Processo nº 745/2021
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)
Data: 24 de Fevereiro de 2022
Recorrente: Director dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico
Recorrido: A
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
veio interpor recurso contencioso do despacho do Director dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico de 08.04.2019 que revogou as licenças de unidade industrial melhor identificadas na p.i..
Foi proferida sentença a julgar procedente o recurso contencioso com a consequente anulação do acto recorrido.
Não se conformando com a decisão proferida veio a entidade recorrida recorrer da mesma, apresentando as seguintes conclusões:
1. A recorrida interpôs recurso contencioso por se inconformar com a decisão administrativa de revogação das licenças de quatro unidades industriais proferida em 08 de Abril de 2019 pelo recorrente. Depois, o tribunal a quo julgou o motivo deduzido pela recorrida parcialmente procedente e anulou o acto administrativo de revogação de licenças.
2. Em primeiro lugar, o tribunal a quo entendeu que mesmo que no 1º. andar do no. 20, 1º. andar e r/c do no. 20A da Travessa do XXXX existissem obras ilegais e que a opinião do representante da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes da Comissão de Vistoria não estivesse incluída o conteúdo de que as obras ilegais já “afectaram a caracterização física”, bem como que não houvesse a planta original das unidades em causa envolvidas neste processo, entendeu então que “o acto recorrido contém erro no pressuposto factual”, especialmente vícios de faltar prova suficiente para apoiar “a alteração das instalações de modo que afecte a respectiva caracterização física ou finalidade”, neste sentido, o recorrente, salvo o devido respeito, não concordo com a respectiva decisão.
3. O recorrente entendeu primeiro que a qualificação jurídica de “as obras ilegais afectem a respectiva caracterização física ou finalidade” carece de justiciabilidade, uma vez que o despacho de homologação neste processo para além de incluir o facto de existência das obras ilegais (opinião da DSSOPT constante no auto de vistoria), ainda inclui a qualidade jurídica ao referido facto – já afectaram a caracterização física de construção (opinião do presidente constante no auto de vistoria).
4. Por a recorrida não ter impugnado o despacho de homologação, o facto de as obras ilegais terem afactardo a respectiva caracterização física de construção já se formou uma conclusão, era inquestionável e também não podia ser ilidido através de acção, pelo que, a sentença do tribunal a quo ofendeu a decisão administrativa já confirmada, devendo ser anulada.
5. Caso não concorde com as opiniões acima indicadas, o motivo de anulação do tribunal a quo esteve questionando a livre apreciação das provas por trás da conclusão factual de “as obras ilegais afectaram a caracterização física” (ou chama-se qualificação jurídica aos factos) tirada pelo recorrente, “na falta de provas da planta de construção” e através dos dados existentes nos autos era errada/insuficiente, o recorrente entende que tal motivo é improcedente.
6. Neste caso, o recorrente tirou a conclusão com base no conteúdo concreto do auto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes sobre as obras ilegais, em conjugação com os dados dos autos.
7. As explicações aludidas na alínea f) do no. 1 do artigo 41º (sic.) do Decreto-Lei no. 11/99/M, Código Civil, Decreto-Lei no.79/85/M – “Regulamento Geral da Construção Urbana” (especialmente o teor do no. 2 do artigo 3o), Decreto-Lei no. 56/96/M – “Regulamento de Segurança e Acções em Estruturas de Edifícios e Pontes”, a “caracterização física” refere-se à “característica física da estrutura de construção” e a estrutura de construção é terreno, coluna, pilar, vãos de portas de entrada ou saída, paredes principais, paredes exteriores, vãos de janelas nas paredes exteriores, laje de cobertura, terraços, varandas.
8. Pelo que, atendendo a que as obras deste processo envolveram as alterações da estrutura de construção tais como laje de cobertura, vãos de janelas, vigas e colunas, paredes exteriores, afectaram claramente a caracterização física de construção.
9. Em segundo lugar, a função da planta é permitir que as pessoas comparem os dados da estrutura de construção contidos com a construção real para determinar se o projecto mudou ou não as características da construção; no entanto, uma vez que tem informações que indicam que a estrutura real da construção sofreu alteração, desde que qualquer pessoa comum apenas verifique o conteúdo das obras ilegais (por exemplo, alteração de laje de cobertura, vãos de janelas, vigas e colunas, paredes exteriores), poderá tirar uma conclusão de que a estrutura de construção já seja alterada e afecte a caracterização, a planta não tem absolutamente importância.
10. Além disso, em conjugação com o Decreto-Lei no. 11/99/M e Decreto-Lei no. 79/85/M para uma interpretação sistemática, por outras palavras, caso as obras ilegais envolvidas neste processo sofrem alteração da estrutura de construção (caracterização de construção), em princípio, não necessitará de requerer a aprovação do plano das obras e a emissão de licença, naturalmente não existirão obras ilegais sem precisar de realizar o procedimento de legalização ou demolição para reposição, pelo que, a nível jurídico, as obras envolvidas neste processo foram avaliadas ilegais e já foi aplicada a ordem de proibição de obras, aliás, a recorrida também já requereu a demolição, isso refectiu certamente que as obras afectaram a caracterização física.
11. Por último, a autoridade administrativa possui prova livre, cujo acto quase não se sujeita à censura referente à parte de livre apreciação, o tribunal apenas limita julgar erro notório aparecido, situações injusta e irrazoável, mas, a recorrida e o tribunal a quo apenas questionaram, por forma, a insuficiência da livre apreciação das provas do recorrente, alias, não foram analisados os dados nos autos nem indicou, a nível factual e jurídico, por que razão as obras ilegais não afectaram a caracterização física de construção, também não indicou o erro concreto da livre apreciação das provas do recorrente, situações injustas e irrazoável, a sentença recorrida carece de fundamento de intervenção em relação à livre apreciação das provas do recorrente.
12. Face ao acima exposto, o recorrente entende que o reconhecimento do tribunal a quo contém erro na apreciação da prova e intervenção errada à livre apreciação da prova da autoridade, aliás, tendo provas suficientes para apoiar a decisão administrativa recorrida, o recorrente ao apreciar as provas, não violou o senso comum ou regras da experiência comum, não existindo quaisquer erros na apreciação da prova e prossuposto factual, pelo que, deve ser anulada a respectiva parte da sentença.
13. O tribunal a quo entendeu também que nos autos administrativos, foi impossível verificar e comprovar a conexão inseparável entre a unidade industrial do no. 15 da Travessa das XXXX e outras três unidades com licenças revogadas, bem como na decisão de revogação da supracitada unidade industrial, careceu de inspecção, promoção e procedimento de despacho de homologação, portanto, a decisão de revogação da referida unidade industrial apresentava “vícios de procedimento”. Igualmente, salvo o devido respeito, o recorrente não concorda com o respectivo decisão.
14. Em primeiro lugar, referindo-se as disposições do artigo 40º - “Revogação das licenças” do Decreto-Lei no. 11/99/M, a menos que a autoridade use os motivos aludidos no no. 2 como fundamento para a revogação, caso contrário, a inspeção da Comissão de Vistoria, autos e procedimento do despacho de homologação não são procedimentos necessários ou fundamentais para a revogação da licença.
15. Em segundo lugar, na altura em que o recorrente procedeu à vistoria devido à queixa apresentada contra as três unidades industriais da Travessa do XXXX e descobriu em “todo o estabelecimento industrial” incluindo a unidade industrial do no. 15 da Travessa das XXXX, o facto de existirem as obras ilegais.
