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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 28/02/2022 --------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng --------------------------------------------------------------------------

Processo n.º 33/2022
(Recurso em processo penal)
Recorrentes:
  A
  B, Limitada (B有限公司)






DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. No âmbito do Processo n.o CR1-17-0388-PCC do Tribunal Judicial de Base (TJB), foi proferido, em 15 de Outubro de 2021, despacho judicial no sentido de:
– 1) efectivar o confisco penal do montante de MOP570.000,00 no saldo da conta de poupança em patacas n.o 13-00-10-082832, em execução do já inclusivamente ordenado, nos termos do art.o 103.o, n.o 2, do Código Penal (CP), no ponto 6 do dispositivo do já transitado em julgado douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância (TUI), de 13 de Julho de 2017, do Processo (penal) n.o 60/2015, condenatório do arguido A (doravante abreviado como “Acórdão do TUI”);
– 2) ordenar o confisco penal do então apreendido direito sobre o lugar de estacionamento (como bem comum do arguido A e da sua esposa, adquirido em nome desta, pelo preço de HKD450.000,00 (equivalente a MOP463.500,00)) n.o A1-292 do Edifício “XX” (XX), para execução da declaração de perdimento, a favor da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), dos bens patrimoniais de origem não justificada desse arguido e da sua esposa no valor de MOP12.104.309,66, já decretada nos termos do art.o 28.o, n.o 1, da Lei n.o 11/2003, no ponto 7 do dispositivo do mesmo douto Acórdão do TUI, e também para execução da declaração de perdimento, mais no valor de MOP412.443,74, decretada pelo Tribunal de Segunda Instância (TSI) no já transitado Acórdão de 22 de Julho de 2021 do Processo n.o 951/2017, emergente do Processo n.o CR1-16-0434-PCC do TJB (doravante abreviado como “acórdão do TSI”);
– 3) e ordenar o confisco penal do montante de MOP12.053.253,40, dentro do saldo da conta bancária n.o 27-88-XX-07XXX2.
E no mesmo dia 15 de Outubro de 2021, no âmbito do mesmo ora subjacente Processo n.o CR1-17-0388-PCC, foi proferido também despacho judicial no sentido de mandar notificar a B, Limitada (doravante abreviada como B), para esta vir depositar na conta do Tribunal o montante de HKD600.000,00 (outrora usado para o mesmo arguido comprar, através de outrem, quota social dessa Sociedade), então já declarado perdido a favor da RAEM, por força do já inclusivamente ordenado, nos termos do art.o 103.o, n.o 2, do CP, no ponto 6 do dispositivo do já transitado em julgado douto Acórdão referido do TUI.
Inconformados, vieram recorrer quer o arguido A quer a B.
Nas conclusões da sua motivação apresentada a fls. 2 a 5v dos presentes autos recursórios, esse arguido delimitou o objecto do seu recurso apenas pela questão de alegado excesso por parte do Tribunal a quo na declaração de perdimento ordenada no acima primeiro despacho, por esse Tribunal não ter considerado a circunstância de o montante total de HKD331.000,00 em numerário então apreendido à ordem do acima referido Processo do TUI já ter sido declarado a favor da RAEM no ponto 8 do dispositivo do respectivo Acórdão do TUI, para efeitos de compensar parte do valor dos bens declarados também perdidos nesse mesmo Acórdão, pelo que no seu entender se deveria fazer um ajuste de contas na declaração do perdimento ordenada no despacho recorrido, de modo a passar a não confiscar o direito sobre o lugar de estacionamento em causa, e a confiscar directamente tudo por conta do saldo existente na conta de poupança n.o 27-88-XX-07XXX2.
