Processo nº 878/2021
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 24 de Fevereiro de 2022
ASSUNTO:
- Marcas
- Classe 45
- Serviços Jurídicos
- Advogados
SUMÁRIO:
- Apesar de na Classificação Internacional dos Produtos e Serviços, constante do Aviso do Chefe do Executivo nº 10/2009 se designar a Classe 45 por “Serviços jurídicos; serviços de segurança para a protecção de bens e de serviços pessoais e sociais prestados por terceiros, destinados a satisfazer as necessidades de pessoas”, do elenco dos serviços que a integram à excepção dos “serviços de contencioso” não consta nenhum que seja exclusivo da actividade legalmente reservada a Advogados;
- Não fazendo parte para além do “serviços de contencioso”, do elenco dos serviços que integram a Classe 45, serviços exclusivamente reservados a advogados, nada obsta que sujeitos que não estejam legalmente habilitados para o exercício desta profissão possam requerer o registo de marcas para aquela classe de serviços.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 878/2021
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 24 de Fevereiro de 2022
Recorrente: Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico
Recorrida: Associação dos Advogados de Macau
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
Associação dos Advogados de Macau, com os demais sinais dos autos,
veio interpor recurso judicial da decisão da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico que concedeu a marca nº N/145302 pedindo que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra que recuse o registo da marca em causa com fundamento na al. a) do nº 2 do artº 214º, por si, ou conjugado com o artº 216º ou na al. a) do nº 1 do artº 9º todos do RJPI.
Cumprido o disposto no artº 278º do RJPI veio a DSEDT a remeter ao tribunal o processo administrativo referente ao pedido de registo de marca a que se reportam os autos.
Pelo Tribunal recorrido foi proferida sentença concedendo parcial provimento ao recurso judicial interposto, revogando o registo da marca em causa relativamente aos serviços ali indicados.
Não se conformando com a sentença proferida veio a Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico interpor recurso daquela decisão apresentando as seguintes conclusões:
A. Imputa a ora Recorrente à douta sentença recorrida, um vício de violação da lei consistente em erro de interpretação ao decidir a recusa parcial dos citados serviços ao aplicar à situação controvertida os Estatutos dos Associação dos Advogados de Macau e o Código Deontológico da Associação dos Advogados de Macau, porque, salvo melhor entendimento, a situação controvertida, deve ser resolvida única e exclusivamente no âmbito do direito das marcas, o Regime Jurídico da Propriedade Industrial (R.J.P.I).
B. O douto tribunal considerou a falta de (I) interesse legítimo da então requerente em pedir o registo da marca para assinalar os serviços indicados incluídos na classe 45ª (II) alegou que a prestação de serviços jurídicos só pode ser exercida por advogados e estagiários inscritos na AAM, e ainda que, (III) a legitimidade da requerente é de conhecimento oficioso e por último, (IV) a marca tem uma função publicitária proibida nos termos do Código Deontológico da Associação de Advogados de Macau.
C. O facto de algumas actividades económicas, profissões liberais, exigirem determinados requisitos subjectivos para o exercício de determinados actos (prestação de determinados serviços) não está, salvo melhor opinião, directamente relacionado com a legitimidade para se registarem marcas.
D. A razão de ser encontra-se no facto da violação desses requisitos poder ser julgada em sede própria, que nada tem a ver com marcas.
E. Não obstante a lei confere, expressamente, legitimidade em razão da actividade económica do interessado, independentemente da natureza jurídica (pessoa singular ou colectiva, de direito privado ou público).
F. Não se questiona que a requerente está impedido de se inscrever na AAM ou prestar serviços exclusivos das referidas entidades porquanto, se os viesse a prestar, incorreria num ilícito criminal - Procuradoria Ilícita, conforme determina o E.A.
G. A questão prende-se com o conceito de serviços jurídicos (título) incluídos na classe 45ª da classificação de Nice na perspectiva do R.J.P.I. (situação em apreço) ou na perspectiva do Estatuto dos Advogados (DL 31/91/M de 6 de Maio) como se decide na douta sentença recorrida.
H. A terminologia usada de serviços jurídicos, classe (45ª) quando analisada detalhadamente a lista de serviços que estão incluídas, somos forçados a concluir que os serviços específicos e reservados por lei a serem prestados por um Advogado não estão ali concreta e especificamente individualizados.
I. Salvo melhor entendimento, não se concorda com o Mmo Juíz do Tribunal Recorrido que pondera que a D.S.E.D.T. possa estar a infringir o princípio da legalidade ao aplicar o R.J.P.I. ( e classificação de Nice) à situação em discussão, sendo que, como se explicou, o conceito de Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico serviço jurídico no âmbito da protecção da marca não se restringe aos actos exclusivos do exercício da advocacia.
J. A requerente presta a sua actividade empresarial na RAEM, onde solicitou o registo para assinalar as actividades que pretende oferecer. Tal actividade económica pode ser futura e até exercida indirectamente através de terceiro mediante negociação da marca. Do descrito não se antevê impedimento ao registo da marca para a prática de serviços jurídicos. O Requerente, tem legitimidade conforme determina o art.º 201º, al. e) do R.J.P.I.
K. Nestes termos, e nos mais de Direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente, ser revogada a douta sentença proferida pelo Mmo Tribunal a quo, no que respeita à recusa parcial do registo da marca para assinalar 域名註冊 (法律服務); 計算機軟件許可 (法律服務); 為法律諮詢目的監控知識產權; 法律文件準備服務; 法律研究; Pesquisa jurídica; 訴訟服務; 公司註冊服務 (法律服務) e mantido o despacho de concessão da marca nº N/145302.
