Processo n.º 28/2022
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 03 de Março de 2022
ASSUNTOS:
- Prescrição dos créditos decorrentes da relação subjacente e consequente extinção da obrigação cartular (livrança)
SUMÁRIO:
I – Ficou provado que entre as partes foi celebrado um contrato de empréstimos pelo prazo de 120 meses, sendo os capitais de dois empréstimos amortizados em 120 prestações mensais, vencendo-se a primeira prestação no mês a seguir da data de levantamento das quantias emprestadas e cada uma das restantes em igual dia de cada um dos meses seguintes, daqui nasce uma relação subjacente à emissão da livrança, subscrita pelo executado/embargante em 29/01/1993, que serviu de título executivo no respectivo processo (em que o Exequente/embargado após como data de vencimento 03/11/2020).
II – Uma vez que se verificou a prescrição dos créditos decorrentes de tal relação subjacente, ficou extinta também a obrigação cartular, uma vez que foram os dois referidos empréstimos que deram origem à emissão da respectiva livrança.
III - Como foi celebrado entre as partes o contrato das facilidades bancárias pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado, este não pode deixar de ser um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização, em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo Embargante é uma quota de amortização do capital no sentido do art.º 303º, al. d) do CC de 1999. Como as partes estipularam efectivamente o pagamento da dívida em 120 prestações mensais sucessivas, de montante predeterminado, que incluíam, quer a amortização fraccionada do capital mutuado, quer o pagamento dos respectivos juros remuneratórios, o que, sem dúvidas, leva a aplicação do estatuído na referida al. e) do art.º 310º do Código Civil de 1966 e al. d) do art.º 303º do Código Civil de 1999.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 28/2022
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 03 de Março de 2022
Recorrente : A S.A. (A有限公司)
Recorrido : B
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
A S.A. (A有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho (sentença) proferida pelo Tribunal de primeira instância, datado de 23/07/2021, que julgou prescrita a dívida titulada por uma livrança que serviu de título de execução, dele veio, em 28/10/2021, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 103 a 120, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso do despacho-sentença de fls. 94-96, que julgou procedentes os embargos à execução e declarou extinta a obrigação exequenda, com o fundamento de que se verifica «a excepção de prescrição [da dívida] deduzida pelo Embargante»;
II. Sendo o título dado a execução a Livrança subscrita pelo Executado-Embargante, a qual tem por data de vencimento o dia 3 de Janeiro de 2020, o despacho recorrido fez uma interpretação errónea do §.1.º do artigo 70.° da Lei Uniforme sobre as Letras e Livranças (LULL), ou do n.º 1 do artigo 1203.° do Código Comercial (CCom), aplicável às Livranças nos termos do artigo §.1.º do artigo 77.° da LULL (ou do n.º 1 do artigo 1210.° do CCom);
III. Quando a livrança sub judice foi emitida ficou apenas por preencher a parte que diz respeito à data de vencimento, tendo sido celebrado um pacto de preenchimento entre as partes nos termos do qual o Banco-Embargado ficou autorizado a preencher a livrança, inscrevendo-lhe a data do seu vencimento para aquela em que o embargado determinasse a liquidação da respectiva dívida, caso os créditos não fossem pontualmente cumpridos, tendo este, para o efeito, aposto a data de 3 de Janeiro de 2020;
IV. Não se pode dizer que houve abuso no preenchimento da livrança dado que o Banco-Embargado nada preencheu para além da data de vencimento da mesma e esse preenchimento foi feito nos termos acordados e autorizados pelo Embargante;
V. Consequentemente, não se pode considerar que a data de vencimento é aquela em que os mútuos foram concedidos ou o Embargante deixou de pagar;
VI. O Executado-Embargante amalgamou na petição de embargos o título executivo com a obrigação subjacente, bem como a prescrição do direito de acção com a prescrição do crédito;
