos Serviços de Finanças confirmaram que “o rendimento relacionado com o jogo a respeito de salas VIP não está sujeito a imposto complementar dado que os impostos são pagos directamente pela B. A B paga imposto especial sobre o jogo, taxas especiais e prémios sobre o jogo ao Governo de Macau através da sua parte do rendimento bruto gerado pelos Casinos.”
47. Desde que a recorrente iniciou a sua actividade nos termos do contrato com a B não houve qualquer alteração legislativa no âmbito do imposto complementar de rendimentos aprovado pela Lei n.º 21/78/M, e cuja última alteração data de 1 de Outubro de 2003 (Lei nº 12/2003)
48. O regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino tem como objectivos, em especial, assegurar que o interesse da Região Administrativa Especial de Macau na percepção de impostos resultantes do funcionamento dos casinos é devidamente protegido.
49. Supondo que a actividade que a Recorrente desenvolve fosse executada só e directamente pela Concessionária, a mesma actividade estaria sem qualquer dúvida isenta do pagamento de imposto complementar.
50. O acto em crise é ilegal porque obriga a Recorrente a repercutir as perdas com o Imposto Complementar na sua cliente Concessionária - nos termos do contrato de prestação de serviços - o que vai contra o espírito da isenção concedida por S. Exa. Chefe do Executivo.
51. Tem sido prática corrente e entendimento pacífico ao longo dos anos que a totalidade dos rendimentos (sobre as receitas brutas) sobre os quais é calculado o honorário da Reclamante foram já sujeitos a tributação (especial sobre o jogo).
52. O acto em crise viola o artigo 28º da Lei 16/2001, o Despacho do Chefe do Executivo 333/2001, os Princípios da Igualdade, da Proporcionalidade, da Justiça e da Imparcialidade, bem como os artigos 2º e 3º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
53. O acto recorrido viola ainda os princípios da justiça tributária e da proporcionalidade, bem como os princípios da legalidade, da equidade e da boa-fé.
54. Quando o mesmo facto tributário é base de incidência de tributos diferentes, existe dupla tributação.
55. Diz-se que o imposto especial sobre o jogo incide sobre as receitas brutas de exploração de jogo e que o imposto complementar incide sobre o rendimento global auferido.
56. O rendimento global das pessoas colectivas é o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial e calculado nos termos deste regulamento e no caso de o rendimento de uma pessoa colectiva resultar da exploração do jogo, pode dizer-se que esse rendimento são as “receitas brutas da exploração do jogo”
57. A adopção de fundamentos obscuros, contraditórios ou insuficientes que não esclareçam concretamente a motivação do acto equivale à falta de fundamentação.
58. O acto é anulável por vício de forma por falta de fundamentação e omissão de pronúncia.
59. O acto em crise padece do vício de violação de lei, por violação dos princípios da justiça e igualdade tributária e da imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade e das normas dos artigos 2º, 3º, 19º da Lei no. 21/78/M e artigo 27º da Lei 16/200l.
Admitido o recurso foi a entidade Recorrida notificada para os termos do mesmo, vindo esta apresentar as suas contra-alegações, concluindo que:
1. O presente recurso tem por objecto a douta sentença de fls. 213 a 221 dos autos, a qual julgou totalmente improcedente o recurso apresentado pela recorrente na sequência da deliberação da CRIC que negou provimento a reclamação relativa à fixação do seu rendimento colectável do exercício de 2017 em sede de Imposto Complementar de Rendimentos.
2. A recorrente fundamenta o seu recurso no vício de violação de lei da sentença recorrida, por falta de especificação dos factos provados, violação do dever de fundamentação e errada interpretação do conceito de proibição da dupla tributação, insistindo ainda nos erros sobre os pressupostos de facto e de direito do acto administrativo recorrido e não devidamente apreciados pela sentença em crise.
3. Alega ainda o tratamento discriminatório da recorrente em relação às suas congéneres comerciais, sendo que, tudo somado, deveria dar lugar à revogação e substituição da sentença recorrida, proferindo-se “outra que anule o acto administrativo recorrido”.
4. O Tribunal a quo não atendeu aos “novos” fundamentos invocados pela recorrente em sede de alegações facultativas, que se consubstancia num despacho proferido pelo Director dos Serviços de Finanças em que a posição da recorrida era alegadamente coincidente com a que a recorrente tem defendido.
5. Com efeito, o seu pedido de ampliação objectiva da instância feito nas alegações facultativas, onde acrescentou novos fundamentos invalidantes do acto resultantes de um suposto conhecimento superveniente de um despacho do Sr. Director da DSF, não era de conhecimento superveniente, violando pois o n.º 3 do artigo 68.º do C.P.A.C.
6. Desatendidos os fundamentos invocados pela recorrente em sede de alegações facultativas, não existe qualquer violação da lei processual, quer quanto aos factos provados, quer quanto à inadmissibilidade de novos fundamentos do recurso.
7. O acto administrativo recorrido encontra-se devidamente fundamentado dado que da deliberação da CRIC constam as razões de facto e de direito da tributação dos rendimentos da recorrente, tudo em obediência ao artigo 115.º do CPA.
8. A exigência de fundamentação visa efectivamente permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação.
9. A ora recorrente, após ter sido notificada da fixação, apresentou reclamação, (e até o presente recurso) daquele acto em moldes tais que dúvidas não restam quanto à clareza dos fundamentos para tributação das actividades em sede de imposto de complementar de rendimentos.
10. No entanto, a discordância do particular com os fundamentos não significa que haja violação do dever de fundamentação. De facto, o que o dever de fundamentação do acto administrativo exige é que a Administração baseie a sua decisão num discurso lógico-formal, sem contradições nem ambiguidades independentemente da veracidade dos fundamentos.
11. Do circunstancialismo assente, a Administração Tributária esclareceu o contribuinte do itinerário cognoscitivo e valorativo, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a tributação.
