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Processo nº 135/2021 Data: 10.12.2021
(Autos de recurso jurisdicional)

Assuntos : Procedimento disciplinar.
Princípio do inquisitório.
Défice de instrução.



SUMÁRIO

1. O “princípio do inquisitório” – como princípio fundamental do procedimento administrativo – tem a ver com os poderes de a Administração proceder às investigações necessárias ao conhecimento dos factos essenciais ou determinantes para a decisão, exigindo-se dela (ou imputando-lhe a responsabilidade correspondente) a descoberta e ponderação de todas as dimensões de interesses públicos e privados que se liguem com a decisão a produzir.

O princípio liga-se, nesta vertente, às ideias de completude instrutória ou de máxima aquisição de (factos e) interesses, cuja omissão pode implicar ilegalidade do acto final do procedimento, por deficit de instrução.

A Administração, com ou sem a colaboração do arguido, está sujeita ao “dever administrativo de descoberta da verdade” a fim de poder adoptar para o caso a solução mais justa.

2. A “decisão” de aplicação de uma “pena disciplinar” – pela prática de uma “infracção disciplinar”, (cfr., art. 281° do E.T.A.P.M.) – é o culminar de todo um “procedimento” – o chamado “processo disciplinar”; (cfr., art. 325° e segs.) – que, (como não podia deixar de ser), não se afasta da definição legal – de “procedimento administrativo” – constante do art. 1° do C.P.A..

Porém, o “Direito disciplinar” é um ramo específico, dotado de (relativa) autonomia própria, constituindo um sub-ramo do Direito Administrativo.

3. As averiguações e diligências que se venham a desenvolver em sede de instrução de um procedimento administrativo disciplinar não se destinam apenas a apurar a existência de uma falta disciplinar mas também o contrário, isto é, a inexistência de tal falta, pois que, como se assinalou antes, a referida actividade tanto serve para responsabilizar como para desresponsabilizar o funcionário ou agente envolvido nela.

As diligências a empreender em expedientes tais dependem obviamente da configuração e natureza dos factos que visam esclarecer, diferentes de caso para caso, donde que aquilo que possa servir para uma determinada situação concreta já não se possa ajustar a uma outra qualquer, por mais parecida e semelhante que se apresente.

Donde que o legislador tenha deixado à livre disponibilidade do instrutor a selecção e escolha dos instrumentos necessários e indispensáveis – desde que legais – ao esclarecimento dos factos sujeitos a procedimento.

O relator,

José Maria Dias Azedo

Processo nº 135/2021
(Autos de recurso jurisdicional)
   





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), com os restantes sinais dos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do SECRETÁRIO PARA A ADMINISTRAÇÃO E JUSTIÇA datado de 14.07.2020 que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão; (cfr., fls. 2 a 17 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Oportunamente, por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 13.05.2021, (Proc. n.° 832/2020), julgaram-se inverificados todos os “vícios” pelo recorrente imputados ao acto administrativo impugnado, (em especial, o de “défice de instrução”), negando-se provimento ao recurso; (cfr., fls. 129 a 157-v).

*

Inconformado, traz agora o mesmo recorrente o presente recurso, e, insistindo no já alegado “défice de instrução”, pede a revogação do decidido; (cfr., fls. 166 a 177).

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Em sede de vista juntou o Exmo. Magistrado do Ministério Público douto Parecer considerando que o recurso não merecia provimento; (cfr., fls. 188 a 189).

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Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, cumpre apreciar.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal de Segunda Instância considerou e elencou como “provados” os factos constantes de fls. 131 a 153 que não vem impugnados nem se mostram de alterar e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (consignando-se que oportunamente se fará adequada referência para efeitos de apreciação e decisão do presente recurso).

Do direito

3. Como se colhe do que até aqui se deixou relatado, vem A recorrer do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que negando provimento ao seu (anterior) recurso contencioso confirmou a decisão com a qual lhe tinha sido aplicada a pena disciplinar de demissão.

Analisada a motivação e conclusões do recurso, verifica-se que vem (apenas) colocada a questão de saber se a entidade administrativa recorrida incorreu em “défice de instrução”, e, como o afirma o recorrente, em “violação das normas legais dos art°s 59° e 86° do C.P.A.”; (cfr., concl. 12ª).

Consigna-se desde já que nos termos do primeiro dos invocados preceitos:

“Os órgãos administrativos, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, podem proceder às diligências que considerem convenientes para a instrução, ainda que sobre matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados, e decidir coisa diferente ou mais ampla do que a pedida, quando o interesse púbico assim o exigir”.

Por sua vez, preceitua o art. 86° que:

“1. O órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito.
2. Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios bem como os factos de que o órgão competente tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções.
3. O órgão competente deve fazer constar do procedimento os factos de que tenha conhecimento em virtude do exercício das suas competências”.

Ora, como sabido é, o “princípio do inquisitório”, (especialmente consagrado no transcrito art. 59° do C.P.A.), constituiu um princípio geral do procedimento administrativo.

Sobre o mesmo, em recente Acórdão, (e em referência a estes mesmos dois comandos legais), teve também esta Instância oportunidade de considerar que:

“Nos termos dos art.ºs 59.º e 86.º n.º 1 do CPA, a Administração deve proceder às diligências que considere convenientes para a instrução e decidir coisa diferente ou mais amplo do que a pedida, quando o interesse público assim o exigir, bem como procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito.
Ambas as normas falam na “conveniência” das diligências ou do conhecimento dos factos.”; (cfr., v.g., o Ac. de 29.04.2020, Proc. n.° 22/2020).

Em concreto, “o inquisitório tem a ver com os poderes de a Administração proceder às investigações necessárias ao conhecimento dos factos essenciais ou determinantes para a decisão, exigindo-se dela (ou imputando-lhe a responsabilidade correspondente) a descoberta e ponderação de todas as dimensões de interesses públicos e privados que se liguem com a decisão a produzir.
O princípio liga-se, nesta vertente, às ideias de completude instrutória ou de máxima aquisição de (fatos e) interesses, cuja omissão pode implicar ilegalidade do ato final do procedimento, por deficit de instrução (…)”; (cfr., v.g., Eliana de Almeida Pinto, Isabel Silva e Jorge Costa in, “C.P.A. Comentado”, Quid Iuris Sociedade Editora, 2018, pág. 160, podendo-se também ver Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim in, “C.P.A. Comentado”, 2ª ed., pág. 307 e 308).

Com efeito, a Administração, com ou sem a colaboração do arguido, está sujeita ao “dever administrativo de descoberta da verdade” a fim de poder adoptar para o caso a solução mais justa; (cfr., v.g., os Acs. do S.T.A. de 24.10.2019, Proc. n.° 67/18 e de 27.02.2020, Proc. n.° 2217/18).

E, nesta conformidade, ponderando sobre a “matéria” e “questão” em apreciação, vejamos.

Nos termos do art. 1° do C.P.A.:

“1. Entende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública, ou à sua execução.
2. Entende-se por processo administrativo o conjunto de documentos em que se traduzem os actos e formalidades que integram o procedimento administrativo”.

Por sua vez, atento o regulamentado no Título VI do E.T.A.P.M., (aprovado pelo D.L. n.° 87/89/M de 21.12), e respeitante ao “Regime disciplinar” – tem-se por adequada a consideração de que o “processo administrativo disciplinar” compreende as seguintes fases:
- instauração;
- instrução, (que pode dar lugar ao “arquivamento” do processo ou “acusação” do seu arguido, caso em que se segue a);
- defesa;
- relatório final; e,
- decisão; (sobre este aspecto, cfr., v.g., Manuel Leal-Henriques in, “Manual de Direito Disciplinar”, pág. 201 e segs., onde, referindo-se ao “processo em movimento”, identifica, igualmente, o que considera ser as “etapas na sua marcha”; podendo-se também ver, o seu mais recente “Direito Disciplinar de Macau”, pág. 259 e segs.).

Com efeito, e como também já tivemos oportunidade de ponderar “a “decisão” de aplicação de uma “pena disciplinar” – pela prática de uma “infracção disciplinar”, (cfr., art. 281° do referido E.T.A.P.M.) – é o culminar de todo um “procedimento” – o chamado “processo disciplinar”; (cfr., art. 325° e segs.) – que, (como não podia deixar de ser), não se afasta da definição legal – de procedimento administrativo – constante do art. 1° do C.P.A..
Porém, o “Direito disciplinar” é um ramo específico, dotado de (relativa) autonomia própria, constituindo um sub-ramo do Direito Administrativo”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 28.04.2021, Proc. n.° 24/2021).

E, nesta conformidade, necessário é então aqui reflectir-se sobre o que em sede do “procedimento disciplinar”, e sob a epígrafe “instrução do processo” se preceitua no art. 329° do referido E.T.A.P.M., (na redacção resultante do D.L. n.° 62/98/M de 28.12), e que tem o seguinte teor:

“1. A instrução compreende todo o conjunto de averiguações e diligências destinadas a apurar a existência de uma infracção disciplinar e a determinar os seus agentes e a responsabilidade deles, recolhendo todas as provas em ordem a proferir uma decisão fundamentada.
2. O instrutor procederá oficiosamente a todas as diligências necessárias às averiguações a que se refere o número anterior, ouvindo para tanto o participante, as testemunhas por este indicadas até um máximo de três por cada facto e, sem limitação de número, as demais que julgar necessárias, procedendo a exames e outras diligências de prova e fazendo juntar aos autos o certificado do registo disciplinar do arguido.
3. O instrutor deverá obrigatoriamente ouvir o arguido em declarações, até, ao termo da instrução e poderá acareá-lo com as testemunhas ou com o participante, podendo ele fazer-se assistir do seu defensor sempre que assim o pretender.
4. O arguido pode requerer ao instrutor que promova as diligências que considere essenciais para a descoberta da verdade e este requerimento apenas pode ser indeferido quando o instrutor, em despacho fundamentado, o declarar dilatório por considerar suficiente a prova já produzida.
5. As diligências que tiverem de ser feitas fora de Macau podem ser requisitadas, nomeadamente, por ofício, telegrama, telex ou telefax, à competente autoridade administrativa ou policial.
6. Tendo havido processo de averiguações sobre os factos que determinaram a instauração do processo disciplinar, pode o instrutor dispensar a repetição das diligências realizadas naquele processo.
7. Quando o arguido seja acusado de incompetência profissional, poderá o instrutor convidá-lo a executar quaisquer trabalhos segundo o programa traçado por dois indivíduos qualificados, que depois darão os seus laudos sobre as provas prestadas e a competência do arguido.
8. Os indivíduos referidos no número anterior serão indicados pela entidade que tiver mandado instaurar o processo disciplinar, e os trabalhos a fazer pelo arguido serão de natureza dos que habitualmente competem a funcionários e agentes do mesmo serviço e categoria”.

