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Processo nº 339/2021
Data do Acórdão: 24FEV2022


Assuntos:

Regra de substituição – artº 118º/2 do CPAC
Regime Jurídico do Sistema Financeiro
Infracções administrativas
Determinação da medida de sanções pecuniárias


SUMÁRIO

1. Em princípio, no recurso contencioso de anulação, o tribunal limita-se a verificar a legalidade ou ilegalidade do acto administrativo recorrido, a fim de, quando concluir pela ilegalidade, declarar a inexistência jurídica do acto, declarar a nulidade do acto, ou anular o acto, consoante o caso.

2. Por razões que se prendem com o reforço dos poderes de pronúncia de juiz administrativo por forma a assegurar a efectividade da tutela jurisdicional, a lei autoriza, em circunstâncias especiais, em determinadas matérias, a atribuição da plena jurisdição aos tribunais administrativos. É o que sucede no nosso artº 118º/2 do CPAC.

3. Ao mandar aplicar as regras de substituição ao contencioso de anulação, o nosso legislador não teve a intenção de restringir o uso dos poderes de substituição pelo Tribunal administrativo, por forma a vinculá-lo às qualificações jurídicas dos factos já feitas pela entidade administrativa. Portanto, em face do disposto no artº 118º/2 do CPAC, o Tribunal administrativo é autorizado para proceder à qualificação jurídica diversa da feita pela Administração.

4. Em face do disposto no artº 118º/2 do CPAC, a habilitação do Tribunal para a anulação da pena aplicada pela Administração e a fixação de novo de pena administrativa não fica condicionada pela verificação do erro manifesto ou total desrazoabilidade na graduação das multas pela Administração.

5. Em face da ausência das regras para a determinação das sanções das infracções administrativas no Decreto-Lei nº 52/99M, e nos termos autorizados pelo seu artº 3º/3 do mesmo diploma, é defensável, na matéria da graduação concreta de penas de infracções administrativas, o recurso aos princípios gerais subjacentes ao critério orientador da determinação da pena de multa adoptado no Capítulo IV (Determinação da pena) do Título III (Consequência Jurídica do facto) da parte geral do Código Penal, à luz dos quais a situação económica do agente do facto deve ser tida como uma das circunstâncias a atender na determinação concreta da pena pecuniária e o quantum fixado de sanções não deve representar para o infractor obrigações cujo cumprimento não lhe seja razoável exigir.

6. Não se mostra desproporcional a pena de multa graduada em MOP$1.000.000,00, ligeiramente superior ao valor do benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção administrativa, punível com a moldura pecuniária de 10 mil patacas a 5 milhões de patacas.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 339/2021


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

A, devidamente id. nos autos, tendo sido notificado do despacho do Secretário para a Economia e Finanças exarado na proposta nº 147/2019-CA da AMCM, que lhe aplicou a pena de multa única no valor de MOP$1.000.000,00, pela prática, não autorizada, de operações reservadas às instituições sujeitas a supervisão pela AMCM nos termos do «Regime Jurídico do Sistema Financeiro», interpôs o recurso contencioso de anulação para o Tribunal Administrativo.

Devidamente tramitado no Tribunal Administrativo, veio a ser proferida a seguinte sentença julgando parcialmente procedente o recurso de anulação, anulando a parte respeitante ao quantitativo da multa e passando a fixar, em substituição da entidade administrativa recorrida, a multa única em MOP$150.000,00, nos termos prescritos no artº 118º/2 do CPAC:
I. Relatório
  Recorrente A (A), melhor id. nos autos,
  interpôs o presente recurso contencioso administrativo contra
  Entidade recorrida Secretário para a Economia e Finanças, que, pelo Despacho exarado na informação n.º 147/2019-CA, de 1 de Julho de 2019, lhe determinou a aplicação de uma multa única de MOP1,000,000.00, bem como a sanção acessória de publicitação da multa aplicada.
  
  Alegou o Recorrente, com os fundamentos de fls. 2 a 17 dos autos, em síntese,
  - o erro no pressuposto de facto;
  - a violação da norma do artigo 14.º do DL n.º 52/99/M, de 4 de Outubro;
  - a falta da fundamentação do acto; e
  - a violação dos princípios de adequação e de proporcionalidade, e de boa-fé.
  Concluiu, pedindo a anulação do acto recorrido.
*
  A Entidade recorrida apresentou a contestação a fls. 36 a 51 dos autos, em que se pugnou pela legalidade do acto recorrido e a consequente improcedência do recurso contencioso.
*
  A digna Magistrada do M.ºP.º emitiu douto parecer no sentido de ser julgado improcedente o presente recurso, com os fundamentos a fls. 57 a 61v dos autos.
*
  Nenhuma das partes apresentou as alegações facultativas.
*
  Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
  As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
  O processo é o próprio.
  Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
***

  II. Fundamentação
  
  1. Matéria de facto
  Considera-se provada a seguinte factualidade pertinente por elementos constantes dos autos e do processo administrativo:
➢ “XX百貨”位於澳門......大馬路...號......花園地下...室,於2017年5月5日開業,從事紅酒、皮具及電子產品零售業務,司法上訴人為其企業主 (見行政卷宗第150頁及背頁)。
➢ 2018年2月7日,金融管理局人員聯同司法警察局人員到上述店舖進行聯合調查行動,扣押了現金、手機、監察攝錄系統記錄硬盤、兩台內地銀聯卡終端(POS)機、一本記事簿、一疊交易記錄及一疊記錄字條(見行政卷宗第135頁、第157頁及第181頁至第202頁)。
➢ 2018年2月7日,金融管理局人員聽取了“XX百貨”僱員B及非法業務所涉及的客戶C的聲明(見行政卷宗第158頁至第162頁及第174頁至第180頁)。
➢ 2018年3月13日,金融管理局人員聽取了司法上訴人的聲明(見行政卷宗第168頁至第173頁)。
➢ 2018年6月15日,澳門金融管理局銀行監察廳(原銀行監察處)制作編號570/2018-DSB報告書,指經2018年2月7日對“XX百貨”進行核查,發現上述扣押文件記錄了“XX百貨”為客人進行刷卡兌換現金、以內地微信支付或支付寶轉賬兌換現金及匯款至內地銀行等交易的資料,顯示“XX百貨”在未經許可下向公眾提供外幣兌換及匯款服務,違反了《金融體系法律制度》第122條第2款b)項的規定,建議考慮對司法上訴人提起行政違法程序 (見行政卷宗第134頁至第141頁)。
➢ 2018年7月19日,澳門金融管理局行政管理委員會於第559/CA號決議中指出,因有強烈跡象顯示“XX百貨”在上述店舖內透過已安裝的電腦終端機,使用中國內地發行的信用卡及借記卡提取現金;直接以現金進行外匯服務,即買賣外幣現金;在第三方於店舖交付相關港元現金後,隨即於中國內地交付相應人民幣款項;以及接受將人民幣從中國內地調往澳門特別行政區,故議決向“XX百貨”及司法上訴人提起違法行為程序 (見行政卷宗第119頁至第120頁及背頁)。
➢ 2018年8月31 日,澳門金融管理局發出編號5431/2018-AMCM-GAJ公函,通知司法上訴人提交書面辯護 (見行政卷宗第106頁至第111頁)。
➢ 司法上訴人於2018年9月5日收悉上述公函,但沒有提交答辯 (見行政卷宗第27頁及第107頁)。
➢ 2019年6月13日,澳門金融管理局行政管理委員會於第576/CA號決議中作出建議,針對“XX百貨”及司法上訴人於2017年5月5日至2018年2月7日期間,在上述店舖內,在沒有許可下買賣外幣及使用境外機構發行的銀行卡提取款項的違法行為,科處澳門幣500,000.00元的罰款,以及在沒有許可下在第三方於其澳門店舖交付相關款項後,將現金從內地轉出及轉賬至外地的違法行為,科處澳門幣500,000.00元的罰款,即對司法上訴人科處單一罰款澳門幣1,000,000.00元,以及於兩份本澳報章上公布處罰批示(見行政卷宗第27頁至第33頁及背頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
➢ 2019年7月1日,被上訴實體於編號147/2019-CA建議書上作出批示,同意澳門金融管理局行政管理委員會於上述第576/CA號決議中的建議,決定對司法上訴人科處澳門幣1,000,000.00元的罰款及公布處罰批示的附加制裁 (見行政卷宗第26頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
➢ 2019年7月8日,澳門金融管理局發出編號4667/19-AMCM-DAJ公函將上述處罰決定通知司法上訴人 (見行政卷宗第13頁至第25頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
➢ 司法上訴人此前從未被澳門金融管理局提起任何違法行為程序 (見行政卷宗第28頁)。
➢ 司法上訴人及“XX百貨”於2017年5月5日至2018年2月7日期間,在沒有許可下從事盈利性匯兌業務,包括匯兌交易及為第三者將現金轉賬至外地(見行政卷宗第27頁背頁)。
➢ 上述違法業務每月可賺取約港幣8萬至10萬元(不包括租金及工資) (見行政卷宗第172頁)。
➢ 截至2020年8月11日,司法上訴人與D的大豐銀行編號113*******聯名賬戶餘額為港幣294,374.10元(見卷宗第66頁至第71頁)。
➢ 司法上訴人聲明其自2020年7月1日至10月21日期間無業,沒有收入(見卷宗第72頁)。
➢ 2019年8月8日,司法上訴人透過訴訟代理人針對上述決定向本院提起本司法上訴。
***

  2. Matéria de direito
  
  A decisão ora impugnada consiste na determinação da aplicação ao Recorrente, de uma multa única no valor de MOP1,000,000.00 e da sanção acessória de publicitação da multa aplicada, pela prática das seguintes infracções:
  - A compra e venda de moeda externa e com a utilização de cartões bancários emitidos por entidades do exterior para levantamento de fundos, sem autorização para estes efeitos, em violação dos dispostos dos artigos 3.º, alíneas a) e h), 8.º e 9.º todos do Decreto-Lei n.º 39/97/M, de 15 de Setembro, devidamente conjugados com o artigo 122.º, n.º 2, alínea b) do RJSF, aplicados por remissão expressa do artigo 16.º do citado Decreto-Lei n.º 39/97/M, sancionada com multa de MOP500,000.00,
  - A operação da transferência de numerário do e para o exterior, por ordem e conta de terceiros, após receber destes a respectiva contrapartida na sua loja em Macau, sem autorização para estes efeitos, em violação dos dispostos dos artigos 3.º, alíneas j) e l), 8.º e 9.º todos do Decreto-Lei n.º 39/97/M, de 15 de Setembro, bem como no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 15/97/M, de 5 de Maio, devidamente conjugados com o artigo 122.º, n.º 2, alínea b) do RJSF aplicado por remissão expressa do artigo aplicado por remissão expressa do artigo 16.º do citado Decreto-Lei n.º 39/97/M, e do artigo 22.º do citado Decreto-Lei n.º 15/97/M, respectivamente, sancionada com multa de MOP500,000.00.
  
