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 ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificada nos autos, instaurou uma acção ordinária (CV3-09-0040-CAO do Tribunal Judicial de Base) contra B (1.ª ré) e C (2.ª ré), formulando os pedido constantes de fls. 49 a 54 dos autos.
Por sentença constante de fls. 1275 a 1310v dos autos, O Tribunal Judicial de Base julgou improcedente a acção, indeferindo todos os pedidos deduzidos em sede de petição inicial por aquela sociedade.
Inconformada com a decisão, a Autora A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância (Processo n.º 688/2014), que por sua vez decidiu julgar improcedente o recurso, confirmando na íntegra a decisão da sentença recorrida.
Vem agora a Autora recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:
1. A Autora tem sobre a 1.ª Ré os créditos de HK$10 milhões, acrescido de juros à taxa legal, desde a data da notificação à Ré da decisão de arresto no proc. CV1-0032-CPV, bem como de HK$4 milhões, acrescido de juros à taxa anual de 16%, entre 08/01/1997 e 10/01/1998, e de juros de mora à taxa anula de 30%, daquela data em diante, dívida que nunca foi paga, estando provado que a 1.ª Ré não tinha ou teve qualquer outro bem.
2. O âmbito do presente recurso está limitado às duas questão da sub-rogação e da assunção de dívida.
3. Resulta da matéria dada como provada que falta pagar HK$78.300.000,00, bem como a dívida relativa ao arresto titulado pela [Sociedade].
4. A Autora pode subrogar-se à l.ª Ré no exercício contra a 2.ª Ré do direito à parte do preço da venda ainda não pago.
5. Houve um facto não alegado pela Ré, nem constante da matéria quesitada, mas que foi introduzido pela primeira vez no processo no depoimento de parte da 2.ª Ré (20/02/2013), que o Tribunal o refere na Sentença (fls. 55, 56 e 57), mas a Recorrente não está certa se o Tribunal o aceitou como válido. Se o aceitou, terá violado os princípios do dispositivo e do contraditório, bem como errado na avaliação substantiva da relação jurídica.
6. Trata-se da alegação de que a 2.ª Ré saldou os a sua dívida à 1.ª Ré, não através de pagamentos feitos à 1.ª Ré, mas através de um pagamento feito à 1.ª Ré (HK$110.000.000,00) e de um pagamento feito a terceiro (MOP$583.515.704,35, pagos ao [Banco]). Ou seja, o remanescente em dívida (HK$78.300.000,00) teria sido entregue ao [Banco] e acordado pelas Rés como tendo sido feito à 1.ª Ré.
7. Havia prestações independentes: uma devida ao credor (1.ª Ré), duas devidas a terceiros.
8. O que releva é que a 2.ª Ré se vinculou perante a 1.ª Ré a pagar uma dívida de cerca de HK$188 milhões à 1.ª Ré e só pagou HK$110 milhões, e vinculou-se perante a 1.ª Ré a pagar duas dívidas a terceiros. Tudo o mais é fora deste acordo e não vincula a 1.ª Ré nos termos do art.º 760.º do CC. Não a vinculando, a dívida mantém-se e a Autora pode exercer o direito de subrogação.
9. Qualquer montante pago a terceiro não é considerado pagamento feito ao credor por conta da dívida, se não for pagamento autorizado pela 1.ª Ré, nos termos do art.º 760.º/a) e b), CC.
10. Está provado nos Quesitos 12, 73 e 75 que a 2.ª Ré estava contratualmente obrigada a pagar a dívida ao [Banco] e a pagar a prestação de HK$188.300.000,00 à 1.ª Ré. No quesito 75 lê-se expressamente “a 2.ª Ré tinha que entregar a quantia de HKD$188.300.000,00 como preço para além de pagar a dívida” ao [Banco].
11. Dois depois do pagamento ao Banco a 1.ª e 2.ª Rés celebraram um contrato promessa em que declararam ainda estar em dívida a quantia à 1.ª Ré a quantia de HK$138.300.000,00, o que é contraditório com a possibilidade de ter sido acordado que o pagamento alegadamente “em excesso” ao Banco fosse descontado na prestação devida à 1.ª Ré. Se assim fosse, as partes não teriam celebrado um contrato promessa onde constasse que a dívida não estava paga. Pelo contrário, teria logo declarado que a dívida à 1.ª Ré estava integralmente saldada.
12. Verificam-se os pressuposto estabelecidos nos art.ºs 601.º/1 e 2 do CC, pelo que a Autora pode substitui-se à 1.ª Ré no exercício contra a 2.ª Ré do direito de conteúdo patrimonial ao recebimento do preço da venda.
13. Quando a sub-rogação é exercida judicialmente o devedor tem de ser citado, como dispõe o art.º 603.º do CC, o que neste caso se encontra já assegurado, por via da citação da p.i..
14. Foi estipulado na cláusula 4.ª do contrato-promessa de 16/03/2007, igual, aliás, à mesma cláusula do contrato-promessa de 18/01/2007, que “após a assinatura do presente contrato, todos os direitos, interesses e obrigações (incluindo os decorrentes de acções judiciais pendentes ou futuras e dos requerimentos de troca de terrenos que estão a ser procedidos ou que irão ser procedidos) relacionados com o mencionado terreno, ficam a cargo da 2.ª Outorgante”, ora 2.ª Ré. tal é confirmado no Artigo 24.º da Contestação.
15. A dívida da 1.ª Ré para com a Autora deve ser incluída nesta assunção de dívida, estado em situação de igualdade relativamente às dívidas do [Banco], e, especialmente, da [Sociedade].
Das duas uma:
16. Ou a 2.ª Ré assume haver autonomia do contrato de compra e venda relativamente ao contrato-promessa em que se baseou o registo provisório de aquisição, e então o imóvel em causa responde pela satisfação dos créditos da Autora por os arrestos obtidos por esta serem anteriores àquela compra e venda (tese que se crê não ter sido aceite no Acórdão recorrido).
17. Ou a 2a Ré defende que a compra e venda é o contrato-prometido pelo contrato-promessa em que se baseou o registo provisório de aquisição (de 16/03/2007), e então tem de assumir todas as obrigações decorrentes para si daquele contrato-promessa.
18. Aliás, a assunção da dívida foi confessada pela 1.ª Ré no seu depoimento de parte.
19. A Autora, ratificou expressamente na petição inicial o acordo entre as duas Rés consubstanciado na cláusula 4 do contrato-promessa, chamando à sua esfera jurídica (da Autora) os efeitos dele decorrentes.
20. O referido acordo entre as Rés e a declaração de ratificação feita pela Autora consubstanciam uma transmissão singular de dívida, nos termos do art.º 590.º/1/a) do CC.
21. E na falta de declaração expressa da Autora a exonerar a 1.ª Ré, a assunção da dívida é cumulativa, nos termos do art.º 590.º/2 do CC, isto é, as duas Rés respondem solidariamente perante a Autora pela dívida do preço.

Contra-alegou a C, formulando as seguintes conclusões:
1.a Foi intentada uma acção ordinária pela A, ora Recorrente, contra as (1.ª) B e (2.ª) C, ora Recorridas, que, sob o n.º CV3-09-0040-CAO, correu termos pelo 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, tendo sido apresentados nove pedidos (entre principais, cumulativos e susbsidiários),
2.ª Por douta Sentença de 29 de Abril de 2014, foram ambas as Rés absolvidas de todos os pedidos, razão pela qual a Autora/Recorrente, da mesma, interpôs recurso para o Venerando Tribunal de Segunda Instância.
3.ª Por douto Acórdão de 8 de Fevereiro de 2018, tal recurso foi julgado improcedente in totum e, assim, confirmada a Sentença recorrida, tendo, porém, sido proferido voto vencido restringido a uma questão.
4.ª Pretende a Recorrente que, através do presente recurso, seja revogado e declarado nulo o douto Acórdão do T.S.I. de 8 de Fevereiro de 2018, explicitado no processo n.º 688/2014, que decidiu julgar improcedente in totum o recurso interposto, pela mesma, da decisão da sentença do TJB, explicitada no âmbito do processo n.º CV3-09-0040-CAO, que, por sua vez, julgou improcedentes todos os pedidos da acção.
5.ª A Recorrente traz duas questões para apreciação do Venerando Tribunal ad quem: (1.ª) A questão da sub-rogação do direito de crédito da 1.ª Ré, pela Autora/Recorrente, contra a 2.ª Ré e (2.ª) A questão da assunção cumulativa das dívidas pelas 1.ª e 2.ª Rés e, consequentemente, saber se a 2.ª Ré (ora Recorrida) deve assumir a responsabilidade das obrigações da 1.ª Ré, perante a Autora, face à cláusula 4.ª dos contratos-promessa de 18/1/2007 e 16/3/2007, em que são partes a 1.ª e 2.ª Rés.
6.ª Pode ler-se do douto Acórdão do TSI recorrido, a fls. 107: “Sobre estas duas questões, consideramos que ambas foram devidamente apreciadas e correctamente decididas na sentença recorrida, portanto, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui a decisão recorrida nesta parte e, nos termos autorizados pelo art.º 631.º, n.º 5, do C.P.C., remeter os Doutos fundamentos ai invocados na decisão recorrida, julgando improcedente o recurso na parte respeitantes a estas duas questões”.
7.ª Nestas circunstâncias, a ora Recorrida considera que o Venerando Tribunal da Segunda Instância, ora Tribunal a quo, deu por provados todos os factos assentes na Primeira Instância, no que concerne às duas mencionadas questões.
8.ª Sobre a questão da sub-rogação o ponto fulcral é saber se a 2.ª Ré deve, ainda, alguma quantia à 1.ª Ré, pela transmissão da propriedade do prédio urbano sito na [Endereço (1)], freguesia de Nossa Senhora de Fátima, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXX, a fls. XXXv do Livro BXX, de que a 1.ª Ré era proprietária.
9.ª Não se põe em causa que a Autora, ora Recorrente, tenha sobre a 1.ª Ré os créditos de HK$10 milhões, acrescido de juros à taxa legal, desde a data da notificação à Ré da decisão do arresto no proc. CV1-032-CPV, bem como de HK$4 milhões, acrescido de juros à taxa anual de 16%, entre 08/01/1997 e 10/01/1998, e juros de mora à taxa anual de 30%, daquela data em diante, dívida que nunca foi paga, estando provado que a 1.ª Ré não tinha ou teve qualquer outro bem.