Aqui chegados, (não se perdendo de vista a “questão” pelo recorrente colocada), e para uma melhor (cabal) compreensão do que em causa está na presente lide recursória, apresenta-se útil atentar na fundamentação pelo Tribunal de Segunda Instância (quanto à mesma) exposta no Acórdão agora recorrido.

Vejamos.

Na parte que agora releva, o referido Acórdão acolheu e transcreveu a seguinte passagem do douto Parecer pelo Ministério Público (em sede do anterior recurso contencioso) apresentado:

“Na petição inicial, o recorrente A pediu para anular o Despacho do Secretário para a Administração e Justiça proferido no Relatório do Processo Disciplinar n.º 08/PD-EW-02-2019, que lhe aplicou a “pena de demissão”, com fundamento de: primeiro, vícios da insuficiência do julgamento da matéria de facto e da insuficiência de investigação; e segundo, violação da lei, e erros na apreciação dos factos e na aplicação da lei, nomeadamente a violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade no art.º 5.º do CPA.
*
1. Do primeiro vício
Quanto aos pontos 1 a 7 da acusação (vide as fls. 1125-1132 do livro I do Processo Disciplinar n.º 08/PD-EW-02-2019, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), quer na defesa (fls. 1209-1217 do livro I), quer na petição inicial, o recorrente não refutou que tinha consultado, através da “versão do Governo” da “Plataforma de Serviços Registais e Notariais via Internet”, as informações do registo predial por 461 vezes, nem refutou que tinha realizado, conscientemente, essas 461 consultas.
Na petição inicial, o recorrente apresentou o seguinte argumento: ele apenas usou, por motivo pessoal, a “versão do Governo” da “Plataforma de Serviços Registais e Notariais via Internet” por uma vez, admitiu o uso deste sistema por motivos pessoais por 33 vezes, mas as restantes 428 vezes deveram-se às necessidades de trabalho, e ele nunca registou ou revelou a qualquer pessoa as informações dos cidadãos; o IAM tinha a capacidade mas eludiu a comparação correlatada, não verificou as finalidades das restantes 428 vezes de uso do referido sistema (vide os art.ºs 68.º e 69.º da petição inicial), e recusou a investigar se era verdadeiro o que afirmou o recorrente, ou seja “orientar os colegas que exercem o mesmo cargo nos outros postos na operação do sistema” (vide os art.ºs 70.º e 71.º da petição inicial).
1.1. É verdade que o art.º 59.º do CPA estipula o princípio do inquisitório, ou seja: Os órgãos administrativos, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, podem proceder às diligências que considerem convenientes para a instrução, ainda que sobre matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados, e decidir coisa diferente ou mais ampla do que a pedida, quando o interesse público assim o exigir.
É de saber, o princípio do inquisitório não é de alcance ilimitado nem existe isoladamente. O art.º 59.º deve ser interpretado em conformidade com o princípio de economia e celeridade processual, com um dos sentidos de terem os órgãos administrativos poder e dever de “recusar e evitar” tudo o que foi impertinente ou dilatório do andamento do procedimento (art.º 60.º do mesmo Código). Com base no princípio da unidade do ordenamento jurídico, o art.º 59.º também deve ser interpretado em conjugação com o art.º 87.º (sic.), n.º 1 do CPA, segundo o qual: o órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito.
Tendo adoptado a teoria do direito administrativo de Portugal, a jurisprudência de Macau entende que (vide o Acórdão do TSI no Processo n.º 193/2000): 4. A falta de diligências reputadas necessárias para a constituição da base fáctica da decisão afectará esta, não só se tais diligências forem obrigatórias (acarretando, assim, violação do princípio da legalidade), mas também se a materialidade dos factos não estiver comprovada, ou faltarem, nessa base, factos relevantes alegados pelo interessado, por insuficiência de prova que a Administração poderia e deveria ter colhido (o que gera erro nos pressupostos de facto). 5. Ou seja, as omissões, inexactidões ou insuficiências na instrução estão na origem de um déficit de instrução, que redunda em erro invalidante da decisão, derivado não só da omissão ou preterição das diligências legais, mas também de não se tomar na devida conta, na instrução, interesses que tenham sido introduzidos pelo interessado, ou factos que fossem necessários para a decisão do procedimento.
Por outro lado, o TUI apontou perspicazmente que: … É de dizer que só têm interesse as diligências que a Administração considere “convenientes” e os factos “cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento”, sobre os quais a Administração tem o dever de tomar e averiguar. A “conveniência” do conhecimento de factos não deve ser interpretada numa visão restritiva, mas sim com uma extensão indiscriminada, englobando não apenas a justa decisão, mas também a decisão legal. O órgão tem que averiguar todos os factos pertinentes (convenientes) à decisão do fundo que o procedimento impõe. (vide o Acórdão do TUI no Processo n.º 22/2020)
De acordo com os art.ºs 59.º, 60.º e 87.º, n.º 1 do CPA, e com observância da jurisprudência citada, podemos chegar à seguinte conclusão: a investigação tem como objecto apenas factos “cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento”, e os órgãos administrativos não precisar de averiguar os factos irrelevantes, devendo recusar ou rejeitar todas as diligências dilatórias requeridas pelos interessados; e só a omissão na investigação dos factos relevantes para a “justa e rápida decisão” é que causa deficit de instrução ou erro nos pressupostos de facto que podem produzir o efeito invalidante (dos actos administrativos).
1.2. Voltando ao caso sub judice, importa mencionar mais uma vez o seguinte: quer na defesa, quer na petição inicial, o recorrente não refutou que tinha consultado, conscientemente e através da “versão do Governo” da “Plataforma de Serviços Registais e Notariais via Internet”, as informações do registo predial por 461 vezes, e admitiu que, quando se sentiu entediado, acedeu aos dados pessoais no “sistema CRM”, no “sistema de licenciamento de reclamo” e no “sistema Amigos do IAM”, mas insistiu que as restantes 428 vezes deveram-se às necessidades de trabalho, e ele nunca registou ou revelou a qualquer pessoa as informações dos cidadãos.
No entanto, segundo o disposto em “II. Serviço One Stop de Autorização Administrativa ou Licenciamento Administrativo” das «Instruções de Trabalho sobre o Funcionamento de Serviços e a Entrada e Saída de Documentos da DSF e da DSSOPT no Tratamento dos Requerimentos de Autorização e Licenciamento Administrativo nos Centros de Prestação de Serviços do IAM» (vide as fls. 1595-1600 do livro II do Processo Disciplinar n.º 08/PD-EW-02-2019), os trabalhadores do balcão do IAM só podem aceder ao sistema da DSAJ para consultar e imprimir as informações do registo predial quando tratem, por forma One Stop, dos requerimentos de autorização administrativa ou de licenciamento administrativo, para os quais for necessário o tratamento de buscas das construções. Daí que, o acesso dos trabalhadores do balcão do IAM à “versão do Governo” da “Plataforma de Serviços Registais e Notariais via Internet” limita-se ao tratamento dos serviços One Stop de licenciamento administrativo ou autorização administrativa.
Nesta conformidade, e por os 461 usos, por parte do recorrente, da “versão do Governo” da “Plataforma de Serviços Registais e Notariais via Internet”, não preencherem os pressupostos fixados nas «Instruções de Trabalho sobre o Funcionamento de Serviços e a Entrada e Saída de Documentos da DSF e da DSSOPT no Tratamento dos Requerimentos de Autorização e Licenciamento Administrativo nos Centros de Prestação de Serviços do IAM», inclinamo-nos a entender que: tendo em vista que o recorrente admitiu as 33 vezes de uso do sistema por motivo pessoal, deve ele assumir o ónus da prova do facto de “as restantes 428 vezes deveram-se às necessidades de trabalho”, que por sua vez, constitui, em termos de natureza, circunstância de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Salvo o devido respeito por opinião diferente, entendemos que: quer na sua defesa, quer na fase de audiência do processo disciplinar, o recorrente, na qualidade de arguido, não apresentou provas suficientes para comprovar que “as restantes 428 vezes deveram-se às necessidades de trabalho”; as provas recolhidas no processo disciplinar e os factos comprovados pelas mesmas são suficientes para fazer a qualificação jurídica em causa, pelo que o acto administrativo recorrido (despacho de demissão proferido pelo Secretário para a Administração e Justiça) não incorreu nos vícios da “insuficiência do julgamento da matéria de facto e da insuficiência de investigação”.
1.3. Voltando ao caso, concordamos com a seguinte “hipótese” e análise da autoridade recorrida: ainda que aceitemos o que alegou o recorrente, ou seja as restantes 400 consultas foram relacionadas com o exercício das suas funções, de acordo com a explicação dada pelo recorrente nos pontos 33 a 46 da petição inicial, a finalidade dos usos violou completamente as instruções de uso do respectivo sistema. Por outro lado, conforme os dados constantes das fls. 0297 a 0298 do Processo de Averiguações n.º 01/2019-PK/LK, no período compreendido entre 20 de Junho de 2017 e 13 de Setembro de 2019, o recorrente consultou informações do registo predial de fracções habitacionais, lugares de estacionamento e fracções de edifícios em construção, informações essas que são completamente desnecessárias no tratamento de requerimentos de serviço de One Stop, e não são correspondentes à finalidade indicada nas instruções…; por ser inquestionável que “não é necessário consultar ou imprimir buscas da versão do Governo das fracções destinadas à habitação nos serviços de One Stop prestados pelo IAM” (art.ºs 32º e 34º da contestação, sublinhado nosso)
1.4. Ressalvado respeito por opinião diferente, consideramos coerente, precisa e impecável a exposição nos art.ºs 35º e 38º da contestação, pelo que transcrevemos aqui o seu teor (sublinhado nosso):
35. O recorrente não concordou com o que apontou o instrutor no relatório, ou seja, tendo admitido e citado os depoimentos prestados pelo colega do recorrente B, e em comparação com este, que por sua vez, quase nunca usou a “versão do Governo” do sistema de buscas, o instrutor considerou irrazoável e em grande quantidade o uso do referido sistema por parte do recorrente, porque são diferentes as formas de tratamento de requerimentos adoptados por cada pessoa; mas B é testemunha apresentada pelo recorrente na fase de defesa, e verifica-se uma diferença óbvia entre os números de uso do sistema dele e do recorrente, pelo que não andou mal o instrutor ao admitir os depoimentos dessa testemunha para formar a sua convicção sobre os factos; ademais, afigura-se-nos que o ponto-chave da questão é, segundo as respectivas instruções, não é necessário consultar ou imprimir buscas da versão do Governo das fracções destinadas à habitação nos serviços de One Stop prestados pelo IAM, e o recorrente usou, por mais de 400 vezes, a “versão do Governo” do sistema de buscas para consultar informações de fracções destinadas à habitação ou lugares de estacionamento/ou extrair buscas, condutas essas que são injustificadas, frequentes e de grande quantidade. Além disso, as respectivas condutas do recorrente duraram por 2 anos e só foram detectadas pelo IAM após a recepção da carta de denúncia.
38. Por outro lado, mesmo que aceitemos a explicação dada pelo recorrente, ou seja, ele consultou, por mais de 20 vezes, informações do [Edifício(1)], descrito sob o n.º XXXXX, para orientar os colegas nos outros postos na operação do sistema, ainda não compreendemos porque é que o recorrente usou um prédio destinado à habitação para orientar os colegas, uma vez que atendendo ao tipo de requerimentos tratados pelos trabalhadores do balcão, as consultas das informações prediais através da “Plataforma de Serviços Registais e Notariais via Internet” (“versão do Governo” do sistema de buscas) têm por objecto principal fracções com finalidade comercial, das quais devia o recorrente usar uma para fazer a demonstração. Não é razoável usar um prédio habitacional para orientar os colegas, porque só é permitida a consulta nos casos de requerimentos de serviço de One Stop de licenciamento administrativo e de autorização administrativa do IAM, quando os requerimentos envolvam buscas necessárias para o tratamento do requerimento de projecto de construção, quer dizer, só é permitida a consulta de informações prediais das lojas. Obviamente, quanto às fracções com finalidade habitacional, não devem os trabalhadores do balcão usar as buscas da versão do Governo, e a respectiva demonstração não está em conformidade com os regulamentos internos.
1.5. Também concordamos completamente com o art.º 44º da contestação: o recorrente admitiu que quando se sentiu entediado, acedeu ao “sistema CRM”, ao “sistema de licenciamento de reclamo” e ao “sistema Amigos do IAM” para matar tempo, condutas essas que revelaram, sem dúvida, sua total ignorância do «Regulamento de Tratamento de Equipamentos Informáticos, Correios Electrónicos e Dados Pessoais na Internet do IAM». O recorrente, sabendo bem que era proibido, ainda consultou dados pessoais dos cidadãos por motivo alheio ao trabalho, e violou a privacidade pessoal dos cidadãos, pelo que as suas condutas infraccionais violaram não só as instruções internas do IAM, mas também a protecção dos dados privados dos cidadãos prevista pela Lei da Protecção de Dados Pessoais, sendo muitos graves os interesses violados.
1.6. Aqui chegados, temos a seguinte conclusão: no processo disciplinar, o instrutor, a fim de apurar a verdade dos factos, já ouviu as declarações prestadas pelo recorrente, pelo seu colega responsável pelas instruções de trabalho e pelo sistema de trabalho, e pelo colega do recorrente B, e em conjugação com as respectivas instruções de trabalho, fez uma análise detalhada, pelo que o serviço administrativo já averiguou, suficientemente, os factos “cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento”; por isso, o despacho recorrido não violou o princípio do inquisitório e o art.º 86.º, n.º 1 do CPA.
(…)”; (cfr., fls. 153 a 155-v e 82 a 91 do Apenso).