Enquanto a B alegou e pretendeu, no essencial, o seguinte, na motivação do seu recurso ora constante de fls. 15 a 21v:
– o despacho judicial ora recorrido por ela (ou seja, o segundo dos acima referidos despachos) padeceu do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada aludido na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP);
– falta de observância do princípio do contraditório pelo Tribunal recorrido, por ela não ter sido notificada previamente para se pronunciar sobre o assunto decidido nesse despacho recorrido;
– e fosse como fosse, ela deveria ser considerada como “terceiro de boa fé”, à luz do n.o 2 do art.o 103.o do CP;
– o senhor que alegadamente comprou, por conta do interesse do arguido A nos bastidores, a quota da própria Sociedade nunca chegou a entregar o dinheiro a sócio ou órgão de administração da Sociedade, nem houve assinatura do título de aquisição da quota, pelo que tal aquisição da quota não foi verdadeira, sendo o acto praticado por esse senhor enquadrável no regime do art.o 1106.o do Código Civil, o que impossibilitou à Sociedade saber da relação entre tal senhor e o arguido A e outros;
– por último, e subsidiariamente falando, o despacho recorrido também teria violado o princípio de investigação do art.o 321.o, n.o 1, do CPP, nomeadamente no tocante à indagação da existência ou não do acordo de compensação de dívida entre tal senhor e a própria sociedade ora recorrente.
Ao recurso do arguido A, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 6 a 11 do presente processado recursório, no sentido de provimento parcial do recurso, na parte referente à alegada desconsideração, pelo Tribunal recorrido, da já declaração de perdimento do montante de HKD331.000,00, pelo que se deveria passar a fazer ajuste de contas na conta bancária indicada na motivação do recurso desse arguido, com manutenção, porém, da declaração de perdimento do direito sobre o lugar de estacionamento.
A mesma Digna Delegada, a fls. 35 a 43v do presente processado recursório, respondeu também ao recurso da B, pugnando pela improcedência do mesmo.
Subidos os autos recursórios em questão, emitiu o Digno Magistrado do Ministério Público, em sede de vista, parecer a fls. 261 a 265v, no sentido de não provimento do pedido do recurso do arguido A e do recurso da B, sem prejuízo do ajuste de contas opinado na resposta do Ministério Público ao recurso do arguido A.
Cumpre decidir agora sumariamente dos dois recursos, dada a simplicidade das questões a decidir, nos termos permitidos pelo art.o 621.o, n.o 2, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.o 4.o do CPP.
2. Do exame do presente processado recursório, sabe-se o seguinte:
No âmbito do ora subjacente Processo n.o CR1-17-0388-PCC do TJB, foi proferido, em 15 de Outubro de 2021, despacho judicial (de teor ora certificado a fls. 47 a 50 do presente processado, e aqui dado como integralmente reproduzido), no sentido de:
– 1) efectivar o confisco penal do montante de MOP570.000,00 no saldo da conta de poupança em patacas n.o 13-00-10-082832, em execução do já inclusivamente ordenado, nos termos do art.o 103.o, n.o 2, do CP, no ponto 6 do dispositivo do já transitado em julgado douto Acórdão do TUI, de 13 de Julho de 2017, do Processo (penal) n.o 60/2015, condenatório do arguido A;
– 2) ordenar o confisco penal do então apreendido direito sobre o lugar de estacionamento (como bem comum do arguido A e da sua esposa, adquirido em nome desta, pelo preço de HKD450.000,00 (equivalente a MOP463.500,00)) n.o A1-292 do Edifício “XX”, para execução da declaração de perdimento, a favor da RAEM, dos bens patrimoniais de origem não justificada desse arguido e da sua esposa no valor de MOP12.104.309,66, já decretada nos termos do art.o 28.o, n.o 1, da Lei n.o 11/2003, no ponto 7 do dispositivo do mesmo douto Acórdão do TUI, e também para execução da declaração de perdimento, mais no valor de MOP412.443,74, decretada pelo TSI no já transitado Acórdão de 22 de Julho de 2021 do Processo n.o 951/2017, emergente do Processo n.o CR1-16-0434-PCC do TJB;
– 3) e ordenar o confisco penal do montante de MOP12.053.253,40, dentro do saldo da conta bancária n.o 27-88-XX-07XXX2, em obediência ao julgado já feito no ponto 7 do douto Acórdão do TUI e no dispositivo do Acórdão do TSI, em sede do art.o 28.o, n.o 2, da Lei n.o 11/2013.
