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Processo nº 179/2022
Data do Acórdão: 10MAR2022


Assuntos:

Assembleia dos condóminos
Edifício constituído em propriedade horizontal
Procedimento cautelar da suspensão de deliberações
Partes comuns do prédio constituído em regime de propriedade horizontal
Cedência do uso temporário de partes comuns
Servidões radioeléctricas
Ius imperium


SUMÁRIO

1. As partes comuns de um edifício constituído em propriedade horizontal ficam sujeitas, como tais, ao regime da compropriedade.

2. As partes comuns de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal têm por função primordial assegurar ou criar condições que permitem a todos os condóminos o uso e a fruição das fracções autónomas a eles pertencentes.

3. Não obstante essa a sua função primordial, as partes comuns ou determinadas áreas delas, podem ser objecto da cedência do uso temporário e a título oneroso, a favor de terceiros, mediante celebração de contrato de arrendamento, segundo o regime de compropriedade que as rege.

4. Tratando-se de arrendamento de uma determinado espaço das partes comuns do prédio submetido ao regime de propriedade horizontal, a deliberação que decide dar o espaço de arrendamento cabe à assembleia de condóminos e depende da votas favoráveis dos condóminos que representem mais de metade do valor total do edifício.

5. O disposto nos artºs 47º e s.s do Decreto-Lei nº 18/83/M é um acto legislativo geral e abstracto que autoriza a Administração a constituir servidões radioeléctricas, caso necessárias à prossecução dos interesses públicos, e não é de per si um acto administrativo constitutivo da determinada servidão radioeléctrica concreta e individual

6. Mesmo nos tribunais administrativos, a invocação do preceituado nos artºs 47º e s.s. que prevê e regula a matéria de servidões radioeléctricas pressupõe sempre um acto administrativo constitutivo das servidões praticados pela Administração no uso do seu ius imperium.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 179/2022


Acordam em conferência no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos de procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações da assembleia de condóminos, registado sob o nº CV3-21-0077-CAO-A, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida, após a produção da prova em audiência de julgamento, a seguinte decisão indeferindo a suspensão nos termos requeridos:
I- Relatório
  DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE CORREIOS E TELECOMUNICAÇÕES com os demais sinais nos autos, vem requerer o procedimento cautelar de suspensão de deliberação contra OS CONDÓMINIOS INCERTOS QUE VOTARAM FAVORAVELMENTE AS DELIBERAÇÕES da Assembleia Geral do Condomínio do Edifício “Centro Comercial XXX / Edifício YYY / Edifício ZZZ”, representada pela Administração do condomínio do mesmo edifício, pedindo que seja decretada a suspensão da execução das deliberações da assembleia geral do condomínio do edifício “Centro Comercial XXX / Edíficio YYY / Edifício ZZZ”, realizada em 7 de setembro de 2021, que aprovaram os pontos 5 e 8 da ordem dos trabalhos.
  Para tanto alega a requerente que as referidas deliberações são contrárias à lei; que prejudicam gravemente o interesse da Requerente e prejudica seriamente o interesse público, tendo em vista que a Requerente é uma entidade pública e a sua actividade visa a prossecução do interesse público e das necessidades da sociedade.
  Citada a Administração, vem pugnar pela improcedência da providência, uma vez que não se verificam os requisitos para o seu decretamento.
*
  Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas e examinação de todas as provas junto aos autos.
*