10.ª Importa pois saber se existe o crédito do devedor, no caso a 1.ª Ré, perante terceiro, aqui 2.ª Ré/Recorrida, para poder concluir se estava ou não preenchido o primeiro requisito da figura jurídica da “sub-rogação”.
11.ª Decorre da factualidade assente, que a 1.ª Ré vendeu à 2.ª Ré e esta comprou o prédio [Endereço (1)], certo sendo que a Autora/Recorrente alega que a 2.ª Ré não procedeu ao pagamento integral do preço da venda, pretendendo ficar sub-rogada no direito da 1.ª Ré para obter o seu pagamento.
12.ª Porque o imóvel foi objecto de três contratos-promessa; de um contrato definitivo de compra e venda e de um “contrato de consórcio” para desenvolvimento do terreno, não foi linear apurar qual o preço da transmissão do direito de propriedade do mesmo da 1.ª para a 2.ª Ré.
13.ª Apesar de terem sido estipuladas contrapartidas diferentes nos três contratos-promessa e, anteriormente, o “contrato de consórcio”, todos tiveram por objecto a transmissão do mesmo imóvel, isto é, do terreno [Endereço (1)], relevando para o caso as condições definitivamente acordadas entre o comprador e vendedor no contrato definitivo de compra e venda respeitante ao prédio em causa.
14.ª De acordo com o que ficou acordado, no contrato-promessa celebrado em 03 de Janeiro de 2007, a 2.ª Ré tinha que pagar a quantia de HKD$188.300.000,00, para além de pagar a dívida hipotecária ao [Banco]; nos contratos-promessa de 18 de Janeiro de 2007 e 16 de Março de 2007, foi fixado como preço de venda o montante de HK$188.300.000,00; porém, resulta das cláusulas insertas em tais contratos-promessa que, para que lhe fosse transmitido o direito de propriedade do terreno em causa, a 2.ª Ré tinha que pagar à 1.ª Ré uma determinada quantia em dinheiro e, simultaneamente, pagar duas dívidas da 1.ª Ré: (i) a dívida ao [Banco] garantida por hipoteca constituída sobre o imóvel; (ii) as dívidas relativas ao arresto sobre o imóvel, titulado pela [Sociedade] e, no contrato de compra e venda de 10 de Janeiro de 2009, o preço de venda foi fixado, apenas, no montante de HKD$188.300.000,00.
15.ª A Autora/Recorrente alega que a 1.ª Ré tem, ainda, o direito a receber o montante de HK$78.000.000,00, um facto que o douto Tribunal da Primeira Instância deu por não provado e, consequentemente, o Venerando Tribunal a quo considera que a 2.ª Ré não é devedora desse montante à 1.ª Ré.
16.ª Decorre do exercício feito pela Autora/Recorrente, que o crédito de que a 1.ª Ré é titular, junto da 2.ª Ré, é o remanescente do preço ou da contraprestação pelo acto de transmissão da propriedade do terreno pela 1.ª Ré à 2.ª Ré, acto esse que veio a ser formalizado por escritura pública de compra e venda realizada em 10 de Janeiro de 2009, na sequência da celebração (i) dos três contratos promessa de 3 de Janeiro de 2007, de 18 de Janeiro e 16 de Março de 2007 entre as 1.ª e 2.ª Rés, e (ii) do contrato de consórcio para desenvolvimento do mencionado terreno, celebrado entre o D (sócio da 2.ª Ré) e a 1.ª Ré.
17.ª Na escritura pública de 10 de Janeiro de 2009, consta, expressamente, que a 1.ª Ré recebeu o preço ali exarado no montante de HK$188.300.000.00, ou seja, segundo o acordo entre as 1.ª e 2.ª Rés, o preço de venda foi considerado pago pela 2.ª Ré.
18.ª A força probatória do documento autêntico não abrange a veracidade das declarações dos outorgantes, pelo que seria admissível a prova de que tal pagamento não teve lugar (total ou parcialmente), pelo que interessava que a Autora tivesse feito essa prova, o que não aconteceu.
19.ª As Instâncias concluíram que tal pagamento foi feito na totalidade, uma vez que, tal corno a Autora/Recorrente, consideraram que D pagou a quantia de HK$110.000.000,00 à 1.ª Ré (no âmbito do aludido “contrato de consórcio”) e a 2.ª Ré pagou o crédito hipotecário do [Banco], incluindo as custas processuais no valor de MOP$583.515.704,35, certo sendo que, na totalidade, a 2.ª Ré pagou o montante de HK$675.696.271,78.
20.ª A contraprestação exigida à 2.ª Ré pela transmissão da propriedade do terreno é apenas o preço constante do contrato de compra e venda. Portanto, o montante pago pela 2.ª Ré à 1.ª Ré é superior ao valor do preço estipulado pelos outorgantes.
21.ª Na fundamentação dos factos provados, o Tribunal da Primeira Instância (acolhida pelo Venerando Tribunal a quo) considerou como não provados os factos constantes dos quesitos 22.º, 28.º e 29.º, justamente por entender que D e a 1.ª Ré acordaram que os pagamentos acima referidos seriam imputados no valor do preço ou contraprestação pela transmissão da propriedade do terreno, daí que, para as Instâncias, não foi difícil aceitar como verídica a declaração, na escritura pública de compra e venda, no sentido de que o preço de venda já se encontrava pago, à data da celebração do contrato definitivo,
22.ª A Autora/Recorrente argumenta que se as Rés pretendessem imputar as quantias pagas (dívida ao [Banco], mais as custas judiciais) no preço ou contraprestação, não teria sentido celebrarem, em 16 de Março de 2007, o contrato-promessa onde consta que a 2.ª Ré tem o dever de saldar a dívida ao Banco e pagar HKD$183.300.000,00 à 1.ª Ré; não esta correcta tal interpretação pois, de acordo com as declarações feitas pelas Rés no contrato-promessa, à data de 16 de Março de 2007, a 2.ª Ré devia pagar o remanescente do preço na quantia de HK$138.300.000,00, na data da outorga da escritura pública e, em conformidade com as declarações constantes da escritura pública, na data em que foi outorgada, a 1.ª Ré já tinha recebido a totalidade do preço no montante de HKD$188.300.000,00.
23.ª Seguindo o raciocínio da Autora/Recorrente, se não tivesse sido recebido o preço pela 1.ª Ré, também, não teria celebrado a escritura pública de onde consta que esta recebeu a totalidade do preço (sem perder de vista o facto de haver uma quitação da 1.ª Ré, datada de 16/3/2007, a fls. 726 dos autos, comprovativo do pagamento de HK$138.300.000,00, na sequência do pagamento no dia 15/3/2007 da dívida ao Banco, acrescida das custas judiciais, a fls. 725 dos autos).
24.ª Quando as Instâncias julgaram paga a totalidade do montante de HK$188.300.000,00, por parte da 2.ª Ré/Recorrida, tomaram em consideração o facto de que, nos termos do contrato-promessa de 16 de Março de 2007, devia esta proceder ao pagamento da dívida ao [Banco] (no valor de MOP$493.520.000,00, facto provado conforme resposta ao quesito 13.º); porém, a 2.ª Ré/Recorrida procedeu ao pagamento de MOP$583.515.704,35, devido às custas judiciais e outras despesas no âmbito do processo de execução movido contra a 1.ª Ré, pelo que pagou a mais o montante de MOP$89.995.704,35, certo sendo que uma simples operação matemática leva a concluir que, tendo já pago o montante de HK$110.000.000.00 (facto dado por provado e não impugnado pela Autora/Recorrente), para perfazer o valor acordado, estava em falta, apenas, o montante de HK$78.300.000,00, a que correspondem MOP$80.766.450,00.
25.ª Acresce que não é indiferente saber qual o valor de mercado do imóvel, à data da celebração dos contratos-promessa celebrados entre as 1.ª e 2.ª Rés, para se avaliar da existência de algum crédito da 1.ª Ré resultante da transmissão desse imóvel para a 2.ª Ré; para os Excelentíssimos Julgadores da matéria de facto, embora tendo sido uma questão muito controversa, acolheram o valor constante do relatório pericial por dizer respeito a um período mais próximo das datas dos contratos-promessas referidos nas alíneas C) e D) dos factos assentes e ter sido indicado pelos três peritos nomeados pelo Tribunal, tendo dado por provado que, em Fevereiro de 2007, o valor de mercado do prédio identificado nos autos era de MOP$503.000.000,00.
26.ª Não estando em dívida qualquer montante a título do preço acordado entre as 1.ª e 2.ª Ré, pela transmissão, em favor da 2.ª Ré, do prédio urbano sito na [Endereço (1)], Freguesia Nossa Senhora de Fátima, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob n.º XXXX, a fls. XXX verso do Livro BXX, de que era proprietária a 1.ª Ré, fica prejudicado o conhecimento dos demais requisitos da sub-rogação, e, consequentemente, deve ser considerado improcedente o recurso relativamente a esta questão.
27.ª A Recorrente traz, também, à superior consideração dessa Alta Instância esta segunda questão, afirmando que a formula para o caso de ser negado provimento ao pedido relativo á sub-rogação.
28.ª Mais uma vez, não está em causa o crédito e respectivo valor que a Autora/Recorrente tem junto da 1.ª Ré; ambos foram reconhecidos judicialmente; o que se aqui discute é saber se a 2.ª Ré/Recorrida deve assumir a responsabilidade das obrigações da 1.ª Ré perante a Autora/Recorrente, por via da cláusula 4.ª inserta nos contratos-promessa celebrados em Janeiro e Março de 2007.
29.ª Entre as 1.ª e 2.ª Rés – os que estão aqui em apreciação – foram celebrados respectivamente 3 (três) contratos-promessa datadas em 3/1/2007, 18/1/2007 e 16/3/2007; está-se perante um contrato misto de promessa de compra e venda e de assunção de cumprimento de obrigações, devendo aplicar-se a cada um dos elementos integradores da espécie a disciplina que lhes corresponde dentro do respectivo contrato.
30.ª A par da obrigação principal convencionada no contrato-promessa e das acessórias ou secundárias que surgiram como instrumentais daquela, existem outras que se apresentam como autónomas ou desvinculadas da obrigação da contraparte, não se integrando no sinalagma específico do contrato-promessa e escapando à obrigação típica principal e às que integram deveres secundários ou acessórios e instrumentais daquela.