Pela agora Recorrida Associação dos Advogados de Macau, foram apresentadas contra-alegações de onde constam as seguintes conclusões e pedidos:
A. Por decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base de fls. 53 e segs., foi parcialmente deferido o recurso judicial, com o que os serviços de “Registo de nomes de domínio (serviços jurídicos), licenciamento de software (serviços jurídicos), monitorização de propriedade intelectual para fins de consultoria jurídica, serviços de preparação de documentos jurídicos, pesquisa jurídica, serviços de contencioso; Serviços de registo (serviços jurídicos)”, doravante, os “Serviços Reclamados” não foram concedidos à Requerente - decisão com que a AAM se conforma pois não merece reparo e é de manter.
B. Sendo certo que a “advocacia” não esgota o âmbito dos “serviços jurídicos”, não podemos perder de vista que o Aviso do Chefe do Executivo n.º 10/2009, publicado no B.O. n.º 20/2009 de 22 de Maio de 2009, que manda publicar a “Notificação da Organização Mundial da Propriedade Intelectual relativa à entrada em vigor das modificações e outras alterações à 8.ª Edição da Classificação Internacional de Produtos e Serviços para Efeitos do Registo de Marcas, bem como a 9.ª Edição da Classificação Internacional de Produtos e Serviços para Efeitos do Registo de Marcas” indica na sua nota explicativa da Classe 45, que os serviços jurídicos são “serviços prestados por juristas a pessoas, grupos de pessoas, organizações ou a empresas.”.
C. A prestação de Serviços Jurídicos é uma actividade que engloba o exercício da advocacia, onde estão incluídos o mandato judicial, a consultadoria jurídica e a representação voluntária; procuradoria, designada mente judicial, administrativa, fiscal e laboral; e a consulta jurídica a terceiros (doravante, as “Actividades Exclusivas”), tal como prescrito no Estatuto do Advogado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31/91/M de 6 de Maio, com as alterações introduzidas pelos Decreto-Lei 26/92/M de 4 de Maio e Decreto-Lei 42/95/M de 21 de Agosto (doravante, o “EA”).
D. As Actividades Exclusivas podem ser apenas exercidas por Advogados e Advogados Estagiários, inscritos na A.A.M., tal como estipulado no n.º 1 do art.º 11.º do EA onde se encontra prescrito que “Só os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor na Associação dos Advogados de Macau podem, em todo o Território e perante qualquer jurisdição, instância, autoridade ou entidade pública ou privada, praticar actos próprios da profissão e, designada mente, exercer o mandato judicial ou funções de consulta jurídica em regime de profissão liberal remunerada”.
E. E não é legalmente ou sequer fisicamente possível, contrariamente ao que alega a DSEDT, “As entidades públicas ou privadas praticarem actos profissionais, designadamente os que exercem funções de contencioso ou consultor jurídico, emitem pareceres jurídicos por escrito e não são considerados como exercendo a profissão de advogado, portanto não estão obrigados a se inscrever na A.A.M.”.
F. Juristas são, no mínimo, Licenciados em Direito (onde se incluem os advogados). Pessoas singulares, necessariamente. Nunca “entidades”.
G. O Decreto-Lei n.º 31/91/M que aprova o Estatuto do Advogado contém apenas duas excepções no que concerne à consulta jurídica: (i) Os docentes universitários de Direito que se limitem a dar pareceres jurídicos escritos não se consideram em exercício da advocacia e não são, por isso, obrigados a inscrever-se na AAM e (ii) O exercício de consulta jurídica por licenciados em Direito que sejam funcionários públicos, no âmbito das respectivas funções, não impõe a obrigação de inscrição na associação pública.
H. O que efectivamente veda a actividade “dar pareceres jurídicos escritos” a quem não seja Advogado ou docente universitário de Direito. E veda a actividade de “consulta jurídica” a quem não seja Advogado ou licenciado em Direito que também seja funcionário público, no âmbito das respectivas funções. E veda a prestação dos Serviços Jurídicos “mandato judicial, representação voluntária; procuradoria, judicial, administrativa, fiscal e laboral e a consulta jurídica a terceiros” a quem não seja Advogado.
I. Entenda-se - Advogado inscrito na AAM, docente de Direito em universidade de Direito em Macau e funcionário público exercendo funções na Administração de Macau, requisitos que a Requerente não cumpre.
J. Acresce, ainda, que o referido diploma legal contém norma penal que criminaliza a procuradoria ilícita – “Quem praticar actos próprios da profissão de advogado, se intitular advogado, utilizar título equivalente em qualquer língua, ou usar insígnia sem estar inscrito na associação pública profissional, será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias” (cfr. n.º 1 do art.º 25.º do EA).
K. Pelo que, se a Requerente viesse a prestar tais serviços jurídicos, incorreria na violação de preceitos legais imperativos, sendo tal conduta qualificada como o exercício de Procuradoria Ilícita.
L. A marca in casu viola grosseiramente as “Regras para definir a aceitação de nomes e denominações a usar pelos Advogados e Escritórios de Advogados” aprovadas em Assembleia Geral Extraordinária de 18 de Outubro de 2012 pelo que nunca seria a mesma aprovada pela AAM.
M. Referindo expressamente o n.º 4 das referidas regras, sob a epígrafe “Das denominações dos escritórios de advogados”, que “São vedadas, em qualquer língua, as designações de fantasia e as que possam fazer incorrer o público em confusão, engano, ou representem formas de publicidade encapotada”.
N. A legitimidade para agir é um dos requisitos formais imprescindíveis para a concessão de direitos de propriedade industrial e, de acordo com a alínea c) do artigo 47.º do RJPI (causas gerais de nulidade), o seu incumprimento gera a nulidade, que pode ser total ou parcial.