  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
*

II- Fundamentação
  i) Factual:
  Após a audiência e a examinação de todas as provas carreadas nos autos, o Tribunal considera provados os seguintes factos indiciários:
A) O prédio urbano denominado “Centro Comercial XXX/Edifício YYY/ Edifício ZZZ”, sito em Macau, nos n.ºs ... a ... da Avenida do ......, ... e ... da Travessa de ...... e ... a ... da Avenida do ......, freguesia de Stº António, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 1****, a fls. 3 do livro B39, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 7****.
B) A constituição da propriedade horizontal do EDIFÍCIO foi levada ao registo em 29.10.1991.
C) Nos termos da lei em vigor, o EDIFÍCIO ficou sujeito ao regime da administração simples do condomínio.
D) O título constitutivo da propriedade horizontal do EDIFÍCIO teve por base a certidão n.º 771/91, emitida em 23 de Outubro de 1991 pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Pública e Transportes.
E) A Requerente é proprietária das seguintes 37 fracções autónomas do EDIFÍCIO: AR/C, YR/C, B4, G4, H4, B5, D5, C6, D6, G6, D7, B11, D11, B14, C14, B15, E15, B16, F16, J4, M4, J5, J6, M10, J11, K11, M11, N11, J14, K14, M14, M15, J16, J17, J21, M21 e A22, como se mostra pela certidão predial que se junta.
F) As fracções autónomas supra-referidas, que pertencem à Requerente, representam 10,065% do valor total do Condomínio.
G) Em 4 de Dezembro de 2020, a Assembleia Geral do Condomínio do EDIFÍCIO elegeu uma Administração com a duração de 3 anos, com início em 6 de Março de 2021 e termo em 5 de Março de 2024, com a seguinte composição: A (A), B (B), C (C), D (D), E (E), F (F), G (G), H (H) e I (I), (doravante designada por ADMINISTRAÇÃO), como se mostra pelo documento junto que se dá integralmente por reproduzido.
H) Em 15 de Agosto de 2021, a ADMINISTRAÇÃO convocou uma Assembleia Geral do Condomínio do EDIFÍCIO para se realizar no dia 7 de Setembro de 2021, pelas19H00, com a seguinte Ordem de Trabalhos:
1……….
2……….
3……….
4……….
5. 為提升共同儲備基金收入以補貼大廈公共項目開支,現討論並決議通過授權XXX商業中心/YYY大廈/ZZZ大廈管理機關於任期內代表本大廈全體分層建築物所有人揀選具備能力而不妨礙各業主權益之機構,妥善規劃利用本大廈備有適當條件之共同位置,並簽訂使用協議。
6……….
7………..
8. 現於本大廈天台屬大廈共同部分裝設之頻譜收發裝置,相關裝置從未經由分層建築物所有人大會通過同意的情況下擅自裝設,由於「XXX商業中心/YYY大廈/ZZZ大廈管理機關」未有收到任何相關資料,為著維護本大廈業主權益討論並決議通過要求相關人士拆除,並要求與該裝置相關之住宅單位還原。
I) A Requerente, que representa 10,065% do valor total do Condomínio, votou contra os pontos 5 e 8 da Ordem de Trabalhos.
J) Após a eleição do presidente da Assembleia Geral do Condomínio do EDIFÍCIO e durante as discussões da Ordem de Trabalhos, J e K, representantes da Requerente, leram e pediram para ficar registado em acta o teor do ofício da Requerente onde constam os fundamentos da oposição da Requerente, tendo entregue cópia desse ofício ao Presidente da Mesa para que fosse anexado à acta da Assembleia Geral do Condomínio do EDIFÍCIO de 7 de Setembro de 2021.
K) As percentagens da votação dos pontos 1. a 8. da ordem de trabalhos da reunião da Assembleia foram as seguintes:


Ordem
de Trabalhos
Votos
a favor
Votos contra
Abstenções
Brancos
Nulos
Não exerceram o direito de voto
(condóminos)
1º ponto
160 condóminos
9 condóminos
38 condóminos
--
--
6
2º ponto
41.748%
14.860%
0.264%
--
--
2
3º ponto
39.810% - ##建築工程有限公司
0.368% - &&建築工程有限公司
14.860%
1.2%
0.634%
--
2
4º ponto
41.335%
14.779%
0.413%
0.264%
--
3
5º ponto
40.612%
10.065%
0.413%
0.987%
--
13
6º ponto
40.085%
10.065%
0.413%
1.514%
--
17
7º ponto
40.612%
10.065%
0.413%
0.987%
0.362%
16
8º ponto
40.138%
10.065%
0.824%
1.05%
--
13