16. Entretanto, nos autos administrativos também contém dados suficientes de revelar que, o estabelecimento industrial em causa incluía inicialmente apenas as três unidades industriais da Travessa do XXXX; depois, através da realização de ampliação do estabelecimento industrial realizada em 1989, a unidade industrial do no. 15 da Travessa das XXXX contígua às três unidades supracitadas aderiu ao estabelecimento industrial e constituíram em conjunto a construção do estabelecimento industrial envolvido neste processo, as quatro unidades industriais foram unificadas e interligadas, nos procedimentos posteriores, foi tratada a situação em que o estabelecimento industrial incluía as quatro unidades industriais.
17. o recorrente entende que o tribunal a quo apreciou erradamente os dados dos autos administrativos, razão pela qual tirou erradamente uma conclusão de que impossibilitava de revelar a existência das relações entre o no. 15 da Travessa das XXXX e o estabelecimento industrial envolvido nas obras ilegais.
18. O recorrente, de acordo com a investigação e os dados nos autos, procedeu ao tratamento sobre as quatro unidades industriais envolvidas nas obras ilegais, já garantiu os direitos e interesses de audiência por escrito da recorrida, não existem vícios a nível de quaisquer procedimentos por reunir o princípio da desburocratização e da eficiência.
19. Além disso, não concorda em que o tribunal a quo apontou que havia falhas mais cedo do que quando o acto foi notificado, portanto, todas as provas posteriores e mesmo a audiência por escrito não podem suprir as falhas da decisão de revogação de licenças, o recorrente entende que o tribunal a quo confundiu o acto de homologação, acto de notificação e acto de revogação de licenças.
20. O acto administrativo recorrido é a decisão de revogação de licença e não o acto de homologação determinado ou o acto de notificação derivado do acto de homologação, pelo que, antes da revogação de licenças ser feita, inclui a análise dos autos, provas e declaração da parte na audiência por escrito (incluindo admissão dos respectivos factos, pedido de demolição das obras ilegais de construção por sua iniciativa), etc…, também podem ser consideradas e incluídas como conteúdo de decisão administrativa.
21. Como os autos administrativos já revelaram que o estabelecimento industrial envolvido neste processo era composto por a unidade industrial do no. 15 da Travessa das XXXX e as outras três unidades e a investigação já foi realizada, a recorrida admitiu na audiência por escrito os factos e requereu a demolição, pelo que, a decisão administrativa recorrida não contém vícios de procedimento nem erro no pressuposto factual, devendo ser anulada a respectiva parte da sentença do tribunal a quo.
22. O tribunal a quo entendeu que o pressuposto de não ser permitida a correcção não foi satisfeito, pelo que, não começou o cálculo do período de correcção das obras.
23. Em primeiro lugar, o recorrente, no início, já deu oportunidade para a correcção da obra, mas, a recorrida não ligou nada.
24. No procedimento da audiência por escrito, a recorrida indicou apenas em 15 de Janeiro de 2019 que, requereu junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes a demolição das respectivas obras ilegais, isto é, a recorrida admitiu que as respectivas obras deviam ser demolidas e repostas.
25. Depois, o recorrente oficiou para se inteirar do andamento da obra de demolição, isso revelou que o recorrente, antes de tomar a decisão da revogação de licenças, tratou-o como um factor de consideração, no entanto, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes indeferiu, em 24 de Janeiro de 2019, o requerimento de demolição da recorrida porque a mesma devia proceder à demolição e reposição de todas as obras ilegais consoante a planta já autorizada pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, revelando que as obras ilegais deviam ser demolidas e a legalização da obra não era viável.
26. Mesmo que o tribunal a quo entendeu não dever considerar o indeferimento da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes de 24 de Janeiro de 2019 contra o requerimento de demolição, mas, igualmente, o recorrente acha que o tribunal a quo confundiu o acto de homologação e a decisão de revogação
27. Pelo que, o recorrente podia, de acordo com o conteúdo da audiência por escrito e o teor de indeferimento da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes tirou a respectiva conclusão e proferiu a decisão administrativa da revogação de licenças, pelo que, não faltaram os fundamentos de facto e de direito.
28. Assim, o recorrente, independente de, em 12 de Outubro de 2018, o recorrente já notificou a recorrida da correcção, de acordo com o que indicou no recurso judicial pela recorrida, o período de recuperação da obra de 15 dias úteis devia ser contado a partir da data de notificação de 08 de Janeiro de 2019, como posteriormente, o pedido de demolição não foi deferido, ou seja, na altura de tomada da decisão administrativa recorrida, já excedeu o período legal de recuperação da obra, pelo que, o acto administrativo recorrida era suficiente e correcto ao conhecimento factual e aplicação da lei.
29. Por último, caso o Mmo. Juiz ainda não concorde com a supracitada opinião e atendendo a que a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes já tomou em 25 de Julho de 2019 decisão de indeferir à recorrida a alteração/legalização das obras (ofício no. 10876/DURDEP/2019), ou seja, objectivamente, as obras ilegais das quatro unidades industriais tinham firmemente a natureza de não podem ser legalizadas, devendo ser repostas, todavia, após a recepção de notificação, a sua reposição não foi feita dentro do prazo estipulado, pelo que, sujeitando-se ao conteúdo vinculado, deve revogar as licenças das quatro unidades industriais envolvidas neste processo, vem solicitar a consideração dos motivos aplicáveis para reutilização do acto anulável e julgar não anular o acto administrativo recorrido.
O Autor e agora Recorrido não contra-alegou.
Foram os autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
É do seguinte o teor da Douta decisão recorrida na parte em que conclui pela existência de fundamento que conduz à anulação dos actos recorridos:
«II. Factos
Com base nos elementos constantes dos autos, este Tribunal deu como provados os seguintes factos relevantes para o julgamento da causa:
➢ O recorrente é o empresário da B (vide fls. 1160 a 1162 dos autos administrativos).
➢ O director da DSE emitiu ao recorrente a licença industrial n.º XXXX/1999 autorizando a B a explorar uma indústria de fabrico de pão, pastelaria e doces ocidentais nas unidades industriais sitas na Travessa do XXXX, n.º 20, 1.º Andar, Travessa do XXXX, n.º 20A, R/C e 1.º Andar e Travessa das XXXX, n.º 15, R/C, e emitindo às referidas unidades industriais licenças de unidade industrial, respectivamente com os n.ºs XXXX/1999 (Travessa do XXXX, n.º 20A, 1.º Andar), XXXX1999 (Travessa do XXXX, n.º 20, 1.º Andar), XXXX/1999 (Travessa do XXXX, n.º 20A, R/C) e n.º XXXX/1999 (Travessa das XXXX, n.º 15, R/C) (vide fls. 191 e 196 e 260 a 264 dos autos administrativos).
➢ Em 26 de Setembro de 2018, a Comissão de Vistoria da DSE, tendo recebido queixa, procedeu a uma vistoria às unidades sitas na Travessa do XXXX, n.º 20, 1.º Andar e Travessa do XXXX, n.º 20A, R/C e 1.º Andar, e posteriormente elaborou autos de vistoria, com os n.ºs 38/2018, 39/2018 e 40/2018, respectivamente (vide fls. 945 a 959 dos autos administrativos).