O. O procedimento do registo de marcas junto da DSEDT tem natureza constitutiva, relevando a legitimidade procedimental que será determinada no momento em que se inicia o processo e no momento em que se vai aferir do interesse para o pedido da marca registanda, o certo é que a Requerente, não se pode dedicar àquela actividade.
P. Ora, dentro deste quadro, no momento em que se vai aferir do interesse para o pedido, o certo é que a Requerente não se pode dedicar àquela(s) actividade(s) e prestar os Serviços Reclamados.
Q. Decorrendo daí, portanto, uma falta de interesse no pedido, pois que não está em condições de exercer a actividade para a qual o formulou.
R. Assim, porque no momento em que formulou o pedido a Requerente não reúne o pressuposto de acesso ao direito, sendo até que a ordem jurídica lho proíbe - e sanciona penalmente.
S. Dado que a Requerente não dispõe de legitimidade procedimental por carência de interesse legítimo, a Recorrente nunca poderá conceder a protecção de marca para os Serviços Reclamados.
T. É, pois, inegável que a Requerente carece de um interesse digno de protecção em relação a uma actividade que, tanto neste momento, como no futuro, lhe está vedada.
U. Os Serviços Jurídicos ou seus análogos, da classe 45, apenas passiveis de ser registados por Advogados ou juristas ou por quem possa, efectivamente, praticar actos próprios da profissão, ou juristas, com exclusão de qualquer “entidade”.
V. Independentemente dos Serviços Reclamados “poderem hipoteticamente” ter componentes não-jurídicas que extravasem as “Actividades Exclusivas, e que não contenham qualquer componente de “consulta jurídica” - o que apenas por amor ao raciocínio se contempla, resumindo-se afinal à prestação de serviços de gestão ou de pesquisa ou de cariz técnico, tal linha de argumentação é falaciosa - a Classe 45 protege os Serviços Jurídicos.
W. Se a Requerente de facto pretende apenas proteger serviços de “licenciamento” ou “monitoramento” ou “gestão”, “pesquisa” ou “técnicos” sem qualquer componente jurídica, então deveria pedir protecção nas Classes respectivas, contrariamente ao que fez ...
X. Com o devido respeito, não nos parece competir à DSEDT presumir que a Requerente, que é uma sociedade comercial de Hong Kong, pretende prestar hipotéticos “serviço jurídicos que não têm qualquer componente jurídica, não implicam elementos de consulta jurídica nem colidem com as Actividades Exclusivas dos advogados.” e no entanto cabem na Classe 45.
Por tudo o que expusemos, é manter o douto acórdão do Tribunal a quo de recusar a concessão de protecção marcária aos Serviços Reclamados à Requerente, que aliás, não tomou sequer posição activa na defesa desses seus “interesses”.
Termos em que, e nos mais de direito, entende a AAM que deve manter-se a decisão recorrida na integra, indeferindo-se o pedidos de registo da marca N/145302 no que respeita aos serviços de “Registo de nomes de domínio (serviços jurídicos), licenciamento de software (serviços jurídicos), monitorização de propriedade intelectual para fins de consultoria jurídica, serviços de preparação de documentos jurídicos, pesquisa jurídica, serviços de contencioso; Serviços de registo (serviços jurídicos)” na classe 45.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
A) FACTOS
Da decisão recorrida consta a seguinte factualidade:
A) Em 22 de Outubro de 2018, a parte contrária apresentou à então Direcção dos Serviços de Economia um pedido de registo da marca N/145302, para produtos/serviços da classe 45, que são os seguintes conteúdos concretos: o registo de nome de domínio (serviços jurídicos); o licenciamento de software do computador (serviços jurídicos); a vigilância em matéria de propriedade intelectual para fins de consulta jurídica; a gestão de direitos de autor; os serviços de preparação de documentos jurídicos; o licenciamento de propriedade intelectual; a consulta na área de propriedade intelectual; a mediação; a arbitragem; os estudos jurídicos; os serviços de contencioso; os serviços de registo de empresas (serviços jurídicos)” (vide fls. 1 e 2 do processo administrativo, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
B) A marca que se pretende registar é o seguinte sinal figurativo:
C) O supra pedido foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, n.º 51, II Série, de 19 de Dezembro de 2018 (vide fls. 13 do processo administrativo, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
D) Em 18 de Fevereiro de 2019, a recorrente deduziu reclamação e os respectivos documentos à então Direcção dos Serviços de Economia (vide fls. 3 a 14 do processo administrativo, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
E) Em 22 de Fevereiro de 2019, a então Direcção dos Serviços de Economia notificou a parte contrária da reclamação acima mencionada (vide fls. 15 do processo administrativo, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
F) Em 25 de Setembro de 2020, a entidade recorrida proferiu despacho que concordou o conteúdo da Informação n.º 709/DPI/2020 e concedeu o pedido de registo da marca N/145302 (vide fls. 29 a 35 do processo administrativo, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
G) O supra despacho de concessão de registo foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, n.º 43, II Série, de 21 de Outubro de 2020 (vide fls. 36 do processo administrativo, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
H) Em 19 de Novembro de 2020, a recorrente interpôs o presente recurso contencioso para este Tribunal (vide fls. 2 dos autos).
I) A parte contrária é uma sociedade constituída em conformidade com a lei da Região Administrativa Especial de Hong Kong.
B) DO DIREITO
Sobre matéria idêntica à que se discute nestes autos, no que concerne ao registo de marcas para produtos/serviços da classe 45 já este tribunal teve oportunidade de se pronunciar no Acórdão de 18.03.2021 proferido no processo que correu termos sob o nº 60/2021.