  Começamos pela apreciação do erro no pressuposto de facto tal como arguido pelo ora Recorrente, que se encontra assente, nomeadamente, na insuficiência das provas constantes dos autos para a matéria de facto provada necessária à decisão sancionatória recorrida.
  
  Como se sabe, o chamado erro sobre os pressupostos de facto verifica-se quando houver uma divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto na prática do acto. Tratando-se de uma actividade administrativa vinculada, esse erro perde autonomia conceptual, reconduzindo-se ao vício de violação de lei. “O que acontece é que, se a Administração falha na densificação do pressuposto e daí parte para uma decisão administrativa com suporte fáctico errado, tal decisão está viciada por ter violado a lei: O fundamento normativo invocado por si não lhe permitia decidir como decidiu, face à situação material e objectiva verificada.” (veja-se, o Acórdão do TSI, de 20/2/2014, Processo n.º 525/2008).
  
  Na situação vertente, está em discussão uma sanção administrativa determinada pela prática dos seguintes ilícitos administrativos:
  - Compra e venda de moeda externa e utilização de cartões bancários emitidos por entidades do exterior para levantamento de fundos, em Macau, sem autorização para estes efeitos, e
  - Transferência de numerário do e para o exterior, por ordem e conta de terceiros, após receber destes a respectiva contrapartida, em Macau, sem autorização para estes efeitos.
  
  Entende-se que são actividades enquadráveis como operações cambiais as referidas nos termos do disposto do artigo 3.º, alíneas a), h), j) e l) do DL n.º 39/97/M, de 15 de Setembro, conforme o seguinte:
“Artigo 3.º
(Operações cambiais)
  Consideram-se operações cambiais todos os actos que envolvam transacções de moeda local com não-residentes e a compra e venda de moeda externa, dentro do Território, seja contra moeda local, seja contra outra moeda externa, bem como as transacções que envolvam a utilização de moeda externa dentro do Território e, nomeadamente, as seguintes:
  a) Compra e venda de notas e moedas metálicas com curso legal no exterior, não destinadas a fins numismáticos;
  …
  h) Utilização de cartões de crédito ou de débito, quando emitidos por entidades não-residentes, no pagamento de bens ou serviços ou no levantamento de fundos, quer ao balcão de estabelecimentos, quer em terminais informatizados;
  …
  j) Transferência e transporte, para o exterior, de moeda local, de moeda externa, de cheques de viagem, de cheques pessoais, de cheques bancários ou de qualquer forma de mobilização de fundos;
  l) Transferência e transporte, do exterior para o Território, de moeda local, moeda externa, de cheques de viagem, de cheques pessoais, de cheques bancários ou de qualquer forma de mobilização de fundos
  …”
  
  Actividades essas cujo exercício habitual, com intuito lucrativo, constitui o comércio de câmbios, reservado apenas às determinadas instituições, que para qualquer outra entidade, carece da prévia autorização administrativa, ao abrigo dos artigos 8.º e 9.º do mesmo diploma legal.
  
  Nesta linha, nos termos do artigo 122.º, n.º 2, alínea b) do Regime Jurídico do Sistema Financeiro do Território de Macau aprovado pelo DL n.º 32/93/M, de 5 de Julho, o exercício não autorizado de comércio dos câmbios por quaisquer outras pessoas ou entidades constitui uma infracção de especial gravidade, a que serão cominadas as sanções, principais e acessórias, previstas nos artigos 126.º e 127.º do mesmo diploma legal.
  
  Face a este enquadramento normativo, a questão que nos interessa é se a Entidade recorrida logrou demonstrar os pressupostos constitutivos da sua decisão no caso concreto, ou seja, se o Recorrente exercia ou não, sem autorização, as actividades que lhe foram imputadas.
  
  No que diz respeito à primeira parte objecto da sanção administrativa pecuniária – a prática das operações cambiais referidas no artigos 3.º, alíneas a) e h) do DL n.º 39/97/M, de 15 de Setembro, encontra-se esta apoiada nas declarações do próprio Recorrente a fls. 169 a 172 do processo administrativo, do trabalhador B da Loja “Armazéns XX”, a fls. 174 a 179 do P.A. e conjuntamente com os registos das transacções cambiais apreendidos a fls. 181 a 190 do P.A., onde se indicia que o ora Recorrente exercia, através da Loja “Armazéns XX”, as actividades cambiais, de forma habitual (por cerca de 10 meses desde o início das actividades da loja) e com a finalidade lucrativa (cobrar as tarifas por cada transacção, com o montante da transacção diária que chegou a atingir HKD300,000.00 a HKD400,000.00).
  
  Nesta medida, a Entidade recorrida considerou como factualidade assente – “…No período compreendido entre 5 de Maio de 2017 e 7 de Fevereiro de 2018, os Armazéns XX e o seu responsável A realizaram comércio de câmbios, sem estarem autorizados para o efeito, no estabelecimento acima referido, designadamente, realizou as seguintes operações cambiais…” e “Realização de troca de divisas, ou seja, comprou e vendeu moeda externa, designadamente HKD e RMB (autos de declarações a fls. 26 a 38 e documentos a fls. 3 a 25, 39 a 52, 59 a 98 e exposição escrita dos autuados sobre o relatório final a fls. 147 dos autos) …” (como referida no ponto II 2. e 2.2. da deliberação que servia de base para o acto recorrido).
  
  Perante isso, o erro que o ora Recorrente começou por arguir focaliza-se no número estimado de operações ilícitas considerado pela Entidade recorrida, que no seu entender, não coincide com aquilo que resulta demonstrado das provas produzidas no processo administrativo, ou até mais elevado do que efectivamente apurado (conforme se alega nos artigos 6.º a 11.º da p.i.).
  
  Tal incongruência verificada ou não, a nosso ver, sem relevância para abalar os pressupostos da decisão que se encontram estabelecidos nos termos anteriores, contudo, poderia interessar na avaliação da adequação do quantum da multa concretamente fixado para a Entidade recorrida.
  
  No que concerne, concretamente, à utilização de cartões de crédito ou de débito dos clientes emitidos por entidades exteriores, para o levantamento dos fundos através dos terminais informatizados (referida no ponto II 2.1. da deliberação), entendeu o Recorrente que não se provou quando e quem utilizou as máquinas POS do interior da China, encontradas na Loja “Armazéns XX” para a prática do ilícito administrativo em causa.
  
  Este argumento também tem pouca relevância, tendo em conta que ainda sem prova directa, a partir das declarações acima assinaladas, com a verificação das máquinas POS do interior da China encontradas no local do estabelecimento explorado pelo Recorrente (a fls. 157 do processo administrativo), é legítimo inferir que as máquinas POS foram efectivamente servidas para as actividades cambiais.
  
  Portanto, inexiste o erro alegado pelo Recorrente nesta parte (conforme se alega nos artigos 12.º a 14.º da p.i.).
  
  Por seu turno, em relação à infracção administrativa na segunda parte - a prática das operações cambiais referidas dos artigos 3.º, alíneas j) e l) do DL n.º 39/97/M, de 15 de Setembro, a sanção determinada nesta parte está baseada, como sucede na situação anterior, nas declarações do Recorrente e do trabalhador B que afirmaram ser uma das actividades principais da empresa a operação da transferência de Hong Kong dólares em numerário para as contas bancárias tituladas pelo cliente, do interior da China, por intermédio do terceiro e à taxa convencionada, e além disso, as declarações da denunciante C, conjuntamente com os outros registos das transferências efectuadas pelos trabalhadores da loja (cfr. fls. 168 a 190 do processo administrativo).
  
  E no que respeita, em especial, à utilização dos apps “Wechat” e “Alipay” como instrumento concreto na prática dessa infracção, parece-nos ser esta factualidade pouco discutível, considerando a prova documental – o ecrã capturado do telemóvel apreendido da loja a fls. 202 do P.A. sobre as verbas recebidas na conta da Alipay titulada pela Loja, corroborada pelas ditas declarações do Recorrente e do trabalhador B.
  
  Daí, também a conclusão firme e sólida da Entidade recorrida quando esta referiu que o ora Recorrente praticou “...Entrega de valores em numerário em contas no exterior pré-definidas (in casu no Interior da China), com referência à taxa de câmbio do dia, por ordem de clientes, após a entrega por estes no seu estabelecimento, em Macau, da respectiva contrapartida (autos de declarações a fls. 26 a 38 e documentos a fls. 3 a 25, 39 a 52, 59 a 98 e exposição escrita dos autuados sobre o relatório final a fls. 147 dos autos)...” e “Aceitação de transferência em moeda externa do exterior (in casu RMB com origem no Interior da China) para Macau, transferências estas que se realizavam através dos apps "Wechat e Alipay" (autos de declarações a fls. 26 a 38 e documentos a fls. 3 a 25, 39 a 52, 59 a 98 e exposição escrita dos autuados sobre o relatório final a fls. 147 dos autos)…” (referidas no ponto II 2.3. e 2.4. da deliberação).
  