VII. Porém, a livrança, contendo uma declaração de pagamento, incorpora um direito de crédito à quantia pecuniária que dela consta, isto é, encerra em si mesma um mandato puro e simples de pagar tal quantia, do mesmo modo que o aceite - art. 78.° da LULL. Na falta de pagamento, o respectivo beneficiário tem contra os obrigados cambiários o direito de acção, onde pode peticionar aquela quantia e o mais previsto nos arts. 48.° e 49.°, ex vi do art. 77.° da LULL;
VIII. Só após a verificada a falta de algum dos requisitos ou condições imperativamente previstos na LULL/CCom para o exercício do direito e acção conferido ao titular da livrança, que a convertesse em mero quirógrafo ou documento particular, é que o Tribunal poderia partir para a análise da relação ou obrigação subjacente;
IX. Tendo a livrança sido entregue ao Banco-Embargado sem dela constar a data do seu vencimento, para ser preenchida no caso de incumprimento do contrato de mútuo, daí não resulta que a data do vencimento da livrança deva ser precisamente a do vencimento da obrigação garantida pela mesma livrança;
X. A menção da relação subjacente não tem de constar da livrança nem ser revelada no requerimento executivo porque a acção executiva se reconduz a uma relação abstracta - fundada na livrança enquanto título de crédito que incorpora e define o próprio direito formal, independente e que se destaca da "causa debendi" - e não a uma relação causal;
XI. A relação abstracta fundada na livrança vale e opera eficazmente os seus efeitos independentemente da fonte que a haja originado;
XII. A obrigatoriedade do Banco-Embargado ter que preencher a livrança na data do incumprimento, pelo mutuário, das obrigações assumidas não encontra qualquer apoio na convenção de preenchimento;
XIII. A lei não fixa qualquer prazo para o preenchimento da livrança com vencimento em branco, não se verificando abuso de direito se o portador não proceder ao seu preenchimento logo que se verifique incumprimento no pagamento;
XIV. Na livrança em branco, o prazo de prescrição só começa a correr a partir do dia do vencimento aposto por quem devia preenchê-la, sendo o momento decisivo da afirmação da livrança não a data da sua emissão, mas antes a do seu vencimento;
XV. Uma livrança em branco pode prescrever, mas isso só sucederá quando, dentro das relações imediatas, se prove, através do acordo extra-cartular/pacto de preenchimento, que foi fixado um outro vencimento diferente do indicado no título e que esse vencimento ultrapassa o respectivo prazo de prescrição;
XVI. O simples decurso do tempo, sem que tenha sido exigido o pagamento da dívida por parte do credor, não é susceptível de, sem mais, criar no devedor-cartular a confiança de que não lhe vai mais ser exigido o cumprimento da obrigação que sobre ele impende.
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B, Recorrido, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 139 a 141, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Em recurso oportunamente apresentado, veio o embargado, ora recorrente, nas suas alegações impugnar a decisão proferida no douto saneador-sentença que, julgou procedente a excepção de ''prescrição'' deduzida pelo ora recorrido, B.
2. Basicamente entende o recorrido que o Tribunal "a quo" fez correcta aplicação da lei aos factos já assentes e que a obrigação de que resulta a quantia exequenda está prescrita.
3. Para o Banco embargado existe uma obrigação cartular que deriva da livrança subscrita pelo embargante em 29/01/1993 - onde o embagado apôs, como data de vencimento, 03/11/2020, -; e existiria uma outra obrigação que o embargante assumiu naquela data.
E para o Banco embargado, como se de duas obrigações distintas se tratasse, a prescrição só ocorreria a partir da data que foi aposta na livrança, isto é, a partir de 03/11/2020.
4. Contudo, só formalmente - porque, no entender do embargante, houve um preenchimento abusivo da livrança - é que existe essa "duplicação de obrigações", porquanto manifestamente, e como se refere na decisão recorrida, "... a relação subjacente à emissão da livrança em causa é precisamente a referida no contrato de facilidades bancárias ..."
E, por isso, prescrita a obrigação que resultaria daquelas facilidades bancárias, afigura-se óbvio ao embargante recorrido, que prescrita está também a obrigação cartular, pois, esta só existe por força daquela.