L) No terraço de cobertura do EDIFÍCIO estão instaladas as antenas e linhas da Estação de Fiscalização Radioeléctrica que foram adquiridas pela Requerente, já h
M) A aquisição e instalação da Estação de Fiscalização Radioeléctrica no EDIFÍCIO foi autorizada pelo despacho do Governador de 15 de Fevereiro de 1993.
N) Na sequência desta autorização, em 3 de Maio de 1993, foi publicado a Portaria n.º 121/93/M na qual o Governador autorizou a celebração do contracto de fornecimento de equipamentos e materiais, instalação da Estação de Fiscalização Radioelétrica com a firma WWW & Company (Hong Kong), Limited.
O) Em 7 de Junho de 1993, foi celebrado o referido contracto de fornecimnto entre a Direcção dos Serviços de Correios e Telecomunicações de Macau e a WWW& Company, (Hong Kong), Limited.
P) São afectas ao uso exlusivo da Fracção A22 as duas únicas salas existentes no piso vazado com áreas de 134,65m2 (Edifício YYY) e de 138,75m2 (Edifício ZZZ)”, sitas no 3º andar.
Q) A Estação de Fiscalização radioeléctrica é um equipamento fundamental para que a Requerente cumpra a sua função pública de fiscalizar e eliminar as perturbações radioeléctricas, de modo que os cidadãos de Macau possam usufruir de um serviço de rádio, televisão e internet normal e sem perturbações.
R) As antenas e cabelagens existentes no terraço de cobertura do EDIFÍCIO são essenciais para aquela estação receber as radiocomunicações, de modo a que a Requerente possa exercer a sua atribuição de assegurar a regulação, fiscalização, promoção e justa concorrência no sector de telecomunicações, prevista na alínea m), n.º 1 do artigo 2.° do Regulamento Orgânico dos CTT, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 2/89/M, alterado pelo Regulamento Administrativo n.º 29/2016, e a sua função de gestão e de fiscalização do espectro radioeléctrico, prevista na alínea q), n.º 1 do artigo 2.° do Regulamento n.º Orgânico dos CTT.
**
  A convicção do Tribunal relativamente aos factos indiciariamente demonstrados resultou da ponderação crítica dos documentos juntos aos autos bem como da análise criteriosa do depoimento da testemunha prestado na audiência.
  Foram juntos aos autos certidão do registo predial do edifício subjudice, com descrição n.° 1**** a fl. 3 do livro B39 na CRP, a memória descritiva do prédio (fls. 24 a 45), onde se comprovam os factos A) a D).
  Quanto aos factos G) e F) também foram juntos aos autos a certidão do registo predial a fls. 46 a 111.
  Quanto ao conteúdo dos pontos 5 e 8 da ordem do dia, temos a acta junta a fls. 112 a 115 dos autos, onde consta o teor da deliberação.
  Quanto aos factos J, temos o depoimento das primeiras duas testemunhas e que disseram ao Tribunal que após a leitura do teor do ofício, pediram que fiquem registados na acta o teor do mesmo.
  Quanto ao facto P, temos o registo a fls. 29, onde consta que a são afectas ao uso exlusivo da Fracção A22 as duas únicas salas existentes no piso vazado com áreas de 134,65m2 (Edifício YYY) e de 138,75m2 (Edifício ZZZ)”, sitas no 3º andar, e não consta que o terraço da cobertura é de uso especial afecto à Fracção da Requerente.
  A testemunha L, na qualidade de representante do condómino da parte comercial, vem dizer ao tribunal que tinha descolado uma vez ao terraço a propósito de resolver o problema da chaminé que estava meia caída e pendurada no exterior do edifício por causa do Tufão e subiu ao terraço, tendo reparado as antenas e equipamentos aí instalados.
  A outra testemunha M também na qualidade de outro representante do condómino da parte comercial disse ao tribunal que segundo o presidente informou na reunião, as antenas e equipamentos instalados foram já instalados há muito tempo no terraço e a deliberação do ponto 8 destina-se precisamente para convencer a Direcção dos Serviços de Correios para a sua demolição e não no sentido de proceder à imediata demolição, pois, a intenção é precisamente para melhor gerir quanto ao uso da parte comum.
  Quanto aos outros factos constantes na petição inicial, por não terem provas suficientes e por isso não podem ser considerados como provados. Além disso, as restantes alegações por serem questões de direito ou factos conclusivos e por isso também não podem ser considerados como provados.
*