  Do seu lado, carece, manifestamente, de pertinência a apreciação das circunstâncias invocadas pelo Recorrente como fundamentos da impugnação do acto, como por exemplo, a falta da análise incisiva e pormenorizada dos caracteres nas transacções registadas, a omissão da investigação do relacionamento entre os titulares das contas de Alipay verificados no telemóvel em causa o do Recorrente, a inexistência da prova para sustentar a infracção prevista no artigo 122.º, n.º 2, alínea k) do RJSF (conforme se alega nos artigos 15.º a 25.º na p.i.).
  
  Aqui chegados, deve-se julgar improcedente o recurso quanto a esta parte.
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  Seguidamente, quanto ao vício da violação do artigo 14.º do DL n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, considera o ora Recorrente que o acto é nulo por não discriminação das actuações concretas imputáveis no período compreendido entre 5 de Maio de 2017 e 7 de Fevereiro de 2018, assim como a omissão da indicação dos meios de prova – conforme se exige no disposto das alíneas b) e d) da mesma norma.
  
  Este fundamento também não merece apoio da nossa parte.
  
  Uma vez que para sustentar a punibilidade do ilícito administrativo praticado pelo Recorrente, a própria decisão contém uma descrição suficiente da factualidade na parte II da deliberação, com a indicação dos meios de prova correspondentes.
  
  Sempre se dirá, mesmo entendendo que isso não basta, a dita exigência legal quanto à descrição factual da decisão sancionatória satisfaz-se com a reprodução do teor da informação n.º 570/2018-DSB constante a fls. 134 a 141 do processo administrativo, feita no ponto I 5. da deliberação.
  
  Neste sentido, cremos que quanto a este vício o recurso não pode proceder.
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  Mais o Recorrente invoca o vício na fundamentação do acto recorrido em violação do artigo 115.º, n.º 2 do CPA, argumentando pela inexistência da justificação sobre a base da presunção do lucro diário proveniente das actividades ilícitas, determinada pela Entidade recorrida.
  
  Pelo que foi dito atrás, a Entidade recorrida tanto especificou os factos pelos quais o Recorrente foi sancionado, como indicou as respectivas normas postas em causa pelas condutas ilícitas praticadas. É por isso evidente a satisfação do dever legal de fundamentação do acto administrativo recorrido no caso concreto, e inexiste o vício de falta de fundamentação tal como pretendido.
  
  Mas a despeito disso, a preocupação do Recorrente não deixa de ser legítima – na medida em que esta pretendia destruir a base que servia à determinação do quantum daquela multa, como se analisará adiante.
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  Também inexiste a violação do princípio de boa-fé, invocada pelo Recorrente com fundamento em que não lhe é imputável o insucesso da tentativa de contacto no procedimento administrativo efectuado pela Entidade recorrida, não podendo por isso ser ele censurado pela infracção prevista no artigo 122.º, n.º 2, alínea k) do RJSF.
  
  Certo é que não foi a infracção prevista nesta norma concretamente imputada ao Recorrente no acto recorrido. Portanto, improcede este fundamento do recurso.
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  Por fim, a impugnação contenciosa veio a dirigir contra a legalidade da multa na sua vertente da proporcionalidade. Segundo entendeu o ora Recorrente, o quantum fixado é excessivo relativamente ao valor efectivo do seu proveito das actividades ilícitas, já que este se limitou a auferir um terço da receita mensal do estabelecimento.
  
  À parte disso, a multa fixada pela Entidade recorrida tem na sua base o montante do proveito económico mensalmente auferido, que foi determinado de grosso modo, sem base em provas firmes.

  Contesta a Entidade recorrida, considerando que os sacrifícios impostos ao interessado pela aplicação da multa não são desproporcionais face aos benefícios decorrentes dessa decisão administrativa. E além disso, referiu, embora não directamente, que a medida aplicada na sanção punitiva não é sindicável, salvo nos casos de erro manifesto, tendo como suporte no Acórdão do TUI, Processo n.º 1/2004, de 28/7/2004.
  
  Portanto, a primeira questão que urge responder aqui é - até que limite se pode sindicar a fixação da medida concreta da multa pela prática do ilícito administrativo, cabendo esta actuação no âmbito da matéria de discricionariedade administrativa ou antes na vinculação legal.
  
  Para estes efeitos, temos de ir àqueles critérios que serviam de base à quantificação da medida administrativa sancionatória.
  
  Tendo os ilícitos em causa – o exercício das actividades cambiais não autorizadas pela Autoridade financeira – a natureza administrativa, é aplicável o regime geral da infracção administrativa, estatuído pelo DL n.º 52/99/M, de 4 de Outubro.
  
  Dispõe no artigo 3.º, n.º 3 da parte das Disposições gerais, “na ausência de regulamentação nas leis ou regulamentos previstos no n.º 1, aplicam-se subsidiária e sucessivamente as disposições do presente diploma e, com as necessárias adaptações, as adequadas do Código do Procedimento Administrativo e os princípios gerais do direito e do processo penal.” Ou seja, o regime material do direito penal funciona subsidiariamente para a matéria de infracção administrativa na ausência da regulamentação específica nas leis ou regulamentos avulsos que a prevêem.
  
  Quanto ao regime material aplicável em especial, prevê-se no disposto do artigo 9.º: “Ao regime material das infracções administrativas são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições constantes dos n.ºs 1 e 3 do artigo 1.º, dos artigos 2.º, 3.º, 18.º, 119.º e 120.º e do n.º 2 do artigo 123.º do Código Penal.”
  
  Importa ver aqui que esta norma não contém remissões para as regras gerais previstas nos artigos 64.º e ss. do Código Penal, designadamente, as para a determinação da medida de pena, estabelecidas no artigo 65.º, limitando-se a abordar, esporadicamente, algumas situações especiais da quantificação da multa, tais como:
  - A atenuação em caso de tentativa – “Quando as leis ou regulamentos referidos no n.º 1 do artigo 3.º sancionem a tentativa, não podem ser previstos pressupostos e efeitos mais gravosos para o infractor que os constantes das disposições adequadas da lei penal.” (cfr. o artigo 5.º, n.º 2 do referido diploma), e
  - A agravação em caso de reincidência - “Quando valorada a reincidência, não podem ser previstos pressupostos e efeitos tão ou mais gravosos para o infractor que os constantes das disposições adequadas da lei penal” (cfr. o artigo 6.º, n.º 2 do referido diploma).
  
  Na ausência da norma expressa que seja, directa ou reflexamente, aplicável à escolha dos parâmetros que permitam a fixação da medida concreta da sanção administrativa, ser-nos-ia legítimo considerar que tal tarefa fica assim confiada pelo Legislador nas mãos das competentes entidades administrativas, caindo portanto no domínio da “conveniência administrativa”? Julgamos que não.
  
  Se diríamos anteriormente que a fonte legítima desses critérios era ainda duvidosa, já não é assim depois da publicação da Lei n.º 13/2009 (Regime jurídico de enquadramento das fontes normativas internas), onde se exige, expressamente, que seja feita por lei a normação jurídica da matéria referente ao “Regime geral das infracções administrativas, seu procedimento e estatuição das respectivas sanções, sem prejuízo do disposto na alínea 6), do n.º 1 do artigo 7.º ”(cfr. o artigo 6.º, alínea 6) deste diploma) (sublinhado nosso).
  
  Além do mais, dispõe-se no referido artigo 7.º, n.º 1, alínea 6) que pode ser objecto de regulamentos administrativos independentes a matéria atinente às “Infracções administrativas e respectivas multas que não excedam 500 000,00 (quinhentas mil patacas)”.
  
  Como se vê, num caso e noutro, os regimes da determinação da sanção administrativa, tanto a tipificação da infracção, como a quantificação da respectiva medida sancionatória, inclusivamente os critérios a observar na quantificação, devem ter fonte normativa legal – a lei formal proveniente da Assembleia Legislativa ou o regulamento administrativo independente. Ou seja, a referida matéria encontra-se subtraída à disponibilidade das entidades administrativas, que apenas podem pautar a actuação, unicamente, de acordo com os critérios legais.
  
  Se assim é, então, a despeito da ausência da remissão directa do DL n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, para as normas referentes à determinação da medida de pena previstas no Código Penal, não podem estas normas deixar de ter aplicação à matéria aí regulada (seja por via da integração da lacuna com base na existência da analogia entre o caso omisso em matéria de infracção administrativa e o caso regulado no direito penal, seja por via da aplicação da norma geral remissiva do citado artigo 3.º, n.º 3).
  
  Nesta linha, temos para nós que a actuação administrativa está sujeita às vinculações legais, na parte que respeita à escolha do critério para fixação da medida concreta da multa administrativa, sendo por isso sindicável através da fiscalização jurisdicional.
  
  Voltamos ao caso dos autos - a fixação da multa no montante de MOP1,000,000.00 de entre MOP10,000.00 e MOP5,000,000.00 na moldura prevista no artigo 128.º, n.º 1 do RJSF, teve em consideração, conforme resulta da parte III-Direito, ponto 3 da deliberação, os seguintes factores:
  “…Na determinação da sanção a aplicar parece dever ser levado em conta:
  3.1 O facto de os autuados nunca antes terem sido objecto de qualquer processo de infracção instaurado pela AMCM;
  3.2 O grau de culpa dos autuados (no mínimo, negligência grave);
  3.3 O facto de estarmos perante 4 tipos de infracções de especial gravidade (elevado grau de ilicitude);
  3.4 O benefício económico obtido com as condutas ilegais tidas por provadas;
  3.5 Os perigos que resultam para o sistema financeiro e para o público, do exercício deste tipo de actividades, sem autorização, e sem adequados mecanismos de controlo e de supervisão…”.
  