12. Segundo a recorrente, a sentença encontra-se viciada por não ter apreciado devidamente o erro nos pressupostos de facto e de direito, desconsiderando o tratamento discriminatório da recorrente em relação aos seus concorrentes comerciais, violando por isso os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
13. Tratamento discriminatório por não ter um regime fiscal idêntico ao das suas concorrentes, em idênticas posições contratuais de associação em participação com a B, pelo que deveria beneficiar da isenção fiscal que a Administração Fiscal já tinha concedido a favor das outras que se encontram em situação idêntica.
14. A recorrente poderia ter impugnado os pressupostos legais do acto, dizendo que aquele pressuposto de incidência não se verificou no caso, ou demonstrar, não obstante a verificação do pressuposto, ser beneficiária da isenção fiscal legalmente concedida, mas a verdade é que continua a não invocar a seu favor nenhuma norma fiscal respeitante à previsão da isenção fiscal.
15. O regime da Lei nº 16/2001 prevê expressamente duas situações em que é possível o enquadramento de isenção fiscal relativo ao Imposto Complementar de Rendimentos: o artigo 28º, que se refere às concessionárias, e o artigo 29º, que se refere aos promotores de jogo.
16. Defende a recorrente que os seus rendimentos não se enquadram em nenhuma das situações uma vez que os rendimentos não são seus nem podiam ser porque decorrem directamente do exercício da actividade concessionada: são rendimentos da B que por eles deve o devido imposto mas que do respectivo pagamento fica isenta.
17. Tudo depende da avaliação que a DICJ, no exercício das suas competências exclusivas, faz das circunstâncias materiais que rodeiam cada caso, sendo que a Administração Fiscal apenas faz reflectir, como consequência, a decisão da DICJ na fixação ou revisão da matéria colectável desses contribuintes. O acto de fixação da matéria colectável e a sua posterior revisão, quando esta exista, é, nestes casos, um acto vinculado da Administração Fiscal ao acto que lhe é prévio, no âmbito da DICJ, que autoriza ou não o contrato celebrado.
18. O Princípio da Igualdade (e os aqui consequentes Princípios da Justiça e da Imparcialidade) pressupõe que a situações iguais seja dado tratamento igual; mas também exige que a situações diferentes seja dado tratamento diferente.
19. Foi, pois, pela aplicação do Princípio da Igualdade que a Administração Fiscal tratou de maneira diferente a recorrente relativamente a outras concorrentes comerciais, já que estas obtiveram aquilo que a recorrente falhou em conseguir: a aprovação da tutela para o seu contrato.
20. Na verdade, quer no processo tributário, quer agora em sede de recurso, a pretensão da recorrente baseia-se, como já se disse, não em qualquer norma que pudesse invocar para que lhe fosse reconhecida a isenção dos seus rendimentos mas apenas na isenção que foi concedida aos rendimentos da sua co-contratante, a B, sustentando a sua pretensão no relatório dos auditores mas escusando-se a invocar qualquer das normas de isenção da Lei nº 16/2001 para corroborar a fundamentação contabilística daqueles.
21. Ora, facilmente se conclui, como na sentença recorrida, que não cabendo os rendimentos da recorrente em norma que os isente, estão os mesmos sujeitos a tributação sobre os lucros liquidados derivados do exercício de actividade comercial e calculado nos termos legais do ano económico em causa.
22. Existe uma situação de dupla tributação quando, sobre o mesmo rendimento, se faz incidir o Imposto Especial sobre o Jogo e o Imposto Complementar de Rendimentos. Mas não é o caso da recorrente que não tem - nem poderia, sem que para tal estivesse autorizada - rendimentos provenientes da exploração do jogo: o que a recorrente aufere é de uma contraprestação mensal que lhe é devida pelo contrato de prestação de serviços e de uso de espaço que celebrou com a B, sociedade esta que, titular de uma concessão, aufere de rendimentos dessa natureza.
23. Para além de que não é de forma alguma ilegal a dupla tributação resultante da aplicação ao mesmo facto fiscal objectivo do Imposto Especial do Jogo e do Imposto Complementar de Rendimentos, já que essa é uma prerrogativa que assiste ao legislador fiscal que é, no caso da RAEM, a Assembleia Legislativa.
24. Que o legislador quis que fosse exactamente assim é indubitável face ao teor do artigo 28º da Lei nº 16/2001, onde se regulamentou especificamente a questão da dupla tributação.
Dada vista dos autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público por este foi emitido o seguinte parecer:
«1.
A Limited, sociedade comercial melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso da deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos, datada de 2 de Abril de 2020, (acto recorrido) que não atendeu à reclamação em que a Recorrente solicitou a revisão da matéria colectável referente ao exercício de 2017, mantendo a mesma em MOP$121,443,755.00 e aplicou o agravamento a título de custas de 0.01% sobre a colecta de MOP$13,603,755.00.
Por douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e que se encontra a fls. 213 a 221 dos presentes autos foi o recurso contencioso julgado improcedente.
Inconformada, veio a recorrente contenciosa interpor o presente recurso jurisdicional perante o Tribunal de Segunda Instância.
2.
(i)
A sentença recorrida não padece do vício de falta de especificação de factos provados. Dela constam todos os factos relevantes para a decisão da causa e, por outro lado, também se não verifica qualquer omissão de pronúncia na exacta medida em que nenhuma das questões relevantes a decidir ficou por apreciar, uma vez que, como é sabido, por força do princípio dispositivo, o juiz só pode conhecer das questões que sejam suscitadas pelas partes nos momentos processualmente relevantes.
Ora, se é certo que a Recorrente nas suas alegações facultativas anunciou trazer «novos fundamentos do pedido», a verdade é que o não fez, pois que, no arrazoado que se segue ao dito anúncio, se não lobriga qualquer acrescento relevante à pretensão impugnatória tal como foi apresentada na douta petição inicial.