Secundando a sentença proferida em 1ª instância ali se dizia:
«B. DE DIREITO
A recorrente reage às decisões da DSE por ter concedido os registos da das marcas (…);
Reage, não porque viu colocada em causa uma qualquer marca em seu nome registada, mas por entender que em relação a um dos serviços incluídos na classe 45ª a que se destinam as marcas, “Serviços Jurídicos», não ser admissível o registo por à parte contrária jamais poder ser concedida a autorização para a prestação dos mesmos, assim se perspectivando que aqueles serviços jurídicos na classe 45ª considerados apenas pelos advogados devidamente inscritos na Associação de Advogados de Macau pedem ser prestados, por conseguinte, cremos nós, fazendo coincidir esses serviços na sua totalidade e exclusividade com os actos de advocacia.
Com este argumento invoca-se a falta de legitimidade da parte contrária quanto aos pedidos de registo postos em crise, pelo menos quanto aos assinalados serviços.
Não cremos que tenha razão a recorrente.
Temos por certo e correcto o que alega a recorrente, concretamente:
- A prestação de Serviços Jurídicos é uma actividade que engloba o exercício da advocacia, onde estão incluídos o mandato judicial, a consultadoria jurídica e a representação voluntária; procuradoria, designadamente judicial, administrativa, fiscal e laboral; e a consulta jurídica a terceiros, tal como prescrito Estatuto dos Advogados (DL 31/91/M de 6 de Maio);
- Tais actividades, podem ser apenas exercidas por Advogados e Advogados Estagiários, inscritos na A.A.M., que têm necessariamente de ser pessoas singulares, na medida em que é vedado, em absoluto, o exercício da Advocacia por parte de pessoas colectivas (artº11ºnº1 do EA).
- O Estatuto dos Advogados contém uma norma de Direito Penal que visa sancionar a prática da procuradoria ilícita;
- Caso a Requerente, ou um seu agente, viesse a praticar tais actos, ficariam todos eles, quer os agentes, quer os dirigentes da Requerente, sujeitos a uma pena de prisão até 2 anos e multa até 200 dias (artº25 do EA).
Todavia estas doutas considerações apenas poderiam relevar para que se pudesse concluir pela falta de legitimidade da parte contrária nos termos do artº201 al.e) do RJPI (O direito ao registo das marcas cabe a quem nisso tiver legítimo interesse, designadamente: e) aos que prestam serviços, para assinalar, a respectiva actividade) para formular o pedidos das marcas em crise se, efectivamente, a ela estiver vedada a prática de »serviços jurídico» tal como os mesmos são concebidos no quadro do direito das marcas.
Vejamos, começando pelo que se deve considerar como actos próprios da advocacia.
Da leitura do artº11ºnº1 do EA, resulta a referência aos actos próprios da advocacia, aludindo-se depois e em termos exemplificativos (designadamente) ao exercício do mandato judicial e ao exercício de funções de consulta jurídica. Por seu turno, no artº12º nº1 do mesmo estatuto, alude-se ao mandato judicial, à representação e assistência.
Todavia, a actividade de advogado não se fica exclusivamente pela prática dos referidos actos.
Além daqueles, ou seja, além do exercício do mandato judicial, da consulta jurídica, da representação e assistência, podem ainda os advogados praticar actos de simples procuradoria (próprios da solicitadoria) - Cfr. artº18º-, estabelecendo-se no sistema português uma imposição, qual seja, desde que tais actos de solicitadoria sejam conexos com aqueloutros, ou seja, desde que o advogado se não dedique habitualmente ao exercício da procuradoria - Cfr. Parecer do Conselho Geral de 10.7.52, R.O.A., 19º, pág. 88.
E quais são os serviços que, de acordo com o “direito das Marca”, devem considera-se como incluídos nos «serviços jurídicos» incluídos na 45ª classe, e na qual também se consagram os Serviços Pessoais e Sociais Prestados por Terceiros Destinados a Satisfazer as Necessidades dos Indivíduos, Serviços de Segurança para a Protecção dos Bens e dos Indivíduos?
Refere a recorrente, e muito bem, que o Aviso do Chefe do Executivo n.º 10/2009 contém, na verdade, uma listagem onde são autonomizadas as várias descrições dos serviços abarcados pela classe 45 da Classificação Internacional de Produtos e Serviços, para efeitos do registo.