  É verdade que não se patenteia aí o percurso itinerário pelo qual a multa impugnada chegou a ser quantificada – contudo, da informação n.º 138/2019-DSB junta a fls. 89 a 91, com a tradução junta a fls. 77 a 81, do processo administrativo, pode depreender-se as seguintes considerações da Entidade recorrida:
  “…3.10. Da conjugação de todas disposições indicadas nos Pontos 3.5 a 3.9, na determinação da sanção a aplicar aos autuados, são considerados pelo DSB os seguintes factores:
  • A prática de actividades exclusivamente reservadas às instituições sujeitas a supervisão pelos autuados sem a autorização constitui infracção de especial gravidade e o facto do benefício económico por exercício destas actividades, propõe que a multa seja fixada, baseada no valor médio obtido durante o período de Maio de 2017 a Fevereiro de 2018, ou seja, o benefício económico de MOP834.300;
  • A inexistência de provas que revelam que os autuados tenham adoptado medidas de suprimento, propõe-se que seja aplicada uma multa de MOP10.000;
  • Na inspecção on-site, foi verificada a instalação de POS, facto este interrompeu a ordem financeira da RAEM e contra a segurança financeira da RAEM, é proposta que a sanção a aplicar aos autuados seja fixada num valor equivalente a 20% do total dos benefícios económicos obtidos durante o período de Maio de 2017 a Fevereiro de 2018 (com o valor médio, ou seja, MOP166.860;
  • A inexistência de quaisquer elementos que mostram a incapacidade económica por parte dos autuados.
  • Com base nos factores acima, propõe-se que seja aplicada uma multa aos autuados, no valor total de MOP1.000.000;
  • Com vista a evitar a ocorrência futura de actos da mesma natureza, bem como a garantir a segurança e a estabilidade financeira e os interesses do público em geral, que seja igualmente aplicada aos autuados uma sanção acessória de publicitação da sanção, com vista a alertar a população em geral que a prática não autorizada, por quaisquer indivíduos ou estabelecimentos comerciais, de operações exclusivamente reservadas às instituições sujeitas à supervisão não é tolerada na RAEM, devendo as infracções ilegais ser severamente combatidas...”
  
  Repara-se, aqui, que não obstante o acolhimento aparente de múltiplos factores no texto da decisão sancionatória final, o elemento unicamente preponderante para a quantificação é o benefício económico auferido pelo Recorrente através das actividades ilícitas, no período compreendido entre o mês de Maio de 2017 e de Fevereiro de 2018 – MOP834,300.00, com o acréscimo do agravante de 20%, no valor de MOP166,860.00.
  
  Sobre a multa assim quantificada pela Entidade recorrida, temos as maiores dúvidas: pergunta-se, desde logo, será legítimo considerar o benefício económico como um dos factores essenciais senão único, em face das regras legais estabelecidas no Código Penal?
  
  Vejamos esta questão.
  
  Estando em causa a aplicação da sanção pecuniária, aplica-se a norma do disposto do artigo 45.º do CPM, que estabelece o seguinte:
“Artigo 45.º
(Pena de multa)
  1. A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos nos n.os 1 e 2 do artigo 65.º, tendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360.
  2. Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 50 e 10 000 patacas, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
  3. Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda 1 ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação; dentro dos limites referidos e quando motivos supervenientes o justificarem, os prazos de pagamento inicialmente estabelecidos podem ser alterados.
  4. A falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das restantes.” (sublinhado nosso).
  
  Prevê-se ainda no disposto do artigo 65.º, n.ºs 1 e 2 do CPM, o seguinte:
“Artigo 65.º
(Determinação da medida da pena)
  1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
  2. Na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
  a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
  b) A intensidade do dolo ou da negligência;
  c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
  d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
  e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
  f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
  …”
  
  Como se pode perceber, tal “benefício económico” que serve à fundamentação da medida da multa quantificada não se encontra referenciado em lado nenhum, nem nas normas acima citadas, nem nas outras normas de leis avulsas. Assim, resta por clarificar em que tal consiste.
  
  No ordenamento jurídico comparado, existe de facto uma figura jurídica de “benefício económico” especialmente prevista para a determinação da medida da coima no caso de ilícito de mera ordenação social ou de infracção tributária.
  
  Cita-se, por exemplo, do regime de Ilícito de Mera Ordenação Social, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, a seguinte disposição:
“Artigo 18.º
Determinação da medida da coima
  1 - A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.
  2 - Se o agente retirou da infracção um benefício económico calculável superior ao limite máximo da coima, e não existirem outros meios de o eliminar, pode este elevar-se até ao montante do benefício, não devendo todavia a elevação exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido.
  3 - Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade” (sublinhado nosso).
  
  E além disso, no regime geral para as infracções tributárias, da Lei n.º 15/2001, estatui-se o seguinte:
“Artigo 27.º
Determinação da medida da coima
  1 - Sem prejuízo dos limites máximos fixados no artigo anterior, a coima deverá ser graduada em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica e, sempre que possível, exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação.
  2 - Se a contra-ordenação consistir na omissão da prática de um acto devido, a coima deverá ser graduada em função do tempo decorrido desde a data em que o facto devia ter sido praticado.
  3 - No caso de a mercadoria objecto da contra-ordenação ser de importação ou de exportação proibida ou tabacos, gado, carne e produtos cárneos, álcool ou bebidas alcoólicas, tais circunstâncias são consideradas como agravantes para efeitos da determinação do montante da coima.
  4 - Os limites mínimo e máximo da coima aplicável à tentativa, só punível nos casos expressamente previstos na lei, são reduzidos para metade” (sublinhado nosso).
  
  Entende-se por “benefício económico retirado da prática da contra-ordenação” aqui referido, “todo o proveito económico que não ocorreria no património do agente se este tivesse adoptado a conduta que o ordenamento lhe impunha e não tivesse contrariado a acção administrativa.” (cfr. neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 7344/2004-5, de 14-12-2004), como sucede na situação em que o agente, pela prática das infracções tributárias, deixou de pagar a prestação tributária devida, auferindo assim o benefício económico fixado em função do valor da prestação tributária em falta.

  Parece-nos que aquele “benefício económico” não é transponível para o nosso caso: o montante como tal qualificado pela Entidade recorrida reporta-se aos lucros que o Recorrente auferia com o exercício das actividades não autorizadas.
  
  Porque neste caso, se para o efeito o ora Recorrente tivesse obtido a autorização junto à Autoridade financeira, o incremento patrimonial ocorreria na mesma com os lucros resultantes do exercício dessa actividade cuja legitimidade já não se questionará. Por isso, o benefício económico nos termos pretendidos pela Entidade recorrida não é o termo equivalente ao que existe no ordenamento jurídico português.
  
  Este benefício económico, salvo melhor opinião, apresenta-se semelhante à figura de confisco relativamente aos direitos adquiridos através do facto incriminado, ou seja, à situação da “Perda de coisas, direitos ou vantagens ”, prevista no artigo 103.º do Código Penal, por força do qual são perdidos a favor do Território, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido directamente adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes.
  
  Por muito se queira, no nosso entendimento, o poder que cabe ao juiz penal de determinar o confisco das coisas, direitos ou vantagens provenientes da prática do ilícito criminal, incluindo a identificação do objecto desta medida assim como sua quantificação, não é directamente utilizável pela Administração pública no exercício da competência fiscalizadora face às infracções administrativas.
  
  Para tal, não se deve dispensar uma intervenção normativa prévia onde se fixa, de modo rigoroso, os pressupostos da actuação administrativa, pois tratando-se de uma medida altamente agressiva contra o património privado dos particulares. Assim como acontece com as operações sujeitas à licença no âmbito da Lei do Comércio Externo (Lei n.º 7/2003), reguladas nos artigos 36.º e 37.º, em que se prevê expressamente a possibilidade do confisco das mercadorias importadas no procedimento administrativo. Não será permitido à Administração, sem uma regulamentação específica, retirar ao infractor todo o benefício adquirido, de modo implícito, por via da aplicação da multa administrativa.
  
  A que acresce que a fixação do quantum da multa por referência determinante senão total àquele montante de benefício económico retirado pelo agente, o que não deve deixar de merecer a atenção especial da nossa parte.
  
  Em segundo lugar, como parece ser do entendimento do Recorrente, a excessividade da multa deve-se ainda à falta da consideração da sua situação económica e financeira.
  
  Dito por outra forma, dos factores acima elencados do acto recorrido, não se depreendeu que a situação económica foi tida em conta pela Entidade recorrida na fixação da medida de multa. E embora, na referida informação n.º 138/2019-DSB junta a fls. 89 a 91 do P.A., tenha sido referido “a inexistência de quaisquer elementos que mostram a incapacidade económica por parte dos autuados”, essa observação não desonera, no nosso entender, a Entidade recorrida de recolher por sua iniciativa as informações pertinentes para que a sanção aplicada seja proporcional à situação económica concreta do infractor.
  
  Admite-se, mesmo fora dos casos típicos da manifesta dificuldade económica, que a aplicação de uma multa no valor de MOP1,000,000.00 pudesse implicar os encargos mais ou menos gravosos para quem aufira mensalmente MOP50,000.00, ou MOP100,000.00. Aí assenta a razão de consideração obrigatória da situação económica financeira na determinação da multa, tal como exigida no artigo 45.º, n.º 2 do CPM.
  