➢ Do supra referido auto de vistoria n.º 40/2018 consta o seguinte parecer do representante da DSSOPT: «…1.1 Renovação da cobertura metálica do telhado dos prédios; 1.2 Abertura nas paredes exteriores dos prédios para alargamento do tamanho de janelas; 1.3 Acrescentamento de colunas e vigas metálicas e abertura de furos nas fracções; 1.4 Abertura nas paredes exteriores dos prédios para a acrescentar janelas; 1.5 Erecção de coberta metálica na parede exterior mais próxima da entrada das fracções...». O teor desse parecer encontra-se transcrito nos outros dois autos de vistoria (n.ºs 38/2018 e 39/2018) (Idem).
➢ Os três autos de vistoria supra aludidos foram homologados pelo director da DSE em 11 de Outubro do mesmo ano (Idem).
➢ Em 12 de Outubro de 2018, a DSE emitiu à B o ofício n.º 42772/DLI/DLS/2018, cujo teor se transcreve a seguir:
“…Tendo recebido queixa, a Comissão de Vistoria procedeu a uma vistoria à vossa fábrica em 26 de Setembro de 2018. Nos termos do disposto no artigo 72.º do DL n.º 11/99/M de 22 de Março, notifica-se V. Exa. das recomendações da referida Comissão.
As recomendações devem ser cumpridas integralmente. A Comissão de Vistoria realizará, depois de 14 de Novembro de 2018, uma vistoria de confirmação à vossa fábrica para acompanhar o cumprimento com as mesmas.
Devido à existência de obras ilegais encontradas pela DSSOPT nos vossos estabelecimentos, fica a vossa empresa obrigada a pedir a regularização junto da DSSOPT no prazo de 15 dias úteis a contar da notificação deste ofício, sob pena da revogação da licença industrial correspondente nos termos do artigo 40.º, n.º 1, alínea f) do DL n.º 11/99/M de 22 de Março…” (vide fls. 960 dos autos administrativos)
➢ Em 14 de Novembro de 2018, a Comissão de Vistoria realizou uma nova vistoria ao local supra aludido, e elaborou auto de vistoria, em que afirmou não existirem nítidas diferenças entre esta vistoria e a realizada em 26 de Setembro de 2018 em relação à situação em causa. O auto de vistoria foi homologado pelo director da DSE em 3 de Dezembro do mesmo ano (vide fls. 982 a 989 dos autos administrativos)
➢ Em 8 de Janeiro de 2019, a DSE emitiu ao recorrente o ofício n.º 40042/DLI/DLS/2019, notificando-o de que “Por despacho do subdirector da DSSOPT datado de 7 de Janeiro de 2019, decide-se comunicar novamente à B (sita na Travessa do XXXX, n.º 20, 1.º Andar, Travessa do XXXX, n.º 20A, R/C e 1.º Andar e Travessa das XXXX, n.º 15, R/C) a abertura do procedimento conducente à revogação de licença industrial, uma vez que as instalações dos mencionados estabelecimentos foram alteradas de modo que afectassem a respectiva caracterização física ou finalidade, e a vossa empresa não cumpriu as exigências descritas no nosso ofício datado de 12 de Outubro de 2018 quanto à regularização da alteração em causa junto da entidade competente, nem procedeu à reposição da respectiva situação. Por conseguinte, nos termos do artigo 41.º(sic), n.º 1, alínea f) do DL n.º 11/99/M de 22 de Março, deve ser revogada a licença industrial em causa”, e que devia apresentar contestação escrita no prazo indicado para o efeito (vide fls. 1169 e v dos autos administrativos).
➢ Em 15 de Janeiro de 2019, o recorrente pediu junto do director da DSSOPT a aprovação da demolição das obras ilegais sitas na Travessa do XXXX, n.º 20-20A (vide fls. 1186 a 1187 e v dos autos administrativos).
➢ Em 18 de Janeiro de 2019, o recorrente apresentou contestação escrita à entidade recorrida (vide fls. 1179 a 1181 e v dos autos administrativos).
➢ Em 24 de Janeiro de 2019, a DSSOPT emitiu ao recorrente o ofício n.º 01229/DURDEP/2019, cujo teor se transcreve a seguir:
“…Com referência ao vosso pedido de aprovação da demolição das obras ilegais na Travessa do XXXX, n.º 20-20A (nosso referência n.º T-990/2019), informa-se V. Exa. que o pedido foi indeferido, com os seguintes fundamentos:
1. O dono das obras fica obrigado a proceder, conforme o projecto aprovado pela DSSOPT, à demolição e reposição de todas as obras ilegais. No entanto, no supra referido pedido o dono das obras diz que mais tarde apresentará junto da DSSOPT o projecto relativamente às obras ilegais localizadas dentro das unidades, ao qual portanto não é aplicável o pedido de aprovação de demolição de obras ilegais. A execução só pode começar após a apresentação do respectivo projecto e a emissão de licença correspondente…” (vide fls. 1190 dos autos administrativos).
➢ Em 8 de Abril de 2019, a entidade recorrida proferiu no relatório n.º 66/DLI/DLS/2019 a decisão que revogou as licenças de unidade industrial n.º XXXX/1999 (sita na Travessa do XXXX, n.º 20A, 1.º Andar), n.º XXXX/1999 (sita na Travessa do XXXX, n.º 20, 1.º Andar), n.º XXXX/1999 (sita na Travessa do XXXX, n.º 20A, R/C) e n.º XXXX/1999 (sita na Travessa das XXXX, n.º 15, R/C), todas dependentes da licença industrial n.º XXXX/1999 da B (vide fls. 18 a 27 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
➢ Em 10 de Abril de 2019, a DSE remeteu a notificação n.º 14/2019 ao recorrente comunicando-lhe a supra mencionada decisão.
➢ Em 10 de Maio de 2019, veio o recorrente, representado por mandatário judicial, interpor para este Tribunal o presente recuso contencioso da respectiva decisão.
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III. Fundamentação
O presente recurso tem por objecto a decisão proferida pelo director da DSE, que revogou as licenças de 4 unidades industriais pertencentes à B explorada pelo recorrente, com fundamento no disposto no artigo 40.º, n.º 1, alínea f) do DL n.º 11/99/M de 22 de Março («1. A licença industrial é revogada sempre que se verifique: …f) A alteração das instalações de modo que afecte a respectiva caracterização física ou finalidade respectiva, quando a situação, não sendo susceptível de regularização junto da entidade competente, não seja reposta no prazo máximo de 15 dias úteis a contar da notificação para o efeito…»)
Resulta dos factos provados que a decisão administrativa de revogação das licenças em causa deveu-se às vistorias realizadas aos estabelecimentos em questão pela Comissão de Vistoria, dependente da DSE, particularmente a efectuada em 26 de Setembro de 2018. A conclusão formada – nomeadamente o parecer do representante da DSSOPT relativamente a se existiam obras ilegais nos respectivos estabelecimentos industriais – pela Comissão de Vistoria depois da realização da referida operação foi comunicada ao recorrente por ofício datado de 12 de Outubro do mesmo ano, e serviu de fundamento directo à abertura do respectivo procedimento administrativo de revogação das licenças.
Por conseguinte, antes de se proceder à análise concreta dos invocados vícios de ilegalidade, convém primeiro apurar o contexto e as circunstâncias em que o procedimento administrativo se desenvolveu, sobretudo a relação sucessiva entre a falada conclusão da Comissão de Vistoria e a decisão recorrida que revogou as licenças.
Em primeiro lugar, como se pode vislumbrar do regime jurídico do licenciamento industrial formulado pelo DL n.º 11/99/M de 22 de Março, a Comissão de Vistoria desempenha um papel importante na fiscalização da regularidade do funcionamento dos estabelecimentos e unidades industriais.