ii) Enquadramento Jurídico dos Factos:
  Dispõe o artigo 36.° n.° 1 da Lei n.° 14/2017 que “pode ser requerida a suspensão das deliberações nos termos da lei de processo.
  Por seu turno o artigo 341.° do CPC n.° 1 estabelece que “Se alguma associação ou sociedade, civil ou comercial, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao acto constitutivo, qualquer associado ou sócio pode requerer, no prazo de 10 dias se não for outro o fixado em disposição especial, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de associado ou sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável”.
  As providências cautelares podem ser conservatórias – manutenção do statu quo de modo a garantir a reintegração – ou antecipatórias – antecipação da realização do direito que venha, eventualmente, a ser reconhecido -.
  A suspensão de deliberações integra-se no primeiro grupo, ou seja, é uma providência conservatória.
  O sucesso da acção cautelar depende sempre de dois requisitos:
  - A verificação da aparência dum direito, traduzido no sentido de que as deliberações são contrárias à lei ou estatutos;
  - A possibilidade de causar dano apreciável.
  
  Da aparência do direito da Requerente.
  Estabelece o artº 34.° da Lei n.° 14/2017 n.° 1 que aprovou o Regime Jurídico da Administração das partes comuns do condomínio, que:
“São nulas as deliberações da assembleia geral do condomínio:
1) Contrárias à ordem pública, aos bons costumes ou a normas legais destinadas à tutela do interesse público;
……”.
  De acordo com o nº 2 do mesmo preceito são anuláveis as deliberações da assembleia geral do condomínio contrárias à lei ou que violem o regulamento, seja pelo seu objecto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos condóminos ou no funcionamento da assembleia.
  Em relação à deliberação do ponto 5 da ordem de trabalhos, entende a Requerente que a convocação é imprecisa e que a deliberação é ilegal, porquanto a realização e a execução desta deliberação vão criar nas partes comuns do EDIFÍCIO mais espaços “individuais” e “autónomos” cujas limitações e áreas não estão reflectidas no título constitutivo e no registo de propriedade horizontal, sendo que o propósito da ADMINISTRAÇÃO é o de permitir que estes espaços “individuais” e “autónomos” venham a ser exclusivamente utilizados por terceiros, não condóminos do EDIFÍCIO.
  Salvo o devido respeito, não assiste razão a Requerente.
  Antes de mais, é de realçar que o que consta no referido ponto 5, não é criar espaços “individuais” e “autónomos” a partir das partes comuns do edifício, mas sim como o texto se refere “揀選具備能力而不妨礙各業主權益之機構,妥善規劃利用本大廈備有適當條件之共同位置”, isto é, escolher uma entidade com capacidade para melhor planear a utilização da parte comum do edifício com o fim de elevar a receita do fundo de reserva.
  Na nossa modéstia opinião, o teor não é vago, e por contrário, é preciso e concreto.
  Ora, encarregar um terceiro para se dedicar ao planeamento (em chinês “規劃” da utilização (no sentido de afectação ou aproveitamento) das partes comuns do edifício, não é ilegal nem viola o artigo 1302.° e 1324.° do CC, nem a cláusula 15 n.° 18 do Regulamento de Condomínio, mas por contrário, é em prol dos interesses de todos condomínios, porquanto a finalidade é precisamente para aumentar as receitas para o fundo geral da reserva.
  Dispõe o n.° 1 do artigo 1302.° do CC que na falta de regulamento sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.
  Na deliberação sobre o ponto 5 não está em causa o uso ou a afectação material das partes comuns, mas sim encarregar a um terceiro para PLANEAR (no sentido de dedicar-se ao estudo) com o intuito de um melhor aproveitamento das partes comuns que reúnem condições para serem aproveitadas.
  Por isso, não está em causa a alegada alteração de utilização do espaço comum, nem violação do artigo 1302.° n.° 1 do CC, nem do regulamento de Condomínio, muito menos com a referia deliberação vir alterar o título constitutivo da propriedade horizontal.
  O Tribunal também não se vê como é que contratar um terceiro para se dedicar ao estudo ou, se quiser, à consultadoria (para melhor aproveitar o uso da parte comum), possa acarretar dano.
  Assim, e sem mais delongas deve improceder a requerida suspensão da deliberação quanto ao ponto 5.