E, seguidamente, pronunciando-se especificamente sobre a mesma “questão”, consignou-se também no dito Acórdão que:

“(…)
Na verdade, como foi referido pelo Procurador-Adjunto no seu parecer, “o princípio do inquisitório não é de alcance ilimitado nem existe isoladamente”, e esse princípio tem limite razoável, sendo apenas aplicável à averiguação dos factos relevantes para a decisão.
No caso sub judice, o instrutor já apurou o número de vezes do acesso ao sistema do recorrente e os conteúdos consultados, e também demonstrou porque é que os conteúdos consultados (fracções autónomas com finalidade habitacional e lugares de estacionamento) não tinham nada a ver com o trabalho do recorrente (as informações consultadas são completamente desnecessárias no tratamento de serviço de One Stop).
A explicação sobre a consulta das informações do prédio descrito sob o n.º XXXXX ([Edifício(1)]) por mais de 20 vezes foi dada pela primeira vez no presente recurso, mas nunca no respectivo processo disciplinar.
Nos termos do art.º 20.º do CPAC, excepto disposição em contrário, o recurso contencioso é de mera legalidade e tem por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica.
Neste pressuposto, não pode o recorrente deixar os factos para serem provados até recurso contencioso quando a existência dos mesmos possa ser provada no respectivo processo administrativo.
Cfr. no mesmo sentido, a tradução chinesa de «Manual de Formação de Direito Administrativo Contencioso» de José Cândido de Pinho, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, pág. 97 (correspondente à pág. 119 da versão portuguesa, 1ª edição), o Acórdão de 2 de Junho de 2004, proferido pelo TUI no Processo n.º 17/2003, e o Acórdão de 25 de Outubro de 2012, proferido pelo TSI no Processo n.º 23/2012.
Por outro lado, desde que só é necessário aceder ao sistema e consultar as informações prediais para verificação no tratamento de serviço de One Stop com isenção da entrega de buscas (requerimento de autorização administrativa), deve-se usar informações de propriedades com finalidade comercial para fazer a demonstração, em vez de informações de propriedades habitacionais. Ademais, mesmo que usasse informações de propriedades habitacionais, porque é que precisou de consultar informações de fracções em andares diferentes do mesmo edifício? Porque é que não usou a mesma fracção para fazer a demonstração? Porque é que não usou as informações da fracção do próprio recorrente no [Edifício(1)]?
Daí que, não é acreditável a explicação dada pelo recorrente.
Pelo exposto, a entidade recorrida não violou o princípio do inquisitório previsto pelo art.º 59.º do CPA, nem teve erro no reconhecimento de factos.
(…)”; (cfr., fls. 156-v a 157 e 95 a 97 do Apenso).

Em face do que (até aqui) se deixou exposto, quid iuris?

Ora, (sem prejuízo do muito respeito por outro entendimento), censura cremos que não merece o decidido.

Com efeito, e como – de forma clara e acertada – salienta o Ministério Público no seu douto Parecer que nesta Instância juntou aos autos:

“(…)
Se é certo que a Administração tem um dever de investigação dos factos procedimentalmente relevantes, devendo fazê-lo do modo mais completo possível, não o é menos que, nesta matéria, se mostra inarredável uma dimensão discricionária na condução da própria instrução. Por isso, se deve considerar que é o órgão instrutor o único a quem compete julgar da necessidade das diligências em termos de instrução do procedimento administrativo e da consistência da comprovação já existente sobre as questões (de facto e de direito) relevantes (assim, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA – PEDRO COSTA GONÇALVES – J. PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2.ª edição, Coimbra, 1998, p. 308 e p. 459).
Assim, se o órgão instrutor ou a própria entidade decisora considerar que as diligências probatórias efectuadas são suficientes no sentido de permitirem uma decisão fundada sobre todas as questões de facto cujo apuramento constitui objecto do procedimento administrativo e que são pertinentes e relevantes tendo a vista a prolação da decisão final, não se poderá falar, nessa circunstância, de um défice instrutório, o qual a nosso ver, apenas ocorre se o agente deixa por «averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento», na feliz formulação constante do n.º 1 do artigo 86.º do Código do Procedimento Administrativo. Em todo o caso, como é bom de ver, não fica prejudicada a possibilidade legalmente assegurada ao interessado de impugnar contenciosamente o acto final do procedimento, podendo o mesmo aí demonstrar, se for caso disso, a insubsistência dos pressupostos de facto do dito acto, nomeadamente em razão da falta ou da insuficiência da sua prova.
Ora, no caso em apreço, essa demonstração não foi feita e por isso, em nosso modesto entendimento, acompanhando, como dissemos, o parecer do nosso Ilustre Colega, a decisão a quo, julgando ando improcedente o alegado vício do défice instrutório do acto administrativo recorrido, não é merecedora de censura.
(…)”; (cfr., fls. 188-v a 189).