São eles:
45 A 0002 Abertura de fechaduras de segurança O 0010 450033
45 A 0011 Acompanhamento em sociedade [pessoas de companhia] E 0027 450002
45 A 0019 Adopção (Serviços de agências de -) A 0014 450193
45 A 0026 Agências de detectives D 0028 450003
45 A 0032 Agências de vigilância nocturna G 0027 450006
45 A 0034 Agências matrimoniais M 0018 450112
45 A 0048 Aluguer de alarmes de incêndio R 0051 450203
45 A 0083 Aluguer de extintores de incêndio R 0052 450204
45 A 0114 Aluguer de vestidos de noite E 0035 450046
45 A 0130 Animais de estimação (Guarda de – ) ao domicílio [pet sitting] P 0025 450198
45 A 0134 Antecedentes pessoais (Investigações sobre os -) P 0020 450199
45 A 0145 Arbitragem (Serviços de -) A 0056 450205
45 B 0001 Bagagem (Inspecção de -) para efeitos de segurança B 0003 450196
45 C 0025 Casas (Serviços de guarda de -) na ausência dos habitantes [house sitting] H 0028 450197
45 C 0049 Clubes de encontros D 0004 450005
45 C 0063 Companhia (Pessoas de -) C 0023 450002
45 C 0079 Computador (Licenciamento de software de -) [serviços jurídicos] C 0093 450212
45 C 0111 Consultadoria na área de propriedade intelectual C 0112 450206
45 C 0112 Consultadoria na área de segurança C 0114 450117
45 C 0119 Contencioso (Serviços de -) L 0030 450211
45 C 0120 Controlo de alarmes anti-furto e de segurança M 0045 450194
45 C 0144 Cremação (Serviços de -) C 0129 450047
45 C 0146 Crianças (Guarda de – ) ao domicílio [baby sitting] B 0001 450195
45 D 0029 Devolução de objectos perdidos L 0035 450200
45 D 0035 Direitos de autor (Gestão de -) C 0119 450207
45 E 0040 Enterros U 0002 450057
45 F 0007 Fechaduras de segurança (Abertura de -) L 0033 450033
45 F 0064 Funerais F 0050 450056
45 G 0009 Gestão de direitos de autor M 0011 450207
45 G 0020 Guarda-costas pessoais [protecção] B 0025 450001
45 G 0021 Guardas [protecção civil] G 0026 450099
45 H 0002 Horóscopos (Elaboração de -) H 0019 450146
45 I 0015 Incêndio (Aluguer de alarmes de -) F 0021 450203
45 I 0016 Incêndio (Aluguer de extintores de-) F 0022 450204
45 I 0019 Incêndios (Combate a -) F 0024 450179
45 I 0040 Inspecção de bagagem para efeitos de segurança I 0021 450196
45 I 0041 Inspecção de fábricas para efeitos de segurança I 0022 450202
45 I 0051 Investigações sobre os antecedentes pessoais I 0039 450199
45 I 0052 Investigações sobre pessoas desaparecidas I 0038 450053
45 L 0020 Licenciamento de propriedade intelectual L 0022 450208
45 L 0021 Licenciamento de software de computador [serviços jurídicos] L 0023 450212
45 M 0016 Mediação M 0024 450201
45 N 0015 Nomes de domínio (Registo de -) [serviços jurídicos] D 0042 450213
45 O 0018 Organização de encontros religiosos O 0022 450184
45 P 0043 Pesquisas jurídicas L 0017 450210
45 P 0046 Pessoais (Guarda-costas -) [protecção] P 0021 450001
45 P 0048 Pessoas desaparecidas (Investigações sobre -) M 0040 450053
45 P 0098 Propriedade intelectual (Consultadoria na área de -) I 0032 450206
45 P 0099 Propriedade intelectual (Licenciamento de -) I 0033 450208
45 P 0100 Propriedade intelectual (Serviços de vigilância em matéria de -) I 0034 450209
45 R 0023 Registo de nomes de domínio [serviços jurídicos] R 0027 450213
45 S 0013 Segurança (Consultadoria na área da -) S 0028 450117
45 S 0014 Segurança (Inspecção de fábricas para efeitos de-) S 0004 450202
45 V 0017 Vestuário (Aluguer de -) C 0058 450081
45 V 0030 Vigilância nocturna (Agências de -) N 0008 450006
Destes, para o caso, relevam na nossa óptica os que acima deixamos assinalados a negrito e sublinhados.
De todos esses assinalados bem se alcança que os que estão a negrito nada têm que ver com actos próprios de advogado e supra sublinhados.
Concede-se apenas que o que supra está assinalado a sublinhado em primeiro lugar (45 C 0119 Contencioso (Serviços de -) L 0030 450211) possa, num certo sentido muito restrito, envolver a prática de actos de advogado.
Todavia, no sentido amplo, que neste âmbito do direito das marcas se pretende utilizado, abarcará muitas outras realidades para além daquela exclusiva actividade que apenas por advogado pode ser desenvolvida.
Referimo-nos, por ex., a empresas dedicadas às cobranças difíceis, que em Portugal têm inclusivamente uma associação (Associação Portuguesa de Empresas de Gestão e Recuperação de Créditos (APERC) e que, De acordo com os Dados de Actividade Consolidados do sector e referentes a 2017, tinham.650.621 Contratos sob Gestão, conseguindo cobrar 640.831.285 Euros).
Referimo-nos, por ex., às empresas que desenvolvem outsourcing de contencioso, portanto organizações externas que desenvolvem uma determinada área da empresa (contencioso), não tendo estas necessidade de procederem a contratações internas.
Portanto, também neste caso, não se vê óbice ao registo por faltar legitimidade à parte contrária e na medida que não possa exercer esta assinalada actividade (artº201 al.e) do RJPI: O direito ao registo das marcas cabe a quem nisso tiver legítimo interesse, designadamente: e) aos que prestam serviços, para assinalar, a respectiva actividade).
Quanto àqueloutro item supra sublinhado (45 P 0098 Propriedade intelectual (Consultadoria na área de -) I 0032 450206), a consultadoria que aí se refere pode ter natureza técnica que não jurídica.
Portanto, também em relação a este aspecto se conclui como em relação ao anterior.
Acresce que, mesmo que uma das descrições dos «serviços jurídicos» abarcados na classe 45º da Classificação Internacional de Produtos e Serviços pudesse permitir a interpretação segundo a qual incluiriam a prática de actos de advogado, ainda assim, não resulta da lei que por isso a parte contrária tivesse de mencionar para quais das descrições pretenderia o registo das marcas.
Não vemos isso, expressa ou implicitamente, contido no RJPI.
Adiantando.
Também não se alcança, como conclui a recorrente, que os registos em crise preencham a tipicidade da alínea a) do n.º 2 do art.º 214.º do RJPI que determina a proibição do registo de marcas quando a mesmas sejam susceptíveis de induzir em erro o público, nomeadamente quanto à natureza do serviço.