(ii)
Seja como for, do que não há dúvida, pelo menos para nós, é de que, em bom rigor, a Recorrente, na sua douta e longa alegação, não invoca, com pertinência, qualquer norma fiscal relevante, seja norma de incidência positiva seja norma de incidência negativa que sustente a sua posição. O que alega, no fim de contas e se bem interpretamos, é que a Administração Fiscal não tratou os seus rendimentos do mesmo modo que tratou os rendimentos de outras contribuintes em situação em tudo idêntica à sua.
Sem razão, no entanto. Com efeito, a obrigação tributária é uma obrigação ex lege e não ex voluntate, o que quer dizer que essa obrigação nasce pela mera concretização de um dado pressuposto legal, sendo irrelevante ao seu conteúdo e validade a vontade da administração ou do contribuinte (cfr., nestes termos, SÉRGIO VASQUES, Manual…, p. 420).
Olhando para a situação em apreço, não nos parece que possam suscitar-se grandes dúvidas quanto à verificação dos pressupostos de incidência subjectiva e objectiva do imposto complementar tal como se encontram legalmente definidos.
Na verdade, é incontroverso que a Recorrente é uma pessoa colectiva (sociedade comercial) que, no exercício correspondente ao ano de 2011, auferiu na RAEM rendimentos provenientes de uma actividade comercial que aqui desenvolveu, pelo que, nos termos do artigo 2.º e do artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do RICR, estão preenchidos aqueles pressupostos legais positivos de incidência tributária em sede de imposto complementar (sempre se diga que a ora Recorrente é, fora de dúvida, uma empresária comercial e a actividade que desenvolveu e da qual provieram os rendimento tributados é uma actividade comercial, nos termos resultantes do disposto nos artigos 1.º, alínea b), 2.º, n.º 1 e 3.º do Código Comercial. Tanto assim que apresentou em devido tempo a sua declaração de rendimentos para efeitos de imposto complementar modelo M/1).
Não se vislumbra, por outro lado que a Recorrente se enquadre em qualquer previsão normativa que consagre uma isenção fiscal. Nomeadamente, a Recorrente não se enquadra na previsão do n.º 2 do artigo 28.º da Lei n.º 16/2001 (regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino), pois que esta apenas abrange as concessionárias da exploração de jogo de fortuna ou azar, qualidade que a Recorrente manifestamente não detém, nem se enquadra em qualquer das alíneas elencadas no artigo 9.º do RICR, nomeadamente na da alínea e) do seu n.º 1.
Como assim, verificando-se os pressupostos de incidência subjectiva e objectiva do imposto complementar e não havendo norma legal que imponha ou permita a isenção da tributação, estava a Administração Fiscal, por força do princípio da legalidade administrativa consagrado no n.º 1 do artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, obrigada a fixar a matéria colectável com vista à subsequente liquidação do imposto devido nos termos em que o fez.
É certo que, na fundamentação do acto recorrido, a Administração Fiscal faz apelo a outras considerações para além destas que referimos, todavia, como bem salientou a douta decisão recorrida, ainda que se considerasse que, em relação a esses fundamentos, a Administração Fiscal actuou em erro, nem por isso a consequência seria a da anulação do acto recorrido. É que, estando assegurada a validade substantiva do acto recorrido por alguns dos fundamentos invocados, sempre será inoperante, caso exista, a ilegalidade derivada da chamada motivação superabundante (neste sentido, pode ver-se, na jurisprudência comparada, o Ac. do STA de 5.5.2007, processo n.º 0730/06, disponível em www.dgsi.pt).
A circunstância de a Administração Fiscal, alegadamente, não ter seguido, no caso da Recorrente, o entendimento que anteriormente definira para casos semelhantes, não gera a ilegalidade do acto recorrido quando se constata que este resultou de uma correcta aplicação vinculada da lei.
Aliás, as isenções fiscais, por isso que representam despesa fiscal, estão sujeitas ao princípio da legalidade e, portanto, a Administração só pode isentar um contribuinte do pagamento de imposto quando, em relação a ele se verifiquem, os pressupostos legais para conceder tal isenção (neste mesmo sentido de que a Administração carece de lei habilitante para poder isentar os contribuintes de impostos ou de taxas, veja-se o Ac. do Tribunal de Última Instância de 22.6.2016, processo n.º 20/2016). Ora, manifestamente, isso não sucede no caso presente, isto é, não se verifica que a Recorrente preencha pressupostos legalmente previstos de qualquer isenção fiscal de imposto complementar de rendimentos, pelo que resulta deslocada, com todo o respeito o dizemos, a invocação dos princípios gerais da actuação administrativa, nomeadamente o princípio da igualdade, para, com base numa alegada violação dos mesmos, sustentar a ilegalidade do acto recorrido (de resto, como é sabido e tem sido continuamente reafirmado pelos nossos tribunais, a violação de tais princípios só assume relevância autónoma quando está em causa o exercício de poderes discricionários por parte da Administração, o que, no caso, não sucede: entre muito outros e por último, veja-se o Ac. do Tribunal de Última Instância de 18.9.2019, processo n.º 26/2019).
Ainda que a Administração Fiscal tenha reconhecido a isenção de tributação em sede de imposto complementar relativamente a rendimentos remuneratórios obtidos por outras sociedades comerciais no âmbito de contratos de tais sociedades celebrados com a B e em tudo idênticos àquele que foi celebrado entre esta e a Recorrente, é pacífico que esta nunca poderia fundar aí a sua impugnação na exacta medida em que, a ser assim, aquele alegado reconhecimento sempre estaria ferido de ilegalidade, ao invés, como vimos, do que sucede com o acto recorrido.
De tudo o que que antecede resulta que, para nós, a alegação de que a douta decisão recorrido apreciou mal o vício de falta de fundamentação do acto recorrido é destituída de qualquer sentido.
O acto tributário recorrido mostra-se profusamente fundamentado, elencando, como a lei impõe nos artigos 114.º e 115.º do Código do Procedimento Administrativo, as razões de facto e de direito que o justificaram e por isso bem andou o Meritíssimo Juiz a quo ao julgar improcedente tal vício.