  Em terceiro lugar, a multa é ainda excessiva por ser fixada em resultado do cúmulo das multas aplicadas pela prática de duas infracções administrativas.

  Não obstante termos já referenciado na apreciação dos vícios antecedentes, não podemos concordar com o entendimento da Entidade recorrida no sentido de que se trata aqui de duas infracções distintas.
  
  Sublinha-se que a infracção administrativa imputada ao Recorrente foi a prática não autorizada de operações reservadas às instituições determinadas referidas no artigo 22.º, n.º 2, alínea b) do RJSF. Não é qualquer acto isolado, esporádico de operação cambial que integra a previsão desta norma, mas sim o comércio de câmbios que consiste na “…realização, habitual e com intuito lucrativo, de operações cambiais.” (artigo 8.º do DL n.º 39/97/M, de 15 de Setembro), e que somente pode ser exercidos pelas entidades referidas no artigo 9.º, n.º 1 do DL n.º 39/97/M, de 15 de Setembro.
  
  Pese embora a enumeração no artigo 3.º do DL n.º 39/97/M, de 15 de Setembro, de várias operações consideradas como cambiais, a norma não as prevê como tipo legal autónomo do ilícito administrativo, limitando-se a indiciar nas alíneas, de forma não exaustiva, as circunstâncias qualificáveis como operação cambial, que poderão ocorrer separada ou conjuntamente na mesma actividade de comércio cambial.
  
  Já que o preenchimento do tipo no caso dos autos depende antes, da verificação de uma ou várias condutas aí descritas e da integração dos requisitos de “habitualidade” e de “intuito lucrativo”. Nesta conformidade, o número de infracções não se determina pelo número das alíneas do artigo 3.º do mesmo DL efectivamente preenchidas em cada caso concreto, com referência ao artigo 29.º, n.º 1 do Código Penal.
  
  No nosso caso, ao Recorrente foi imputada a infracção pela realização de comércios de câmbios no período compreendido entre 5 de Maio de 2017 e 7 de Fevereiro de 2018, sem estarem autorizados para o efeito, no estabelecimento Armazéns XX. Tanto as condutas de “a compra e venda de moeda externa e com a utilização de cartões bancários emitidos por entidades do exterior para levantamento de fundos”, previstas no artigos 3.º, alíneas a) e h), 8.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 39/97/M, como as de “a operação da transferência de numerário do e para o exterior, por ordem e conta de terceiros, após receber destes a respectiva contrapartida na sua loja em Macau”, previstas nos artigos 3.º, alíneas j) e l), 8.º e 9.º do mesmo DL, surgem no mesmo contexto histórico unitário, motivadas pela única resolução ilícita na actividade de exercício habitual do comércio de câmbios.
 
  É evidente que se está perante uma única infracção administrativa, e não duas, o que justifica apenas a aplicação de uma multa parcelar.
 
  Nesta linha, a despeito do preenchimento do pressuposto atinente à parte da previsão da norma sancionatória, deve ser anulado o acto recorrido na parte referente à fixação da consequência, pela excessividade da multa determinada em violação das vinculações legais impostas pelas normas do direito penal.
  
  Aqui chegado, não há necessidade de apreciar outros aspectos da ilegalidade da multa assinalados pelo Recorrente, de questionar, como por exemplo, se a base de cálculo de multa é ou não fiável.
 
  Nesta conformidade, o Tribunal, no exercício do poder conferido pela norma do artigo 118.º, n.º 2 do CPAC, entendendo que o Recorrente deve ser condenado, e em face dos outros elementos demonstrados nos autos - nomeadamente, o mesmo não tinha sido sujeito ao procedimento sancionatório de mesma natureza, colaborou com a Administração no procedimento, tendo confessado os factos que lhe foram imputados, a duração temporal do exercício da actividade ilícita, e além disso, o facto de que o Recorrente se encontra desempregado desde 1 de Julho de 2020 até ao presente, sem fonte de rendimento, fixa desde já, o quantitativo da multa que se julgue adequado, nos seguintes termos:
  - determina-se a aplicação da uma multa única de MOP150,000.00.
  - mantém-se a sanção acessória determinada, que não foi impugnada com base no vício próprio.
***

  IV. Decisão

  Assim, pelo exposto, decide-se:
  Julgar parcialmente procedente o presente recurso contencioso, com a fixação do quantitativo da multa em MOP150,000.00, mantendo-se a sanção acessória determinada no acto recorrido.
*
  Um terço de custas pelo Recorrente, com taxa de justiça fixada em 9UC.
  Sem custas pela Entidade recorrida, por ser subjectivamente isenta.
*
  Registe e notifique.

Notificada da sentença e inconformada com ela, a entidade administrativa interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal de Segunda Instância, formulando as conclusões e o pedido nos termos seguintes:
I. O TA errou ao entender que o artigo 118.º, n.º 2, do CPAC dá ao tribunal poderes quase ilimitados de plena jurisdição para alterar a graduação das multas administrativas;
II. Como foi já considerado assente pelo TUI e pelo TSI, a graduação das multas administrativas constituem um acto discricionário;
III. Em recurso contencioso, o tribunal não pode sindicar o exercício de poderes discricionários excepto nos casos de erro manifesto ou total desrazoabilidade, o que não se verifica in casu;
IV. Os fundamentos invocados pelo tribunal a quo são errados para sustentar que a multa aplicada pelo SEF, na conclusão do processo de infracção administrativa n.º 007/2018, instaurado pela AMCM, é excessiva, ou seja, o TA não invocou razões válidas para reduzir a multa aplicada pela Administração;
V. Para se concluir que o “benefício económico” não foi o factor determinante, nem tão pouco o principal, para a graduação da multa, basta atentar nos números 3 e 4 da Parte III da Deliberação n.º 576/CA, de 13.06.2019, do Conselho de Administração da AMCM, que contém os fundamentos do acto recorrido;
VI. Para além do “benefício económico” foram ponderados, para a fixação da multa única em causa, o facto de o autuado ser primário, o seu grau de culpa, o facto de estarmos perante infracções de especial gravidade (elevado grau de ilicitude) e os prejuízos e os perigos que resultam para o sistema financeiro e para o público, deste tipo de actividades ilícitas, sem adequados mecanismos de controlo e supervisão;
VII. Note-se que a contrario, à luz do n.º 1 do artigo 130.º do RJSF, os prejuízos causados para o sistema monetário-financeiro ou para a economia da RAEM, constituem, também, um importante factor a ter em conta na fixação das multas por infracções ao RJSF;
VIII. Os prejuízos e os perigos para o sistema financeiro consistem, por um lado, nos danos ao nível da sua imagem e da existência de uma “economia paralela”, que escapa ao controlo das autoridades (inviabilizando o exercício dos poderes de supervisão do mercado e a monitorização do fluxo de capitais entre a RAEM e o exterior) e, por outro lado, na prática de concorrência desleal face às instituições autorizadas, mormente às sociedades de entrega rápida de valores em numerário (SEV´s) cujo objecto exclusivo consiste na realização de actividades de entrega rápida de valores em numerário em Macau ou no exterior, por ordem de terceiros, ex vi artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 15/97/M, de 5 de Maio;
IX. O elevado risco para os consumidores do exercício destas actividades, sem autorização, supervisão e controlo, traduz-se, fundamentalmente, na exposição a que estes ficam sujeitos a criminalidade económico-financeira, mormente a burlas e a branqueamento de capitais;
X. Acresce que o TA errou, ainda, ao não ter presente o disposto no n.º 3 do artigo 128.º do RJSF;
XI. O benefício económico não só é um factor a ter em conta na fixação das multas por infracções ao RJSF, como constitui, a par da reincidência, razão bastante para que a Administração possa elevar o valor destas multas;
XII. É, para nós, inequívoco que não existe uma manifesta desproporção entre o beneficio económico obtido com a prática das infracções consideradas provadas (calculado em MOP 834.300,00, como vimos) e a multa aplicada no valor de MOP 1.000.000,00.
XIII. Por outro lado, os artigos 45.° e 65.° do CP não são aplicáveis às infracções administrativas, nem directamente, nem por analogia;
XIV. Não são aplicáveis directamente, porque o legislador, no RGIA, não os incluiu entre os preceitos do CP aplicáveis, ex vi artigo 9.° e n.º 3 do artigo 3.° do RGIA;
XV. E não é aplicável por analogia por não haver lacuna a preencher;
XVI. Efectivamente, é muito diferente aquilo que está em causa no Direito Penal e aquilo que está em causa no Direito Administrativo;
XVII. A medida concreta da multa administrativa difere, na sua natureza e na sua finalidade, da multa aplicada em sede penal;
XVIII. Assim, a sentença recorrida errou ao socorrer-se de normas do direito penal para julgar que a multa aplicada pelo SEF era excessiva;
XIX. Acresce que existem limites e constrangimentos à acção administrativa que não se verificam na acção dos tribunais e das autoridades policiais, em sede penal, designadamente no que se refere aos poderes e aos instrumentos de investigação para determinar a capacidade económica do infractor;
XX. Cremos que caberia, em primeiro lugar, ao infractor, à luz do artigo 87.º, n.º 1 (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 3.º do RGIA) alegar e provar a sua situação económica, o que não logrou fazer;
XXI. O TA voltou a errar ao transformar 2 infracções consideradas provadas pela Administração (comércio ilegal de câmbios e realização de actividades de entrega rápida de valores em numerário em Macau e no exterior, por ordem de terceiros, com carácter habitual e intuito lucrativo, sem autorização para este efeito) numa só e, ao fazê-lo, violou o princípio da separação de poderes;
XXII. Entendemos que o tribunal a quo não tinha competência e errou ao alterar a qualificação jurídica e o número de infracções consideradas provadas no âmbito do processo administrativo sancionatório, ultrapassando os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 118.°, n.º 2 do CPAC;
XXIII. No caso concreto, o montante da multa aplicada não é excessivo, tendo em atenção que as sanções aplicadas constituem o meio idóneo para a Administração alcançar os seus objectivos, que consistem, fundamentalmente, na repressão das práticas ilegais (que causam danos ao sistema financeiro da RAEM) , em imperativos de prevenção especial (dissuadir o infractor de praticar, novamente, este tipo de infracções) e de prevenção geral (alertar o público e o mercado para o facto de o exercício destas actividades, sem autorização, não ser tolerado na RAEM e acarretar diversos prejuízos e perigos para o mercado local);
XXIV. Acresce que o grau de desvalor da conduta do infractor e a defesa do interesse público, consubstanciado, entre outras valências, na protecção do sistema financeiro da RAEM e dos consumidores locais, justificam plenamente a aplicação ao infractor desta multa única no valor de MOP 1.000.000,00 (um milhão de patacas), resultante da soma de 1 multa de MOP 500.000,00 (quinhentas mil patacas) por exercício ilegal de comércio de câmbios e de 1 multa de MOP 500.000,00 (quinhentas mil patacas) pela realização de actividades de entrega rápida de valores em numerário em Macau e no exterior, por ordem de terceiros, com carácter habitual e intuito lucrativo, sem autorização para este efeito.
  Nos termos expostos, e nos melhores de Direito, pugnamos pela concessão de provimento ao presente recurso jurisdicional e, consequentemente, que o Tribunal de Segunda Instância declare nula ou, subsidiariamente, revogue a sentença impugnada, por violação da alínea d) do n.º 1 do artigo 21.° e do n.º 2 do artigo 118.° do CPAC, bem como dos artigos 5.° e n.º 3 do 571.° do Código de Processo Civil (aplicáveis subsidiariamente, ex vi artigo 1.º do CPAC), dos números 1 e 2 do artigo 9.° do Código Civil e, a final, do n.º 3 do artigo 3.° e do artigo 9.° do RGIA, mantendo intocado, por ser válido e legal, o acto administrativo objecto do recurso contencioso.