E no mesmo dia 15 de Outubro de 2021, no âmbito do mesmo ora subjacente processo, foi proferido também despacho judicial (de teor integral certificado a fls. 88 a 89v do presente processado, e aqui dado como integralmente reproduzido), no sentido de mandar notificar a B, para esta vir depositar na conta do Tribunal o montante de HKD600.000,00 (outrora usado para o mesmo arguido comprar, através de outrem, quota social dessa Sociedade), então já declarado perdido a favor da RAEM, por força do já inclusivamente ordenado, nos termos do art.o 103.o, n.o 2, do CP, no ponto 6 do dispositivo do já transitado em julgado douto Acórdão do TUI.
3. A nível do Direito, é de observar que sobre a questão, alegada pelo arguido recorrente nas conclusões da sua motivação do recurso como objecto do mesmo, de excesso na declaração de perdimento de bens, assiste-lhe a razão, porque no ponto 8 do dispositivo do douto Acórdão do TUI já foi decidido expressamente que o montante total de HKD331.000,00 (em numerário) então apreendido (à ordem do respectivo Processo condenatório n.o 60/2015) ficou declarado perdido a favor da RAEM, para compensar parte do valor dos bens declarados perdidos a favor da RAEM no ponto 7 do mesmo dispositivo.
Entretanto, o ajuste de contas a fazer na declaração de perdimento decretada no primeiro dos acima dois despachos ora recorridos não pode importar o não confisco penal do direito sobre o lugar de estacionamento identificado na motivação do recurso. É que conforme a matéria de facto dada por provada nos factos provados 7979 a 7980 do douto Acórdão do TUI, esse bem foi concretamente adquirido com dinheiro sem justificação apresentada, pelo que todo esse bem, como tal, tem que ser especialmente declarado perdido a favor da RAEM.
Termos em que, e sem mais indagação por desnecessária, é de julgar parcialmente provido o recurso do arguido na parte referente ao excesso da perda de perdimento, com consequente redução do montante a levantar na conta bancária n.o 27-88-XX-07XXX2, de MOP12.053.253,40 para MOP11.712.323,40 apenas (MOP12.053.253,40 – HKD331.000,00 (equivalentes a MOP340.930,00)), para efeitos da declaração de perdimento a favor da RAEM, em obediência ao julgado já feito no ponto 7 do dispostivo do douto Acórdão do TUI e no dispositivo do Acórdão do TSI, em sede do art.o 28.o, n.o 2, da Lei n.o 11/2013.
E agora do recurso da B:
Pois bem, toda a tese fáctica e a esmagadora maioria de questões suscitadas por esta recorrente na sua motivação (quais sejam, as relativas ao alegado vício do art.o 400.o, n.o 2, alínea), do CPP, à alegada existência de compensação de dívida, e à conexamente alegada violação, pelo Tribunal recorrido, do princípio da investigação do art.o 321.o, n.o 1, do CPP) contrariam frontalmente com a matéria de facto já dada por provada no douto Acórdão do TUI, nomeamente no facto provado 7972, pelo que sem mais indagação por desnecessária, há que observar o julgado (com força de caso julgado) já feito nesse douto Acórdão do TUI.