Não preenche.
E não preenche porque o registo não se destina apenas para serviços jurídicos, que, como sabemos, no âmbito do que está definido, em nada coincide com actos de advocacia.
O registo é para a classe 45ª que incluiu, além de serviços jurídicos, “Serviços Pessoais e Sociais Prestados por Terceiros Destinados a Satisfazer as Necessidades dos Indivíduos, Serviços de Segurança para a Protecção dos Bens e dos Indivíduos.”
Não está em causa, pois, que à requerente seja possível praticar os assinalados actos próprios da advocacia, de resto sob pena de crime de usurpação de funções (artº25 do EA).
Não pode, como muito doutamente afirma a recorrente.
E quem tem de controlar o exercício da profissão, ou seja, quem o possa exercer a actividade de advogado, sua qualidade, seu exercício de acordo com o EA e o Cód. Deontológico (homologado pelo Despacho nº121/GM/92, publicado no BOM nº52, I série, 5º suplemento, de 31 de Dezembro de 1992) é, efectivamente a recorrente e, por isso mesmo, percebe-se este recurso como mecanismos de reacção primário.
Controlo esse que tem, além do mais, tutela penal como supra se referiu.
Todavia nesta sede estamos noutro âmbito, no âmbito do direito das marcas, segmento do direito de propriedade industrial, de forma mais ampla, no âmbito dos direitos intelectuais.
Visa-se nesse âmbito a protecção de bens intangíveis, isto é, de direitos derivados da actividade intelectual que se aplicam, em particular, às invenções, no design, sinais distintivos do comércio, etc..
Conclui-se, pois, que o recurso tem de improceder, igualmente porque, face ao supra referido, não há base factual ou jurídica sequer para auscultar da negação dos registos ao abrigo do artº 216.º ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º, ambos do RJPI.».
Mais acrescentávamos no indicado Acórdão:
«Em síntese a questão que a Recorrente1 vem invocar é que parte dos serviços para os quais a Requerente da Marca e agora Recorrida pediu o registo das mesmas só são passiveis de ser exercidos por Advogado, qualidade que a Requerente não tem, pelo que, não haviam as marcas de ter sido concedidas.
A decisão recorrida analisa detalhadamente todos os Produtos e Serviços que integram a Classe 45 da Classificação Internacional dos Produtos e Serviços concluindo que a maior parte deles nada tem a ver com os actos próprios de advogado e relativamente a dois deles – 45 C 0119 Contencioso (Serviços de -) L 0030 450211 e 45 P 0098 Propriedade intelectual (Consultadoria na área de -) I 0032 450206 – embora possam abarcar serviços que apenas podem ser prestados por advogados, os respectivos conceitos, abarcam muitos outros (serviços) que estão para além do exercício da actividade reservada a advogados.
Aliás, pese embora para esta Classe se tenha usado a par de outras, a nomenclatura de serviços jurídicos, quando analisada detalhadamente a lista dos serviços que estão incluídos, somos forçados a concluir que os serviços específicos e reservados por lei a serem prestados por um Advogado não estão ali concreta e especificamente individualizados.
Nas suas alegações de recurso a Recorrente refere apenas “serviços jurídicos” não identificando um único do elenco da Classe 45 que entenda que é exclusivo do exercício da actividade legalmente reservada a Advogados, sendo certo que, “Serviços Jurídicos” nada mais é que uma das nomenclaturas usadas para esta classe nada concretizando.
Destarte, louvando-nos na fundamentação constante da Douta sentença recorrida com a qual integralmente concordamos, nada mais havendo a acrescentar, impõe-se negar provimento ao recurso.».
Interposto recurso daquele Acórdão para o Venerando Tribunal de Última Instância veio esse Tribunal a confirmar o sobredito Acórdão com ressalva apenas para os serviços de contencioso, por Acórdão de 15.09.2021 proferido no processo que ali correu termos sob o nº 102/2021, ali se dizendo:
«3.1. Do interesse legítimo no registo de marca
Na óptica da recorrente, falta à associação recorrida o interesse legítimo para requerer oregisto das marcas em causa, pois “é manifesto que a prestação de ‘Serviços Jurídicos’extravasa em absoluto o fim da associação, bem como nunca poderá a Recorrida prestar tais serviços”, que estão reservados para advogados e advogados estagiários.
Sobre o direito ao registo, dispõe o art.º201.ºdo RJPI o seguinte:
“Artigo 201.º
(Direito ao registo)
O direito ao registo da marca cabe a quem nisso tiver legítimo interesse, designadamente:
a) Aos industriais, para assinalar os produtos do seu fabrico;
b) Aos comerciantes, para assinalar os produtos do seu comércio;
c) Aos agricultores e produtores, para assinalar os produtos da sua actividade;
d) Aos artífices, para assinalar os produtos da sua arte, ofício ou profissão;
e) Aos que prestam serviços, para assinalar a respectiva actividade.”
Daí resulta que é reconhecido, desde logo, o interesse legítimo no registo da marca a quem que se encontre a exercer uma das actividades económicas acima elencadas, incluindo aqueles que “prestam serviços, para assinalar a respectiva actividade”.
No caso sub judice, a recorrida pretendeu o registo das marcas para os serviços jurídicos, serviços pessoais e sociais prestados por terceiros destinados a satisfazer as necessidades de pessoas e serviços de segurança para a protecção de bens e de pessoas, no âmbito da classe 45.ª.
Pondo em causa a prestação por parte da recorrida dos serviços jurídicos, alega a recorrente que o registo das marcas em questão deve ser parcialmente rejeitado, quanto aos “Serviços Jurídicos” com fundamento na falta de legitimidade da recorrida, por manifesta falta de interesse no seu registo.