Nesta conformidade, ponderando no até aqui exposto, e mostrando-se-nos de acolher – na íntegra – o que pelo Ministério Público foi considerado e se deixou consignado, (que, aliás, se apresenta em sintonia com o entendimento que esta Instância tem assumido sobre a questão; cfr., v.g., o Ac. de 29.04.2020, Proc. n.° 22/2020), pouco há a acrescentar, (pois que, nestas “matérias”, necessário – e mesmo imprescindível – é a adopção de critérios de “necessidade”, “razoabilidade” e de “conveniência”, que no caso dos autos, foram integralmente observados).

Porém, e seja como for, mostra se de dizer o que segue.

Como igualmente nota Manuel Leal-Henriques, dúvidas não há que as averiguações e diligências que se venham a desenvolver em sede de instrução de um procedimento administrativo disciplinar “não se destinam apenas a apurar a existência de uma falta disciplinar mas também o contrário, isto é, a inexistência de tal falta, pois que, como se assinalou antes, a referida actividade tanto serve para responsabilizar como para desresponsabilizar o funcionário ou agente envolvido nela”.

Na verdade, “As diligências a empreender em expedientes tais dependem obviamente da configuração e natureza dos factos que visam esclarecer, diferentes de caso para caso, donde que aquilo que possa servir para uma determinada situação concreta já não se possa ajustar a uma outra qualquer, por mais parecida e semelhante que se apresente.
Donde que o legislador tenha deixado à livre disponibilidade do instrutor a selecção e escolha dos instrumentos necessários e indispensáveis – desde que legais – ao esclarecimento dos factos sujeitos a procedimento, (…)”; (in “Direito Disciplinar de Macau”, C.F.J.J., 2020, pág. 302 a 303).

In casu, e nas conclusões do presente recurso, diz – insiste – o ora recorrente que:

“1 - A decisão disciplinar punitiva assentou no suposto facto de que, inter alia, o recorrente terá acedido injustificadamente o sistema informático por 461 vezes durante o lapso de tempo em causa.
2 - Todavia, destas 461 vezes de acesso, o recorrente confessara apenas que 33 vezes o fez por motivo particular, sendo certo que as remanescentes 428 vezes o fez (acesso ao sistema informático) por motivo de serviço ou relacionado com o serviço, portanto, acesso justificado.
3 - E, assim, o recorrente imputou ao acto administrativo recorrido, inter alia, o vício de violação de lei por déficit de instrução, já que a entidade administrativa decisora e o instrutor do processo disciplinar não envidaram esforços no sentido de apurar a razão de ser daquelas 428 vezes que acedera ao sistema informático – se o foi por motivo de serviço ou outro.
4 - Todavia, entendeu o acórdão recorrido que, tendo o recorrente admitido o acesso injustificado de 33 vezes por motivo particular, mas justificada a razão de ser dos 428 acessos por motivo de serviço, logo, é razoável à Administração Pública concluir, por um lado, pela conveniência ou não de investigar esses 428 casos, e, por outro lado, no que diz respeito às 428 vezes, cabia ao recorrente o ónus da prova daqueles 428 acessos feitos. Erroneamente, porém.
(…)”; (cfr., fls. 173).

Contudo, não é o que nos presentes autos sucedeu.

Na verdade, cabe notar que ao arguido de um processo disciplinar também não basta apenas “negar os factos” que lhe são imputados, e que integram uma determinada infracção disciplinar, ao mesmo cabendo, igualmente, o “ónus” de trazer ao processo elementos probatórios que sustentem a versão que apresenta.

Seja como for, e a fim de melhor se perceber o sucedido, vale a pena atentar no teor do “Relatório final” do Processo Disciplinar ao ora recorrente instaurado – e que serviu de motivação da decisão disciplinar da sua demissão – onde se constata que a sua “conduta (disciplinarmente relevante)” foi objecto de uma “investigação” que se nos mostra de considerar adequada, equilibrada e abrangente, onde, no integral respeito do seu direito de defesa, foram encetadas todas as diligências consideradas pertinentes e convenientes ao correcto (e concreto) apuramento de todos os factos tidos como necessários para uma – exactamente, como se refere no atrás transcrito art. 86°, n.° 1 do C.P.A. – “justa e rápida decisão”; (cfr., teor do dito “relatório”, especialmente, na parte onde o Instrutor do Processo respondeu, de forma especifica e detalhada, a todas as questões pelo recorrente colocadas em sede da sua contestação, e que para melhor compreensão do que se pretende aqui explicitar se passa a transcrever:
“6) No dia 23 de Abril de 2020, o instrutor elaborou o Relatório do Processo Disciplinar n.º 08/PD-EW-02-2019, com o seguinte teor:
“…

Por Despacho de 27 de Novembro de 2019, exarado pelo presidente do Conselho de Administração para os Assuntos Municipais do IAM, L, na Informação n.º INF-03/01-2019/PA/LK, o signatário foi nomeado como instrutor do Processo Disciplinar n.º PD-EW-02-2019 a fim de apurar a responsabilidade do arguido, e deu início à instrução no dia 6 de Dezembro de 2019. Agora venho, nos termos do art.º 135.º do novo Estatuto de Pessoal do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (adiante designado por novo EPIACM), homologado pelo Despacho n.º 49/CE/2010, e do art.º 337.º, n.º 1 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (adiante designado por ETAPM), aprovado pelo DL n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, e alterado pelo DL n.º 62/98/M, de 28 de Dezembro, elaborar o presente relatório:
I. Introdução

O presente processo disciplinar teve por base a Informação n.º INF-03/01-2019/PA/LK, baseada no relatório de averiguações de 7 de Novembro de 2019.

O processo de averiguações é constituído com o expediente que constitui as fls. 1 a 978, e o presente processo disciplinar começa a partir das fls. 979, sendo constituído por 1741 folhas.
II. Diligências instrutórias:

O instrutor já procedeu a todas as diligências necessárias às averiguações nos termos do art.º 329.º do ETAPM, incluindo os seguintes:

Ouvir o Sr. C (丙), Chefe da Divisão de Serviços Integrados de Atendimento ao Público (vide as fls. 1002 a 1004).

Ouvir a Sra. D (outra arguida no processo), adjunta-técnica principal, 1º escalão, da Divisão de Serviços Integrados de Atendimento ao Público (vide as fls. 1008 a 1013).

Ouvir a Sra. E (outra arguida no processo), adjunta-técnica principal, 1º escalão, da Divisão de Serviços Integrados de Atendimento ao Público (vide as fls. 1017 a 1019).

Ouvir o arguido em declarações (vide as fls. 1020 a 1026).

Solicitar ao Centro de Prestação de Serviços ao Público da Zona Central a calendarização dos turnos do ano de 2019 (vide as fls. 1028 a 1087 dos autos).
10º
Consultar a Divisão de Serviços Integrados de Atendimento ao Público sobre “pedido de documento autenticado de projecto de construção” (vide as fls. 1094 dos autos).
11º
Consultar a Divisão de Serviços Integrados de Atendimento ao Público sobre a prestação de serviços (vide as fls. 1095 a 1096 dos autos).
12º
Juntar aos autos a certidão do registo disciplinar do arguido (vide as fls. 0991 e 0992 dos autos).
III. Teor da acusação
13º
Findas as diligências da fase de instrução, o instrutor elaborou a acusação e notificou a mesma ao arguido nos termos do art.º 333.º, n.º 1 do ETAPM, marcando, ao mesmo tempo, ao arguido um prazo para apresentar a sua defesa escrita (vide as fls. 1125 a 1132 dos autos) (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido por brevidade e para todos os efeitos legais).
IV. Exame do processo e apresentação da defesa:
14º
O arguido foi notificado do respectivo processo em 12 de Março de 2020. No dia 30 de Março de 2020, o advogado do arguido examinou o processo, e requereu a fotocópia da parte do processo, requerimento esse que foi deferido pelo Sr. Presidente no dia 26 de Março (vide as fls. 1186, 1341 a 1343 dos autos).
15º
O advogado do arguido apresentou a defesa escrita em 26 de Março do ano corrente, e a defesa complementar em 27 de Março (vide as fls. 1203 a 1217, e 1457 a 1461 dos autos).
V. Testemunhas de defesa e produção da prova oferecida pelo arguido
16º
Na defesa escrita, as testemunhas indicadas pelo arguido são B, F e D.
17º
O instrutor ouviu B em declarações no dia 30 de Março de 2020, e D em declarações no dia 9 de Abril de 2020 (vide as fls. 1451 a 1454 e 1712 dos autos).
18º
VI. Análise da defesa escrita
(Por brevidade e para todos os efeitos legais, o teor da defesa escrita dá-se aqui por integralmente reproduzido. E para a melhor análise da defesa escrita, vem o instrutor analisar juntos a defesa articulada e as alegações prestadas pelas testemunhas indicadas na defesa)
19º
Relativamente aos pontos 1 a 3 da defesa escrita do arguido, tenho a seguinte análise:
1. O arguido admitiu que os factos nos pontos 2 a 4, 6 e 7 da acusação eram verdadeiros, ou seja “ao usar a “versão do Governo” do “sistema de busca” no exercício das funções, quando o número ou a finalidade da consulta das informações do registo predial e/ou das buscas extraídas levante suspeitas, o respectivo pessoal tem que apresentar justificação”.
2. O arguido admitiu a consulta, por motivo alheio ao trabalho, das informações do registo predial e/ou buscas das fracções “O” dos 1º a 33º andares do prédio habitacional descrito sob o n.º XXXXX, o que causou à DSAJ a perda de MOP$340.
3. O arguido sabia que só podia usar a “versão do Governo” do “sistema de busca” quando fosse necessário no exercício da função, mas não sabia que seria detectado o uso pródigo da “versão do Governo”.
20º
Relativamente aos pontos 4-9 da defesa escrita do arguido, tenho a seguinte análise:
4. Antes de mais nada, é necessário generalizar as situações em que os trabalhadores do balcão do IAM possam usar o sistema de busca da versão do Governo. Tomando como exemplo o arguido, ele exerceu, no período entre 20 de Junho de 2017 e 13 de Setembro de 2019, o cargo de assistente de relações públicas especialista, 2º escalão, no Centro de Prestação de Serviços ao Público da Zona Central, cujo conteúdo funcional é atendimento no balcão, recepção de documentos, e recepção de queixas, etc.
5. Para o efeito das supracitadas tarefas, o IAM atribui ao arguido a competência de usar as duas versões da “Plataforma de Serviços Registais e Notariais via Internet” da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça, ou seja a “versão do Governo” e a “versão dos bancos”, das as quais a primeira versão visa facilitar o trabalho dos trabalhadores dos órgãos administrativos, e concede a isenção de taxas, pelo que só pode ser usada quando for necessário no exercício da função; e a segunda versão é destinada ao uso de instituições gerais, com cobrança de MOP$10 para cada consulta simples e emissão de busca.
6. Conforme os dados da Divisão de Serviços Integrados de Atendimento ao Público, o arguido usou, no exercício da função, o sistema de busca da versão do Governo, para tratar, principalmente, dos seguintes requerimentos de serviço pela 1ª vez apresentados pelos cidadãos, acompanhados de serviços interdepartamentais, ou seja de “One Stop” (vide as fls. 1090, 1094, 1095 a 1096 dos autos):
N.º
Designação do serviço
Subunidade
Tipos de formalidades
Serviços relacionados com documentos interdepartamentais
1
Autorização Administrativa – Barbearia e Salão de Cabeleireiro
Divisão de Licenciamento Administrativo
Requerimento pela 1ª vez
DSF:
“Contribuição Industrial – Declaração de Início de Actividade”