31.ª Quando celebraram os referidos contratos-promessa, as 1.ª e 2.ª Rés/Recorridas fizeram inserir uma cláusula 4.ª no primitivo contratopromessa datado de 3/1/2007 e, posteriormente, esta mesma cláusula 4.ª desenvolveu-se em duas cláusulas, tendo a referida Cláusula 4.ª seguinte formulação: “após a outorga do presente contrato, todos os direitos, interesses e as obrigações respeitantes ao terreno acima indicado (incluindo as acções pendentes e a ser instauradas e o requerimento de troca de terreno) passam a ser atribuídas à 2.ª outorgante (2.ª Ré na acção e ora Recorrida).
32.ª Na interpretação de um ou mais contratos, a efectuar de acordo com as normas previstas nos artigos 228.º a 231.º do Código Civil, deve buscar-se não apenas o sentido das declarações negociais separadas e alheadas do seu contexto negocial global mas procurar-se o sentido juridicamente relevante daquele contexto, atendendo, em especial, à letra do negócio, às circunstâncias de tempo, lugar e outras que antecederam a celebração do contrato ou são contemporâneas das mesmas, às negociações entabuladas pelas partes e às finalidades por elas prosseguidas, ao próprio tipo negocial, à lei, aos usos e costumes e à posição assumida pelas partes na concretização do negócio.
33.ª Na perspectiva das Instâncias, não se trata de um caso típico de transmissão de uma dívida concreta, mas o acordo não deixa de ser configurado como assunção das obrigações entre a 1.ª Ré, como antiga devedora, e a 2.ª Ré, como nova devedora, certo sendo que a divergência entre a Autora/Recorrente e a 2.ª Ré/Recorrida circunscreve-se no âmbito de aplicação de tal acordo de assunção de dívida.
34.ª Para a Autora/Recorrente, o acordo inclui o seu crédito reclamado enquanto a 2.ª Ré/Recorrida entende que o crédito da Autora/Recorrente não está relacionado com o terreno a que se referem os autos.
35.ª Como bem decidiram as Instâncias, coube, em primeiro lugar, indagar se o crédito reclamado pela Autora/Recorrente se consubstancia nos direitos ou obrigações estipulados na cláusula 4.ª; segundo a letra da cláusula 4.ª, após a outorga do acordo, todos os direitos, interesses e as obrigações relacionados com o terreno acima (incluindo as acções pendentes e a ser instauradas e o requerimento de troca de terreno) passam a ser atribuídos à 2.ª Ré.
36.ª Os factos alegados pela Autora/Recorrente provam que o seu direito provém de dois créditos diferentes: um é o crédito no montante de HK$10.000.000,00, acrescidos de juros (reconhecido por sentença proferida no processo CV2-07-0032-CAO) e outro no montante de HK$15.440.000,00 (incluindo os juros), resultante do empréstimo feito pela Autora/Recorrente à 1.ª Ré no valor de HK$4.000.000,00.
37.ª Pese o facto de o pagamento desses dois créditos ser garantido por arrestos que incidem sobre o terreno objecto do contrato promessa, não pode a Recorrida deixar de defender que tais créditos não provêm de qualquer relação jurídica estabelecida entre a Autora e a 1.ª Ré, tendo como objecto mediato o terreno identificado nos autos.
38.ª Se fosse como alega a Autora/Recorrente, a cláusula em apreço tornarse-ia uma cláusula aberta em que se poderiam incluir todas e quaisquer obrigações da 1.ª Ré, desde que o seu credor requeresse a penhora ou arresto do terreno para o seu pagamento. De facto, aos olhos de um declaratário médio, colocado na posição do real declaratário, não é muito provável que, um homem médio, fosse aceitar uma situação de tal incerteza em que se atribua ao terceiro a faculdade de imputar a si próprio a assunção da responsabilidade das obrigações que desconhecia. Sob essa perspectiva, parece que, ao adoptar a expressão “direitos, interesses ou obrigações relacionados com o terreno”, pretenderam as partes delimitar as obrigações nas obrigações que têm uma ligação forte com o terreno, não sendo muito provável e nem tendo lógica que o sentido real das partes é no sentido de abranger todos os tipos de créditos, desde que o seu pagamento seja assegurado por produto do terreno.
39.ª Assim, objectivamente, a expressão “obrigações relacionadas com o terreno” deverá ter o sentido de que as obrigações provêm da relação jurídica substancial respeitante ao terreno em causa, ou seja, a relação fundamental que dá origem aos direitos ou obrigações é uma relação jurídica sobre terreno e não todos e qualquer crédito que tem por origem outra causa alheia ao terreno, isto é, em tal acordo, apenas, cabiam obrigações decorrentes de negócios que tinham como objecto o referido terreno.
40.ª Nestes termos, sendo os créditos reclamados pela Autora/Recorrente derivados (i) de um contrato de transmissão de posição de um contrato de cooperação para o desenvolvimento dos terrenos sitos no [Endereço (2)], cuja resolução foi declarada por sentença judicial, e (ii) do incumprimento por parte da 1.ª Ré dum contrato de mútuo no valor de HK$4.000.000,00 celebrado com a Autora/Recorrente, são créditos que não têm por origem uma relação jurídica que incide sobre o terreno [Endereço (1)], pelo que tais obrigações não são incluídas no âmbito da cláusula 4.ª e, consequentemente, a responsabilidade dessas obrigações não deve ser considerada transmitida para a 2.ª Ré.
41.ª D, administrador da 2.ª Ré/Recorrente, interessado na sua própria empresa e nos interesses desta, não podia ter assumido dívidas da 1.ª Ré, de forma incondicional e ilimitada; conhecedor das várias negociações que tiveram como objecto mediato o terreno identificado nos autos, chamou a si essa responsabilidade de eventuais obrigações decorrentes de tais negociações e fora deste conjunto de obrigações; aceitou, expressamente, pagar a dívida ao [Banco], garantida por hipoteca constituída sobre o imóvel e as dívidas relativas ao arresto sobre o imóvel titulado pela [Sociedade] e fê-lo como uma das contrapartidas pela aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel que pertencia à 1.ª Ré.
42.ª A ora Recorrida não reconhece nenhum direito à Autora/Recorrente por ser credora da 1.ª Ré, por ter celebrado com a mesma a transmissão de posição de um contrato de cooperação para o desenvolvimento dos terrenos sitos no [Endereço (2)], e por ter celebrado com a 1.ª Ré um contrato de mútuo no valor de HK$4.000.000,00, não podendo a Autora/Recorrente afirmar que a dívida da 1.ª Ré para com a mesma deve ser incluída nesta assunção de dívida, estando em situação de igualdade relativamente às dívidas do [Banco], e, especialmente, da [Sociedade].
43.ª Deve o recurso ser considerado improcedente relativamente a esta questão, pois não podia 2.ª Ré ter assumido dívidas da l.ª Ré, de forma incondicional e ilimitada.

2. Factos
Nos autos considera-se assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
Da Matéria de Facto Assente:
- No processo que correu termos neste tribunal sob o nº CV2-07-0032-CAO, por sentença de 16.11.2007, já transitada em julgado, a 1ª Ré foi condenada a pagar à Autora a quantia de HKD$10.000.000,00, então equivalente a MOP$10.300.000,00. acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação à ré da decisão do arresto requerido e decretado nos autos de procedimento Cautelar Comum CV1-0032-CPV e até integral e efectivo pagamento. (alínea A) dos factos assentes)
- A 1ª Ré era proprietária de um prédio urbano sito na [Endereço (1)], Freguesia de Nossa Senhora de Fátima, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXX, a fls. XXX v. do Livro BXX. (alínea B) dos factos assentes)
- Em 18 de Janeiro de 2007 a 1ª e a 2ª Rés celebraram um contrato, nos termos do qual, pelo preço de HK$188.300.000,00 00 (cento e oitenta e oito milhões e trezentos mil dólares de Hong Kong), a primeira prometeu vender à segunda, e esta prometeu comprar àquela, o prédio atrás referido. (alínea C) dos factos assentes)
- Em 16 de Março de 2007 a 1ª a e a 2ª Rés celebraram um contrato, nos termos do qual a primeira voltou a prometer vender à segunda, e esta voltou a prometer comprar àquela, o referido prédio pelo preço de HK$188.300.000,00 (cento e oitenta e oito milhões e trezentos dólares de Hong Kong), correspondentes a MOP$194.231.450,00 (cento e noventa e quatro milhões duzentas e trinta e uma mil e quatrocentas e cinquenta patacas). (alínea D) dos factos assentes)
- Em 16 de Março de 2007, a requerimento da 2º Ré e a seu favor, como titular activa, foi efectuado um registo provisório de aquisição do prédio na Conservatória do Registo Predial, conforme Apresentação nº 77 daquela data com base no contrato-promessa de compra e venda referido em D). (alínea E) dos factos assentes)
- Em 10 de Janeiro de 2009, por escritura pública lavrada no Cartório do Notário Privado E, a 1ª Ré vendeu à 2ª Ré o prédio objecto mediato dos dois referidos contratos-promessa, indicando que o fazia pelo preço de HK$188.300.000,00, equivalentes a MOP$194.231.450,00 (cento e noventa e quatro milhões duzentos e trinta e um mil quatrocentas e cinquenta patacas) (alínea F) dos factos assentes)
- Em 16 de Fevereiro de 2009, com base nessa escritura, a pedido da 2ª Ré, foi requerida a conversão em definitivo do registo provisório de aquisição do prédio na Conservatória do Registo Predial, conforme Apresentação nº 31 daquela data, pedindo e obtendo a rectificação da data do contrato-promessa de compra e venda em que se baseou o registo provisório de modo a passar a constar que a mesma é a de 18 de Janeiro de 2007. (alínea G) dos factos assentes)
- O pedido de rectificação foi instruído com o primeiro dos dois referidos contratos-promessa celebrados entre a 1ª Ré e a 2ª Ré. (alínea H) dos factos assentes)
- Quando o contrato-promessa referido em C) foi celebrado, estava em vigor um registo provisório de aquisição do mesmo imóvel a favor de F, registo pedido na Conservatória do Registo Predial pela Apresentação nº 48 de 03 de Novembro de 2005 feito com base em contrato-promessa pelo qual a 1ª Ré havia prometido vender a F, e este prometido comprar àquela, o mesmo imóvel e pelo mesmo preço de HKD$188.300.000,00. (alínea I) dos factos assentes)
- O cancelamento de tal registo provisório referido na alínea anterior foi pedido pela Apresentação nº 83 de 14 de Março de 2007. (alínea J) dos factos assentes)