Notificado das alegações, o ora recorrido particular respondeu pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida.

Subidos os autos a esta segunda instância e devidamente tramitados, o Ministério Público emitiu oportunamente em sede de vista o seguinte douto parecer, pugnando pela procedência do recurso:
  Nas alegações do recurso jurisdicional em apreço, o Exmo. Senhor SEF solicitou a declaração da nulidade ou, subsidiariamente, a revogação da sentença em questão, assacando a violação das disposições na alínea d) do n.º1 do art.21.º e no n.º2 do art.118.º do CPAC, nos art.5.º e n.º3 do art.571.º do CPC (aplicáveis ex vi art.1.º do CPAC), nos n.º1 e n.º2 do art.9.º do CC, e afinal nos n.º3 do art.3.º e art.9.º do RGIA.
*
  Ora, a própria sentença em crise patenteia nitidamente que o MMº Juiz a quo anulou o despacho contenciosamente recorrido e fixa a multa na quantia de MOP$150,000.00, com fundamento de a multa incorporada no mesmo despacho eivar da excessividade derivada das três causas alu-didas por ele, sem existir outros vícios assacados na petição inicial.
  Quid juris?
  1. Para os devidos efeitos, subscrevemos a prudente jurisprudência que, nos termos do preceito no n.º3 do art.128.º do D.L. n.º32/93/M, reza categoricamente: Para nós, ao mandar atender o tal benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção para a determinação con-creta da pena, o que pretende o nosso legislador é, na prática não autorizada de operações reservadas às instituições sujeitas a supervisão pela AMCM, normalmente geradoras de benefícios económicos a favor de infractores e em prejuízos ao sistema económico e financeiro da RAEM, mandar atender o quantum do benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção, que reflecte o grau de ilicitude dos factos, o que não tem nada a ver com o instituto de confisco. (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º1040/2020)
  Essa sensata inculca jurisprudencial assegura-nos a inferir tranqui-lamente que não pode deixar de ser inconsistente a posição do MMº Juiz a quo, traduzida em afirmar ele que o “benefício económico” não é trans-ponível ao caso sub judice e se apresenta semelhante à figura de confisco que vê contemplação no art.103.º do Código Penal.
  2. Bem, cremos ser igualmente proficiente a asserção jurispruden-cial (vide. o supra referido Acórdão), segundo a qual “Em face da ausência das regras para a determinação das sanções das infracções administrativas no Decreto-Lei nº52/99M, e nos termos autorizados pelo seu artº3º/3 do mesmo diploma, é defensável, na matéria da graduação concreta de penas de infracções admi-nistrativas, o recurso aos princípios gerais subjacentes ao critério orientador da determinação da pena de multa adoptado no Capítulo IV (Determinação da pena) do Título III (Consequência Jurídica do facto) da parte geral do Código Penal, à luz dos quais a situação económica do agente do facto deve ser tida como uma das circunstâncias a atender na determinação concreta da pena pe-cuniária e o quantum fixado de sanções não deve representar para o infractor obrigações cujo cumprimento não lhe seja razoável exigir.”
  Com efeito, repare-se que o art.9.º do D.L. n.º52/99/M alude, de forma clara e propositada, aos n.º1 e n.º3 do art.1.º bem como aos arts.2.º e 3.º do Código Penal. Assim e ao abrigo do n.º3 do art.8.º do Cód. Civil, inferimos que sob pena de perderem a utilidade, os “princípios gerais do direito penal” referidos in fine do n.º3 do art.3.º do D.L. n.º52/99/M exige a interpretação extensiva, no sentido de abranger não só os “princípios gerais da Lei Penal” – Título I do Livro I do Código Penal, mas também as “Disposições gerais” e “Regras gerais” que presidem respectivamente os arts.39.º a 40.º do e 64.º a 68.º do Código Penal.
  Nesta linha, inclinamos a colher que são descabidos os argumentos versados nas conclusões XIV a XVIII das alegações do presente recurso jurisdicional, nas quais a recorrente repugnou à aplicação, directa ou indi-recta, dos arts.45.º e 65.º do Código Penal às infracções administrativas.
  Todavia, importa realçar que de acordo com a doutrina e jurispru-dência pacíficas, a indevida desconsideração da situação económica não é do conhecimento oficioso, por germinar apenas a anulabilidade. Daí flui que não sendo arguida por quem tenha legitimidade, a situação económica não pode ser fundamento da anulação, pese embora possa ser ponderada por julgador na graduação da multa a aplicar ao caso concreto.
  Apesar disso, parece-nos que a sentença recorrida não padece do excesso de pronúncia nem da correspondente nulidade, dado que a “falta da consideração” da situação económica e financeira da infractora não constitui o fundamento directo da anulação do despacho aí impugnado.
  3. Em relação aos vícios assacados nas conclusões XXI e XXII das alegações do recurso jurisdicional em apreço, convém assinalar que nos termos do disposto nos art.118.º do CPAC, art.16.º do D.L. n.º52/99/M e a alínea 5) do n.º5 do art.30.º da Lei n.º9/1999 na redacção vigente na devida altura, o regime estabelecido no Capítulo VI do CPAC tem a natureza de recurso contencioso, com as “especialidades” previstas no n.º2 do art.118.º que prevê: Quando o tribunal, não obstante conceda provi-mento ao recurso, entende que o recorrente deve ser condenado, fixa para o efeito, na sentença, o quantitativo da multa e a espécie e duração da sanção acessória.
  A nosso ver, tal n.º2 confere poder de substituição ao tribunal – em consequência do provimento do recurso contencioso, o tribunal substitui a Administração e aplica, na sua sentença de conceder o provimento, a multa e/ou a sanção administração ao recorrente. De acordo com a doutri-na mais autorizada (José Cândido de Pinho: Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Cotencioso, Vol. II, p.171; Viriato Lima, Álvaro Dantas: Código de Processo Administrativo Contencioso, p337), este poder de substituição é próximo da jurisdicção plena e constitui ex-cepção à regra geral consagrada no art.20.º do CPAC.
  Bem, óbvio é que o n.º2 não prevê regime especial sobre os funda-mentos da procedência do recurso contencioso. O que nos leva a inferir que para além da procedência do correspondente recurso contencioso, o exercício do sobredito poder de substituição tem ainda como pressuposto e limite que os actos administrativos praticados no exercício de poderes discricionários só podem ser judicialmente sindicados e anulados quando e se enfermarem de erro grosseiro ou total desrazoabilidade.
  Para além disso, perfilhamos a criteriosa jurisprudência, segundo a qual o poder de intervenção judicial não permite alterar oficiosamente o objecto do recurso, nem ultrapassar o poder administrativo e ponderar aquilo que a Administração não ponderou, sob pena de contrariar o prin-cípio da separação de poderes (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º891/2017).
  Pois bem, a nossa modesta leitura deixa-nos a impressão de que os ordenamentos jurídicos afins ao nosso seguem igualmente à regra de que o julgador não tem competência de ponderar aquilo que a Administração não ponderou (cfr. 陳清秀:《行政訴訟法》,台北植根法律事務所1999年,第447-448頁;平特納:《德國普通行政法》,中國政法大學出版社1999年第142頁). Implica isto que o poder de substituição tem por base a ponderação levada a cabo pela Administra-ção e se traduz em corrigir a errada ponderação da Administração.
  No caso sub judice, afigura-se-nos que na convolação da subsunção operada pela Administração (requalificando numa única as duas infracções admi-nistrativas imputadas à recorrente contenciosa pela Administração), o MMº Juiz a quo não lançou mão aos elementos ou factores que que a Administração não ponderou. O que nos levou a opinar que ele não infringiu o princípio da separação de poderes nem incorre na incompetência.
  Porém, o que importa é que na petição, a recorrente contenciosa não assacou erro na subsunção processada pela Administração. Assim e dado que existindo, esse erro, só por si, germinaria a mera anulabilidade, inclinamos a opinar que o conhecimento oficioso do tal erro pelo MMº Juiz a quo implica o excesso de pronúncia e a sequencial nulidade.
  Com todo o respeito pelo melhor entendimento em sentido contrá-rio, entendemos que as operações cambiais se distinguem das actividades de entrega rápida de valores em numerário, e os factos provados mostram convincentemente que a recorrente contenciosa praticara intencionalmente todas as condutas apuradas pela Administração, portanto, a convolação do MMº Juiz a quo enferma do erro de julgamento.
***
  Por todo o expendido acima, propendemos pelo provimento do pre-sente recurso jurisdicional.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

II

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi dos artºs 1º e 149º/1 do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

In casu, não há questões que nos cumpre conhecer ex oficio.