(ii)
Quanto à alegada violação do princípio da proibição da dupla tributação, parece-nos, como bem se decidiu no Tribunal a quo, que tal ilegalidade inexiste.
A dupla tributação distingue-se da duplicação de colecta na medida em que, nesta ocorre a aplicação repetida da mesma norma de incidência ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo, ou seja, exige-se do contribuinte o pagamento de um imposto que este, ou um terceiro, já pagou e naquela, são várias as normas de incidência que se aplicam ao mesmo facto tributário, sendo que, em abstracto, a dupla tributação não só não é ilegal como pode até ser desejada pelo legislador (neste sentido, cfr. o Ac. do STA de 12.7.2006, processo n.º 126/06, disponível em www.dgsi.pt).
Portanto, ao contrário do que parece ser o douto entendimento da Recorrente, a chamada dupla tributação, diferentemente do que sucede com a duplicação de colecta, que, no caso não foi alegada nem ocorre, dada a falta da identidade do imposto, não é geradora da ilegalidade do acto tributário (apesar de, entre nós, estar prevista expressamente como fundamento de oposição à execução fiscal, na alínea d) do artigo 169.º do Código das Execuções Fiscais, deve entender-se que a duplicação de colecta pode constituir vício gerador da anulabilidade da liquidação e, portanto, fundamento de recurso contencioso desse acto, veja-se, na jurisprudência comparada portuguesa, entre outros, o Ac. do STA de 8.7.2009, processo n.º 530/09, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
É certo que a tributação da B pelas receitas da exploração de jogo de fortuna ou azar em sede de imposto especial sobre o jogo e a tributação da ora Recorrente em sede de imposto complementar de rendimentos por uma remuneração derivada daquelas receitas, pode consubstanciar uma situação de dupla tributação económica, já que existe tributação do mesmo rendimento e relativamente ao mesmo período de tempo na esfera de dois sujeitos passivos diferentes, mas, como se disse, a dupla tributação seja económica seja jurídica não gera, por si, a ilegalidade da liquidação de um imposto nem, anteriormente, da fixação da matéria colectável.
De resto, a existência da previsão constante do n.º 2 do artigo 28.º da Lei n.º 16/2001 (cujo teor é o seguinte: «Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar, temporária e excepcionalmente, total ou parcialmente, as concessionárias do pagamento do imposto complementar de rendimentos») é demonstração bastante de que, em princípio, não há obstáculo legal à tributação de rendimentos em sede de imposto especial sobre o jogo e de imposto complementar de rendimentos, na medida em que o mecanismo de eliminação da tributação do mesmo sujeito passivo através de impostos diferentes mas incidentes sobre o mesmo rendimento ali contemplado não é de funcionamento automático, antes depende de uma apreciação casuística e justificada com base no concreto interesse público.
Por isso, como dissemos, também neste particular nos parece que a douta sentença recorrida não enferma do erro de julgamento que lhe foi apontado pela Recorrente.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se na ordem jurídica a douta sentença recorrida.».
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre assim apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
Da sentença recorrida e dos elementos constantes dos autos, apurou-se a seguinte factualidade:
➢ A Recorrente é uma sociedade que se dedica à exploração do Hotel C, na XXXXXXX, Edif. “Hotel C”, em Macau (conforme consta de fls. 78 a 85 dos autos).
➢ A Recorrente celebrou sucessivamente os dois contratos de prestação de serviços e cedência de espaço com a B, S.A. (conforme consta de fls. 35 a 47 e 86 dos autos e cujo teor se considera reproduzido).
➢ Em 31/7/2018, a ora Recorrente apresentou a declaração de rendimentos do Imposto Complementar de Rendimentos – Grupo “A”, modelo M/1, para efeitos de fixação do imposto complementar de rendimentos referente ao exercício de 2017 (conforme consta de fls. 79 a 95 do P.A.).
➢ Nessa declaração, a Recorrente consignou que teve lucro tributável no valor de MOP8,079,175.00 (ibid).
➢ Em 16/1/2020, a Administração Fiscal fixou o rendimento colectável no valor de MOP121,443,808.00, e em 18/2/2020, foi emitida a notificação da fixação de rendimento (conforme consta de fls. 61 e 77 e v do P.A.).
➢ Em 18/2/2020, foi efectuada a liquidação do imposto de rendimento pelo Director dos Serviços de Finanças, e foi posteriormente emitido à Recorrente o mandado de notificação em 9/7/2020 (conforme consta de fls. 2 e 62 do P.A.).
➢ Em 23/3/2020, a Recorrente reclamou contra a fixação da matéria colectável junto da Recorrida (conforme consta de fls. 10 a 12 do P.A.).
➢ Em 2/4/2020, a Recorrida deliberou negar provimento à reclamação apresentada pela Recorrente, mantendo para o exercício de 2017 o rendimento colectável de MOP121,443,808.00, com o teor da fundamentação que se transcreve no seguinte:
“…Analisada a reclamação interposta pela contribuinte acima mencionada, deliberou a Comissão de Revisão:
1. Nos termos do disposto no artigo 2.° do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, doravante abreviadamente RICR, este imposto incide sobre o rendimento global definido nos termos do artigo 3.°, que as pessoas singulares ou colectivas, qualquer que seja a sua residência ou sede, aufiram no Território.
2. Constituindo o rendimento global das pessoas colectivas, o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial, calculado nos termos do RICR.
3. A Administração Fiscal deliberou fixar o rendimento colectável em MOP$121,443,808.00 em relação ao exercício de 2017 – em virtude de rendimentos obtidos por prestação de serviços da contribuinte A Limited à B.
4. A contribuinte, ora reclamante, pertence ao grupo A, sendo tributada com base nos lucros efectivamente determinados através de contabilidade devidamente organizada, assinada e verificada por contabilistas ou auditores inscritos nos Serviços de Finanças de acordo com o RICR.
5. Entende a Administração Fiscal que a contribuinte reclamante não se enquadra nem preenche qualquer das normas de isenção legalmente previstas no Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, designadamente no artigo 9.° do RICR.