Ao abrigo do disposto nos artigos 56.º, 58.º e 59.º deste DL, a Comissão de Vistoria é presidida pelo chefe do Departamento da Indústria da DSE, e integra os representantes designados pelas entidades competentes.
Nos termos do artigo 55.º do mesmo diploma, são atribuições da Comissão, entre outras, “a) Verificar o cumprimento de normas e regulamentos em vigor sobre o funcionamento de estabelecimentos e unidades industriais, designadamente no que se refere às condições de segurança das instalações, de segurança e higiene no trabalho e de protecção do ambiente”, “d) Efectuar recomendações junto dos responsáveis pelos estabelecimentos com vista a assegurar o adequado cumprimento das normas e regulamentos referidos na alínea a)”, “e) Participar as infracções às normas e regulamentos referidos na alínea a) e, bem assim, as que respeitam às disposições constantes do presente diploma”, e “f) Analisar e dar sequência aos processos de queixa relativos ao funcionamento de estabelecimentos ou unidades industriais.”
À luz do seu artigo 65.º, os pareceres e recomendações de cada um dos membros da Comissão são independentes e incidem sobre os seguintes aspectos: “a) Cumprimento das prescrições legais estabelecidas nos domínios da higiene e segurança no trabalho, da prevenção e segurança contra incêndios e da saúde pública; b) Medidas a executar pelo proprietário que se consideram essenciais para a adequada salvaguarda dos interesses públicos subjacentes às normas referidas na alínea anterior…” De resto, realizada a vistoria, os pareceres e recomendações emitidos pelos membros da Comissão devem constar do auto de vistoria assinado por todos eles, a lavrar no próprio dia da vistoria, e a submeter a homologação do chefe da DSE (artigos 69.º e 70.º do diploma)
Das situações irregulares que se mostrem desconformes com “o cumprimento das prescrições legais estabelecidas nos domínios da higiene e segurança no trabalho, da prevenção e segurança contra incêndios e da saúde pública” é elaborado auto de notícia, cuja cópia é junta ao auto de vistoria. E o despacho de homologação deve especificar quais as situações irregulares que devem ser notificadas ao interessado para que este as rectifique num determinado prazo. A notificação deve mencionar as consequências do incumprimento das recomendações (artigo 71.º, n.º 1 e n.º 2 e artigo 72.º do aludido DL).
Quando, no decurso da vistoria, seja detectada “alguma situação de desconformidade entre a configuração física das instalações e a respectiva planta”, o despacho de homologação determina igualmente a notificação ao interessado de que “deve iniciar o procedimento para a regularização do facto junto da entidade competente” (artigo 71.º, n.º 3 do mesmo DL)
O incumprimento das recomendações no prazo fixado tem como consequência, conforme for aplicável, a não emissão da licença industrial ou da licença de unidade industrial, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º; e o início do procedimento conducente à revogação da licença industrial ou da licença de unidade industrial, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 40.º (artigo 72.º do DL).
Compulsadas as normas legais acima citadas, constatamos que a supra referida Comissão de Vistoria é, na verdade, um órgão de natureza consultiva, cuja função é a de reunir os pareceres ou recomendações técnicos dos seus membros formados através da realização de vistoria a local objecto e no âmbito das suas próprias atribuições, transpô-los em forma de auto e, finalmente, submetê-lo a homologação do chefe da DSE, que por sua vez adopta, por acto de homologação, as recomendações dos membros da Comissão de Vistoria e determina a notificação das mesmas ao interessado, na qual:
- “Especifica quais as situações irregulares apenas objecto de recomendação que devem ser notificadas ao proprietário, bem como o prazo de que este dispõe para as rectificar”; e,
- Tratando-se de “situação de desconformidade entre a configuração física das instalações e a respectiva planta”, … “determina igualmente a notificação ao interessado de que deve iniciar o procedimento para a regularização do facto junto da entidade competente.” (como se refere nos artigos 70.º a 72.º do DL).
Como se sabe, o Prof. Marcello Caetano define o acto de homologação praticado pelo órgão administrativo como um acto administrativo na sua essência: “homologação é o acto administrativo pelo qual um órgão deliberativo aceita a sugestão proposta por um órgão consultivo e a converte em decisão sua. Assim, o conteúdo da homologação é a proposta homologada. Esta tem a natureza de parecer e só a homologação lhe confere carácter de acto definitivo e executório.” (Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, p. 461,. No mesmo sentido, cfr. o acórdão do TSI, de 11 de Dezembro de 2014, Processo n.º 74/2014).
Não é diferente o acto de homologação do director da DSE em causa neste caso: aceitou o parecer emitido pelo órgão consultivo no exercício das suas atribuições e fez qualificação jurídica independente dos factos previstos nas correspondentes legislações para definir a situação jurídica do interessado. Portanto, sendo uma decisão administrativa que, como refere o artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo, “ao abrigo de normas de direito público vise produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”, pode constituir acto administrativo no sentido da técnica jurídica.
Além disso, a natureza da decisão administrativa de homologação também pode ser inferida da redacção do artigo 70.º, n.º 2 do DL n.º 11/99/M: “Nos casos em que o auto de vistoria contenha pareceres contraditórios, cabe ao director da DSE, em última instância, promover a concertação das posições em conflito, tendo em conta a salvaguarda dos valores da segurança e saúde públicas e do equilíbrio ambiental, bem como todas as condicionantes susceptíveis de limitar a exequibilidade das recomendações em causa.”
No procedimento administrativo conducente à revogação de licença, embora o acto de homologação preceda à decisão final de revogação e sirva do pressuposto desta, é autónomo dela e produz efeitos jurídicos por si próprio, pelo que é acto destacável. Por isso, o interessado pode interpor recurso contencioso directamente desse acto sem precisar de esperar pela decisão final (no que diz respeito à recorribilidade deste tipo de actos, vide Viriato Lima – Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso, Anotado, p. 104).
De outro ponto de vista, se o interessado quiser contestar a legalidade inerente deste tipo de actos, deve fazê-lo através de recurso contencioso específico oportunamente interposto em vez de esperar até à impugnação da decisão final. Isso não é difícil de entender: tratam-se de actos administrativos de diferentes fases, autónomos e independentes entre si, pelo que devem naturalmente ser objectos de diferentes recursos contenciosos. Se for perdida a oportunidade de impugnação do acto precedente, este transitará em caso decidido, cujos efeitos jurídicos se tornarão consequentemente consolidados e estáveis, que não podem ser ilididos mediante acção intentada contra o acto subsequente.
Voltemos ao nosso caso. Conforme evidenciam os autos administrativos (fls. 945 a 959), o auto de vistoria, elaborado pela Comissão de Vistoria no próprio dia da vistoria (26 de Setembro de 2018), contém os pareceres dos representantes dos órgãos competentes e foi assinado pelos mesmos, e posteriormente (em 11 de Outubro do mesmo ano) homologado pelo director da DSE. Se o recorrente não se conformasse com o acto de homologação, devia o ter impugnado oportunamente, limitando-se a impugnação ao conteúdo do parecer homologado da Comissão de Vistoria. Isto quer dizer que, sem que tenha sido deduzida a impugnação, a questão acerca da existência de obras ilegais nos três estabelecimentos industriais em causa – Travessa do XXXX, n.º 20, 1.º Andar e n.º 20A, 1.º Andar e R/C – passa a ter a conclusão definitiva e deixa de ser contestável.