5. Uma livrança, representando um crédito, como foi o caso em apreço, não imobiliza este crédito - muito menos 27 anos! - ficando todo o acto jurídico logicamente sujeito ao "tempo e sua repercussão nas relações jurídicas", ou seja, à prescrição.
A prescrição funda-se "em motivos de interesse público (de segurança e certeza do direito), considerando a lei a inacção do credor como desinteresse e abandono do seu direito ou como presunção de que a prestação foi feita, não havendo, portanto, razão para não equiparar a extinção da obrigação pela prescrição à que se produz com o pagamento" (J. G. Pinto Coelho - Rev. Leg. Jurisp. 94° - 22 e segs.)
Consequentemente,
6. No que toca à acção cartular em apreço, não obstante o respectivo preenchimento abusivo da livrança, esse preenchimento deveria ter sido feito nos termos do negócio mediato (o mútuo). E nunca após a prescrição dos respectivos efeitos.
7. A livrança dos autos foi subscrita pelo embargante, para garantir uma dívida. A relação subjacente está prescrita, logo, o documento que a garante também prescreveu.
8. E mesmo que tenha havido um "pacto de preenchimento", expresso ou tácito, de que o embargante, como se disse, não se recorda, mesmo assim, tal pacto constitui um negócio jurídico, como tal, sujeito às regras da prescrição.
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Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
- Pela Recorrente foi interposta acção executiva contra o Recorrido;
- O Recorrido/executado veio a deduzir embargos, defendendo que a obrigação titulada por uma livrança, passada em nome do Banco C (sociedade que foi adquirida pela ora Recorrente) já está prescrita;
- Por despacho de fls. 74 a 76, pelo Tribunal de 1ª instância foram julgados procedentes os embargos, declarando prescrita a dívida em causa;
- Discordando desta decisão, veio a Recorrente/Exequente interpor o recurso para este TSI.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto o despacho proferido pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
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O Executado/Embargante nos embargos à execução vem deduzir duas ordens de razão que se destinam a extinguir os efeitos jurídicos emergentes da relação jurídica material controvertida entre o Banco Exequente e o Embargante, i.e. a de mútuo.
Em primeiro lugar, o Embargante deduz a excepção de prescrição e, em segundo lugar, invoca o preenchimento abusivo da livrança em causa que se traduz na violação do pacto de preenchimento.
Ora, debruçamo-nos primeiro sobre a questão respeitante à prescrição do crédito, uma vez julgado prescrito o crédito do Exequente, tornar-se-ia inútil a apreciação da questão que se reporta ao alegado preenchimento abusivo da livrança.
Defende o Embargante nos embargos que a dívida resultante da livrança subscrita pelo Embargante em 29 de Janeiro de 1993 já se encontra prescrita pelo decurso de mais de 27 anos, muito mais do prazo ordinário da prescrição, quer do prazo de 15 anos a que se alude no art.º 302º do Código Civil de Macau, quer do prazo de 20 anos do Código Civil de 1966.
Por sua vez, o Banco Embargado manifestou a sua oposição quanto ao ponto de vista do Embargante, na contestação apresentada a fls. 20 a 36, veio alegar que no caso das livranças, o legislador associou o início do prazo de prescrição à data de vencimento constante do título, pois que só a partir desse vencimento é que o portador está em condições de exigir aos devedores cambiários o respectivo pagamento. No caso em apreço, na livrança em causa foi aposta a data de 03/01/2020 como a de vencimento em cumprimento do pacto de preenchimento chegado entre as partes, assim, no entender do Banco Embargado, apenas a partir dessa data é que o direito de credito do Banco pudesse ser exercido, o que significa o prazo da prescrição só se iniciaria a correr nessa data por força do art.º 299º, n.º 1 do CC.
Salvo o devido respeito por opinião diversa, a argumentação do Banco não pode proceder.