DSSOPT:
“pedido de documento autenticado de projecto de construção (com a licença de utilização)”
2
Autorização Administrativa – Salão de Beleza



3
Licença para estabelecimento de venda a retalho (de carnes frescas/refrigeradas/congeladas)
Divisão de Inspecção Alimentar


4
Registo do estabelecimento de importação de carnes refrigeradas/carnes congeladas/produtos de carne



5
Licença para estabelecimento de venda a retalho de vegetais



6
Licença para estabelecimento de venda a retalho de pescado




7. Além disso, segundo as formalidades do pedido de documento de projecto de construção, o requerente precisa de apresentar o original das informações escritas de registo predial (busca) emitidas nos últimos 3 meses.
8. A busca é um dos documentos a entregar pelo requerente para o tratamento desse serviço, pelo que os trabalhadores do balcão não precisam de usar o sistema de busca da versão do Governo para comprovação.
9. Geralmente, os trabalhadores do balcão só precisam de usar o sistema de busca da versão do Governo quando tratem dos serviços de autorização e licenciamento administrativo, acompanhados de serviços One Stop. Ademais, o uso é permitido em certos casos especiais, por exemplo, no caso das lojas no rés-do-chão de uns edifícios velhos na zona da Areia Preta, só podem os trabalhadores do balcão usar o respectivo sistema quando não possam saber, com base em apenas o conhecimento de cobrança da contribuição industrial, se a loja é destinada para finalidade habitacional ou comercial.
10. Relativamente ao pedido da emissão de busca dos cidadãos, sobre a qual é cobrável a taxa, a busca só será emitida depois de os cidadãos fornecerem as informações, pelo que devem os cidadãos garantir que são correctas as informações fornecidas. Assim, os trabalhadores do balcão não precisam de usar o sistema de busca da versão do Governo.
11. Em suma, os trabalhadores do balcão só podem usar o sistema de busca da versão do Governo nos casos do pedido de serviços de One Stop ou especiais, e não devem usar o sistema quando se trate de fracção obviamente destinada para finalidade habitacional.
12. Daí que, os trabalhadores do balcão raramente precisam de usar o sistema de busca da versão do Governo.
13. Diante da pergunta de se usar o sistema de busca da versão do Governo uma vez por dia, o colega que exerce a mesma função do arguido, B, declarou que “raramente … lembro-me de não ter usado o sistema por uma vez no ano passado. Só usei o sistema por uma ou duas vezes nos últimos 3 anos”, e diante da possibilidade de outros colegas usarem o sistema por 0,7 vezes por dia, disse que “não deve haver tal possibilidade”. Quanto ao ponto 3 da acusação, ou seja, o arguido usou o sistema de busca da versão do Governo por 461 vezes, alegou que “creio que não há tantos serviços cujo tratamento exige o uso do sistema”. Daí que, os trabalhadores do balcão raramente precisam de usar o sistema de busca da versão do Governo.
14. Pode-se ver que, o número de vezes por dia alegado pelo arguido já é equivalente ao de vezes por ano dos outros colegas, e deve ser considerado grande e irrazoável.
21º
Relativamente aos pontos 10 a 14 da defesa escrita do arguido, tenho a seguinte análise:
1. Como acima referido, são raros os casos em que os trabalhadores do balcão precisam de usar o sistema de busca da versão do Governo, especialmente em grande quantidade e sem justificação, pelo que o arguido é responsável por explicar o uso do sistema de busca da versão do Governo.
2. No que diz respeito às consultas feitas pelo arguido, o instrutor já deu alguns exemplos: prédios descritos sob os n.ºs XXXXX, XXXX, XXXXX, XXXXX, XXXXX-C, XXXXX, XXXXX, XXXXX-A, XXXXX-E, XXXXX-A, XXXXX -I, XXXXX, XXXXX, XXXXX, XXXXX, XXXXX, XXXXX, XXXX, XXXXX, XXXXX, XXXXX, XXXXX, XXXXX, XXXX-B, XXXXX, XXXXX, XXXXX e XXXXX, entre outros.
3. Por exemplo, o arguido consultou, por mais de 20 vezes, as informações do [Edifício(1)], descrito sob o n.º XXXXX. Nos dias 22 a 23 de Junho de 2017, o arguido consultou as informações das fracções A a F do 2º andar e das fracções A a E do 3º andar, e a falta da consulta das informações da fracção F do 3º andar é, se calhar, relacionada com a declaração prestada pelo declarante relativa à fracção 3F do [Edifício(1)] (consultou o registo da fracção 3F no dia 11 de Setembro de 2018). O arguido também consultou as informações dos lugares de estacionamento descritos sob os n.ºs XXXXX, M2-XXX, M2-XXX, M2-XXX e M2-XXX, do Edf. [Edifício(2)], mas o IAM não presta serviços de autorização/licenciamento administrativo nos quais são necessárias buscas dos referidos lugares de estacionamento. Estima-se que o arguido consultou o registo de todas as fracções do 25º andar, isto é, A a F, descritas sob o n.º XXXXX-A. O arguido até consultou informações das fracções às quais ainda não tinha sido emitida a licença de utilização (Edf. [Edifício(3)], no [Endereço(1)], descrito sob o n.º XXXXX-I).
4. Através de consultar a Divisão de Serviços Integrados de Atendimento ao Público sobre as consultas em grande quantidade feitas pelo arguido, confirmo que para todos os serviços prestados por essa Divisão, não é preciso imprimir buscas da versão do Governo das “fracções com finalidade habitacional” em grande quantidade de uma vez (mais de 3 fracções).
5. Atendendo às supracitadas circunstâncias, o IAM tem suspeitas do número e/ou da finalidade da consulta das informações do registo predial e/ou das buscas extraídas pelo arguido usando a “versão do Governo” do “sistema de busca” no exercício de funções, pelo que o arguido tem que apresentar justificação.
6. Por outro lado, o arguido alegou, no auto de declaração, que pretendia mudar da residência, sabendo que podia consultar, gratuitamente, as buscas, pelo que usou a “versão do Governo” para encontrar informações das fracções favoritas (vide as fls. 580 dos autos). Tal facto já foi enumerado no ponto 7 da acusação, e admitido pelo arguido.
7. Já constam da presente acusação todos os elementos exigidos pelo art.º 332.º, n.º 2 do ETAPM, incluindo os actos concretos do arguido, o tempo, a motivação e o grau de participação, pelo que não deve ser aceitada a respectiva explicação do arguido.
22º
Relativamente aos pontos 15 a 21 da defesa escrita do arguido, tenho a seguinte análise:
1. Como acima referido, os trabalhadores do balcão só podem usar o sistema de busca da versão do Governo nos casos de requerimento pela 1ª vez e interdepartamental, ou seja serviços de One Stop ou especiais, e não devem usar o sistema quando esteja em causa uma fracção obviamente destinada para finalidade habitacional.
2. Diante do uso gratuito do sistema de busca quase todos os dias por parte do arguido, como é que não levanta suspeita de grande quantidade e desrazoabilidade? Na verdade, não é necessário comparar o número total dos cidadãos atendidos com o conteúdo dos serviços prestados, porque dentro do âmbito do serviço prestado pelo IAM, é óbvio que não há necessidade de consultar o sistema de busca da versão do Governo por tantas vezes, a menos que o volume de trabalho diário do arguido possa equivaler ao volume de trabalho anual de B.
23º
Relativamente aos pontos 22 a 38 da defesa escrita do arguido, tenho a seguinte análise:
1. Nos casos da isenção da entrega de buscas, os trabalhadores do balcão não precisam de usar o sistema de busca da versão do Governo para comprovação.
2. Há muitas maneiras de verificar se os endereços fornecidos pelos cidadãos são correctos, por exemplo, pode-se ter acesso à Rede de Informação Cadastral através da rede interna do IAM, pelo que não é necessário usar o sistema de busca da versão do Governo para ajudar os cidadãos.
3. Desde que o IAM isenta os cidadãos da entrega de busca, os trabalhadores do balcão, naturalmente, não precisam de proceder à verificação. B disse que “…quando os cidadãos não sejam exigidos para entregar a busca, não uso a versão do Governo para a verificação, pelo que não são correctos os pontos 26 a 30.” (pontos 26 a 30 da defesa do arguido)
4. Por outro lado, o IAM não presta o serviço de usar o sistema de busca da versão do Governo para ajudar os cidadãos a verificar se a respectiva fracção é destinada para finalidade comercial, devendo os cidadãos pagar pela obtenção das buscas.
5. Normalmente, os outros serviços do IAM, tal como a Divisão de Licenciamento Administrativo, têm competência para usar o sistema de busca da versão do Governo, pelo que não precisam de telefonar para o arguido em caso de omissão ou erro no endereço preenchido nos requerimentos dos cidadãos. Se tenham dúvida sobre os requerimentos, os respectivos serviços vão contactar, por si, com os cidadãos. B também alegou que nunca recebeu esse tipo de chamada telefónica.
6. B afirmou que “em princípio, quando seja exigida a entrega de busca, não se precisa de usar o sistema de busca da versão do Governo para verificação, e se não seja exigida a entrega de busca, as informações fornecidas pelos cidadãos serão consideradas correctas, e não será usado o sistema de busca da versão do Governo para verificação. Não vou fazer o que consta do ponto 34, porque devem os cidadãos fornecer endereços correctos, pelo que não vou usar o sistema de busca da versão do Governo. Quanto aos pontos 35 e 36, também não vou fazer isso. Nunca recebi as chamadas telefónicas indicadas no ponto 37, e normalmente, as chamadas são sobre documentos omissos. E relativamente ao ponto 38, não contei o volume dos serviços prestados, mas raramente uso o sistema de busca da versão do Governo, ou seja por uma ou duas vezes a cada dois anos.”