Na verdade, o recorrente não pôs em crise a existência das obras ilegais. O que questionou foi a conclusão de que tais obras afectaram a caracterização física e a finalidade dos prédios em causa, e a consequente revogação da licença industrial dos referidos estabelecimentos (vide artigos 25.º e 35.º da petição inicial).
Como se constata, de acordo com o artigo 71.º, n.º 3 do diploma acima referido, a desconformidade entre a configuração física das instalações e a respectiva planta constitui uma irregularidade. O respectivo parecer, após ter sido homologado por despacho, deve ser notificado ao interessado para produzir efeitos vinculativos no sentido de “iniciar o procedimento para a regularização do facto junto da entidade competente.” No caso dos autos, o parecer do representante da DSSOPT que integra a Comissão de Vistoria obviamente não contém qualquer redacção de “alteração das instalações de modo que afecte a respectiva caracterização física”. E ele também não podia chegar a tal conclusão, devido à falta das plantas originais das unidades industriais em escrutínio necessárias à formação desta conclusão.
À luz da norma supra citada, só com a verificação das respectivas plantas se pode concluir que a configuração física dos prédios tenha sido alterada. Ora, não havendo quaisquer plantas, parece-nos pouco convincente afirmar que “o relatório da DSSOPT confirma a existência nos estabelecimentos em causa de obras ilegais que evidentemente afectam a caracterização física ou finalidade destes”. Tal como atrás se referiu, a DSSOPT limitou-se a indicar a existência de obras ilegais. Quanto aos impactos na configuração física ou na finalidade, trata-se meramente de inferências formuladas pela entidade recorrida.
Ademais, a entidade recorrida não desconhece a importância das plantas. Podemos saber isso do facto de a mesma, antes da tomada da decisão, ter remetido ofício à DSSOPT em 27 de Novembro de 2018 para solicitar as respectivas informações, mas sem sucesso (vide anexos a fls. 997 e 1114 a 1118 dos autos administrativos).
Deste modo, o recorrente tem razão ao sustentar que o acto recorrido incorreu em erro nos pressupostos de facto carecendo sobretudo elementos probatórios para suportar que a “alteração das instalações afectou a caracterização física ou a finalidade” (como se refere nos artigos 23.º a 38.º da petição inicial). Claro, admitimos que a planta das instalações não deve ser o único meio de prova. Porém, na ausência da planta, deve-se pelo menos procurar recolher elementos probatórios de semelhante valor que possam a substituir, a fim de se chegar a uma conclusão mais fiável. Só assim pode o procedimento prosseguir para se tomar uma decisão administrativa final bem fundamentada.
Além disso, porquanto o acto recorrido entende que “o prazo máximo de 15 dias úteis” para a regularização das obras ilegais começou a correr a partir da data da notificação do ofício, o falado pressuposto da “alteração das instalações afectar a caracterização física ou a respectiva finalidade” devia ter sido estabelecido pelo menos antes de 12 de Outubro de 2018, data do primeiro ofício de notificação da DSE ao recorrente, com o n.º 42772/DLI/DLS/2018. Portanto, qualquer medida tomada após dessa data com o objectivo de recolher prova já não podia sanar a falta de fundamento de que enfermava a decisão administrativa.
Razão pela qual, assiste razão ao recorrente nesta parte.
*
Posto isto, olhemos para outro vício invocado pelo recorrente: ele alegou que a unidade industrial sita na Travessa das XXXX, n.º 15, R/C (com licença n.º XXXX/1999) nunca foi objecto das vistorias efectuadas pela Comissão, cujos autos de vistoria também não dizem que o local tem obras ilegais.
Trata-se duma questão de legalidade da própria decisão recorrida. Dito em palavras simples, a ver do recorrente, a decisão careceu de fundamentos fácticos ao revogar a licença de unidade industrial (n.º XXXX/1999) do falado estabelecimento sem vistoria realizada nem recomendação da Comissão de Vistoria (como se refere nos artigos 3.º a 11.º da petição inicial).
A entidade recorrida defendeu a sua decisão do seguinte modo: “…Apesar dos prédios indicados pela DSSOPT como tendo obras ilegais ser os n.ºs 20 e 20A da Travessa do XXXX, isso só mostra os números de polícia dos prédios com obras ilegais, cumpre entretanto salientar que o âmbito duma obra ilegal não é definido pelo número de polícia do prédio, mas antes pela finalidade desta e pelo alcance do seu impacto. Algumas das obras ilegais em causa (tais como a construção de pilares e vigas metálicos e a abertura de furos) cobrem mais de um estabelecimento com licença de unidade industrial. Portanto, os estabelecimentos operados sob as 4 licenças de unidade industrial em análise foram efectivamente transformados, através das obras ilegais, numa única fábrica de produção e transformação de produtos alimentares, sendo cada um deles uma parte integrante desta. No caso em apreço, as obras ilegais afectam simultaneamente todas as 4 unidades industriais em vez de só aquelas onde as obras se encontrem. Por conseguinte, não apenas algumas das unidades industriais foram afectadas, mas todas as partes integrantes dessa fábrica se encontram sob o impacto das obras ilegais. O prédio sito no n.º 15 da Travessa das XXXX faz parte da falada fábrica, que no seu conjunto é afectada pelas obras ilegais. Isso é um facto inegável, independentemente de se se trata dum edifício independente ou se ele tem a sua própria licença de unidade industrial. A posição da entidade recorrida é: as obras ilegais têm como objecto toda a fábrica de produção e transformação de produtos alimentares, da qual faz parte o prédio sito no n.º 15 da Travessa das XXXX, pelo que a respectiva licença de unidade industrial deve ser revogada…” (vide artigo 6.º da contestação).
Nos autos administrativos não se pode constatar que tipo de ligação inextricável tem a unidade industrial sita no R/C do n.º 15 da Travessa das XXXX, devido às obras ilegais, com as outras três unidades industriais cujas licenças também foram revogadas. No entanto, é incontestável que os autos de vistoria constantes de fls. 945 a 959 dos autos administrativos nada mencionam a esse respeito. Também não podemos ignorar que o endereço em causa (R/C do n.º 15 da Travessa das XXXX) tinha a sua própria licença industrial, quer dizer que existia neste endereço um local de laboração independente susceptível de constituir unidade industrial independente (artigo 9.º, n.º 2 do DL n.º 11/99/M).
Portanto, antes de se decidir pela revogação da licença emitida à unidade industrial situada nesse endereço, era necessária uma avaliação separada em relação ao cumprimento do seu funcionamento com as exigências legais. Segundo o recorrente, a decisão recorrida está viciada de falta de pressupostos factuais neste segmento, por falta de investigação efectuada pela Comissão de Vistoria. Na nossa interpretação, a expressão mais precisa é: a decisão recorrida carece nesta parte de suporte dum acto precedente, ou seja, o despacho de homologação do director da DSE relativamente às eventuais recomendações da Comissão de Vistoria.
Tal como se aludiu já supra, nos termos do disposto nos artigos 69.º a 72.º do DL n.º 11/99/M, a vistoria efectuada pela Comissão de Vistoria e o despacho de homologação do director da DSE constituem em conjunto o pressuposto necessário da subsequente decisão de revogação de licença. O artigo 71.º, n.º 3 dispõe inequivocamente que “Quando, no decurso da acção de inspecção ou da vistoria, seja detectada alguma situação de desconformidade entre a configuração física das instalações e a respectiva planta, o despacho de homologação determina igualmente a notificação ao interessado de que deve iniciar o procedimento para a regularização do facto junto da entidade competente.”