De facto, conforme o que foi dito pelo Banco na sua contestação, a livrança em causa foi emitida para garantia do reembolso dois empréstimos disponibilizados pelo Banco, que visando a aquisição da habitação (Housing Loan), os quais tinham sido concedidos ao Embargante pelo Banco através de carta-contrato de facilidades bancárias datada de 26 de Janeiro de 1993, no valor, respectivamente, de HK$273,000.00 e HK$359,000.00 – vide o doc. junto a fls. 38 a 40 dos autos.
Nos termos de tal contrato, ficou estabelecido que os empréstimos foram concedidos pelo prazo de 120 meses, sendo os capitais de dois empréstimos amortizados em 120 prestações mensais, vencendo-se a primeira prestação no mês a seguir da data de levantamento das quantias emprestadas e cada uma das restantes em igual dia de cada um dos meses seguintes.
Portanto, facilmente se entende que a relação subjacente à emissão da livrança em causa é precisamente o referido contrato de facilidades bancárias, e que se tiver lugar a prescrição dos créditos decorrentes de tal relação subjacente, naturalmente isso irá também impedir o cumprimento da obrigação de pagamento da dívida emergente da livrança em causa, pois que foram os dois referidos empréstimos que deram origem à emissão da livrança.
Ora, a questão que se coloca é de saber se as dívidas derivadas dos empréstimos concedidos pelo Banco se encontram ou não prescritas. Para responder a esta questão, antes de mais, tem que apurar o carácter ou natureza destas dívidas, porque para além do prazo ordinário da prescrição o legislador também estabelece um outro prazo mais curto da prescrição de 5 anos para os casos consagrados no art.º 303º do Código Civil de Macau que são os seguintes:
a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;
b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
d) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
e) As pensões alimentícias vencidas;
f) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
Entre os quais, merece destacar-se o caso previsto na alínea d), em que é expressamente referido que as quotas de amortização do capital prescrevem no prazo de 5 anos.
Ora, conforme o que deixou dito acima, foi celebrado entre as partes o contrato das facilidades bancárias pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado, este não pode deixar de ser um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização, em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo Embargante é uma quota de amortização do capital no sentido do art.º 303º, al. d) do CC de 1999.
Nesse sentido e em termos de Direito Comparado, parece-nos que seja melhor citado o Acórdão do STJ, de 29/09/2016, que decidiu que “prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos”, concluindo que “apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.”
A mesma previsão também existia no Código anterior, no seu art.º 310º, al. e), pelo que, o prazo de 5 anos da prescrição deve ser aplicável ao nosso caso, como decorre, mais uma vez, dos documentos juntos pelo Banco Embargado, as partes estipularam efectivamente o pagamento da dívida em 120 prestações mensais sucessivas, de montante predeterminado, que incluíam, quer a amortização fraccionada do capital mutuado, quer o pagamento dos respectivos juros remuneratórios, o que, sem dúvidas, leva a aplicação do estatuído na referida al. e) do art.º 310º do Código Civil de 1966 e al. d) do art.º 303º do Código Civil de 1999.
Apesar de não se poder precisar a data exacta do vencimento da 1ª prestação, venceu-se seguramente em 2003, conforme o que veio revelado e confessado pelo Banco no documento junto com a sua contestação sob o n.º 4, e a última das prestações venceria em 2013. O vencimento da dívida torna-se exigível o seu pagamento, portanto, pelo menos, a partir do vencimento de cada prestação é que o Banco pudesse realizar o seu direito de crédito por via judicial.
Como a presente execução foi instaurada apenas em 18.03.2020, não restam dúvidas que já se tinha decorrido o prazo prescricional de 5 anos prevista na lei sem ter-se verificado outra qualquer causa para a interrupção da prescrição, dá-se a excepção de prescrição, o que determina a extinção da obrigação exequenda.
Nestes termos e pelo exposto, julgo procedentes os embargos à execução por se ter verificado a excepção de prescrição deduzida pelo Embargante, e por conseguinte, declara-se extinta a obrigação exequenda.
Custas pelo Embargado.
Notifique e Registe.
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Quid Juris?