Como conforme esse julgado a nível de factos do Venerando TUI, o arguido A deteve HKD9.000.000,00 em quota na B, e o mesmo arguido tinha chegado a fazer inserir o montante de HKD600.000,00 obtido por prática de crime no preço total de aquisição daquela quota (cfr. os factos provados 7947 a 7948 do Venerando Acórdão do TUI), para efeitos de ocultação nomeadamente do dito montante de HKD600.000,00, este montante jamais existiu no mundo jurídico, mas convertido já na quota no valor de HKD600.000,00 na B. Assim sendo, em execução do já inclusivamente ordenado, nos termos do art.o 103.o, n.o 2, do CP, no ponto 6 do dispositivo do douto Acórdão do TUI, o montante “inicial” de HKD600.000,00, a imputar ao valor total de MOP1.188.900,00 de interesses ilícitos já declarados perdidos a favor da RAEM nesse ponto 6, já é a quota, no valor de HKD600.000,00, na B (cfr. o art.o 103.o, n.o 3, do CP).
Razões por que deve efectivamente ser declarada concretamente perdida a favor da RAEM, nos termos do n.o 3, com referência ao n.o 2, ambos do art.o 103.o do CP, a quota detida pelo arguido A (embora através de outrem) no valor de HKD600.000,00 na B, para efeitos de execução da declaração de perdimento já decidida no ponto 6 do dispositivo do douto Acórdão do TUI (conforme os factos provados 7947, 7948 e 7972 descritos nesse próprio Acórdão), perda da quota essa que, por sua vez, por comando do n.o 4 do mesmo art.o 103.o do CP, tem que ser substituída pelo pagamento à RAEM do respectivo valor correspondente em dinheiro (ou seja, do respectivo valor de HKD600.000,00), já que in casu não é possível a apropriação dessa quota em espécie, por não ser a Sociedade recorrente uma sociedade comercial anónima por acções.
Frisa-se que como esse valor em quota era detido por esse arguido através de outrem na B, a declaração da sua perda a favor da RAEM não feriu o interesse patrimonial desta Sociedade, porque tal valor tinha sido adquirido pelo dinheiro canalizado por esse arguido, e não pelo dinheiro da Sociedade, logicamente não sendo, pois, aplicável a esta a figura de terceiro adquirente de boa fé, o que torna supérflua a abordagem da questão concernente ao regime do art.o 1106.o do Código Civil.
Com o assim decidido, ficaria congruentemente prejudicada a tese de necessidade de cumprimento, pelo Tribunal recorrido, do contraditório antes de tomada de decisão sobre a matéria de confisco, mesmo que se abstraísse da extemporaneidade da arguição, como já se observou perspicazmente no judicioso parecer do Ministério Público, da questão de falta de cumprimento do contraditório.
Em suma, naufraga o recurso da B, sem mais indagação por prejudicada ou desnecessária.
4. Dest’arte, decide-se, sumariamente, em:
– conceder parcial provimento ao recurso do arguido A (o qual deverá pagar metade das custas do seu recurso e duas UC de taxa de justiça, por causa do decaimento do seu pedido de devida não manutenção da declaração de perdimento do direito sobre o lugar de estacionamento n.o XX do Edifício “XX”), com consequente redução do montante a levantar na conta bancária n.o 27-88-XX-07XXX2 referida no despacho judicial de 15 de Outubro de 2021 ora por ele recorrido, de MOP12.053.253,40 para MOP11.712.323,40 apenas, para efeitos da declaração de perdimento a favor da RAEM, em obediência ao julgado já feito no ponto 7 do dispositivo do douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 13 de Julho de 2017, do Processo n.o 60/2015, e no dispositivo do Acórdão de 22 de Julho de 2021 do Processo n.o 951/2017 do Tribunal de Segunda Instância;
– e negar provimento ao recurso da B, Limitada (com custas deste recurso a seu cargo, com dez UC de taxa de justiça), mantendo-se, concretamente nos termos dos n.os 4, 3 e 2 do art.o 103.o do Código Penal, a decisão judicial recorrida ordenadora da notificação desta Sociedade para vir depositar o montante de HKD600.000,00, para efeitos de execução da declaração de perdimento já decidida no ponto 6 do dispositivo do mesmo douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância.
Macau, 28 de Fevereiro de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)



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