6. Nem tão pouco, por não ser concessionária, se enquadra previsto no n.º 2 do artigo 28.° da Lei n.º 16/2001.
7. Esta previsão legal estabelece que só a concessionária pode ser isenta, excepcionalmente, do pagamento do imposto complementar de rendimentos, tendo o legislador concedido ao Chefe do Executivo um poder discricionário para o efeito.
8. Assim, comparando a situação da reclamante com as situações de outros contribuintes, designadamente cujo contrato celebrado com B tenha sido autorizado, estamos perante situações diferentes, e em consequência, não há violação do princípio de igualdade, nem tal pode ser aferido nesta sede.
9. Quanto à alegada violação dos princípios da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade, é pacífico o entendimento na doutrina, como na jurisprudência, que esses só assumem relevância autónoma quando a administração actua no exercício de poderes discricionários.
10. No caso em apreciação a lei não deixa à entidade tributária uma margem de discricionariedade aquando da fixação ou não do rendimento colectável do imposto complementar de rendimentos, pelo que, não pode haver ofensa a esses princípios.
11. De igual modo não existe a acumulação de cargas tributárias na reclamante relativas aos mesmos rendimentos, ou seja, não estamos perante a identidade da matéria colectável.
12. A B, na qualidade de concessionária, é tributada no imposto especial de jogos por incidir sobre o rendimento bruto da exploração do jogo enquanto a reclamante aufere o rendimento derivado da transacção efectuada com a B, como contrapartida monetária pela prestação de serviço a esta, então, a reclamante deve ser considerada como contribuinte do ICR.
13. Contudo, de qualquer maneira, só a B pode ter a qualidade de beneficiário da referida isenção.
14. Importa reafirmar que a Lei não deixa á entidade tributária uma margem de discricionariedade aquando da fixação ou não do rendimento colectável do imposto complementar de rendimento.
15. Verificada a incidência objectiva e subjectiva do imposto complementar de rendimentos, na medida em que, a Sociedade é uma contribuinte normal, e não investida de alguma qualidade que permita a exclusão da integração do seu rendimento na matéria colectável – cfr. artigos 2.°, 4.°, 9.°, 10.°, 19.° do RICR – a Administração Tributária, no exercício de uma competência vinculada, sujeita ao princípio da legalidade – cfr. artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplica à Sociedade A Limited as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impõem perante a ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes às normas do RICR.
16. A CRIC considera na apreciação dos contratos celebrados pela A Limited com a B, que não importa o nomen juris para a definição da natureza jurídica dos mesmos, deve resultar sim do respectivo clausulado, que de resto se auto-definem como Contratos de Prestação de Serviços e de Ocupação e Uso do Espaço, onde funciona o Casino explorado pela B.
17. Resulta claro que a contribuinte não está investida na qualidade de sujeito tributário que determine tratamento especial ou excepcional junto à Administração Tributária.
18. Não estando reunidos os critérios que atribuem a isenção, pelo que, os rendimentos estão sujeitos à tributação do imposto complementar de rendimentos e ao cumprimento das obrigações fiscais inerentes.
Pelo exposto, a Comissão deliberou negar provimento à reclamação, mantendo para o exercício de 2017 o rendimento colectável de MOP$121,443,808.00.
Ao abrigo do artigo 47.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos (RICR), a Comissão deliberou ainda aplicar o agravamento de 0.01 % sobre a colecta de MOP$ 13,603,755.00.
Nos termos do artigo 68.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, informa-se que da deliberação de Comissão de Revisão, cabe recurso contencioso de anulação – n.º 2 do artigo 80.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
O recurso acima referenciado é interposto para o Tribunal Administrativo – artigo 82.º do mesmo diploma.
O prazo para a interposição do recurso é de 45 dias contados da notificação – artigo 7.º da Lei n.º 15/96/M de 12 de Agosto.
Desta deliberação cabe ainda reclamação graciosa, nos termos do artigo 76.° do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, a dirigir a esta Comissão de Revisão, no prazo de 15 dias, conforme o disposto no artigo 77.º do mesmo Regulamento...” (conforme consta de fls. 8 a 9 do P.A. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
➢ Em 29/6/2020, a Recorrente interpôs o presente recurso contencioso fiscal.
b) Do Direito
As conclusões de recurso de 1) a 9) imputam à decisão recorrida erro de julgamento uma vez que não foram indicados nos factos provados a matéria que indica e que resulta segundo a Recorrente de confissão da entidade Recorrida por si aceite.
Contudo, não assiste razão à Recorrente.
Tal como se refere no Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público da sentença sob recurso constam os factos necessários à apreciação do mérito da causa.
Pretendia a Recorrente que fosse dado como assente que “foi proferido um despacho do Sr. Director dos Serviços de Finanças através do qual “foi sancionado o entendimento mediante o qual as remunerações [...] não deverão ser tributadas em qualquer sede de imposto da RAEM, porquanto terão as mesmas sido colectadas a montante do acto de pagamento pela prestação de serviços e ocupação e uso de espaços.”, matéria esta que resulta do documento junto a fls. 160 e a que aludia a conclusão H) das alegações facultativas da Recorrente.
O documento em causa reporta-se a outro contribuinte e data do ano de 2006.
Contrariamente ao que se sustenta a questão não é superveniente e já constava dos artigos 32º a 40º da p.i..
Para que houvesse de erro de julgamento era necessário que tal facto relevasse para a decisão da causa, o que não sucede.
Com o documento em causa pretende a Recorrente demonstrar que a Administração dispõe nesta matéria de discricionariedade o que é um conceito de direito que resulta da interpretação das normas jurídicas aplicáveis, para daí concluir que foram violados os princípios da igualdade e da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
Não é por a Administração eventualmente ter tido um entendimento diferente que o tribunal fica obrigado a acompanhá-la. Nem tão pouco a própria administração está adstrita a seguir entendimento que antes haja sustentado se o mesmo for ilegal.