Por outro lado, a entidade recorrida nunca negou a necessidade deste pressuposto. Não obstante a mesma entidade ter solicitado, de forma suplementar, na subsequente notificação de audiência escrita ao recorrente, a sua pronúncia sobre a decisão de revogação das licenças das unidades industriais, incluindo a sita na Travessa das XXXX, n.º 15, R/C, devido à alteração das instalações, isso foi depois de a mesma ter considerado provado que o recorrente “não cumpriu as exigências descritas no ofício emitido por esta Direcção a 12 de Outubro de 2018 quanto à regularização da alteração das instalações junto da entidade competente, nem procedeu à reposição da situação.” Tal ofício de 12 de Outubro de 2018 limitou-se a ordenar o interessado, com base nas recomendações da Comissão de Vistoria e no parecer do representante da DSSOPT, que tomasse medidas de regularização num determinado prazo. No entanto, é incontestável que o mesmo nada mencionou sobre a unidade industrial sita na Travessa das XXXX, n.º 15.
Obviamente, este vício não é susceptível de reparação nos ulteriores processos.
Não importa como o recorrente se pronunciou na audiência escrita ou se admitiu todos os factos de que era acusado relativamente às unidades industriais incluindo a sita na Travessa das XXXX, n.º 15, R/C (na verdade, ele limitou-se a dar respostas genéricas e passivas com base nas redacções da notificação de contestação, sem especificar a situação concreta de cada estabelecimento), o facto é a intervenção indispensável administrativa exigida pelos procedimentos administrativos não é substituível por nada.
Nem muito menos pelo ofício da DSSOPT de 25 de Julho de 2019 junto pela entidade recorrida a fls. 70 a 71 dos autos. Se bem que o ofício tenha mencionado expressamente que existia obras ilegais no R/C do n.º 15 da Travessa das XXXX, não era capaz de contornar o problema: o documento foi elaborado depois da tomada da decisão recorrida e nunca integrou os autos administrativos, pelo que naturalmente jamais foi tido em consideração no processo de tomada da decisão. Razão pela qual, não pode ser considerado como fundamento suplementar ao acto recorrido, nem pode sanar o vício de procedimento de que este padece.
Dessarte, a nossa conclusão é que o acto recorrido (na parte em que revogou a licença de unidade industrial n.º XXXX/1999 emitida ao R/C do n.º 15 da Travessa das XXXX) deve ser anulado.
*
Seguidamente, analisemos os outros vícios invocados pelo recorrente.
À luz do supra citado disposto no artigo 40.º, n.º 1, alínea f) do DL n.º 11/99/M de 22 de Março, a revogação da licença industrial deve preencher, cumulativamente, os seguintes pressupostos:
- A verificação da alteração das instalações de modo que afecte a respectiva caracterização física ou finalidade respectiva;
- A insusceptibilidade da situação ser regularizada junto da entidade competente; e,
- A não reposição da situação no prazo máximo de 15 dias úteis a contar da notificação para o efeito.
Tratando-se duma decisão de revogação-sanção, cabe obviamente à Administração o ónus da prova dos factos constitutivos dos seus pressupostos.
O recorrente apresentou impugnações específicas a cada um dos supra aludidos pressupostos. Para além dos vícios já supra analisados, ainda entende não estar reunido o pressuposto de “situação insusceptível de regularização junto da entidade competente” (artigos 77.º a 96.º dos autos).
Concordamos com o seu entendimento.
A entidade recorrida nunca respondeu positivamente a essa questão que tinha sido levantada pelo recorrente já na fase de audiência escrita. Na parte conclusiva do ponto 5 da decisão sancionatória, a entidade recorrida referiu: “…o relatório da DSSOPT confirma a existência nos estabelecimentos em causa de obras ilegais que evidentemente afectam a caracterização física ou a finalidade dos prédios. Acresce que, as autoridades exigiram a suspensão das respectivas obras ao interessado, que entretanto não o fez. Em 12 de Outubro de 2018, esta Direcção remeteu ofício aos falados estabelecimentos notificando-os que, devido à existência das obras ilegais, devia proceder-se à regularização junto da DSSOPT no prazo de 15 dias úteis contados desde a notificação deste ofício, sob pena de revogação da respectiva licença industrial. No dia 15 de Janeiro de 2018, o Sr. A pediu junto da DSSOPT a demolição das obras ilegais, o que demonstrou o seu conhecimento sobre a ilegalidade das mesmas. E a resposta da DSSOPT mostrou mais uma vez a necessidade de demolição das obras ilegais. No entanto, o respectivo pedido de demolição e reposição das obras ilegais não foi formulado em conformidade com o projecto aprovado pela DSSOPT, o que levou ao indeferimento do mesmo…” (fls. 25 dos autos, sublinhados nossos).
De acordo com a linha cronológica traçada pela entidade recorrida, primeiro, esta verificou, na vistoria, a existência de obras ilegais na fábrica em causa, pois notificou o recorrente para a regularização em determinado prazo. Consequentemente, o recorrente pediu junto da DSSOPT a demolição das respectivas obras ilegais. A resposta dada pela DSSOPT confirmou novamente a existência das obras ilegais. Ultimamente, o referido pedido de demolição foi indeferido por desconformidade com o projecto aprovado pela DSSOPT.
Daí se vê que a “regularização” das obras ilegais entendida pela entidade recorrida equivale à demolição e reposição das mesmas – posição diferente do nosso entendimento.
Antes de mais, como se aludiu supra, a existência de obras ilegais nos três estabelecimentos industriais em causa – 1.º Andar do n.º 20 da Travessa do XXXX e R/C e 1º Andar do n.º 20A da Travessa do XXXX – é uma conclusão confirmada pelo parecer homologado da Comissão de Vistoria, a qual aqui não discutiremos devido à eficácia do acto de homologação.
Para aplicar o disposto no artigo 40.º, n.º 1, alínea f), o acto recorrido procurou inferir, da existência das obras ilegais, que estas “afectam a caracterização física e a finalidade dos prédios onde se encontram os estabelecimentos”. Isso também parece incontestável.
Como são objecto da discussão da causa as obras ilegais que “afectam a caracterização física e a finalidade dos prédios”, é de salientar que, à luz da respectiva norma, existe manifestamente uma ordem sequencial entre o juízo sobre a susceptibilidade de regularização das obras e a ordem de demolição ou reposição, não sendo elas duas opções substituíveis entre si. Só da provada insusceptibilidade de regularização das obras ilegais resulta a obrigação de reposição ou de demolição das mesmas.
É clara a razão porque a respectiva disposição estabeleceu vários pressupostos para a decisão administrativa de revogação de licença. No que diz respeito aos factos relativos à alteração da caracterização física das unidades industriais, o legislador queria facultar, quer aos donos dos estabelecimentos industriais, quer aos outros agentes das actividades industriais, um espaço de manobra suficiente, pelo que priorizou o juízo, por parte da entidade competente, sobre a susceptibilidade de regularização, com vista a evitar o máximo possível o impacto negativo directo nas actividades industriais. O que é também uma das razoáveis interpretações do “princípio de intervenção mínima do poder sancionatório” referido no fim do preâmbulo do próprio DL n.º 11/99/M.