7. Em relação ao ponto 37 da defesa escrita de A, D (chefe do Centro de Prestação de Serviços ao Público da Zona Central) alegou que “o Centro de Prestação de Serviços ao Público da Zona Central nunca permite o uso do sistema de busca da versão do Governo da DSAJ para comprovação do endereço no reexame das informações constantes dos documentos e requerimentos apresentados pelos cidadãos e recebidos pelos outros colegas.”
8. Pelo exposto, o arguido não tem razão de trabalho ou justa causa para usar o sistema de busca da versão do Governo, e não vale como justificação do uso deste sistema o número não inferior a 4,600 dos cidadãos atendidos e serviços prestados.
24º
Relativamente aos pontos 39 e 51 da defesa escrita do arguido, tenho a seguinte análise:
1. O doc. 1 juntado à defesa escrita do arguido é um correio electrónico que tem como conteúdo a coordenação do assunto de consulta de informações na Plataforma de Serviços via Internet da DSAJ. Esse correio electrónico visa familiarizar os respectivos trabalhadores com a operação de One Stop da “versão do Governo” da DSAJ para tratar dos serviços de One Stop, e não tem nada a ver com a operação de renovar as informações dos cidadãos no “sistema de gestão de relações com clientes (sistema CRM)” aquando do uso do “sistema de gestão da cobrança de taxas no balcão 285” ou do “sistema de gestão da cobrança de taxas no balcão 288”.
2. O arguido tem competência para usar o “sistema CRM”, o “sistema de licenciamento de reclamo” e o “sistema Amigos do IAM” do IAM. Segundo a explicação dada pelo arguido, quando não hajam cidadãos a tratar de serviços, o arguido olha o ecrã do computador e fica aparvalhado, ou consulta, de modo inconsciente, as informações no respectivo sistema para matar tempo. De acordo com os artigos 1.º e 2.º, al. 2) e al. 3) da Instrução n.º RI-03/DJN/2019 – «Regulamento de Tratamento de Equipamentos Informáticos, Correios Electrónicos e Dados Pessoais na Internet do IAM», devem os trabalhadores usar, em objecto de serviço, os equipamentos informáticos de software e hardware, e os diversos serviços de informação fornecidos por este Instituto, bem como garantir a segurança das informações e o uso razoável dos recursos. Por isso, o arguido já violou o referido Regulamento por ter usado o sistema por motivo alheio ao trabalho, e admitiu, nos dois autos de declaração, que quando se sentiu entediado, acedeu aos referidos sistemas. Sendo um trabalhador dos serviços públicos, o arguido tem deveres de “isenção”, de “zelo” e de “lealdade”, e as suas condutas de satisfazer a curiosidade violaram não só as instruções do IAM, mas também a Lei da Protecção de Dados Pessoais. É lógica e juridicamente inaceitável a explicação do arguido.
25º
Relativamente aos pontos 52 a 57 da defesa escrita do arguido, tenho a seguinte análise:
1. Devido à reestruturação orgânica, na primeira metade do ano de 2019, parte dos trabalhadores que exerceram funções no Centro de Prestação de Serviços ao Público, incluindo o arguido, foram arranjados para prestar auxílio nos outros centros de prestação de serviços e/ou postos deste Instituto (vide as fls. 0310 a 0325 e 0337 a 0353 dos autos).
2. De acordo com o registo de assiduidade do arguido, em 04/01/2019, 07/01/2019 a 11/01/2019, 14/01/2019 a 16/01/2019, 24/01/2019 a 25/01/2019, 28/01/2019 a 31/01/2019, 01/02/2019, 22/02/2019, 25/02/2019 a 28/02/2019, 25/03/2019, 09/04/2019 a 12/04/2019, e na manhã de 06/05/2019, o arguido, por 27 vezes, “picou o ponto” no edifício do Centro e depois deslocou-se aos Postos de Fai Chi Kei e/ou Toi San para o exercício de função (vide as fls. 0139 a 0167 dos autos).
3. No auto de declaração, o arguido apenas admitiu que em Janeiro, “picou o ponto” no edifício do Centro e depois deslocou-se ao Posto de Fai Chi Kei, e que quando trabalhava no Posto de Toi San, por o horário do trabalho começar pelas 09h00, iria “picar o ponto” no Posto de Toi San (vide as fls. 1025 dos autos).
4. Porém, a referida explicação não se corresponde ao registo de assiduidade do arguido.
5. O arguido alegou, no auto de declaração, que precisava levar a filha à escola, e não podia voltar aos Postos de Fai Chi Kei e/ou Toi San às 9 horas ou antes, pelo que para evitar o registo de atraso, decidiu primeiro “picar o ponto” no edifício do Centro e depois deslocou-se aos Postos de Fai Chi Kei e/ou Toi San para o exercício de função (vide as fls. 0518 e 0519 dos autos).
6. Segundo a explicação do arguido, ele perguntou à superior hierárquica D se podia picar o ponto no Centro de Prestação de Serviços ao Público da Zona Central e depois deslocar-se aos Postos acima referidos para prestar auxílio, dizendo que precisava de 15 minutos para chegar aos Postos, e podia chegar antes das 09H00. Na altura, a superior hierárquica não recusou o arguido, nem lhe disse para não fazer assim. De acordo com a instrução do «registo de assiduidade» do IAM, considera-se incompleto o registo de assiduidade quando o lugar onde o trabalhador picou o ponto não seja o seu local de trabalho ou o indicado pelo seu superior hierárquico imediato. Na primeira metade do ano de 2019, o arguido foi arranjado para prestar auxílio nos outros centros de prestação de serviços e/ou postos do IAM (vide as fls. 0310 a 0325 e 0337 a 0353 dos autos), e teve a calendarização dos turnos, pelo que, sem actualização dessa calendarização, o arguido tinha o dever de trabalhar pontualmente em conformidade com a calendarização. Disse o arguido que “se for necessária, por causa do trabalho, a deslocação para outros centros ou postos da mesma Divisão, sitos em Macau, o trabalhador não precisa de picar o ponto de novo, e tem 30 minutos para a deslocação e volta ao mesmo centro”. Tal regulamento é aplicável aos assuntos relacionados com o trabalho, tais como seminário e formação. Mas o arguido picou o ponto no Centro de Prestação de Serviços ao Público da Zona Central por motivo pessoal, isto é, levar a filha à escola. Para dar um exemplo simples, o IAM tem centros de prestação de serviços ao público em diversas zonas, então pode o trabalhador escolher um centro perto da sua residência para picar o ponto e depois deslocar-se ao centro a que pertence? Obviamente, a resposta é negativa! Senão, a instrução do «registo de assiduidade» do IAM não considera incompleto o registo de assiduidade. De qualquer modo, e independentemente do lugar aonde foi designado para trabalhar, deve o arguido obedecer e resolver os problemas pessoais por sua própria conta. Independentemente da designação para os Postos de Fai Chi Kei ou de Toi San, o arguido sempre picou o ponto, deliberadamente, no Centro de Prestação de Serviços ao Público da Zona Central, e aproveitou a lacuna do sistema de assiduidade – se picar o ponto na mesma Divisão, não há indicações especiais – para praticar a infracção disciplinar, pelo que é difícil aceitar a respectiva explicação.
26º
Relativamente aos pontos 58 a 59 da defesa escrita do arguido, tenho a seguinte análise:
O arguido admitiu, no auto de declaração, que apenas nos casos da chegada ao Centro antes das 08h45 é que iria “picar o ponto” e sair para comprar pequeno-almoço (vide as fls. 0519 e 1024 dos autos). Trata-se de uma confissão do arguido, pelo que não é aceitável tal explicação.
27º
Relativamente aos pontos 60 a 61 da defesa escrita do arguido, tenho a seguinte análise:
1. Na sua defesa escrita, o arguido admitiu que, quando não houvesse cidadão tratando de serviços Centro de Prestação de Serviços ao Público da Zona Central, iria o responsável da “[Empresa(1)]”, sem obter a senha, sentar-se directamente no balcão do arguido para tratar de serviços, e ser recebido pelo arguido; mas o arguido não recebeu os cidadãos à vontade e sem chamar a senha, não criando situação de injustiça. Primeiro, no funcionamento diário do Centro de Prestação de Serviços ao Público da Zona Central, se os cidadãos se dirijam pessoalmente ao 3º andar do Centro para tratar de serviços, precisam primeiro obter a senha, aguardar a chamada dos trabalhadores do balcão, e depois, apresentar o pedido de serviço aos respectivos trabalhadores. Trata-se das regras de funcionamento diário da prestação de serviços ao público na zona central.
2. O supracitado mediador imobiliário tratou dos serviços no Centro de Prestação de Serviços da Zona Central por várias vezes, e sabia bem que devia obter a senha. Mas o arguido, na qualidade de trabalhador do balcão, não o dissuadiu, e ao contrário, permitiu a aquisição de serviços sem obter a senha por parte desse indivíduo. O arguido não deve esquecer que o respectivo local de serviço está aberto ao público, e se os outros cidadãos vejam a situação acima referida, terão uma percepção negativa do IAM, e será criado um mau precedente.
3. Não se demonstra que o responsável da “[Empresa(1)]” se encontra em qualquer dos casos de prioridade previstos na «Instrução de Prioridade de Espera nos Locais de Serviço da Divisão de Serviços Integrados de Atendimento ao Público do IAM» (vide as fls. 0627 a 0629 dos autos).
4. Todos os cidadãos precisam de obter a senha antes de tratar de serviços no Centro de Prestação de Serviços da Zona Central, e as condutas do arguido de dispensar o referido mediador imobiliário de obter a senha são injustos para os outros cidadãos.