Ora, basicamente concordamos com a douta argumentação tecida pelo Tribunal a quo, e nesta sede, acrescentamos ainda o seguinte:
1) – A Recorrente pôs o seu acento tónico na ideia de que, uma vez que ela estava autorizada a preeencher a “livrança branca”, e como ela só veio a fazê-lo recentemente (em 2020), o prazo de prescrição só deve contar a partir da data de preenchimento, assim, ainda não decorreu o prazo de prescrição. Ora, salvo o melhor respeito, não acompanhamos este raciocínio, porque se valesse esta ideia, o prazo de prescrição nunca ocorreria, pois, desde que ela não preencha o respectivo título, com isto se conseguiria escapar, sem custo, ao regime de prescrição! O que violaria a justiça material do nosso sistema.
2) – Por outro lado, não se esqueça de que a obrigação que a Recorrente pretendia executar, está sujeito também ao prazo de prescrição, e esta já se verificou, já que ela foi constituída em 1993, e a respectiva execução só foi instaurada em 2021.
3) – Tem toda a razão quando o Recorrido alegou:
“(…)
3. Para o Banco embargado existe uma obrigação cartular que deriva da livrança subscrita pelo embargante em 29/01/1993 - onde o embagado apôs, como data de vencimento, 03/11/2020, -; e existiria uma outra obrigação que o embargante assumiu naquela data.
E para o Banco embargado, como se de duas obrigações distintas se tratasse, a prescrição só ocorreria a partir da data que foi aposta na livrança, isto é, a partir de 03/11/2020.
4. Contudo, só formalmente - porque, no entender do embargante, houve um preenchimento abusivo da livrança - é que existe essa "duplicação de obrigações", porquanto manifestamente, e como se refere na decisão recorrida, "... a relação subjacente à emissão da livrança em causa é precisamente a referida no contrato de facilidades bancárias ..."
E, por isso, prescrita a obrigação que resultaria daquelas facilidades bancárias, afigura-se óbvio ao embargante recorrido, que prescrita está também a obrigação cartular, pois, esta só existe por força daquela.
(…)”.
Pelo expendido, em face dos argumentos produzidos pelo Tribunal recorrido, é do nosso entendimento que, a argumentação produzida pelo MMo. Juiz do Tribunal a quo continua a ser válida, a qual não foi contrariada mediante elementos probatórios concretos, trazidos por quem tem o ónus de prova, razão pela qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de sustentar e manter a posição assumida na decisão recorrida.
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Síntese conclusiva:
I – Ficou provado que entre as partes foi celebrado um contrato de empréstimos pelo prazo de 120 meses, sendo os capitais de dois empréstimos amortizados em 120 prestações mensais, vencendo-se a primeira prestação no mês a seguir da data de levantamento das quantias emprestadas e cada uma das restantes em igual dia de cada um dos meses seguintes, daqui nasce uma relação subjacente à emissão da livrança, subscrita pelo executado/embargante em 29/01/1993, que serviu de título executivo no respectivo processo (em que o Exequente/embargado após como data de vencimento 03/11/2020).
II – Uma vez que se verificou a prescrição dos créditos decorrentes de tal relação subjacente, ficou extinta também a obrigação cartular, uma vez que foram os dois referidos empréstimos que deram origem à emissão da respectiva livrança.
III - Como foi celebrado entre as partes o contrato das facilidades bancárias pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado, este não pode deixar de ser um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização, em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo Embargante é uma quota de amortização do capital no sentido do art.º 303º, al. d) do CC de 1999. Como as partes estipularam efectivamente o pagamento da dívida em 120 prestações mensais sucessivas, de montante predeterminado, que incluíam, quer a amortização fraccionada do capital mutuado, quer o pagamento dos respectivos juros remuneratórios, o que, sem dúvidas, leva a aplicação do estatuído na referida al. e) do art.º 310º do Código Civil de 1966 e al. d) do art.º 303º do Código Civil de 1999.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 03 de Março de 2022.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
2022-28-prescrição-dívida-livança 1