A questão está em saber se a recorrida pode prestar os serviços jurídicos, ou seja, se a prestação desses serviços estão exclusivamente reservada aos profissionais que exercem a advocacia.
Ora, tal como se prescreve no Estatuto dos Advogados (DL n.º 31/91/M, de 6 de Maio), “O exercício da advocacia inclui o mandato judicial, a consultadoria jurídica e a representação voluntária” (art.º 1.º).
E encontram-se ainda no diploma a seguintes normas:
Artigo 11.º
(Dos actos próprios da profissão e obrigatoriedade de inscrição)
1. Só os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor na Associação dos Advogados de Macau podem, em todo o Território e perante qualquer jurisdição, instância, autoridade ou entidade pública ou privada, praticar actos próprios da profissão e, designadamente, exercer o mandato judicial ou funções de consulta jurídica em regime de profissão liberal remunerada.
2. Os docentes universitários de Direito que se limitem a dar pareceres jurídicos escritos não se consideram em exercício da advocacia e não são, por isso, obrigados a inscrever-se na associação pública.
3. O exercício de consulta jurídica por licenciados em Direito que sejam funcionários públicos não impõe a obrigação de inscrição na associação pública.
Artigo 12.º
(Do mandato judicial e da representação por advogado)
1. O mandato judicial, a representação e a assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para a defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza.
2. O mandato judicial não pode ser objecto, por qualquer forma, de medida ou de acordo que impeça ou limite a escolha directa e livre do mandatário pelo mandante.
Artigo 18.º
(Escritório de procuradoria ou de consulta jurídica)
1. O exercício da procuradoria, designadamente judicial, administrativa, fiscal e laboral, e de consulta jurídica a terceiros, só pode ser exercida por advogados inscritos na Associação dos Advogados de Macau.
2. Consideram-se abrangidos pela estatuição do número anterior os gabinetes formados exclusivamente por advogados e as sociedades de advogados.
3. Incorrem na pena de suspensão os advogados que, em violação do presente Estatuto e com prejuízo da sua independência técnica e plena isenção, exerçam a sua actividade sob a direcção efectiva de terceiro não inscrito na Associação dos Advogados de Macau, ou o façam em associação de qualquer espécie com quem não esteja inscrito na referida Associação.
4. Não ficam abrangidos pela proibição do n.º 1 os serviços de consulta jurídica mantidos pela Administração, no âmbito da sua política de acesso dos cidadãos ao Direito.
Daí decorre que nas actividades exercidas por advogados e advogados estagiários estão incluídos o mandato judicial, a consultadoria jurídica, a representação voluntária, aprocuradoria, designadamente judicial, administrativa, fiscal e laboral e a consulta jurídica a terceiros.
E só os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor na Associação dos Advogados de Macau podem exercer tais actividades, exceptuando-se os docentes universitários de Direito que se limitem a dar pareceres jurídicos escritos, os funcionários públicos licenciados em Direito que exercem a consulta jurídica e os serviços de consulta jurídica mantidos pela Administração, no âmbito da sua política de acesso dos cidadãos ao Direito.
Por seu lado, o Aviso do Chefe do Executivo n.º 10/2009 contém uma lista dos serviços por ordem de classes da Classificação Internacional de Produtos e Serviços para Efeitos do Registo de Marcas, onde se encontram indicados os seguintes serviços respeitantes à classe 45:
(…)
Passamos a ver se os serviços elencados na classe 45 se encontram incluídos nos serviços jurídicos que só podem ser prestados pelos advogados e advogados estagiário, não podendo a recorrida exercer tais actividades e não tendo, consequentemente, legitimidade para requerer o registo das marcas.
Analisada a lista transcrita, oque se deve dizer é que a maior parte dos serviços descritos na classe 45 não tem, evidentemente, a natureza jurídica, sendo certo que essa classe abrange não só serviços jurídicos, mas também os serviços de segurança para a protecção de bens e de pessoas e os serviços pessoais e sociais prestados por terceiros destinados a satisfazer as necessidades de pessoas.
Mesmo naqueles serviços indicados como “serviços jurídicos”, tais como Licenciamento de software de computador e Registo de Nomes de domínio, não são serviços que só podem ser prestados pelos profissionais que exercem a advocacia.
É verdade que naquela listagem estão incluídos alguns serviços que podem ter a natureza jurídica, tais como os serviços de arbitragem, a consultadoria na área de propriedade intelectual, a gestão de direitos de autor,o licenciamento de propriedade intelectual, a mediação, as pesquisas jurídicas e os serviços de vigilância em matéria de propriedade intelectual.
No entanto, tal como sucede com os serviços de Licenciamento de software de computador e de Registo de Nomes de domínio, tais actividades nem ficam necessariamente dentro do âmbito de actos próprios de advogados.
Por um lado, e de acordo com as leis vigentes na RAEM, os árbitros e mediadores não têm de ser advogados ou advogados estagiários e asactividades de pesquisas jurídicas também podem ser feitas por pessoas que não detenham aquela qualidade.
Por outro, e em relação à área de propriedade intelectual e de direitos de autor, os respectivos serviços de consultadoria, licenciamento, vigilância e gestão podem ter natureza técnica que não jurídica, como é evidente.
O único serviço que merece a maior reflexão refere-se a “Contencioso (Serviços de -)”, pois implica normalmente a prática de actos num determinado processo pré-judicial ou judicial, pelo que envolve a prática de actos de advogados ou advogados estagiários, actos próprios da profissão.