5. Além disso, o arguido admitiu que eram inapropriadas as suas condutas de adiantar as taxas de emissão da busca para o mediador imobiliário, e que tinha usado software de comunicação social no telemóvel para fornecer informações do registo predial a outrem, condutas essas que já constituíram trato preferencial de determinada pessoa.
28º
Relativamente aos pontos 62 a 63 da defesa escrita do arguido, tenho a seguinte análise:
O arguido já admitiu a prática dos factos no ponto 24 da acusação, pelo que não é necessária mais análise.
29º
Relativamente ao ponto 64 da defesa escrita do arguido, tenho a seguinte análise:
A carta do arguido não pode ilidir a acusação.
30º
Relativamente aos pontos 1 a 3 da defesa complementar do arguido, tenho a seguinte análise:
O arguido recebeu a acusação no dia 12 de Março de 2020, e foi-lhe marcado um prazo de 15 dias para apresentar a defesa escrita, que terminou em 27 de Março de 2020. O arguido apresentou a defesa escrita complementar no dia 27 de Março do ano corrente, ou seja dentro do prazo marcado, pelo que foi admitida a sua defesa complementar.
31º
Relativamente aos pontos 4 a 13 da defesa complementar do arguido, tenho a seguinte análise:
1. Geralmente, os trabalhadores do balcão só precisam de usar o sistema de busca da versão do Governo quando tratem dos serviços de autorização e licenciamento administrativo, acompanhados de serviços de One Stop. Ademais, o uso é permitido em certos casos especiais, por exemplo, no caso das lojas no rés-do-chão de uns edifícios velhos na zona da Areia Preta, só podem os trabalhadores do balcão usar o respectivo sistema quando não possam saber, com base em apenas o conhecimento de cobrança da contribuição industrial, se a loja é destinada para finalidade habitacional ou comercial.
2. Relativamente ao pedido da emissão de busca dos cidadãos, sobre a qual é cobrável a taxa, a busca só será emitida depois de os cidadãos fornecerem as informações, pelo que devem os cidadãos garantir que são correctas as informações fornecidas. Assim, os trabalhadores do balcão não precisam de usar o sistema de busca da versão do Governo.
3. Em suma, os trabalhadores do balcão só podem usar o sistema de busca da versão do Governo nos casos do pedido de serviços de One Stop ou especiais, e não devem usar o sistema quando se trate de fracção obviamente destinada para finalidade habitacional.
4. Daí que, devem ser raros os casos em que o arguido precisa de usar o sistema no seu trabalho diário. Quando o IAM tenha suspeitas do número e/ou da finalidade da consulta das informações do registo predial e/ou das buscas extraídas pelos trabalhadores usando a “versão do Governo” do “sistema de busca” no exercício de funções, os respectivos trabalhadores têm que apresentar a justificação.
5. Indicou-se expressamente na acusação que no período compreendido entre 20 de Junho de 2017 e 13 de Setembro de 2019, o arguido consultou, através da referida “versão do Governo”, as informações do registo predial por 461 vezes (vide as fls. 0294 a 0298 dos autos), dando-se também exemplos das consultas injustificadas e em grande quantidade, ou seja dos prédios descritos sob os n.ºs XXXXX, XXXX, XXXXX, XXXXX, XXXXX-C, XXXXX, XXXXX, XXXXX-A, XXXXX-E, XXXXX-A, XXXXX-I, XXXXX, XXXXX, XXXXX, XXXXX, XXXXX, XXXXX, XXXX, XXXXX, XXXXX, XXXXX, XXXXX, XXXXX, XXXX-B, XXXXX, XXXXX, XXXXX e XXXXX, entre outros.
6. O arguido alegou, no auto de declaração, que pretendia mudar da residência, e sabia que tinha competência para consultar, gratuitamente, as informações do registo predial e/ou extrair buscas, pelo que usou a “versão do Governo” do “sistema de busca” para encontrar informações do registo das fracções autónomas favoritas. O arguido sabia que só podia usar a “versão do Governo” do “sistema de busca” quando fosse necessário no exercício da função, mas não sabia que seria detectado o uso pródigo da “versão do Governo”.
7. A atribuição, por parte do IAM, da competência do uso do sistema de busca da versão do Governo ao arguido baseia-se, naturalmente, na necessidade do trabalho. Sendo um trabalhador dos serviços públicos, o arguido sabia bem que só podia usar o sistema em causa por motivo de trabalho, e não o podia usar como instrumento privado, nem consultar, à vontade, as informações no sistema. Na acusação foram elencados os tempos concretos das consultas, bem como uns exemplos típicos, pelo que o arguido é responsável pela justificação das consultas alegadamente feitas por motivo de mudança da residência. Sobretudo, o conteúdo funcional do arguido não exige que ele realize consultas injustificadas por tantas vezes, e em comparação com o colega que exerce a mesma função, B, o número das consultas feitas pelo arguido num dia equivale ao número das consultas feitas por B num ano!
8. O arguido admitiu, nos dois autos de declaração, que quando se sentiu entediado, acedeu aos respectivos sistemas (vide as fls. 581 e 1023 dos autos), principalmente o “sistema CRM”, o “sistema de licenciamento de reclamo” e o “sistema Amigos do IAM” do IAM. O arguido, durante o trabalho, usou o sistema informático do IAM para consultar dados pessoais constantes do sistema, por se sentir entediado, verificando-se, assim, os requisitos de acto concreto, de tempo e de motivação.
9. Pelo exposto, já constam da presente acusação os elementos exigidos pelo n.º 2 do art.º 332.º do ETAPM.
32º
Relativamente aos pontos 14 a 31 da defesa complementar do arguido, tenho a seguinte análise:
1. No dia 19 de Março do ano corrente, o advogado do arguido telefonou para o instrutor requerendo o exame do processo. Porém, por o respectivo processo envolver dados pessoais de outrem e documentos classificados, o instrutor propôs que examinasse o processo no dia 20 de Março, ou seja depois da arrumação do processo, e na altura, o advogado não se opôs a essa proposta, que por sua vez, podia economizar tempo do advogado, senão, no lugar de exame, o advogado ainda precisaria de esperar e aguardar a arrumação e cobertura dos documentos.
2. Pelas 16H20 do dia 20 de Março do ano corrente, o advogado do arguido apresentou o requerimento da cópia do processo disciplinar ao IAM, exigindo no total 149 folhas. Tal requerimento foi deferido pelo Sr. Presidente no dia 26 de Março, e foi imediatamente notificado o advogado do arguido para o efeito. Nos termos do art.º 63.º, n.º 4 do CPA, o IAM deve fornecer as informações solicitadas no prazo máximo de dez dias úteis, e na verdade, o IAM preparou a cópia do processo em 5 dias e notificou, por telefone e de imediato, o advogado do arguido.
3. Relativamente à questão de ter a parte acusadora vários meses para elaborar a acusação, enquanto o instrutor apenas dar ao defensor 15 dias para apresentar a defesa, o andamento do processo disciplinar está em plena conformidade com o tempo estipulado no ETAPM. E de acordo com o n.º 1 do art.º 333.º do ETAPM, pode o instrutor marcar um prazo de 10 a 20 dias para apresentar a defesa, pelo que o prazo de 15 dias dado ao arguido está conforme com as disposições legais.
4. Os autos do presente processo disciplinar são numerados a partir de fls. 1, e foram entregues ao advogado do arguido todas as folhas solicitadas por ele, ainda que repetido o requerimento de parte dos documentos.
5. Por outro lado, é de mencionar que o instrutor nunca limitou o acesso ao processo por parte do advogado do arguido, podendo ele, depois do exame na manhã do dia 20 de Março, ter acesso ao processo na tarde do mesmo dia ou posteriormente. São independentes os prazos para examinar o processo e para solicitar documentos.
6. Pelo exposto, não se verifica a violação da lei, pelo que não é de concordar com a declaração da contagem de novo do prazo de defesa, requerida pelo advogado do arguido, por não ser cumprido de modo válido e efectivo o prazo.
33º
Relativamente ao ponto 32 da defesa complementar do arguido, tenho a seguinte análise:
1. O arguido atacou a credibilidade das declarações prestadas por G, H e I, alegando que estes indivíduos e o arguido, por causa dos procedimentos de trabalho, apesentaram queixas ao superior hierárquico, um contra o outro, por várias vezes no período entre 2017 e 2018, e que as respectivas queixas acabaram por serem insubsistentes, mas são suficientes para afectar a neutralidade daquelas pessoas. Para além dos supracitados três indivíduos, a Sra. J e a Sra. K também prestaram declarações no processo disciplinar em causa, alegando que tinham visto um mediador imobiliário ser frequentemente atendido pelo arguido e/ou pela Sra. E do IAM sem obter a senha (vide as fls. 0535, 0556, 573 a 574, 592 e 567 dos autos). As testemunhas sabiam bem que tinham a obrigação de responder com verdade as perguntas nos autos de declaração, e a falsidade das respostas as podiam fazer incorrer em responsabilidade disciplinar, até em responsabilidade penal. Nesta fase, não se descobre qualquer alegação falsa.
2. Além disso, no auto de declaração, o arguido também fez a confissão dos respectivos factos (vide as fls. 0517 dos autos).
3. Pelo exposto, por a confissão do arguido ser correspondente às declarações prestadas pelas testemunhas, não são inadmissíveis os seus depoimentos.
34°
Face ao exposto, tendo em conta que todos os factos constantes da acusação foram demonstrados por testemunhas e provas documentais, e que não se mostram susceptíveis de modificação face à contestação apresentada pelo arguido, o instrutor dá-os como provados na totalidade.
(…)”; cfr., fls. 143-v a 151-v e 50 a 77 do Apenso).