Em face do teor das conclusões tecidas nas alegações do recurso jurisdicional, as questões suscitadas pela entidade administrativa podem ser sintetizadas nas seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:

1. Da regra de substituição do Tribunal Administrativo; e

2. Da proporcionalidade da pena aplicada.

Então vejamos.

1. Da regra de substituição do Tribunal Administrativo

Por um lado, a recorrente reagiu contra a requalificação jurídica dos factos ex oficio feita pelo Tribunal a quo como a prática pelo infractor de uma única infracção, com fundamento de que, na sua óptica a tal conversão não foi consentida pela regra de substituição previstas no artº 118º/2 do CPAC, e subsidiariamente, questionou a bondade da conversão feita pelo Tribunal a quo.

E por outro lado, defende que, não se verificando erro manifesto ou total desrazoabilidade na graduação das multas que, na sua óptica, constitui um acto discricionário, o Tribunal Administrativo não podia fazer uso dos poderes previstos no artº 118º/2 do CPAC para reduzir a pena de multa aplicada.

A solução destas questões deve ser encontrada com a correcta interpretação do artº 118º do CPAC que reza:
1. O recurso de actos de aplicação de multas e sanções acessórias e dos restantes actos previstos na lei praticados por órgãos administrativos em processos de infracção administrativa segue os termos do processo de recurso contencioso de actos administrativos, com as especialidades constantes do número seguinte.
2. Quando o tribunal, não obstante conceda provimento ao recurso, entenda que o recorrente deve ser condenado, fixa para o efeito, na sentença, o quantitativo da multa e a espécie e duração da sanção acessória.
In casu, depois de julgados improcedentes os vários vícios invalidantes invocados no contencioso de anulação, o Tribunal Administrativo decidiu anular parcialmente o acto administrativo recorrido, tendo-se substituído à entidade administrativa na qualificação jurídica dos factos e na quantificação da medida concreta pena de multa, com fundamento de que, na sua óptica, a Administração errou não só na determinação do número das infracções, como também na graduação concreta das multas aplicadas, por ter levado em conta apenas o benefício económico obtido pelo infractor com a prática dos factos ilícitos e ter ignorado as demais circunstâncias com relevância à determinação da medida concreta de pena, nomeadamente a situação económica do infractor.

Então comecemos pela viabilidade legal e pela bondade ou não do resultado da requalificação jurídica operada pelo Tribunal a quo dos factos provados imputados ao infractor.

Para nós, ao mandar aplicar as regras de substituição ao contencioso de anulação, o nosso legislador não teve a intenção de restringir o uso dos poderes de substituição pelo Tribunal administrativo, por forma a vinculá-lo às qualificações jurídicas dos factos já feitas pela entidade administrativa.

Não teve essa intenção, e tecnicamente falando não pôde tê-la.

Como se sabe, a determinação da medida concreta de uma pena pressupõe necessariamente a correcta qualificação jurídica dos factos, consistente na subsunção desses factos ao tipo legal de infracções e o apuramento da pena abstracta, pois de outro modo, não poderíamos saber quais seriam a espécie de pena e a moldura abstracta aplicável.

Assim, dada a manifesta incindibilidade entre a qualificação jurídica dos factos integrantes das infracções cuja autoria se imputa ao agente e a identificação da espécie e da moldura abstracta de pena a aplicar ao agente, não é de aceitar a tese defendida pela recorrente no sentido de que o Tribunal administrativo não fica habilitado a qualificar juridicamente de forma diversa os factos assentes ou subsumir os factos ao tipo legal de infracções diversamente do que foi feito pela Administração.

E na verdade, não faz sentido por um lado reconhecer ao Tribunal administrativo o poder de substituição para alterar uma pena aplicada pela Administração com fundamento no erro na fixação da sua dosimetria, mas por outro “amarrar” o Tribunal por forma a não o permitir ter uma palavra sobre a bondade da qualificação jurídica dos factos feita pela Administração.

O que não é lógico.

Portanto, é de concluir que em face do disposto no artº 118º/2 do CPAC, o Tribunal administrativo está autorizado para proceder à qualificação jurídica dos factos diversamente do que foi feito pela Administração.

Quanto à bondade da qualificação jurídica feita pelo Tribunal administrativo, cremos que é de subscrever o douto parecer do Ministério Público onde se saliente que ……com todo o respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, entendemos que as operações cambiais se distinguem das actividades de entrega rápida de valores em numerário, e os factos provados mostram convincentemente que a recorrente contenciosa praticara intencionalmente todas as condutas apuradas pela Administração, portanto, a convolação do MMº Juiz a quo enferma do erro de julgamento.

Desta maneira, não se pode manter a conversão das duas infracções numa única feita pelo Tribunal a quo, e em substituição, devemos julgar como correcta a qualificação jurídica feita pela Administração.

Passemos então à outra questão, que consiste em saber, tal como suscitou a recorrente, se o regime de substituição consagrado no artº 118º/2 do CPAC só funciona nos casos em que se tenha verificado erro manifesto ou total desrazoabilidade na graduação das multas feita pela Administração?

Como se sabe, em princípio, no recurso contencioso de anulação, o tribunal limita-se a verificar a legalidade ou ilegalidade do acto administrativo recorrido, a fim de, quando concluir pela ilegalidade, declarar a inexistência jurídica do acto, declarar a nulidade do acto, ou anular o acto, consoante o caso.

Por razões que se prendem com o reforço dos poderes de pronúncia de juiz administrativo por forma a assegurar a efectividade da tutela jurisdicional, a lei consente, em circunstâncias especiais, em determinadas matérias, a atribuição da plena jurisdição aos tribunais administrativos no contencioso de anulação.

É o que sucede no nosso artº 118º/2 do CPAC.

A propósito de quê situações em que pode funcionar a regra de substituição consagrada nessa norma, Cândido de Pinho ensina que:

Parece que esta previsão se deve limitar aos casos em que o provimento é parcial ou decorre da procedência de algum vício formal, considerado, porém, inoperante em face da ilicitude manifesta e do dever vinculado de punição por parte do órgão administrativo, ou aos casos em que é considerada reduzida a culpa, a ponto de merecer menor severidade de pena ou, consoante os casos, também em função da gravidade da infracção ou da situação económica do infractor, por exemplo. – in Notas e Comentários ao CPAC, vol. II, pág. 171.

O caso sub judice é justamente a segunda situação indicada nesse douto ensinamento.

Na esteira desse entendimento doutrinário que concordamos, a habilitação do Tribunal para a anulação da pena aplicada pela Administração e a fixação de novo de pena administrativa não exigem a verificação do erro manifesto ou total desrazoabilidade na graduação das multas pela Administração.

Assim, não padece de qualquer censura o uso por parte do Exmº Juiz a quo dos poderes de substituição quanto a sanções aplicadas que lhe são conferidos pelo no artº 118º/2 do CPAC, sem prejuízo do exame que passamos a fazer infra quanto à rectidão ou não da redução, efectuada pelo Tribunal a quo, da medida concreta da pena de multa fixada pela Administração no acto de punição contenciosamente recorrido.

2. Da proporcionalidade da pena aplicada

Para o Exmº Juiz a quo, a medida de pena determinada pela Administração não é de manter por erro de direito, uma vez que na fixação do quantum da pena de multa, o benefício económico obtido pelo infractor, ora recorrido, foi tido pela Administração como a única circunstância determinante da medida concreta da pena, ao passo que não foi atendida pela Administração a situação económica do infractor, ora recorrido, que, na sua óptica, não pode deixar de ser investigada e atendida por aplicação analógica das regras para a determinação das pensas consagradas no CP.

Por isso, decidiu anular a fixação da pena de multa feita pela Administração.

E em substituição decidiu converter as duas infracções numa única infracção e reduzir discricionariamente o quantitativo da pena de multa, de MOP$1.000.000,00 para MOP$150.000,00.

A entidade administrativa, em sede do presente recurso, vem reagir contra o recurso à aplicação analógica ou subsidiária das regras, consagradas artº 65º do CP, para a determinação concreta da medida de pena, e subsidiariamente defende a rectidão da qualificação jurídica dos factos imputados ao infractor como duas infracções distintas, e não numa singular infracção como entendeu o Tribunal a quo, e mais argumenta que a medida concreta da pena de multa por ele fixada no procedimento administrativo não é desproporcional às circunstâncias dos factos.

Comecemos pela aplicabilidade, por via analógica ou subsidiária, das regras de determinação de pena do CP.

In casu, estão em causa infracções administrativas, sujeitas ao regime estabelecido no Decreto-Lei nº 52/99M.