Se for de colher a opinião da entidade recorrida expressada através do seu acto administrativo, ou seja, a regularização das obras ilegais é igual à demolição e reposição das mesmas, cairá em letra morta a “insusceptibilidade de regularização junto da entidade competente” estabelecida pela aludida norma como condição prévia da obrigação de reposição. Isso porque, uma vez detectada qualquer situação irregular, será sempre mais fácil simplesmente entregar o caso à DSSOPT para esta ordenar a demolição e reposição, começando a contar, a partir deste momento, o prazo legal para a revogação da respectiva licença. No entanto, não podemos deixar de frisar que, não obstante a evidente facilidade desta abordagem a nível de execução, ela afasta-se do pensamento legislativo, perturbando ou até prejudicando as actividades industriais privadas.
Além disso, na sua contestação a entidade recorrida também não negou a necessidade de priorizar a “regularização das obras”. No entanto, fundando-se na experiência e opiniões profissionais, entendeu que “as obras ilegais detectadas nos estabelecimentos da B devem ser demolidas e repostas por impossibilidade de serem susceptíveis de regularização junto da DSSOPT” (vide artigo 12.º da contestação). Todavia, como se constata, esta opinião não é suportada pelos fundamentos do acto recorrido.
Com efeito, tanto a DSSOPT como a DSE simplesmente trataram o caso como tendo obras ilegais que precisavam de ser repostas, sem nunca considerar a “susceptibilidade de regularização” nem se pronunciar expressamente a esse respeito (na decisão da DSSOPT, datada de 24 de Janeiro de 2019, em que não se admitiu o pedido de demolição do recorrente, igualmente não foi mencionada a questão de regularização. Mesmo que se entenda que já se pronunciou, isso não releva, como se referiu anteriormente, porque teve lugar depois da primeira notificação de 12 de Outubro de 2018).
Pelas mesmas razões, o supra mencionado ofício emitido pelo director da DSSOPT a 25 de Julho de 2019, junto a fls. 70 a 71 dos autos, que desaprovou o pedido de alteração/regularização das obras formulado pelo recorrente em 12 de Abril de 2019 e constante de fls. 33 dos autos, também não pode sanar de forma superveniente a omissão da decisão da entidade recorrida. Ou seja, antes da ordem de reposição das obras ilegais, nunca as autoridades se pronunciaram pela insusceptibilidade das obras ilegais ser regularizadas.
No recurso contencioso administrativo, o tribunal ajuíza sobre a legalidade da decisão da Administração com base nos fundamentos fácticos e jurídicos que esta teve em consideração na tomada da decisão. Visto que se entende que a insuficiência dos fundamentos da decisão administrativa não é susceptível de reparação através de contestação de acção judicial, as outras tentativas com o mesmo fim também não terão sucesso.
Deste modo, deve ser julgado procedente o recurso interposto, anulando-se o acto recorrido.
*
Assim, deixa de ser necessária discussão profunda sobre o outro erro nos pressupostos de facto assacado pelo recorrente ao acto recorrido – a partir de quando se devia contar o “prazo máximo de 15 dias úteis” consagrado na citada norma e se o recorrente tomou medidas de regularização a tempo (artigos 53.º a 76.º da petição inicial).
Posto que a reposição das obras ilegais é o passo seguinte à confirmação da respectiva situação irregular como “insusceptível de regularização junto da entidade competente”, o “prazo máximo de 15 dias úteis” deve começar a correr depois da conclusão de “insusceptibilidade de regularização” por parte da entidade competente e a partir do dia da notificação da mesma ao interessado para a reposição das obras. No caso sub judice, entretanto, a falta de reconhecimento de “insusceptibilidade de regularização” impediu o início da contagem do respectivo prazo.
Face ao exposto, o recurso deve proceder também neste segmento.».
Vem a entidade recorrida imputar à decisão recorrida vários erros de julgamento que segundo conclui implicam a revogação da mesma e a sua substituição por outra que mantenha o acto recorrido.
Concluindo pelo acerto da decisão recorrida, é do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério:
«2.
Parece-nos, salvo o devido respeito, que a pretensão do Recorrente carece de fundamento legal que justifique o respectivo provimento.
Pelas razões seguintes.
(i)
Está em causa, como já deixámos dito, um acto praticado pelo Recorrente que revogou determinadas licenças de unidade industrial de que o Recorrido é titular tendo em vista a exploração do fabrico de pão, pastelaria e doces ocidentais.
Como resulta expressamente do acto administrativo contenciosamente impugnado, tal revogação fundou-se na norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 11/99/M, de 22 de Março, importando, por isso, que nos detenhamos na análise dessa norma e nas suas implicações procedimentais de forma a podermos fixar com precisão os pressupostos procedimentais e substantivos que condicionam a actuação administrativa revogatória que seja praticada ao seu abrigo.
Ali se estabelece que a licença industrial é revogada sempre que «a alteração das instalações de modo que afecte a respectiva caracterização física ou finalidade respectiva, quando a situação, não sendo susceptível de regularização junto da entidade competente, não seja reposta no prazo máximo de 15 dias úteis a contar da notificação para o efeito».
A leitura analítica deste inciso legal permite, com alguma facilidade, nela destrinçar os pressupostos legais do acto de revogação da licença industrial aí previstos, tal como, de resto, com inatacável acerto, se fez na douta sentença recorrida. São eles os seguintes:
- Ocorrência de uma alteração das instalações industriais;
- Afectação da caracterização física ou da finalidade de tais instalações;
- Insusceptibilidade de regularização da alteração junto da entidade competente;
- Não reposição do status quo ante por parte do interessado no prazo de 15 dias a contar da notificação para esse efeito.
Apesar da sua aparente simplicidade, a verdade é que, atento o modo como a norma define os pressupostos indispensáveis à prática do acto de revogação da licença industrial dela resultam tem implicações procedimentais relevantes que, a nosso ver, importa referir. Trata-se, se bem vemos, de um procedimento complexo no qual, além do respectivo acto final, se encontram as chamadas pré-decisões, ou seja, «actos que, precedendo o acto final de um procedimento ou o acto que define a situação jurídica do interessado no âmbito de outro procedimento, decidem peremptória ou vinculativamente, sobre a existência de condições ou requisitos de que depende a prática de tal acto», mais concretamente, actos parciais, é dizer, «decisões constitutivas de efeitos externos antecipados no que respeita a uma parte ou a um aspecto da decisão final global (assim, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 5.ª edição, Coimbra, 2018, p. 176).
Com efeito, da norma do n.º 3 do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 11/99/M é possível extrair que a verificação da desconformidade das instalações industriais relativamente ao que consta da respectiva planta resulta de uma acto de inspecção levado a cabo pela chamada Comissão de Vistoria a que alude o artigo 54.º do mesmo diploma legal sujeito a homologação do Director dos Serviços de Economia que «determina igualmente a notificação ao interessado de que deve iniciar o procedimento para a regularização do facto junto da entidade competente».
Este primeiro acto tem em vista definir, portanto, de forma vinculativa para o interessado que ocorreu uma alteração nas instalações e que a mesma afecta a respectiva caracterização física ou finalidade.
Com a prática desse acto, fica o interessado obrigado a desencadear junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes o procedimento tendente à regularização da situação, o qual, naturalmente, terminará com um acto de deferimento ou indeferimento de tal pedido, sendo que, só neste último caso, ou seja, quando a situação se mostre insusceptível de regularização é que a Direcção dos Serviços de Economia notificará o interessado para, no prazo de 15 dias, repor a conformidade das instalações com a planta aprovada, eliminando as alterações introduzidas. Caso essa reposição não ocorra, terá então lugar o acto de revogação da licença industrial.