- Para assegurar a satisfação do primeiro crédito a Autora requereu o arresto do imóvel em causa, o qual foi decretado por sentença proferida no Proc. CV2-07-0032-CAO-A, do 2º Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Base e em 26 de Abril de 2007 registado na Conservatória do Registo Predial, conforme Apresentação nº 84, daquela data. (alínea K) dos factos assentes)
- Para assegurar a satisfação do segundo crédito a Autora requereu um outro arresto do imóvel, o qual foi decretado por sentença proferida no Proc. CV3-07-0017-CEO-A, do 3º Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Base e em 09 de Maio de 2007 registado na Conservatória do Registo Predial, conforme Apresentação nº 12, daquela data. (alínea L) dos factos assentes)

Da Base Instrutória:
- Por contrato de 8 de Janeiro de 1997, titulado por documento particular, a Autora entregou à 1ª Ré a quantia de HKD$4.000.000,00, que esta se obrigou a restituir em 10 de Janeiro de 1998. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- Nesse contrato, a Autora e a 1ª Ré acordaram que o capital mutuado venceria juros (compensatórios) à taxa anual de 16%, que em caso de mora da devedora passariam a ser de 30%, contados da data da constituição da mora e até integral pagamento. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- Por documento assinado em 26 de Junho de 1997, a 1ª Ré confessou-se devedora da Autora da referida quantia. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- Em 13 de Fevereiro de 2007 a Autora instaurou contra a 1ª Ré uma acção executiva para cobrança do capital e dos juros, vencidos no montante de HKD$15.440.000,00, então equivalente a MOP$15.903.200,00, acrescidos de juros vincendos até integral pagamento. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- Até à presente data nem a 1ª Ré, nem outrem por ela, pagou à Autora qualquer das quantias referidas em A) dos factos assentes e nas respostas aos quesitos 1º e 2º. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- O prédio referido em B) dos factos assentes tem a área de 56.166 (cinquenta e seis mil cento e sessenta e seis) metros quadrados. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- Em Fevereiro de 2007, o valor de mercado do prédio referido em B) dos factos assentes era de MOP$503.000.000,00. (respostas aos quesitos 7º e 8º da base instrutória)
- Na data da venda referida em F) dos factos assentes, o prédio referido em B) era o único bem de que a 1ª Ré era proprietária. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- D foi a única pessoa física que participou nos dois contratos referidos em C) e D) dos factos assentes, como representante voluntário da 1ª Ré e representante legal da 2ª Ré. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- Enquanto representante da 1ª Ré, D interveio nos dois contratos com base em procuração outorgada a seu favor em 11 de Dezembro de 2006 emitida pela 1ª Ré. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- Em qualquer dos contratos-promessa referidos em C) e D) dos factos assentes, a contrapartida exigida à 2ª Ré pela aquisição do direito de propriedade sobre o prédio referido em B) dos factos assentes desdobra-se em duas parcelas, a primeira o pagamento de determinada quantia em dinheiro à 1ª Ré e a segunda o pagamento a credores da 1ª Ré de dívidas desta, a saber: a dívida ao [Banco] garantida por hipoteca constituída sobre o imóvel; as dívidas relativas ao arresto sobre o imóvel titulado pela [Sociedade]. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- O montante máximo assegurado pela hipoteca constituída a favor do [Banco] sobre o prédio referido em B) dos factos assentes é de MOP$493.520.000,00 e o montante assegurado pelo arresto constituído a favor da [Sociedade] sobre o mesmo prédio é de MOP$10.300.000,00. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- A 1ª Ré é uma sociedade comercial que tem por objecto o exercício da indústria de construção civil e o investimento no sector imobiliário. (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
- A 2ª Ré é uma sociedade comercial que tem como objecto social o investimento imobiliário. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- A 2ª Ré não distratou a hipoteca titulada pelo [Banco], garantia que se mantém em vigor. (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
- Com a venda referida em F) dos factos assentes, a 1ª Ré deixou de ter qualquer bem. (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
- Desde, pelo menos, 2007 que a 1ª Ré deixou de ter qualquer actividade económica. (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
- Na data da realização da venda referida em F) dos factos assentes, tanto a 1ª Ré como a 2ª Ré sabiam que a venda do imóvel impediria a Autora de ver satisfeitos os seus créditos junto da 1ª Ré. (resposta ao quesito 26º da base instrutória)
- A 2ª Ré pagou o crédito hipotecário do [Banco] referido na resposta ao quesito 12º, incluindo as custas processuais no valor total de MOP$583.515.704,35 (MOP$581.000.000,00 + MOP$2.515.704,35). (resposta ao quesito 38º da base instrutória)
- Aquando da celebração dos contratos-promessa referidos em C) e D) dos factos assentes, a 2ª Ré desconhecia a existência dos créditos da Autora. (resposta ao quesito 39º da base instrutória)
- Em data não apurada, D aceitou participar num projecto de desenvolvimento do prédio referido em B) dos factos assentes, altura em que este prédio estava onerado com a hipoteca referida na resposta ao quesito 12º. (respostas aos quesitos 40º a 42º da base instrutória)
- Em 14 de Novembro de 2005 foi assinado um acordo, designado por “Contrato de Consórcio de Desenvolvimento Predial do Terreno/prédio urbano” (ou “Contrato de Cooperação”) cuja cópia está junta aos autos a fls. 550 a 552. (resposta ao quesito 43º da base instrutória)
- Nos termos do referido “Contrato de Consórcio”, o prédio referido em B) dos factos assentes seria desenvolvido através de uma sociedade a constituir-se oportunamente, com o nome de [Limitada], sendo parte do seu capital subscrito através da propriedade do mesmo prédio. (resposta ao quesito 44º da base instrutória)
- Metade do capital social (50%) da [Limitada] seria subscrito pela 1ª Ré (Parte A) que nomearia como representantes seus G e H. (resposta ao quesito 45º da base instrutória)
- Outra metade (50%) seria subscrito por F, I e D (Parte B). (resposta ao quesito 46º da base instrutória)
- Na data da assinatura do “Contrato de Consórcio” a Parte B (F, I e D) pagou à Parte A o valor de HKD$15.000.000,00, que a Parte A declarou ter recebido e deu a respectiva quitação. (resposta ao quesito 47º da base instrutória)
- Depois de assinatura do referido “Contrato de Consórcio”, no prazo de 60 dias, a Parte B entregaria à Parte A HK$5.000.000,00 que seriam devolvidos à Parte B aquando da distribuição de lucros no futuro resultantes do desenvolvimento do prédio. (resposta ao quesito 48º da base instrutória)
- Todas as despesas resultantes de litígios relacionados com o projecto de desenvolvimento ficavam a cargo da Parte A, mas a respectiva quantia era adiantada pela Parte B, a qual seria devolvida pela Parte A aquando da distribuição de lucros no futuro resultantes do desenvolvimento de prédio. (resposta ao quesito 49º da base instrutória)
- A dívida hipotecária ao [Banco], no valor máximo de HK$493.000.000,00, seria liquidada pela Parte A, mas a respectiva quantia era adiantada pela Parte B, a qual seria devolvida pela Parte A aquando da distribuição de lucros no futuro resultantes do desenvolvimento do prédio. (resposta ao quesito 50º da base instrutória)
- Os litígios surgidos entre a Parte A e a [Companhia (1)] e a [Companhia (2)] deveriam ser resolvidos pela Parte A. (resposta ao quesito 51º da base instrutória)
- Depois de assinado o referido “Contrato de Consórcio”, F, I e D (Parte B) pagaram à 1ª Ré (Parte A) a quantia total de HKD$20.000.000,00 (HK$15.000.000,00 referidos na resposta ao quesito 47º + HK$5.000.000,00 referido na resposta ao quesito 48º). (resposta ao quesito 52º da base instrutória)
- Em 14 de Novembro de 2005, foi constituída a [Limitada],com o capital social de MOP$60,000.00, subscrito pelas seguintes pessoas:
(1) G, que subscreveu uma quota no valor de MOP$27,000.00;
(2) H, que subscreveu uma quota no valor de MOP$3,000.00;
(3) F, que subscreveu uma quota no valor de MOP$10,000.00;
(4) I, que subscreveu uma quota no valor de MOP$10,000.00;
(5) D, que subscreveu uma quota no valor de MOP$10,000.00. (resposta ao quesito 53º da base instrutória)
- Em 14 de Dezembro de 2005, foi realizada a 1ª reunião dos sócios da [Limitada], em que deliberou que os direitos decorrentes do contrato-promessa de compra e venda referido em I) dos factos assentes datado de 29 de Outubro de 2005, assinado pelo F e 1ª Ré eram transmitidos para a mesma sociedade. (resposta ao quesito 54º da base instrutória)
- Em 14 de Dezembro de 2005, foi assinado entre G, na qualidade de cedente, e F, I e D na qualidade de cessionários um acordo de transmissão de quotas da [Limitada]. (resposta ao quesito 55º da base instrutória)
- Na altura o preço das quotas a transmitir foi fixado em HK$160.000.000,00. (resposta ao quesito 57º da base instrutória)
- Conforme o que estava previsto no acordo de transmissão de quotas referido na resposta ao quesito 55º, a transmissão procedia-se da seguinte forma:
(1) Em 7 de Janeiro de 2006 os cessionários pagariam a quantia de HKD$20.000.000,00 e o cedente transmitiria uma quota no valor nominal de MOP$787.50 aos cessionários ou ao terceiro indicado pelos mesmos.
(2) Em 7 de Março de 2006, os cessionários pagariam a quantia de HKD$30.000.000,00, data em que o cedente transmitiria uma quota nominal de MOP$1.181,25 aos cessionários ou ao terceiro indicado pelos mesmos.
(3) Em 7 de Maio de 2006, os cessionários pagariam a quantia de HKD$30.000.000,00 data em que o cedente transmitiria uma quota no valor nominal de MOP$1.181,25 aos cessionários ou ao terceiro indicado pelos mesmos.
(4) Em 7 de Setembro de 2006, os cessionários pagariam a quantia de HKD$80.000.000,00 data em que o cedente transmitiria uma quota no valor nominal de MOP$3.150,00 aos cessionários ou ao terceiro indicado pelos mesmos.