Por sua vez, importa (também) ter em conta que a decisão da “demissão” do ora recorrente não deve ser apreciada – como este o parece fazer – de forma “minimalista”, centrando-se, tão só, no “número de vezes” que o recorrente acedeu de forma indevida ao sistema informático da entidade administrativa à qual se encontrava afecto, sendo, como se verá, uma decisão que é o resultado de uma global e cuidada ponderação de uma factualidade mais “vasta e rica” e de um enquadramento jurídico que levou à constatação da sua autoria da prática de um “concurso – real – de (6) infracções disciplinares” que, nos seguintes termos estão referenciadas na “Conclusão” do atrás referido relatório:

«VII. Conclusão
35º
O arguido agiu de forma livre, consciente e voluntária ao praticar as supracitadas condutas.
36º
Atendendo aos referidos fundamentos, tenho a seguinte qualificação das infracções disciplinares cometidas pelo arguido: quanto à 1ª infracção disciplinar, ou seja os factos descritos nos pontos 1 a 7 da presente acusação, o arguido sabia bem que as suas condutas eram proibidas por lei, mas ele não desistiu, e continuou a insistir no incumprimento dos deveres de funcionários públicos, aproveitou o seu cargo para aceder, à vontade, à “Plataforma de Serviços Registais e Notariais via Internet” da DSAJ, usou o respectivo sistema como instrumento privado, e consultou, à vontade, uma grande quantidade das informações no sistema. As condutas do arguido violaram os deveres de “isenção”, de “zelo” e de “lealdade” previstos pelo art.º 279.º, n.º 2, al.s a), b) e d), n.º 3, n.º 4 e n.º 6.º do ETAPM (todos os artigos indicados abaixo são deste Estatuto), fizeram com que o IAM perdesse a confiança nele sobre o exercício do cargo de assistente de relações públicas, revelaram o grave desinteresse do arguido pelo cumprimento dos seus deveres profissionais, e prejudicaram a dignidade e o prestígio da sua função de assistente de relações públicas. As condutas do arguido violaram o dever profissional previsto pelo art.º 315.º, n.º 2, al. b) (praticar actos de indisciplina grave), infracção essa que inviabiliza a manutenção da situação jurídico-funcional conforme o n.º 1 do mesmo artigo, e a violação do respectivo dever é punível com pena de demissão, que importa a perda de todos os direitos nos termos do art.º 311.º.
37º
No que diz respeito à 2ª infracção disciplinar, ou seja os factos descritos nos pontos 8 a 9 da presente acusação, o arguido também sabia bem que as suas condutas eram proibidas por lei, mas ele não desistiu, e continuou a insistir no incumprimento dos deveres de funcionários públicos, bem como aproveitou o seu cargo para aceder, quando se sentiu entediado, aos dados pessoais no “sistema CRM”, no “sistema de licenciamento de reclamo” e no “sistema Amigos do IAM”. As condutas do arguido violaram os deveres de “isenção”, de “zelo” e de “lealdade” previstos pelo art.º 279.º, n.º 2, al.s a), b) e d), n.º 3, n.º 4 e n.º 6.º, fizeram com que o IAM perdesse a confiança nele sobre o exercício do cargo de assistente de relações públicas, revelaram o grave desinteresse do arguido pelo cumprimento dos seus deveres profissionais, e prejudicaram a dignidade e o prestígio da sua função de assistente de relações públicas. As condutas do arguido violaram o dever profissional previsto pelo art.º 315.º, n.º 2, al. b) (praticar actos de indisciplina grave), infracção essa que inviabiliza a manutenção da situação jurídico-funcional conforme o n.º 1 do mesmo artigo, e a violação do respectivo dever é punível com pena de demissão, que importa a perda de todos os direitos nos termos do art.º 311.º.
Em relação à 3ª infracção disciplinar, ou seja os factos descritos nos pontos 10 a 15 da presente acusação, os actos do arguido violaram os deveres de “zelo”, de “obediência”, de “lealdade” e de “assiduidade” previstos pelo art.º 279.º, n.º 2, al.s b), c), d) e g), n.º 4 a n.º 6 e n.º 9.º, e constituíram infracção disciplinar conforme o art.º 281.º do ETAPM. O arguido tem culpa e mostra grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais, pelo que proponho que se aplique uma pena de suspensão de 121 a 240 dias, nos termos do art.º 314.º, n.º 1 e n.º 3.
Relativamente à 4ª infracção disciplinar, ou seja os factos descritos no ponto 16 da presente acusação, o arguido violou o dever de “assiduidade” previsto pelo art.º 279.º, n.º 2, al. g) e n.º 9, o que constituiu a infracção disciplinar prevista pelo art.º 281.º, e nos termos do art.º 313.º, n.º 1, pode-se aplicar uma pena de multa cuja quantia não poderá exceder o quantitativo correspondente a 30 dias de vencimento e outras remunerações certas e permanentes.
Quanto à 5ª infracção disciplinar, ou seja os factos descritos nos pontos 17 a 23 da presente acusação, ficou provado que o arguido violou o modo de funcionamento diário do Centro de Prestação de Serviços ao Público do IAM e dispensou tratamento de favor a determinada pessoa, condutas essas que violaram os deveres de “isenção”, de “zelo” e de “lealdade” previstos pelo art.º 279.º, n.º 2, al.s a), b) e d), n.º 3, n.º 4 e n.º 6.º, pelo que proponho que se aplique uma pena de suspensão de 121 a 240 dias, nos termos do art.º 314.º, n.º 1, n.º 2, al. h), e n.º 3.
Quanto à 6ª infracção disciplinar, ou seja os factos descritos no ponto 24 da presente acusação, ficou provado que o arguido, durante o exercício de funções, aproveitou frequentemente as horas de expediente e os recursos do IAM para tratar de assuntos privados, ignorando o interesse público. As condutas do arguido violaram os deveres de “isenção”, de “zelo” e de “lealdade” previstos pelo art.º 279.º, n.º 2, al.s a), b) e d), n.º 3, n.º 4 e n.º 6.º, e constituíram a infracção disciplinar prevista pelo art.º 281.º. Nos termos do art.º 313.º, n.º 1, pode-se aplicar uma pena de multa cuja quantia não poderá exceder o quantitativo correspondente a 30 dias de vencimento e outras remunerações certas e permanentes.
VIII. Circunstâncias agravantes e atenuantes
38º
O arguido prestou mais de 10 anos de serviços sem qualquer registo de infracção disciplinar, obteve a avaliação de “Satisfaz Muito”, e a sua infracção não foi pública, factos esses que constituem circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar previstas pelo art.º 282.º, al.s a) e f) do ETAPM.
39º
Porém, de acordo com o art.º 283.º, n.º 1, al.s b) e h) do ETAPM, o arguido tem circunstâncias agravantes da responsabilidade.
IX. Pena proposta
Considerando todos os elementos, e nos termos do art.º 316.º do ETAPM, não pode aplicar-se ao arguido mais de uma pena disciplinar. Assim, tendo em vista as 6 infracções disciplinares acima referidas e a gravidade destas, as circunstâncias atenuantes e agravantes aplicáveis ao arguido, proponho que lhe seja aplicada a pena única de demissão.
Nos termos dos art.ºs 322.º e 332.º, n.º 2, al. c) do ETAPM, e segundo a Ordem Executiva n.º 180/2019, a aplicação da pena de demissão é da competência do Secretário para a Administração e Justiça.
De acordo com o art.º 337.º, n.º 3 do ETAPM, submeto o presente relatório e o processo disciplinar ao presidente do Conselho de Administração para os Assuntos Municipais.
(…)”; (cfr., fls. 151-v a 153 e 77 a 82 do Apenso).

Isto dito, e – cremos nós – perante uma mais completa e cabal “visão” e “compreensão”, (mais holística), da “conduta disciplinarmente relevante” do ora recorrente, cremos que sem esforço se apresenta de concluir que nenhuma censura merece a “decisão administrativa” objecto do anterior recurso, o mesmo sucedendo com o “Acórdão recorrido” do Tribunal de Segunda Instância que o julgou improcedente.

Outra questão não havendo a apreciar, resta decidir como segue.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça de 10 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 10 de Dezembro de 2021


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas

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