Em todo o caso, essa ordem de reposição pressupõe, também ela, de uma segunda pré-decisão, que é um acto da competência Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes de indeferimento do pedido com fundamento na insusceptibilidade de regularização da situação constatada no decurso da vistoria, também ele um acto com efeito externos, constitutivo de efeitos jurídicos na esfera jurídica do particular.
(iii)
No caso em apreço, da matéria de facto provada resulta que, num primeiro momento, em 12 de Outubro de 2018, na sequência da homologação de três autos de vistoria realizados pela respectiva Comissão, a Direcção dos Serviços de Economia notificou o interessado e recorrido, dando-lhe nota de que havia sido detectada a existência de obras ilegais nas instalações industriais situadas na Travessa do XXXX, n.º 20, 1.º andar e na Travessa do XXXX, 20 A, rés-do-chão e 1.º andar. Além disso, no mesmo ofício, notificou-se o interessado para, no prazo de 15 dias úteis, pedir a regularização junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, sob pena de revogação da licença.
Cerca de um mês depois, em 14 de Novembro de 2018, a Comissão de Vistoria, na sequência de uma acção inspectiva aos locais acima referidos, elaborou novo auto no qual consignou não ter detectado diferenças relativamente à situação anteriormente verificada. Esse acto foi homologado pelo Director dos Serviços de Economia em 3 de Dezembro de 2018.
Em 8 de Janeiro de 2019, a Direcção dos Serviços de Economia notificou novamente o Recorrido, para efeitos de audiência prévia, comunicando-lhe a abertura de um procedimento para revogação da licença uma vez que as instalações dos mencionados estabelecimentos foram alteradas de modo o afectar a respectiva caracterização física ou finalidade, não tendo, ademais, sido cumpridas as exigências que tinham sido formuladas através do ofício de 12 de Outubro de 2018.
Em 15 de Janeiro de 2019, o Recorrido pediu junto do Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes1 a aprovação da demolição das obras ilegais sitas na Travessa do XXXX, n.ºs 20 e 20-A e em 24 de Janeiro de 2019, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes indeferiu tal pedido.
Finalmente, em 8 de abril de 2019, o Recorrente revogou as licenças de unidade industrial n.ºs XXXX/1999, XXXX/1999, XXXX/1999 e XXXX/1999, todas dependentes da licença industrial n.º XXXX/1999 da B.
Face a esta factualidade, parece-nos que o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo andou bem quando anulou o acto recorrido.
(iv)
Com efeito, a Administração não observou, como se impunha, as exigências legais que a norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 40.º do Decreto Lei n.º 11/99/M impõe como condição para a revogação de uma licença industrial e a que acima nos referimos.
Desde logo, não foi praticado o acto parcial de verificação da ocorrência de uma alteração nas unidades industriais em causa que tivesse afectado a respectiva caracterização física ou finalidade, uma vez que no acto praticado em 12 de Outubro de 2018, a Administração apenas notificou o Recorrido da existência de obras ilegais, não tendo, no entanto, feito qualquer juízo sobre aquela afectação. E não nos parece que uma coisa implique necessariamente a outra. Podem existir obras2 ilegais sem afectação da caracterização física ou da finalidade das instalações industriais. É indispensável, a nosso ver, uma decisão (em rigor, uma pré-decisão) da administração que conclua fundamentadamente que as obras ilegais realizadas implicaram aquela afectação.
Ora, sem essa pré-decisão, que, como vimos, decide peremptória ou vinculativamente sobre a existência de condições ou requisitos de que depende a prática do acto de revogação, constituindo, portanto, seu pressuposto indispensável, não podia a Administração praticar o acto revogatório impugnado.
Acresce que, como também salientou a douta decisão recorrida, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes não praticou a outra pré-decisão que o procedimento legal prevê e que é, justamente, a que considere a alteração insusceptível de regularização. De resto, isso nem sequer seria possível porquanto, no início do procedimento, a Administração não notificou o Interessado, como se impunha, da existência de alterações que afectam a caracterização física ou a finalidade das instalações, subtraindo-lhe, portanto, a possibilidade de o mesmo requerer3 a respectiva regularização.
Faltava, pois, em todo o caso, o pressuposto indispensável para o decretamento da revogação das licenças atinente à insusceptibilidade de regularização da alteração junto4 da entidade competente, sendo que, como sagazmente assinalou o Meritíssimo Juiz a quo, «só da provada insusceptibilidade de regularização das obras ilegais resulta a obrigação de reposição ou de demolição das obras ilegais». O que se compreende bem se tivermos presente o «princípio da intervenção mínima do poder sancionatório», a que se alude no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 11/99/M, o qual, embora se refira expressamente ao domínio das infracções, não pode deixar de se projectar nas demais intervenções ablativas da Administração, como aquela que aqui se discute.
Aliás, dado tratar-se de um pressuposto legal vinculativo condicionador da actuação da Administração, esta jamais poderia praticar o acto de revogação sem que estivesse assente no momento procedimentalmente relevante aquela insusceptibilidade de regularização. A verdade, porém, é que tal sucedeu (de salientar que irreleva, como é evidente, a tomada de posição da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes datado de 29 de Junho de 2019 pela simples razão de que o mesmo é posterior ao acto administrativo recorrido).
De resto, para encerrar quanto a este ponto, não podemos deixar de notar que a Administração nunca procedeu à notificação do Recorrido nos termos legalmente impostos pela parte final da norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 11/99/M, a notificação para a reposição do status quo ante por parte do interessado no prazo de 15 dias. Nem podia fazê-lo, aliás. Com efeito, como apropriadamente se salientou na douta decisão recorrida, tal notificação pressupunha a prévia falta de reconhecimento da falada insusceptibilidade de regularização da situação.
(v)
Finalmente, a questão da invalidade do acto que revogou a licença n.º XXXX/1999 da unidade industrial sita na Travessa da XXXX, n.º 15, rés-do-chão.
Também aqui nos parece ser inquestionável o acerto da douta sentença recorrida.
A dita unidade industrial tem autonomia relativamente às demais cujas licenças também foram objecto de revogação. Nada resulta dos autos, incluindo do processo administrativo instrutor, que demonstre o contrário.
Contudo, a Administração desprezou essa autonomia pois que, como a matéria de facto provada permite inequivocamente constatar, em relação a esta unidade industrial, o acto administrativo impugnado não foi antecedido dos indispensáveis actos parciais que antes referimos e que constituem pressupostos indispensáveis da decisão de revogação, como decorre do facto de o ofício de notificação, dando nota da existência de obras ilegais e da necessidade da sua regularização no prazo de 15 dias, datado de 12 de Outubro de 2018, de todo se lhe não referir. Incontornável, portanto, também nesta parte, a violação de lei por parte do acto recorrido.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se na ordem jurídica a douta sentença recorrida.».
Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta, entendemos que improcedem os fundamentos de recurso quanto aos vícios imputados à sentença recorrida, impondo-se decidir em conformidade, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos de acordo com os fundamentos dela constantes para os quais se remete.
No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância em negar provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Sem custas por delas estar isenta a entidade recorrida.
Registe e Notifique.
RAEM, 24 de Fevereiro de 2022
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
*
Mai Man Ieng
1 Correcção nossa por ser manifesto lapso de escrita onde antes se dizia “dos Serviços de Economia”
2 Correcção nossa por ser manifesto lapso de escrita onde antes se dizia “normas”
3 Correcção nossa por ser manifesto lapso de escrita.
4 Idem.
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745/2021 ADM 13