Em 12 de Janeiro de 2006 foi assinado entres os mesmos cedente e cessionários um acordo complementar em que D adquiriu a posição de cessionários que F e I tinham no acordo de transmissão de quotas de 14 de Dezembro de 2005. (resposta ao quesito 58º da base instrutória)
- Nos termos da 3 cláusula do acordo complementar de 12 de Janeiro de 2006, G, representado por J, prometeu que a 1ª Ré iria transmitir a propriedade do prédio referido em B) dos factos assentes para a [Limitada] incondicionalmente. (resposta ao quesito 59º da base instrutória)
- Em 12 de Janeiro de 2006, G, representado por J, e D acordaram celebrar um acordo de transmissão de quotas da [Limitada] segundo o qual G transmitiria a D ou ao terceiro indicado por este uma quota no valor nominal de MOP$3.150,00 pelo preço de HKD$80.000.000,00 a pagar em 4 prestações. (respostas aos quesitos 60º e 61º da base instrutória)
- Até 12 de Janeiro de 2006 inclusivé, D pagou à 1ª Ré a quantia de HKD$20.000.000,00, a título de 1ª prestação do preço fixado no acordo de transmissão de quotas referido na resposta ao quesito 55º e a quantia de HKD$10.000.000,00, a título de 1ª prestação do preço fixado no acordo de transmissão de quotas referido nas respostas aos quesitos 60º e 61º. (resposta aos quesitos 62º da base instrutória)
- Em 8 de Maio de 2006, D pagou à 1ª Ré as três primeiras prestações do preço fixado no acordo de transmissão de quotas referido na resposta ao quesito 55º, no valor total de HKD$80.000.000,00 e a 1ª prestação do preço fixado no acordo de transmissão de quotas referido nas respostas aos quesitos 60º e 61º no valor de HKD$10.000.000,00. (resposta aos quesitos 63º da base instrutória)
- Em 17 de Novembro de 2006, D, G, H (ambos representantes da [Limitada]) e J (representante da 1ª Ré), assinaram um acordo de transmissão nos termos do qual D adquiriu todos os direitos decorrentes do contrato promessa referido em I) dos factos assentes e na resposta ao quesito 54º. (resposta aos quesitos 66º da base instrutória)
- A 1ª Ré aceitou e assinou o respectivo acordo. (resposta aos quesitos 67º da base instrutória)
- Em 17 de Novembro de 2006, foi realizada uma reunião dos sócios da [Limitada] em que deliberaram desistir do plano de aquisição do prédio à luz do acordo de 29 de Outubro de 2005, celebrado entre F e a 1ª Ré e aceitar a transmissão de todos os direitos e deveres decorrentes do referido acordo a D (resposta aos quesitos 68º da base instrutória)
- Em 11 de Dezembro de 2006, perante o notário privado foi outorgado o instrumento notarial de procuração, com cláusula de “negócio consigo mesmo” para o procurador que era D. (resposta aos quesitos 69º da base instrutória)
- Nos termos do acordo referido na resposta ao quesito 66º, D tinha que pagar a dívida do [Banco]. (resposta aos quesitos 73º da base instrutória)
- Para garantir a sua posição D exigiu que a 1ª Ré assinasse um contrato-promessa o que a mesma aceitou. (resposta aos quesitos 74º da base instrutória)
- Em 3 de Janeiro de 2007, foi assinado um contrato-promessa de compra e venda do prédio referido em B) dos factos assentes entre a 2ª Ré, representada por D, e a 1ª Ré, representado por J, nos termos do qual a 2ª Ré tinha que entregar a quantia de HKD$188.300.000,00 como preço para além de pagar a dívida hipotecária ao [Banco]. (resposta aos quesitos 75º da base instrutória)
- Nesse contrato a 1ª Ré declarou expressamente que já recebeu a quantia de HK$50.000.000,00, sendo o remanescente pago aquando da outorga da respectiva escritura pública de compra e venda. (resposta aos quesitos 76º da base instrutória)
- Assinado esse contrato-promessa, verificou-se um erro no número do Bilhete de Identidade de Hong Kong de D, em vez do número do seu Bilhete, foi posto o número do Bilhete de Identidade de Residente de Macau de F. (resposta aos quesitos 77º da base instrutória)
- Em virtude de facto referido na resposta ao quesito 77º, foi aposto o carimbo de “cancelled” no contrato. (resposta aos quesitos 79º da base instrutória)
- O que consta em F) dos factos assentes. (resposta aos quesitos 80º da base instrutória)
- A 2ª R. contratou o fornecimento de água e electricidade para o prédio referido em B) dos factos assentes. (resposta aos quesitos 82º da base instrutória)
- A 2ª Ré assinalou no prédio referido em B) dos factos assentes a sua denominação social. (resposta aos quesitos 84º da base instrutória)

3. Direito
Tal como resulta claramente da 2.ª Conclusão das Alegações de Recurso por si subscritas, a recorrente limita o seu recurso a duas questões, a saber: i) a sub-rogação no suposto crédito que a devedora da recorrente, a 1.ª Ré, tem sobre a C, 2.ª Ré; e ii) a assunção cumulativa pela 2ª Ré das dívidas da 1.ª Ré (incluindo entre essas, as dívidas da 1.ª Ré para com a Autora).
Vejamos.

3.1. Da sub-rogação do credor ao devedor
A título de “Direitos sujeitos à sub-rogação”, dispõe o art.º 601.º do Código Civil o seguinte:
“1. Sempre que o devedor o não faça, tem o credor a faculdade de exercer, contra terceiro, os direitos de conteúdo patrimonial que competem àquele, excepto se, por sua própria natureza ou disposição da lei, só puderem ser exercidos pelo respectivo titular.
2. A sub-rogação, porém, só é permitida quando seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor.”
A sub-rogação pode definir-se “como a substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento”.1
Ora, chama-se a acção sub-rogatória indirecta (ou oblíqua) ou acção sub-rogatória propriamente dita a que está tratada nos art.ºs 601.º e seguintes, enquanto garantia geral das obrigações, porque o credor, quando a exercita, está a proteger directamente o património do devedor e só na medida em que defende os direitos de conteúdo patrimonial do devedor é que se encontra (indirectamente) a proteger o seu direito de ver satisfeito o seu crédito através da garantia que os bens do devedor representam para si.
Nos termos do art.º 604.º do Código Civil, “A sub-rogação exercida por um dos credores aproveita a todos os demais”, o que significa que o recurso à acção sub-rogatória não atribui qualquer preferência no pagamento aos credores que a ela recorram, uma vez que é exercida em proveito de todos os credores.
Por sua vez, na acção sub-rogatória directa, distinta da indirecta, na medida em que não se dirige a todos os credores em geral, mas apenas a alguns e pela lei, caso a caso, o credor exerce em proveito próprio os direitos que competem ao devedor, de forma a poderem imediatamente satisfazer dos seus créditos, com preferência no pagamento sobre os restantes credores.
Simplificando, a acção sub-rogatória indirecta aproveita a todos os credores, e não apenas aos que a utilizam, como acontece na acção sub-rogatória directa.2

Exposta brevemente a distinção entre a sub-rogação indirecta e directa, cabe fazer uma pequena observação quanto ao pedido deduzido pela Recorrente em sede de petição inicial e na sequência do qual vem a ser colocada em sede de recurso a questão da suposta sub-rogação ao abrigo dos art.ºs 601.º e seguintes do Código Civil.
Na petição inicial e conforme o relatório do Mm.º Tribunal Judicial de Base, com o pedido n.º 13 a ora Recorrente pediu:
“13) Ser reconhecida legitimidade à Autora para demandar a 2.ª Ré como representante ou substituta legal da 1.ª Ré e, consequentemente, ser aquela condenada a pagar a esta o montante de HKD$202,919,750.00, correspondente ao preço fixado para a compra e venda, acrescido de juros vincendos sobre o capital de HKD$138,300,000.00 até integral pagamento, entrando esse dinheiro no património da 1.ª Ré mas revertendo em benefício da Autora na parte necessária à satisfação dos créditos desta à data em que se verificar o pagamento.” (sublinhado nosso)
Nas suas alegações de recurso, a Recorrente volta a insistir que “Esse dinheiro deve entrar no património da 1.ª Ré mas revertendo em benefício da Autora na parte necessária à satisfação dos seus créditos à data do pagamento e, por conseguinte, consolidando-se no património da 1.ª Ré apenas na parte excedente.” (pág. 16 das alegações de recurso)
Poderia assim questionar-se se o que foi efectivamente peticionado pela ora Recorrente corresponde à figura da acção sub-rogatória propriamente dita e prevista nos art.ºs 601.º e seguintes do Código Civil (sub-rogação indirecta), como meio de garantia geral das obrigações, porque tanto na petição inicial como ao longo das alegações de recurso a Recorrente acaba por pedir que o dinheiro em causa reverta em seu benefício na parte necessária à satisfação dos seus créditos sobre a 1.ª Ré e que só se consolide no património da 1.ª Ré apenas a parte excedente.
Assim, suscitam-se dúvidas quanto à pretensão formulada pela Recorrente com invocação do art.º 601.º, dado que a “sub-rogação” nos termos que parecem ser por si pretendidos se assemelham a uma sub-rogação directa, e não indirecta tal como vem prevista nos art.ºs art.º 601.º se seguintes.

Em todo o caso, admitindo que, apesar de imperfeitamente expresso, se alcança que a Recorrente pretende fazer uso da figura da sub-rogação indirecta e que a 2.ª Ré seja condenada a pagar à 1.ª Ré o montante supostamente em dívida pelo contrato de compra e venda que teve por objecto o imóvel acima identificado, impõe-se então examinar o preenchimento dos pressupostos de aplicação do art.º 601.º do Código Civil.
Ora, são três os requisitos da acção sub-rogatória:
“1º- Omissão do devedor em exercer os seus direitos contra terceiros; ou seja, inércia do devedor, seja essa inércia uma inactividade consciente ou simplesmente um esquecimento ou falta de atenção;
2º- Conteúdo patrimonial desses direitos e não atribuição por lei o seu exercício exclusivo ao seu titular;
3º- Essencialidade do exercício desses direitos para a satisfação ou garantia do direito do credor.”3
Sobre a questão ora em causa e na concordância com a decisão tomada na sentença do TJB, o TSI remeteu, nos termos do n.º 5 do art.º 631.º do CPC, para os fundamentos aí invocados.