Assim sendo, não se deve concluir pela falta de interesse da recorrida em ver concedido o registo das marcas em causa, já que todos os serviços indicados na classe45, incluindo os jurídicos, não são de prestação exclusiva pelos advogados e advogados estagiários, com a única excepção dos “serviços de contencioso”.
Por outras palavras, as actividades descritas na classe 45, com a excepção em causa, podem ser exercidas não só pelos advogados e advogados estagiários, mas também por outras pessoas alheias dessa profissão.
Não se verifica a situação de insusceptibilidade de protecção do objecto do registo prevista na al. a) do n.º1 do art.º9.ºdo RJPI, não é de recusar o registo das marcas pretendido pela recorrida nos termos da al. a) do n.º1 doart.º214.ºdo RJPI.
Improcede o recurso, nesta parte.
3.2. Da al. a) do n.º 2 do art.º 214.º do RJPI
Imputa ainda o vício de erro na aplicação do direito, alega a recorrente que não se encontra reunido o pressuposto para a concessão das marcas em causa, nos termos previstos no art.º 214.º n.º 2, al. a), do RJPI.
No acórdão ora recorrido, entende o Tribunal de Segunda Instância que não se alcança que o registo em crise preencha a tipicidade da al. a) do n.º2 do art.º214.ºdo RJPI, subscrevendo a decisão do TJB que considera que “o registo não se destina apenas para serviços jurídicos, que, como sabemos, no âmbito do que está definido, em nada coincide com actos de advocacia”, pelo que nega provimento ao recurso.
Vejamos.
Como se sabe, a marca é um dos direitos de propriedade industrial, que confere ao respectivo titular a plena e exclusiva fruição, utilização e disposição das invenções, criações e sinais distintivos, dentro dos limites, condições e restrições fixados na lei –art.º 5.º do RJPI.
Nos termos do art.º 197.º do RJPI, que prevê o objecto da protecção da marca, “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
Daí que a marca deve ser adequada a distinguir produtos ou serviços, sendo ela “um sinal distintivo de coisas, há-de ela ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia ou capacidade distintiva, isto é, há-de ser apropriada para diferenciar o produto marcada de outros idênticos ou semelhantes”1.
No caso ora em apreciação, tanto a DSEDT como os arrestos judiciais anteriores consideram que não procede o argumento deduzido pela recorrente para recusar o registo das marcas, ou seja, que não preenche a previsão legal contida na al. a)do n.º2 do art.º214.ºdo RJPI, segundo a qual o pedido de registo de marca é recusado “sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha sinais que sejam susceptíveis de induzir em erro o público, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina”.
As marcas discutidas nos presentes autos são as seguintes:
(…)
Analisadas as marcas em causa, claro é que não resultam das suas letras ou palavras utilizadas nem dos sinais gráficos qualquer ligação com a advocacia ou com os serviços prestados por esta profissão, pelo que não se tratam das marcas susceptíveis de induzir o público em erro “sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina”.
Daí que, tal como afirma a DSEDT na sua informação elaborada, a composição literal das marcas em crise não implica a indução do consumidor em erro sobre a natureza, qualidade ou outros aspectos dos serviços que se destinam a assinalar e as mesmas marcas, mesmo se destinando a assinalar os serviços jurídicos, não fazem o consumidor acreditar, por engano, que esses serviços sejam serviços de advocacia nem que o seu prestador possua qualidade de advogado profissional.
Assim sendo, não estão em causa sinais susceptíveis de induzir em erro opúblico, previstos na al. a) do n.º2 do art.º214.ºdo RJPI.
3.3. Da recusa parcial
Pretende a recorrente a recursa parcial do registo das marcas, quanto aos “Serviços Jurídicos”.
Prevê o art.º 216.º do RJPI (Recusa parcial) que “Quando existam fundamentos para recusa do registo de uma marca apenas no que respeita a alguns dos produtos ou serviços para que este foi pedido, a recusa do registo restringe-se apenas a esses produtos ou serviços”.
Ora, estamos perante recurso da decisão administrativa com características de plena jurisdição (e não de mera legalidade, como é regra nos recursos contenciosos), não se limitando o tribunal a anular a decisão administrativa ou a mantê-la, podendo também “…alterar, total ou parcialmente, a decisão recorrida...” sendo que a sentença “…, substitui essa decisão nos precisos termos em que for proferida”, o que resulta do n.º 3 do art.º 279.º do RJPI.2
Ora, é de reafirmar que se nota na lista dos serviços acima transcrita uma excepção referente aos “serviços de contencioso”, exclusivamente prestados pelos advogados ou advogados estagiários, não podendo a recorrida exercer as respectivas actividades.
Daí que não tem a recorrida o interesse legítimo no registo das marcas para assinalar este tipo de serviço, o que impõe a recusa parcial do registo nos termos do art.º216.ºdo RJPI.».
Assim sendo, acompanhando a decisão do TUI no caso em apreço haveria apenas que recusar a concessão da marca para os serviços de contencioso, pelo que, tendo decidido em sentido em contrário quanto aos demais serviços impõe-se decidir em conformidade revogando parcialmente a decisão recorrida.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se parcial provimento ao recurso, determina-se a recusa da marca em causa apenas quanto aos “serviços de contencioso”, revogando-se no mais a decisão recorrida e em consequência confirmando-se quanto aos demais serviços a decisão da DSEDT de concessão do registo da marca.
Sem custas por delas estar isenta a Recorrida.
Registe e Notifique.
RAEM, 24 de Fevereiro de 2022
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 Nestes autos Recorrida.
2 Cfr. Ac. do Tribunal de Última Instância, de 23 de Outubro de 2015, Proc. n.º 64/2015.
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878/2021 CÍVEL 26