No caso em apreço, a própria administração na sua contestação reconhece que o seu entendimento pode ter mudado por força da melhor interpretação das normas legais aplicáveis – v.g. artigos 29º a 31º da contestação -, sendo certo que, não sendo aquela decisão objecto destes autos é irrelevante para estes autos o que ali se haja decidido.
Pelo que, não respeitando o documento em causa à Recorrente nem ao exercício aqui em apreciação, não sendo a questão da matéria em causa caber ou não no âmbito do poder discricionário da administração susceptível de prova, outra conclusão não se pode retirar que não seja a de que o facto em causa não tem relevo para a decisão da causa, pelo que, não havia que constar da decisão recorrida, não tendo esta violado o disposto no artº 76º do CPAC nem no artº 562º nº 3 do CPC.
Finalmente, também não assiste razão à Recorrente quanto a que a sentença não apreciou a questão uma vez que ela é objecto de decisão a fls. 17 daquela peça (fls. 221 dos autos), concluindo-se que se está no âmbito de actividade vinculada.
Assim sendo, no que concerne à matéria das conclusões 1 a 9 nenhuma razão assiste à Recorrente, não havendo quanto a esta matéria vício ou irregularidade a apontar à sentença recorrida.
Das conclusões 10 a 59 vem a Recorrente invocar a falta de fundamentação do acto recorrido, que esta é contraditória, que há omissão de pronúncia, bem como que viola os princípios da justiça tributária e da imparcialidade, da igualdade e da proporcionalidade.
Do acto impugnado – cuja cópia por facilidade de análise consta de fls. 27 e 28 – constam dezoito parágrafos, dados por reproduzidos na sentença recorrida de onde constam as razões que levaram à prática do mesmo.
Sobre a necessidade, objectivo e conteúdo da fundamentação é já bastante tudo quanto se diz nos autos seja na decisão recorrida seja no Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público.
A ausência de fundamentação não se confunde com a discordância da fundamentação.
Ao longo das suas extensas alegações a Recorrente debate-se a tentar fundamentar que em anos anteriores não houve alteração ao rendimento declarado pela Recorrente e que os rendimentos provenientes da mesma fonte que os agora tributados não foram sujeitos a imposto, situação que aconteceu com outras sociedades que exercem actividade similar à da Recorrente.
A fundamentação constante do acto impugnado é clara, não havendo que reproduzi-la aqui mais uma vez, sendo que, ao contrário do que se diz na decisão recorrida e Parecer do Ministério Público nem por excesso de abundância achamos que a mesma peca.
Dali resulta com base em que elementos contabilísticos se socorreu para apurar o valor da matéria colectável, o qual em momento algum é questionado, bem como, que a Recorrente não goza de isenção de imposto complementar de rendimentos por não preencher nenhum dos requisitos legais e preenche os pressupostos legais de incidência do imposto os quais se identificam, para além de, não se estando no âmbito de poderes discricionários, carece de fundamento a invocação da violação dos princípios da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade.
Isto é, quanto à argumentação a que a Recorrente recorre, não sendo concessionária não pode ser subjectivamente beneficiária da isenção, e não uma vez que a administração não actua no âmbito de poderes discricionários – quanto à Recorrente – mas vinculados, o acto não é susceptivel de violar os princípios da justiça, da imparcialidade, da proporcionalidade e da igualdade.
Estando os rendimentos em causa sujeitos a imposto complementar de rendimentos no âmbito da actividade vinculada e sujeita ao princípio da legalidade a administração inclui-os na matéria colectável, não lhe sendo sequer possível adoptar outro procedimento que não este uma vez que tal como já se refere no Parecer do Ministério Público a obrigação tributária é ex lege, o que na prática se traduz na indisponibilidade do direito seja quanto à obrigação da Administração em liquidar o imposto, seja quanto ao contribuinte em o declarar e pagar.
A fundamentação do acto impugnado não é contraditória, é clara, objectiva e suficiente para se entenderem as razões e fundamentos que estão na base da prática do acto impugnado.
Aliás a prova disso é que Recorrente bem os entendeu porque os ataca, refutando-os porque com eles não concorda querendo sustentar que como a concessionaria com a qual é parceira de negócio está deles isenta a Recorrente também deveria estar porque os rendimentos são os mesmos e já foram sujeitos a impostos especial sobre o jogo.
Assim sendo, improcedem também nesta parte as conclusões de recurso quando pretendem imputar ao acto recorrido a falta de fundamentação e omissão de pronúncia, não tendo o tribunal “a quo” recorrido a qualquer outra argumentação que não aquela que consta do acto recorrido, bem andando a sentença recorrida ao concluir que os indicados vícios não se verificam.
Sustenta ainda a Recorrente a ilegalidade do acto recorrido uma vez que os rendimentos objecto da tributação foram já sujeitos a imposto especial sobre o jogo pela concessionária a qual está isenta do imposto complementar sobre os rendimentos, pelo que a tributação da Recorrente em sede de imposto complementar sobre os rendimentos representa dupla tributação.
Sobre esta matéria é esclarecedora a sentença recorrida cujos fundamentos sufragamos, quando se diz:
«Em síntese, alega a Recorrente que desenvolvia sua actividade em colaboração necessária, nos termos do contrato de prestação de serviços, com a concessionária B, e que a tributação dos seus rendimentos obriga-a a repercutir os custos fiscais na sua relação com a concessionária, o que vai contra o espírito da isenção fiscal concedida pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 333/2007. E que existe para a Recorrente uma dupla tributação sobre o mesmo rendimento que já foi sujeito à tributação especial sobre o jogo. Nesta linha, ao determinar tributar esse rendimento, o acto recorrido violou o conjunto das normas legais, como o artigo 551.º do Código Comercial, os artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 21/78/M que aprovou o Regulamento do Imposto Complementar dos Rendimentos (doravante “RICR”), e os artigos 27.º e 28.º da Lei n.º 16/2001.