Na sentença do TJB, considera-se que “são requisitos essenciais da aplicação da providência de sub-rogação do credor: a) a existência do direito de natureza patrimonial; b) a omissão do devedor; c) que a realização do acto seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor”.
E feita a devida análise dos elementos do caso concreto, concluiu-se que “não se mostrou a falta de pagamento de preço por parte da 2.ª Ré, ou seja, a existência de direito de crédito da 1.ª Ré contra a 2.ª Ré, sem necessidade de analisar de demais requisitos, fica logo afastada a hipótese de sub-rogação do direito pela Autora, improcedente assim esse pedido”.
Por outra palavra, considera o acórdão recorrido que não está preenchido um dos requisitos da sub-rogação pretendida pela Autora ora recorrente, que é a existência de direito de crédito da 1.ª Ré, devedora da Autora, contra a 2.ª Ré, razão pela qual improcede o pedido da Autora.
Ora, resulta dos factos assentes e provados que a Recorrente tem dois créditos sobre a 1.ª Ré, o primeiro no montante de capital de HKD$10,000,000.00 (conforme alínea A) dos Factos Assentes) e o segundo no montante de capital de HKD$4,000,000.00 (conforme respostas dadas aos quesitos 1.º a 5.º da base instrutória), sendo certo que sobre esses montantes de capital vencem-se juros nos termos mencionados nos respectivos factos assentes e factos dados como provados após a audiência de discussão e julgamento.
Daí que não há qualquer dúvida de que a Recorrente é credora da 1.ª Ré para efeitos de potencial aplicabilidade do art.º 601.º do Código Civil.
O que se releva é saber se a 1.ª Ré é também credora da 2ª Ré.
Segundo o que a Recorrente defende em sede de recurso, a 2.ª Ré ainda tem de pagar à 1.ª Ré o montante de HKD$78,300,000.00 por força do contrato de compra e venda do imóvel celebrado entre a 1.ª e a 2.ª Rés.
No entanto, importa referir que a alegada dívida da 2.ª Ré para com a 1.ª Ré no montante mencionado não se retira de nenhum dos factos provados nos autos, sendo antes o resultado de, à falta de melhor palavra, “deduções” feitas pela própria Recorrente a partir de uma interpretação pessoal da matéria de facto constante nos autos.
A isso acresce que a alegação da Recorrente não está em conformidade com os factos que não foram dados como provados pelo tribunal, nomeadamente sobre os quesitos n.ºs 22.º, 28.º e 29.º da base instrutória.
Sobre a questão ora em causa, é de citar aqui o acórdão proferido pelo TJB (para cuja fundamentação remeteu o Tribunal de Segunda Instância), onde se disse o seguinte:
“Apesar de ter estipulado contrapartidas diferentes nos três contratos-promessa que todos têm por objecto a transmissão do mesmo imóvel, …, o que revela para o caso deve ser somente as condições definitivamente acordadas entre o comprador e vendedor no contrato definitivo de compra e venda respeitante so prédio em causa.
Como se sabe, o contrato-promessa é a convenção pelo qual alguém se obriga a celebrar certo contrato. Mediante o contrato-promessa, os promitentes vincularam-se a celebrar o contrato prometido. Por lógica, as condições do contrato prometido são as mesmas consignadas no contrato-promessa.
Porém, a lei não impõe que as condições do contrato definitivo tenham que ser integralmente iguais às estipuladas no contrato-promessa. Pois, com a evolução das negociações das partes e por força do princípio de liberdade contratual, as partes podem estipular e modificar os termos concretos do contrato definitivo de acordo com os próprios interesses, desde que haja acordo. …
Com a celebração do contrato definitivo, os contratos-promessa já deixaram de ter qualquer utilidade e efeito.
Daí se deduz que apenas as condições finalmente estipuladas no contrato definitivo de compra e venda que vinculam as partes. …
Segundo a escritura pública de compra e venda de 10 de Janeiro de 2009 celebrado entre a 1.ª Ré e a 2.ª Ré, foi estipulado o preço de HKD$188.300.000,00 pela transmissão do terreno … de que a 1.ª Ré era titular.
Ou seja, pela transmissão da propriedade do terreno em causa, a 1.ª Ré tem direito de receber da 2.ª Ré o preço no valor de HKD$188.300.000,00.”
No entanto, “Outra questão relevante é saber se a 1.ª Ré tem ainda o direito de crédito no montante de HKD$188,300,000.00 a título do preço pela venda do imóvel em apreço, ou se a 1.ª Ré já recebeu da 2.ª Ré a totalidade do preço fixado no contrato de compra e venda?
Sobre essa questão, foi formulada matéria sob os quesitos n.ºs 22º, 28º e 29º e 80º, os primeiros três não ficaram provados enquanto o último ficou provado apenas o que consta da alínea F) dos Factos Assentes.
Os factos não provados são os seguintes: “Não foi paga pela 2ª Ré à 1ª Ré qualquer quantia a título de preço de venda” (22º); “A quantia de HKD$50,000,000.00 e HKD$188,300,000.00 referidos nos contratos-promessa de 18 de Janeiro de 2007 e de 16 de Março de 2007 não foi entregue à 1ª Ré” (28º e 29º).”.
Continuando, explicou ainda o Tribunal Judicial de Base o seguinte: “Para a Autora, apesar de não se lograr provar esses factos, não pode ter como paga a totalidade do preço pela 2.ª Ré à 1.ª Ré, em virtude de ter provado o pagamento de somente HKD$110,000,000.00 à 1.ª Ré no âmbito do contrato de consórcio celebrado entre o D e a 1.ª Ré (52º, 62º e 63º), descontado essa quantia, faltou ainda a 2.ª Ré pagar a quantia de HKD$78,300,000.00 à 1.ª Ré.
Não partilhamos com a análise feita pela Autora nas suas alegações quanto à falta de pagamento do preço pela 2.ª Ré à 1.ª Ré. (…)
Na escritura pública de 10 de Janeiro de 2009, constam expressamente que a 1.ª Ré já recebeu o preço aí exarado no montante de HKD$188,300,000.00.
Ou seja, segundo o acordo entre as 1.ª e 2.ª Rés, o preço de venda já foi considerado pago pela 1.ª Ré à 2.ª Ré. (…)”.
Na realidade, a escritura pública de compra e venda é um documento autêntico com força probatória plena (art.ºs 356.º, n.º 2, e 363.º a 365.º, todos do Código Civil), sendo também certo que a declaração de quitação aí feita, perante a parte contrária, traduz o reconhecimento de um facto que é desfavorável ao declarante e que beneficia a parte contrária (declaração essa que foi atestada por autoridade pública).
Está assim em causa uma confissão extrajudicial feita em documento autêntico, tendo por isso força probatória plena (art.ºs 345.º, 348.º, n.º 4, 351.º, n.º 2 e 365.º, n.º 1, 1ª parte, todos do Código Civil)4, pelo que apenas pode ser contrariada por prova do contrário (art.º 340.º, 1.ª parte, do Código Civil).
Salienta-se que, nos termos do art.º 345.º e do n.º 2 do art.º 351.º do Código Civil, sendo a confissão “o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”, “a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”.
Tal entendimento é praticamente uniforme na jurisprudência comparada, cabendo citar-se, a título exemplificativo pelo elaborado exame desta questão e as remissões aí feitas para vários outros acórdãos sobre o tema, um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, onde se diz5:
«A escritura pública de cessão de quotas constitui um documento autêntico cujo valor probatório é fixado pelo art. 371º do CC, preceito do qual resulta a atribuição de força probatória plena a factos relatados pela autoridade ou agente público com funções de atestação, mas apenas na medida em que sejam percepcionados pela entidade documentadora.
Aplicado tal preceito ao caso concreto, a referida escritura pública, como tal, (só) constitui prova plena de que foi declarado pelas partes – e exarado na escritura – que “o preço da quota já foi recebido”.
Tal não significa a atribuição de força probatória plena quanto à veracidade da aludida declaração, diversamente do que ocorreria se acaso tivesse ficado certificado na escritura que a cessionária efectuara, nessa ocasião, a entrega ao cedente do valor representativo do preço devido pela cessão, sendo tal facto directamente percepcionado pelo Notário que presidia ao acto.
Todavia, ao contrário do que concluiu a 1ª instância, aquela declaração, com significado de quitação reportado ao valor da cessão das quotas, para efeitos do disposto no art. 787º do CC, não pode ser rebaixada ao ponto de o cedente ser pura e simplesmente dispensado da demonstração da sua inveracidade. A força probatória plena emergente de um documento exarado pelo Notário não corresponde apenas aos factos que o mesmo presenciou e que fez constar do acto, podendo envolver, noutro campo, a valoração de declarações a que seja atribuído valor confessório.
Ou seja, uma declaração feita por alguma das partes à contraparte que envolva o reconhecimento de um facto que lhe seja desfavorável e favoreça a parte contrária é qualificada como declaração confessória, nos termos e para efeitos dos arts. 352º e 358º, nº 2, do CC.
Assim ocorre com a declaração que foi inserida na escritura de cessão de quotas reportada ao recebimento do preço. Traduz, sem qualquer dúvida, a admissão de um facto que implica para o A. (cedente) a assunção da existência do pagamento e que beneficia a R. (cessionária). Nesta estrita medida é revestida de força probatória plena, com o significado e efeito que naturalmente dela emerge, ou seja, implicando o reconhecimento pelo cedente de que recebeu a totalidade do preço.
Nesta medida, o beneficiário da declaração confessória é dispensado de provar a veracidade do seu conteúdo e, concretamente, de demonstrar, por outras vias, a efectivação do cumprimento, como forma de extinção da obrigação relativa à totalidade do preço.
A prova da eventual inveracidade da declaração, ou seja, de que, apesar do teor do que ficou exarado na escritura, o preço da cessão não fora totalmente pago, restando o pagamento de uma parte, poderia ser feita pelo confitente no âmbito de uma acção em que seja invocada a nulidade ou anulabilidade da confissão.
Invocada falta ou vício na formação da vontade, a lei, em regra, não restringe o uso de qualquer meio de prova relativamente aos factos integradores do vício negocial. É a estas situações que Lebre de Freitas se refere quando analisa os efeitos da confissão e a forma de demonstrar a falsidade do facto confessado, especificamente o recebimento de uma determinada quantia afirmado numa escritura pública ou noutro documento (A Confissão no Direito Probatório, págs. 648 e segs.).