Diz o seu artº 3º que:
1. Os regimes material e procedimental aplicáveis às infracções administrativas são fixados nas leis ou regulamentos que as prevêem e sancionam.
2. Os regimes referidos no número anterior devem conformar-se com as disposições do presente diploma.
3. Na ausência de regulamentação nas leis ou regulamentos previstos no n.º 1, aplicam-se subsidiária e sucessivamente as disposições do presente diploma e, com as necessárias adaptações, as adequadas do Código do Procedimento Administrativo e os princípios gerais do direito e do processo penal. – (subl. nosso)
Em face da ausência das regras para a determinação das sanções das infracções administrativas no Decreto-Lei nº 52/99M, e nos termos autorizados pelo seu artº 3º/3 do mesmo diploma, é defensável, na matéria da graduação concreta de penas de infracções administrativas, o recurso aos princípios gerais subjacentes ao critério orientador da determinação da pena de multa adoptado no Capítulo IV (Determinação da pena) do Título III (Consequência Jurídica do facto) da parte geral do CP, à luz dos quais a situação económica do agente do facto deve ser tida em conta como uma das circunstâncias a atender na determinação concreta da pena pecuniária e o quantum fixado de sanções não deve representar para o infractor obrigações cujo cumprimento não lhe seja razoável exigir.

Assim, não nos repugna aceitar que, na matéria de determinação concreta de sanções pecuniárias de infracções administrativas, a situação económica constitui uma das circunstâncias a atender na fixação da medida concreta das sanções.

Todavia, nem por isso é isenta de reparo a redução da pena operada pelo Tribunal a quo.

Senão vejamos.

Antes de mais, cabe salientar que, não obstante arguida pelo infractor no contencioso de anulação a excessividade do quantum da pena aplicada, não foi especificamente invocada a desproporcionalidade da sua situação económica em relação à medida da pena aplicada nem a omissão da ponderação da situação económica pela Administração na graduação da pena de multa.

E para além da não consideração pela Administração da situação económica da ora recorrida, o Tribunal a quo fundamentou a não manutenção e a modificação da pena de multa aplicada pela Administração no seguinte:

* A Administração não patenteou o percurso itinerário pelo qual a multa impugnada chegou a ser quantificada, tendo atribuído excessivo peso à circunstância do benefício económico obtido pela prática das infracções na fixação da medida concreta da multa aplicada; e

* Ao fazer equiparar ou aproximar o quantum da pena pecuniária a fixar ao quantum do benefício económico obtido com a prática das infracções pela recorrida, o que a Administração fez é no fundo à semelhança do que sucede com o confisco, que só seria admissível se tivesse sido expressamente consagrado na lei. E in casu na falta da lei expressa, a Administração não podia fazê-lo.

Salvo o devido respeito, não cremos que esses fundamentos têm a virtualidade de legitimar o Tribunal a quo a proceder à modificação da pena nos termos da sentença ora recorrida.

No que diz respeito à não ponderação da situação económica do infractor na determinação da pena que, quanto muito constitui vício gerador da anulabilidade dependente da arguição, é de entender que se não tivesse sido concretamente arguida no contencioso de anulação, o Tribunal Administrativo não pode conhecê-la oficiosamente.

E por outro lado, mesmo face ao regime da determinação das penas do direito penal, aqui aplicável por razões que vimos supra, a não consideração da situação económica do arguido para a determinação da medida concreta da pena pecuniária nem sempre afecta a validade da sentença, pois basta pensar no caso de non-liquet da situação económica do arguido no julgamento à revelia absoluta.

Quanto à inexistência no acto administrativo recorrido do percurso itinerário pelo qual a multa impugnada chegou a ser quantificada, é do nosso entendimento de que, não obstante susceptível do melhoramento a redacção da fundamentação, nomeadamente na indicação mais exaustiva dos motivos ponderados para o efeito, a fundamentação do acto punitivo neste aspecto nunca é absoluta, poi ai incorporaram-se pelo menos juízos valorativos quanto ao grau de culpa do infractor (no mínimo, a título de negligência grave) e quanto ao grau de ilicitude dos factos (elevado grau de ilicitude), relevantes à determinação da medida concreta da pena de multa aplicada.

Tal como sucede com a não consideração da situação económica, a falta da arguição pelo infractor da deficiência na fundamentação, meramente geradora da anulabilidade, impede o Tribunal a quo de se debruçar sobre ela.

Já quanto à tese fundada no excessivo valor atribuído ao benefício económico obtido com a prática das infracções administrativas e na inviabilidade legal do confisco, por razões que passemos a ver infra, não parecer ser de acompanhar.

Ora, reza o artº 128º do Decreto-Lei nº 32/93/M que:
1. Salvo o disposto nos números seguintes, a pena de multa será fixada entre 10 mil patacas e 5 milhões de patacas.
2. No caso de reincidência, os limites mínimo e máximo da multa aplicável são elevados ao dobro, considerando-se reincidente o infractor que cometer infracção de idêntica natureza no período de um ano, contado da data em que se tornou definitiva a condenação anterior.
3. Quando o benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção for superior a metade do limite máximo fixado no n.º 1, este poderá ser elevado até ao dobro desse benefício.
Dado preceituado no nº 3, é evidente que o elevado benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção é tido pelo nosso legislador como uma das circunstâncias a atender na determinação da medida concreta das sanções administrativas dos factos punidos nos termos do «Regime Jurídico do Sistema Financeiro».

Pois, de outro modo, o elevado benefício económico não poderia ter sido considerado como circunstância agravante modificativa da moldura máxima de penas pecuniárias.

Para nós, ao mandar atender o tal benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção para a determinação concreta da pena, o que pretende o nosso legislador é, na prática não autorizada de operações reservadas às instituições sujeitas a supervisão pela AMCM, normalmente geradoras de benefícios económicos a favor de infractores e em prejuízos ao sistema económico e financeiro da RAEM, mandar atender o quantum do benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção, que reflecte o grau de ilicitude dos factos, o que não tem nada a ver com o instituto de confisco.

Tendo in casu sido provado, e não questionado pelo infractor ora recorrido no contencioso de anulação, o valor de MOP$80.000,00 a MOP$100.000,00 do benefício económico obtido mensalmente com prática continuada das infracções no período de tempo compreendido entre MAIO2017 e FEV2018, não consideramos desproporcional a pena graduada pela Administração, o que logicamente não justifica a intervenção do poder judicial na redução da pena, administrativamente fixada em MOP$1.000.000,00, apenas ligeiramente superior àquele valor do benefício económico obtido, para o montante de MOP$150.000,00, substancialmente inferior ao da fixada pela Administração.

De outro modo, não poderiam deixar de estar gravemente fragilizadas, senão frustradas, as finalidades que a Administração pretendeu alcançar, com a pena aplicada à infractora, ora recorrida, tanto na vertente da prevenção geral como na da prevenção especial, de acordo com os princípios regulativos da medida da pena do direito penal, aqui aplicáveis por remissão expressa do artº 3º/3 do Decreto-Lei nº 52/99M, pois o baixo custo, consistente na pena pecuniária ora substancialmente reduzida pelo Tribunal a quo, para a prática das infracções administrativas em troca do elevado benefício económico obtido com a prática das infracções, não gerará efeito dissuasivo, antes um incentivo, para a prática de infracções no futuro.

Sem mais delonga, é de conceder provimento ao recurso jurisdicional.

Em conclusão:

7. Em princípio, no recurso contencioso de anulação, o tribunal limita-se a verificar a legalidade ou ilegalidade do acto administrativo recorrido, a fim de, quando concluir pela ilegalidade, declarar a inexistência jurídica do acto, declarar a nulidade do acto, ou anular o acto, consoante o caso.

8. Por razões que se prendem com o reforço dos poderes de pronúncia de juiz administrativo por forma a assegurar a efectividade da tutela jurisdicional, a lei autoriza, em circunstâncias especiais, em determinadas matérias, a atribuição da plena jurisdição aos tribunais administrativos. É o que sucede no nosso artº 118º/2 do CPAC.

9. Ao mandar aplicar as regras de substituição ao contencioso de anulação, o nosso legislador não teve a intenção de restringir o uso dos poderes de substituição pelo Tribunal administrativo, por forma a vinculá-lo às qualificações jurídicas dos factos já feitas pela entidade administrativa. Portanto, em face do disposto no artº 118º/2 do CPAC, o Tribunal administrativo é autorizado para proceder à qualificação jurídica diversa da feita pela Administração.

10. Em face do disposto no artº 118º/2 do CPAC, a habilitação do Tribunal para a anulação da pena aplicada pela Administração e a fixação de novo de pena administrativa não fica condicionada pela verificação do erro manifesto ou total desrazoabilidade na graduação das multas pela Administração.

11. Em face da ausência das regras para a determinação das sanções das infracções administrativas no Decreto-Lei nº 52/99M, e nos termos autorizados pelo seu artº 3º/3 do mesmo diploma, é defensável, na matéria da graduação concreta de penas de infracções administrativas, o recurso aos princípios gerais subjacentes ao critério orientador da determinação da pena de multa adoptado no Capítulo IV (Determinação da pena) do Título III (Consequência Jurídica do facto) da parte geral do Código Penal, à luz dos quais a situação económica do agente do facto deve ser tida como uma das circunstâncias a atender na determinação concreta da pena pecuniária e o quantum fixado de sanções não deve representar para o infractor obrigações cujo cumprimento não lhe seja razoável exigir.

12. Não se mostra desproporcional a pena de multa graduada em MOP$1.000.000,00, ligeiramente superior ao valor do benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção administrativa, punível com a moldura pecuniária de 10 mil patacas a 5 milhões de patacas.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida na parte que reduziu a pena de multa aplicada pela Administração e mantendo o acto contencioso recorrido.

Custas pelo recorrido, com a taxa de justiça fixada em 12UC.

Registe e notifique.

RAEM, 24FEV2022

Relator
Lai Kin Hong

Primeiro Juiz-Adjunto
Fong Man Chong

Segundo Juiz-Adjunto
Ho Wai Neng


Mai Man Ieng

Proc. 339/2021-1