--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). -----------------------
--- Data: 17/02/2022 ---------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng -----------------------------------------------------------------------------
Processo n.º 1050/2021
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Arguido recorrido: A (A)
DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Inconformado com o acórdão proferido a fls. 167 a 172 do Processo Comum Colectivo n.° CR3-21-0127-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, absolutório do arguido A do inicialmente acusado crime de arma proibida previsto sobretudo no art.o 262.o, n.o 1, do Código Penal, veio o Digno Delegado do Procurador recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando (no seu essencial) e rogando o seguinte, na sua motivação apresentada a fls. 181 a 187v dos presentes autos correspondentes:
– nessa decisão recorrida, há contradição insanável da fundamentação;
– e deve ser considerada não justificada a posse pelo arguido da faca da cozinha dos autos, com consequente condenação dele pela prática do crime acusado, a ser punido com dois anos e três meses de prisão, com suspensão da execução por três anos.
Ao recurso, respondeu o arguido a fls. 190 a 192v dos autos, no sentido de manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu, em sede de vista, a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 201 a 202v, pugnando pelo provimento do recurso, com condenação do arguido com aplicação da adequada pena.
Cumpre decidir sumariamente do recurso, nos termos permitidos analogicamente pelo art.o 621.o, n.o 2, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do Código de Processo Penal, dada a simplicidade da questão a decidir.
2. Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido se encontrou proferido a fls. 167 a 172, cujo teor integral (que inclui a respectiva fundamentação fáctica) se dá por aqui reproduzido.
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente julgador do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os Acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
O cerne do recurso prende-se mais propriamente com a questão de justificação, ou não, da posse da faca da cozinha dos autos.
No caso, ficou provado que o arguido tirou na cozinha da fracção autónoma dos autos uma faca, com 16,5 centímetros de lâmina, e a usou durante o decurso da altercação com a ofendida, com conflito corporal (cfr. sobretudo o facto provado 2).
Uma faca com lâmina superior a dez centímetros de comprimento, susceptível de ser usada como instrumento de agressão física, e desde que o portador dela não justifique a respectiva posse, é considerada arma proibida nos termos conjugados dos art.os 1.o, n.o 1, alínea f), e 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento de Armas e Munições, aprovado pelo art.o 1.o do Decreto-Lei n.o 77/99/M, de 8 de Novembro.
Sobre a factualidade provada semelhante à dos presentes autos na parte relativa à detenção da faca, já se pronunciou este TSI no Acórdão 9 de Março de 2006 do Processo n.o 29/2006, no sentido de não estar justificada a sua posse.
Conforme o sumário desse Acórdão:
– Uma faca com lâmina superior a 10 cm de comprimento é uma arma proibida quando seja susceptível de ser usada como instrumento de agressão física e o portador não justifique a respectiva posse;
– A sua posse estará justificada quando ela é afecta a uma daquelas finalidades normais e necessidades legítimas e compreensíveis da actividade do ser humano no seu dia a dia. Já o não será quando ela deixa de ter aquelas finalidades; já o não será quando a justificação para a sua detenção deixa de ser razoável; já o não será, seguramente, quando passa a ser utilizada para cometer crimes.
Após reflexão feita sobre o assunto, crê-se que perante o entendimento desse Acórdão de recurso penal, já expendido detalhadamente na sua fundamentação jurídica na parte relativa à consideração da questão de (não) justificação da posse, é patente a procedência do recurso do Ministério Público ora sub judice.
Cabe, consequentemente, e, por fim, medir a pena do arguido.
Ponderadas todas as circunstâncias fácticas já apuradas e descritas na fundamentação do acórdão recorrido, aos padrões dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do Código Penal, mostra-se adequada a dose da pena de prisão sugerida na motivação do recurso, pelo que se decide em passar a condenar o arguido em dois anos e três meses de prisão, dentro da correspondente moldura de dois a oito anos de prisão prevista no art.o 262.o, n.o 1, do Código Penal, pela prática, em autoria material, de um crime consumado de arma proibida, com suspensão da execução, à luz do art.o 48.o, n.o 1, deste Código, da pena por três anos (nos termos também pretendidos na motivação do recurso).
4. Dest’arte, decide-se, sumariamente, em julgar provido o recurso do Ministério Público, com consequente condenação directa do arguido recorrido A como autor material de um crime consumado de arma proibida, p. e p. pelo art.o 262.o, n.o 1, do Código Penal (em conjugação com o disposto nos art.os 1.o, n.o 1, alínea f), e 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento de Armas e Munições, aprovado pelo art.o 1.o do Decreto-Lei n.o 77/99/M, de 8 de Novembro), na pena de dois anos e três meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos.
Custas do processo em ambas as duas Instâncias tudo a cargo do arguido recorrido, com cinco UC de taxa de justiça na Primeira Instância, e duas UC de taxa de justiça nesta Segunda Instância. Fixa-se os honorários do Ex.mo Defensor Oficioso em mil e oitocentas patacas na Primeira Instância e em mil patacas na Segunda Instância, tudo a cargo do arguido.
Após o trânsito em julgado, comunique a presente decisão de condenação à ofendida.
Macau, 17 de Fevereiro de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
Processo n.º 1050/2021 Pág. 5/5