Nesse campo negocial, a restrição probatória só ocorre relativamente ao acordo simulatório, nos termos do art. 394º, nº 2, do CC, sendo limitada aos casos em que a simulação é invocada pelos próprios simuladores, em que não é admitida nem prova testemunhal nem o uso de presunções judiciais (art. 351º do CC). Ainda assim, mesmo nos casos de negócio simulado, cuja simulação seja invocada pelos simuladores, o impedimento ao uso daqueles meios de prova dotados de maior falibilidade não é absoluto, sendo corrente o entendimento jurisprudencial e doutrinal de que tais restrições são inaplicáveis quando exista princípio de prova relativamente aos factos integradores de tal vício específico (Acs. do STJ, de 17-6-03, CJSTJ, tomo II, pág. 136, de 21-1-99, BMJ 483º/270, e de 4-6-96, RLJ, ano 129º, págs. 342 e segs.).
Fora desses casos, o confitente é ainda autorizado a alegar e demonstrar que, malgrado o teor da declaração confessória, o pagamento não foi total ou parcialmente concretizado (art. 347º, 1ª parte, do CC). Mas agora com uma importantíssima restrição probatória, sobressaindo, com efeitos na resolução do caso concreto, a limitação quanto ao uso de prova testemunhal (e também ao uso de presunções judiciais), nos termos dos arts. 347º, 2ª parte, 393º, nº 2, e 351º do CC (cfr. Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 758, onde atesta com toda a clareza que “uma vez assente, por confissão não impugnada, a realidade de determinado facto”, é vedado que “esta prova possa ser posta em causa por testemunhas ou presunções judiciais, deixando intacto o problema da colisão da confissão com outros meios de prova legal plena”).»
Voltando ao nosso caso concreto e perscrutando a matéria de facto, não se vislumbra qualquer facto que demonstre o contrário do que resulta da escritura pública de compra e venda, em especial, a inveracidade da declaração de recebimento do preço integral constante daquele documento autêntico.

Mais, tendo a Recorrente abandonado a hipótese por si aventada de pacto simulatório entre a 2.ª e a 3.ª Rés por não ter conseguido fazer prova do mesmo, a verdade é que as “deduções” feitas pela Recorrente nas suas alegações de recurso nem sequer podem ser tidas em consideração a título de presunções judiciais, já que não são admissíveis para contrariar prova legal plena conforme resulta das restrições contidas nos art.ºs 344.º e 387.º, n.º 2, ambos do Código Civil, segunda os quais “as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal” e não é admitida prova por testemunhas “quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena”.
Acresce ainda que o raciocínio lógico exposto nas sentenças do Tribunal Judicial de Base e do Tribunal de Segunda Instância teve como finalidade explicitar as razões pelas quais se entendeu que não foi feita prova em contrário da declaração de quitação constante da escritura pública, não havendo qualquer violação do princípio do dispositivo ou do princípio do contraditório. Os Tribunais não deram como provados factos que não foram alegados pelas partes, simplesmente limitaram-se a observar através de várias referências a questões discutidas nos autos que violaria a experiência e o senso comum defender que um vendedor declara numa escritura pública que já recebeu o preço acordado sem que tenha efectivamente recebido esse preço. É que a prova legal plena, ao contrário do que alega a Recorrente, não se desconsidera com base em quaisquer outros factos que com ela não colidem.
Aqui chegados, ocioso é proceder à análise dos supostos vícios que a Recorrente faz do raciocínio lógico seguido pelo Tribunal Judicial de Base e confirmado pelo Tribunal de Segunda Instância, não podendo a prova legal plena constante da declaração de quitação constante da escritura pública de compra e venda ser abalada pelas deduções que a Recorrente faz da matéria que ficou provada, uma vez que o que releva é que não conseguiu fazer prova em contrário.
Tendo em consideração o acima exposto, constata-se que para efeitos da pretendida acção sub-rogatória não se verifica, desde logo, um dos pressupostos essenciais à procedência da mesma, o requisito da “existência do direito de natureza patrimonial”. Ou seja, não ficando provada a falta de pagamento de uma parte do preço acordado da compra e venda do imóvel em causa, não é a 1.ª Ré credora da 2.ª Ré.
Assim, não obstante o crédito que tem a Recorrente sobre a 1.ª Ré, improcede o pedido de sub-rogação formulado pela Recorrente.

3.2. Da assunção cumulativa pela 2ª Ré da dívida da 1.ª Ré para com a Recorrente
Defende a Recorrente que nos termos da cláusula 4.ª do contrato-promessa de 16/03/2007 foi transmitida para a 2.ª Ré a dívida da 1.ª Ré para com a Recorrente, vindo esta a ratificar expressamente essa transmissão de dívida na sua petição inicial.
Ora, é verdade que se constata no contrato-promessa de 16/03/2007 uma cláusula com o seguinte teor:
“Após a outorga do presente contrato, todos os direitos, interesses e as obrigações respeitantes ao terreno acima indicado (incluindo as acções pendentes e a ser instauradas e o requerimento de troca de terreno) passam a ser atribuídos à 2.ª Ré.”
Na óptica da Recorrente, está aqui a figura da assunção de dívida, em que deve ser incluída a dívida da 1.ª Ré para com a Recorrente, que ratificou expressamente na petição inicial o acordo entre as duas Rés consubstanciado na referida cláusula, chamando à sua esfera jurídica os efeitos dele decorrentes. E alega que o acordo entre as Rés e a declaração de ratificação por si feita consubstanciam uma transmissão singular de dívida, nos termos do art.º 590.º, n.º 1, al. a) do Código Civil.
Ponderada a situação vertida no presente caso, afigura-se-nos não lhe assistir razão.
Dispõe o art.º 590.º o seguinte:
“1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se:
a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor; ou
b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.
2. Em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.”
No ensinamento de Antunes Varela, “a assunção de dívida é a operação pela qual um terceiro (assuntor) se obriga perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem.
A assunção opera uma mudança na pessoa do devedor, mas sem que haja alteração do conteúdo, nem da identidade da obrigação.” 6
Há duas formas de assunção, sendo certo que, em ambos os casos, sempre se verifica o seguinte:
“- Através do contrato produz-se uma modificação subjectiva da pessoa do devedor;
- O credor tem sempre a decisiva palavra para que se realize a assunção, seja porque intervém a posteriori para ratificar o negócio, consentindo-o, entre o antigo e o novo devedor (al. a)), seja porque intervém ele mesmo no negócio de assunção (al.b)). Impõe-se, pois, o consentimento por uma destas formas.
- Não se produz uma alteração do conteúdo da obrigação;
- Não se verifica uma alteração da obrigação; mantém-se a mesma.”
E distinguindo-se a assunção cumulativa da assunção liberatória da dívida, “da primeira (cumulativa), costuma falar-se nos casos em que o terceiro faz sua a obrigação do primitivo obrigado, mas em que este permanece igualmente vinculado. Ou seja, o antigo devedor não fica liberado da sua obrigação, mantendo-se solidariamente obrigado perante o credor”, enquanto “da segunda (liberatória), a que também se dá o nome de assunção exclusiva ou privativa, fala-se quando o compromisso assumido pelo novo devedor envolve a exoneração do primitivo obrigado. Isto é, o novo devedor passa a ser o exclusivo devedor”. 7
“A assunção cumulativa constitui, em princípio, sem nenhuma espécie de dúvida, um benefício para o titular do crédito. Como porém, a ninguém pode, em princípio, ser imposto um benefício (contra a sua vontade), e em coerência com o chamado princípio do contrato, a própria assunção cumulativa não será eficaz enquanto o credor não lhe der a sua anuência (artº 595º, 1, alínea a)). Quanto à assunção liberatória, a lei não se contenta mesmo com o consentimento do credor; no próprio interesse dele e da segurança das relações jurídicas, exige o consentimento expresso (artº 595º, nº 2). Não havendo declaração expressa do credor no sentido da liberação do devedor, haverá uma assunção cumulativas; quanto a esta, bastará a simples ratificação tácita do credor, no caso a que se refere a al. a) do nº 1 do artº 595º).” 8
Posto isto, é de voltar ao caso vertente.
Como é evidente da leitura da própria cláusula, o que as partes pretenderam assegurar entre si, obviamente com efeitos meramente obrigacionais, foi que a 2.ª Ré a partir do momento em que foi outorgado aquele contrato-promessa pudesse passar a agir como se fosse a verdadeira proprietária do terreno, daí serem-lhe transmitidos “todos os direitos, interesses e obrigações respeitantes ao terreno acima indicado (incluindo as acções pendentes e a ser instauradas e o requerimento de troca de terreno)”.
Como se sabe, só o contrato de compra e venda é que tem entre os seus efeitos essenciais a transmissão da propriedade (art.º 869.º, al. a) do Código Civil), sendo que não é possível aos particulares “criarem, com eficácia real, situações jurídicas que não estejam como tal previstas na lei.”9
Pelo que o que as partes pretenderam com aquela cláusula foi efectuar entre si e a partir daquele momento, uma “transmissão” com efeitos meramente obrigacionais do complexo de situações decorrentes da posição de proprietária daquele terreno.
Assegurando assim a 2.ª Ré que, entre o período de tempo que mediasse entre a conclusão daquele negócio e a outorga do contrato definitivo, a 1.ª Ré (que em termos reais continuava a ser a proprietária) não iria tomar qualquer decisão sobre o terreno sem consultar a 2.ª Ré, já que a esta caberia a decisão nos termos da referida cláusula 4.ª do contrato-promessa.
Só assim se podem compreender as referências a direitos e interesses “respeitantes ao terreno” incluindo o “requerimento para troca do terreno” que passam a ser atribuídos à 2.ª Ré.
Ao mesmo tempo a 1.ª Ré assegurava que todas as obrigações que resultassem da sua posição de proprietária do terreno seriam desde logo assumidas pela 2.ª Ré, ainda que não fosse desde aquele momento a sua proprietária em termos de direito real.
O que está muito longe da figura da assunção de dívida que a Recorrente pretende ver nesta cláusula, através do uso indistinto ou da confusão da expressão “obrigações respeitantes ao terreno” com “dívidas da 1.ª Ré” e de “incluindo as acções pendentes e a ser instauradas” com “dívidas presentes ou futuras”.