Mais alega que o acto recorrido violou um conjunto dos princípios fundamentais, como os da justiça, da igualdade tributária, da imparcialidade, da proporcionalidade, etc.
Vejamos.
Em consonância com o entendimento que transparece na fundamentação do acto, a Recorrente, não sendo beneficiária de qualquer isenção fiscal legal, só pode ser tributada como contribuinte normal pertencente ao grupo A, com base nos seus rendimentos auferidos na RAEM, de acordo com as normas legais do RICR, nomeadamente, os artigos 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a).
Ora bem, o artigo 2.º do RICR dispõe o seguinte:
“O imposto complementar incide sobre o rendimento global definido nos termos do artigo 3.º, que as pessoas singulares ou colectivas, qualquer que seja a sua residência ou sede, aufiram no Território.”
E no art.º 3.º, do mesmo diploma, estabelece-se o seguinte:
“1.O rendimento global das pessoas singulares é a soma dos rendimentos a seguir mencionados, deduzida dos competentes encargos:
a) Rendimentos da actividade comercial ou industrial;
…
2. O rendimento global das pessoas colectivas é o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial e calculado nos termos deste regulamento.
3. Tratando-se de sociedades comerciais e civis sob forma comercial, abater-se-á ao rendimento global, a importância dos lucros repartidos pelos sócios ou dos dividendos distribuídos aos accionistas relativamente ao ano a que o imposto respeitar.
4. Exceptuam-se do rendimento global referido nos n.ºs 1 e 2 deste artigo, os rendimentos de prédios urbanos.
…”
Com a aplicação das normas citadas ao caso, é evidente que a Recorrente, enquanto uma sociedade comercial, é sujeito passivo vinculado à realização da prestação tributária, pela verificação do facto tributário previsto na norma de incidência – os rendimentos por ela auferidos foram provenientes do exercício da actividade comercial e tiveram lugar na RAEM.
Em face do acto recorrido com a fundamentação tal como ela é, uma das duas coisas que a Recorrente poderia tentar: ou impugnar os pressupostos legais do acto, dizendo que aquele pressuposto de incidência não chegou a ser efectivamente verificado no caso, ou não obstante a verificação dos pressupostos, invocar as excepções cuja demonstração obsta à prática do acto recorrido, por exemplo, a existência da isenção fiscal legal de que a mesma é beneficiária.
Na situação vertente, quanto à verificação dos pressupostos de incidência do acto, parece-nos que a Recorrente não tenha impugnado de uma forma válida e incisiva. O caminho que ela entretanto optou por seguir é, no fundo, o de fazer convencer que ela mereceria um tratamento privilegiado, e deveria ser beneficiária da isenção fiscal. Assim, a actuação tributária ao incidir sobre o seu rendimento, resultaria na dupla-tributação.
Como se compreende facilmente, quanto a isto, os benefícios fiscais, tomando frequentemente a forma de normas de exclusão de incidência, de normas de isenção ou de reduções de taxa, caracterizam-se por determinarem um desagravamento da carga sobre determinados contribuintes em homenagem a razões de ordem extrafiscal, “assim, a criação de benefícios fiscais não apenas tende a suscitar questões de segurança jurídica e de tutela da expectativa dos contribuintes como acarreta sempre uma redistribuição da carga tributária, aliviando os respectivos beneficiários para em contrapartida sobrecarregar os demais contribuintes…continuam a servir à apropriação de recursos colectivos por corporações económicas avulsas e grupos de pressão com maior capacidade reivindicativa, feita em prejuízo do comum dos contribuintes e do resto da comunidade”. Trata-se da matéria de especial importância, que “a sua discussão passe pelo parlamento, pela maior garantia de transparência e participação democrática que aí oferece o procedimento legislativo”, constituindo, portanto, a matéria da reserva da lei dimanada pela Assembleia Legislativa. (cfr. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, pp. 334 a 335).
Além disso, tem-se entendido que, em matéria de benefícios fiscais, como em matéria de incidência tributária, não há, por definição, lacunas, pois as situações não previstas como isentas de imposto estão, pura e simplesmente, fora do âmbito da norma de isenção, mercê do especial vigor que o princípio da legalidade, na sua vertente assume nestes domínios (cfr. Acórdão do STA, Proc. n.º 0592-11, de 2011/11/23). Significa isto que por força do princípio da legalidade tributária, se encontra sempre vedada, nesta matéria tributária, a integração analógica, com base na existência de similitude entre o caso omisso e o caso previsto na lei.
Na situação vertente, a Recorrente que alegou a existência de algum benefício fiscal, deverá necessariamente demonstrar a base legal desses benefícios pretendidos e sustentar que se encontram preenchidos os respectivos pressupostos legais no caso. Contudo ela não logrou fazer isso, limitando-se a reclamar que o seu rendimento foi proveniente da prestação dos serviços imprescindíveis para a actividade desenvolvida pela concessionária de jogo B, ou no âmbito do contrato de associação em participação previsto no artigo 551.º do Código Comercial de Macau e que deveria gozar do benefício fiscal ou ter sido favorecida da mesma forma que a concessionária, sem que tenha invocado, em seu favor, nenhuma norma legal respeitante à suposta isenção fiscal.
Nestes termos, no pressuposto de não ser possível a criação de um benefício fiscal ou uma isenção fiscal fora da previsão legal, a pretensão da Recorrente deveria ser inevitavelmente denegada.
Por outro lado, a tributação do rendimento não é sequer contornável pela tese da proibição da dupla tributação. Pois, a dupla tributação, por definição, “configura uma situação de concurso de normas, ou seja, uma situação em que o mesmo facto tributário se integra na hipótese de incidência de duas normas tributárias diferentes, o que implica, de um lado, a identidade do facto tributário e, do outro, a pluralidade de normas tributárias” e como requisito da identidade de facto tributário, costuma exigir-se a regra das quatro identidades, ou seja, “a identidade do objecto, a identidade do sujeito, a identidade do período da tributação e a identidade do imposto” (José Caslata Nabais, Direito Fiscal, 2014, 7.ª Edição, Almedina, pp. 222 a 224).