Note-se, aliás, que a cláusula em apreço não se refere por uma única vez a dívidas, nem especifica quais os credores, montantes em causa, prazos de pagamento, eventuais garantias, nem nada que seja relevante para uma transmissão a título singular de dívidas.
Até se pode pensar que a interpretação e leitura que a Recorrente faz da referida cláusula conduziria à necessária nulidade da mesma por indeterminabilidade do respectivo objecto, de acordo com o art.º 273.º, n.º 1, in fine, do Código Civil, visto que nos termos da citada cláusula 4.ª do contrato-promessa invocado pela Recorrente não é, como se deixou dito supra, possível apurar quais as dívidas (se actuais ou futuras), os montantes nem mesmo os credores a quem se poderia exigir a ratificação daquele suposto acordo de transmissão de dívida.
É que não se pode esquecer que, no que ao caso interessa e de acordo com a doutrina, o negócio jurídico de assunção de dívida é um contrato “trilateral”, que se consubstancia numa proposta conjunta do primitivo e novo devedores ao credor, que a poderá aceitar mediante ratificação (art.º 590.º, n.º 1, al. a) e 591.º, ambos do Código Civil).
Resumindo, não se nos afigura possível descortinar daquela cláusula qualquer proposta à Recorrente.
Distinta é a situação das dívidas ao [Banco] e as dívidas relativas ao arresto sobre o imóvel titulado pela [Sociedade].
Pois resulta da matéria provada (e que foi alegada pela própria Recorrente) que a contrapartida exigida à 2.ª Ré pela aquisição do direito de propriedade sobre o prédio desdobrava-se em duas parcelas, a primeira o pagamento de determinada quantia em dinheiro à 1.ª Ré e a segunda o pagamento a credores da 1.ª Ré de dívidas desta, a saber: a dívida ao [Banco] garantida por hipoteca constituída sobre o imóvel; as dívidas relativas ao arresto sobre o imóvel titulado pela [Sociedade] (resposta ao quesito 12.º da base instrutória).
Foi a própria Recorrente que defendeu que essas eram as contrapartidas exigidas pelo negócio, sendo manifesto que não se incluiu entre aquelas o pagamento da dívida da Recorrente.
Estando essa matéria provada naqueles termos, não se percebe como a Recorrente pretende ser equiparada à [Sociedade] (situação absolutamente distinta até porque já tinha um arresto registado, o que afectaria a plena eficácia do negócio transmissivo de propriedade que a 1.ª e a 2.ª Rés pretendiam efectuar, como se constata da leitura do art.º 618.º do Código Civil), visto que a sua situação não foi abrangida entre as contrapartidas do negócio de compra e venda.

Mesmo assim não se entender, também não tem razão a Recorrente ao alegar que a dívida da 1.ª Ré para com ela deve ser incluída na assunção de dívida.
Constata-se nos autos que tanto o TJB como o TSI entendem que a divergência entre a Autora recorrente e a 2.ª Ré se queda no âmbito de aplicação do acordo de assunção de dívida, procurando indagar se o crédito reclamado pela Recorrente se consubstancia nos direitos ou obrigações estipuladas na cláusula 4.ª.
E mesmo admitindo que a expressão de “direitos, interesses e obrigações respeitantes ao terreno” é susceptível de interpretação de dois sentidos, acaba por concluir que o crédito reclamado pela Recorrente não constitua obrigações estipuladas na cláusula 4.ª, julgando improcedente o pedido de condenação da 2.ª Ré na assunção cumulativa das obrigações.
É de subscrever as seguintes considerações expostas na sentença do TJB, que merecem a nossa concordância:
«Para saber qual é o sentido real dos declarantes, impõe-se, assim, a interpretação normativa das cláusulas em causa no termos do artº 228º do C.C.M..
Conforme esse preceito, “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratório normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.” Ou seja, a interpretação deve ser feita no ponto de vista de um declaratário normal colocado na posição dos reais declaratários.
Segundo a posição adoptada pela Autora, para que se consideram obrigações assumidas pela 2ª Ré, basta que essas obrigações sejam asseguradas por qualquer garantia real que incide sobre o terreno, independentemente de saber a fonte do nascimento de tais as obrigações.
De acordo com esse raciocínio, a partir de outorga do contrato-promessa até ao registo definitivo de transmissão da propriedade, quase todas obrigações a cargo da 1ª Ré poderiam ser assumidas pela 2ª Ré.
Basta imagina que um credor da 1ª Ré seja titular dum crédito proveniente do empréstimo que a esta tinha concedido, relação jurídica essa que não tem nada a ver com o terreno em causa. Em princípio, esse crédito não se integra no acordo de transmissão de dívida celebrado pelas Rés, assim, a 2ª Ré não assumiu a responsabilidade do seu pagamento.
Mas, se entretanto, para a garantia do pagamento desse crédito, o mesmo credor vir instaurar uma acção executiva em que requeira a penhora sobre o terreno em causa, no caso de já ter munido do título executivo, ou uma providência cautelar de arresto, caso ainda não tenha o título executivo, e, sejam deferidos esse pedidos, assim, por já ser crédito com conexão com o terreno por ser garantido pelo seu produto, a responsabilidade do mesmo crédito já passará a ser suportada pela 2ª Ré.
Se fosse assim, a cláusula em apreço tornar-se-ia uma cláusula aberta em que se possa incluir todas e quaisquer obrigações da 1ª Ré, desde que o seu credor requeira a penhora ou arresto do terreno para o seu pagamento.
De facto, ao olho dum declaratório médio, colocado na posição do real declaratário, não é muito provável que, um homem médio, irá aceitar uma situação de tal incerteza em que se atribua ao terceiro a faculdade de imputar a si próprio da assunção da responsabilidade das obrigações que não saiba.
Sob essa perspectiva, parece que, ao adoptar a expressão “direito, interesses ou obrigações relacionados ao terreno, pretender as partes delimitar as obrigações nas obrigações que têm uma ligação forte com o terreno, não terá muito provável e lógica que o sentido real das partes é no sentido de abranger todos os tipos de créditos, desde que o seu pagamento seja assegurado por produto do terreno.
Assim, o sentido objectivo das “obrigações relacionados com o terreno” deverá ser no sentido de que as obrigações provêm da relação jurídica substancial respeite ao terreno em causa, ou seja, a relação fundamental que dá origem os direitos ou obrigações é uma relação jurídica sobre terreno e não todos e qualquer crédito que tem por origem outra causa alheia ao terreno.
Nestes termos, sendo o crédito reclamado pela Autora derivado do contrato de transmissão de posição de posição de um contrato de cooperação para o desenvolvimento dos terrenos sitos em [Endereço (2)], cuja resolução foi declarada por sentença judicial e do incumprimento por parte da 1ª Ré dum contrato de mútuo no valor de HKD$4.000.000,00 celebrado com a Autora, créditos esses não têm por origem a relação jurídica que incide sobre o terreno [Endereço (1)].
Essas obrigações não são incluídas no âmbito da cláusula 4ª, assim a responsabilidade dessas obrigações não deve ser considerada transmitida para a 2ª Ré.
Outrossim, mesmo que assim não se entendesse, perante a admissibilidade de duplas interpretações e na falta de outros elementos em saber qual é o sentido real das partes, o litígio em causa há de ser resolvido por regra geral de ónus de prova.
Nos termos do nº 1 do artº 335º do C.C., “Àquele que invocar um direito cabe dizer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
Como a Autora pretende ser beneficiada do acordo de transmissão de dívida celebrada entre a 1ª Ré e 2ª Ré, cabe a ela a invocar o facto que sustenta o seu direito.
Perante a admissibilidade de duas interpretações da cláusula em causa, incumbe à Autora alegar e provar que a expressão “direito, interesses e obrigações relacionadas com o terreno” refere-se a todas de obrigações, provenientes ou não duma relação fundamental que tem por objecto o terreno, basta que se mostre o seu pagamento seja garantido pelo produto do terreno.
In casu, não foi alegado nem provado facto quanto ao sentido da “obrigações relacionadas com o terreno”, assim, no caso de dúvida, a decisão só pode ser decidido contra a Autora por falhar de cumprir o ónus de prova.
Assim, não se conseguiu a Autora provar que o seu crédito faça parte das obrigações indicada no acordo de transmissão da dívida celebrada entre as Rés, não lhe assiste o direito de exigir o seu cumprimento à 2ª Ré.
Nestes termos, concluindo que o crédito reclamado pela Autora não constitua obrigações estipuladas na cláusula 4ª constante do contrato-promessa celebrado entre as Rés, sem necessidade de demais considerações, não pode proceder o pedido da Autora a condenação da 2ª Ré na assunção cumulativa das obrigações da Autora.»
Na realidade, e interpretada a mencionada cláusula de acordo com as normas previstas nos art.ºs 228.º e seguintes do Código Civil, entendemos que a solução não pode ser aquela adoptada pelo TJB, subscrita também pelo acórdão ora recorrido.
É de julgar improcedente o recurso.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente, com a taxa de justiça fixada em 12 UC.

28 de Janeiro de 2022
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai

1 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7.ª Edição, pág.s 335 e 336.
2 João Gil de Oliveira e José Cândido de Pinho, Código Civil de Macau, Anotado e Comentado, Jurisprudência, Livro II, Direito das Obrigações, Volume VIII, pág. 394.
3 João Gil de Oliveira e José Cândido de Pinho, Código Civil de Macau, Anotado e Comentado, Jurisprudência, Livro II, Direito das Obrigações, Volume VIII, pág.s 398 e 399.
4 Refira-se ainda que não é aqui aplicável a situação prevista no artigo 346.º, n.º 3, do Código Civil, visto que a confissão foi efectuada no momento da escritura pública e, como tal, em momento obviamente anterior à verificação de substituição processual (Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, pág. 115, “Diversamente do preceito sobre litisconsórcio, a norma sobre a substituição processual rege, pois, apenas para os casos que literalmente prevê.”).
5 Cfr. Acórdão proferido em 17 de Dezembro de 2015, Processo n.º 940/10.9TVPRT.P1.S1.
6 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7.ª Edição, pág. 361.
7 João Gil de Oliveira e José Cândido de Pinho, Código Civil de Macau, Anotado e Comentado, Jurisprudência, Livro II, Direito das Obrigações, Volumes VIII, pág. 329.
8 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7.ª Edição, pág.s 373 e 374.
9 Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 4.ª Edição, pág. 76.
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Processo n.º 49/2018