No caso dos autos, manifestamente não ocorre a dupla-tributação, dada a falta da identidade do facto tributário, pela inexistência da analogia substancial dos impostos, designadamente, do imposto especial sobre o jogo e do imposto complementar de rendimentos.
Além do mais, ao que nos parece, independentemente de saber se se verificou ou não efectivamente uma situação da dupla tributação, a sua proibição ou eliminação nunca constitui um princípio geral no ordenamento jurídico tributário da RAEM, pela ausência da base legal.
Veja-se, por exemplo, a isenção fiscal com base no fundamento de dupla tributação, prevista no art.º 9.º, n.º 1, alínea h) do RICR, segundo o qual “1.São isentos do imposto complementar de rendimentos… h) os rendimentos globais auferidos no Território pelas empresas de transporte aéreo cuja sede ou local de direcção efectiva se situe no exterior, provenientes da exploração de aeronaves e de actividades complementares desta, desde que isenção equivalente seja concedida às empresas da mesma natureza com sede ou direcção efectiva em Macau e a reciprocidade se encontre reconhecida em Acordo de Transporte Aéreo ou em despacho do Governador publicado no Boletim Oficial.”
Conforme se depreende ainda da norma do disposto do art.º 28.º, n.º 2 da Lei n.º 16/2001 (Regime jurídico da exploração sobre o jogo de fortuna ou azar em casino) onde se estabelece relativamente aos rendimentos auferidos pelas Concessionárias na exploração do jogo e sujeitos ao imposto especial sobre o jogo, que “Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar, temporária e excepcionalmente, total ou parcialmente, as concessionárias do pagamento do imposto complementar de rendimentos.”
Daí resulta claro que o nosso sistema legal tributário não rejeita, como princípio, qualquer situação da dupla tributação, e que a sua eliminação não deve ocorrer automaticamente, não se podendo operar sem ter sido baseada numa norma legal preexistente, a qual tanto pode relegar a sua regulamentação para a convenção internacional directamente aplicável, como pode deferir a resposta para a intervenção posterior e casuística do órgão administrativo.
No entanto, a existência de tal norma não foi demonstrada no caso vertente. Assim, não se podendo, portanto, ter por verificado o vício de violação da lei, nomeadamente, das normas invocadas pela Recorrente.».
Face aos artigos 27º e 28º da Lei nº 16/2001 não há dúvida que foi intenção do legislador sujeitar os rendimentos provenientes da exploração de jogos de fortuna ou azar a imposto especial de jogos e imposto complementar de rendimentos.
O facto dos mesmos rendimentos estarem sujeitos a impostos distintos, isto é a duas normas de incidência, resulta de uma opção política em função da natureza ou proveniência da matéria colectável, não resultando desta dupla tributação qualquer ilegalidade que afecte o acto.
Daquele artigo 28º resulta que as concessionárias – e apenas estas e não outras entidades que com estas contratem e possam até nos termos da legislação aplicável ser beneficiárias daqueles rendimentos, como é o caso da Recorrente – podem ser isentas de imposto complementar de rendimentos.
Há que não confundir entre isenção subjectiva e os rendimentos não estarem sujeitos a imposto o que se pode traduzir na ausência de norma de incidência ou na existência de uma norma que estabelece a isenção em termos objectivos, por exemplo não tributando rendimentos provenientes desta ou daquela actividade.
A isenção subjectiva por sua vez consiste em determinados sujeitos estarem isentos do pagamento de imposto, seja por força da lei, seja porque a lei atribui a alguém o poder discricionário de os isentar do pagamento do imposto.
A situação dos autos é de uma isenção subjectiva que pode apenas ser concedida às concessionárias, qualidade que a Recorrente não tem, mas os rendimentos estão sujeitos a imposto.
Nos termos do artº 3º da Lei nº 21/78/M o imposto complementar de rendimentos incide sobre os rendimentos da actividade comercial e industrial.
Mas nada impede que esses rendimentos em função da sua característica sejam sujeitos a imposto especiais tal como acontece com os provenientes da exploração de jogos de fortuna e azar.
Tal como se explica no Douto Parecer do Ministério Público a dupla tributação não se confunde com a duplicação de colecta, sendo que só esta última e não aquela pode ser geradora da ilegalidade do acto tributário.
Por fim, e ainda que se quisesse ficcionar que o imposto sobre os rendimentos sobre esta matéria colectável havia já sido objecto de liquidação de imposto o qual apenas não foi pago por a concessionária estar dele isento, o que faria com que esta liquidação à agora Recorrente pudesse representar uma repitação de liquidação de imposto sobre a mesma matéria colectável, também aqui não assistiria razão à Recorrente.
Caso a concessionária com quem a Recorrente contratou não beneficiasse da isenção sobre o imposto de rendimentos eventualmente os valores pagos pela concessionária à agora aqui Recorrente operariam ali como um custo, pelo que, como tal sobre eles não incidiria imposto algum, vindo o imposto a ser liquidado a jusante quando ao valor recebido pela Recorrente.
Daí que, em sede de imposto sobre os rendimentos não seria liquidado imposto duas vezes sobre o mesmo valor, salvo se, por razões que não vêm ao caso não fossem elegíveis como custo os valores pagos pela concessionária à aqui Recorrente.
Destarte, não procedendo nenhum dos vícios imputados à sentença recorrida a qual se mantém nos seus precisos termos, impõe-se negar provimento ao recurso.
III. DECISÃO
Termos em que pelos fundamentos, negando-se provimento ao recurso se mantém a sentença recorrida nos seus precisos termos.
Custas a cargo da Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 Uc´s.
Registe e Notifique.
RAEM, 17 de Fevereiro de 2022.
Rui Pereira Ribeiro
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
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Mai Man Ieng
1 O valor indicado na p.i. foi corrigido de acordo com o valor indicado no acto impugnado por se entender que se trata de erro manifesto de escrita.
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884/2021 FISCAL 1