  Quanto ao ponto 8, um dos argumentos da requerente aponta no sentido de que o terraço de cobertura do EDIFÍCIO onde estão instaladas as antenas e linhas da Estação de Fiscalização Radioeléctrica é a área afecta à fracção autónoma A22, pertencente à Requerente e que a eventual demolição das referidas antenas e linhas prejudicaria o interesse da Requerente no exercício da função pública que lhe está institucionalmente cometida.
  Vamos em primeiro lugar, ver se o terraço de cobertura do EDIFÍCIO é ou não é a área afecta à fracção autónoma A22, pertencente à Requerente.
  Salvo o devido respeito, não foi produzida a prova de que o terraço de cobertura do EDIFÍCIO é a área afecta à fracção autónoma A22.
  Do registo do prédio apenas consta que são afectas ao uso exclusivo da Fracção A22 as duas únicas salas existentes no piso vazado com áreas de 134,65m2 (Edifício YYY) e de 138,75m2 (Edifício ZZZ)”, sitas no 3º andar (cfr. o registo constante de fls. 29 do autos), e em lado algum se refere que o terraço está afecto ao uso exclusivo da fracção autónoma A22, pertencente à Requerente.
  Ora, não havendo menção especial no registo nem na memória descritiva do prédio, deve atender-se ao disposto da alínea d) do artigo 1324.° do CC de que os terraços de cobertura são partes comuns e que cujo uso, na falta de regulamento sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela (cfr. artigo 1302.° n.° 1 do CC).
  Da certidão do título constitutivo da propriedade horizontal do Prédio e do que resulta da memória descritiva das fracções autónomas, o terraço de cobertura é parte comum do prédio, o que também resulta do disposto do artigo 1324. n.° 1 al d) do CC.
  Por outro lado alega ainda a Requerente que o terraço da cobertura do EDIFÍCIO está afecta ao uso exclusivo da Fracção A22, porquanto foi autorizado pelo ex-Governador a instalação in loco das antenas e equipamentos de fiscalização radioeléctrica.
  Salvo o devido respeito, nem a referida autorização do ex-Governador, nem a assacada Portaria n.º 121/93/M confere o título de qualquer direito especial de utilização do terraço da cobertura do edifício subjudice. Efectivamente a referida portaria n.º 121/93/M, invocada pela Requerente, não é mais do que uma autorização de uma determinada adjudicação de fornecimento, instalação e comissionamento de uma Estação de Fiscalização Radioeléctrica de Macau a uma determinada entidade, com a qual se celebrará um determinado contrato por um determinado valor.
  Trata-se de um acto da gestão administrativa e que nada tem a ver com o uso do terraço da cobertura do edifício subjudice.
  Quanto ao interesse público invocado pela requerente, salvo o devido respeito, também nos parece que nada tem a ver com o caso subjudice.
  É que, estamos no âmbito do direito privado, onde se discute sobre a utilização do terraço de um edifício entre os condóminos que estão numa relação de paridade e não está em discussão de nenhum acto administrativo em que a Administração intervém no uso do seu ius imperium, para a prossecução do interesse público.
  Por isso, a invocação da prossecução do interesse público pela requerente como fundamento da suspensão das deliberações em discussão, é irrelevante para o caso.
  Quanto ao dano apreciável da execução da deliberação, vejamos:
  O ponto 8 da ordem de trabalhos consta o seguinte: “……,為著維護本大廈業主權益討論並決議通過要求相關人士拆除,並要求與該裝置相關之住宅單位還原。”
  A Requerente vem alegar que com a execução desta deliberação no sentido de demolir o equipamento técnico da estação de fiscalização radioeléctrica, viola frontalmente o disposto do n.º 1 do artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 18/83/M.
  É que, o referido Decreto-Lei n.º 18/83/M é um diploma que regula a gestão e tutela das radiocomunicações, em que a administração intervém no exercício das suas funções e na prossecução do interesse público, enquanto nos presentes autos, a Requerente não intervém no uso do ius imperium mas sim como um dos condóminos do Edifico a exercer o seu direito conferido pela lei civil para a gestão da parte comum do edifício.
  De entre os vários critérios usados para a distinção entre Direito Público e Direito Privado o mais usado assenta na «natureza do interesse protegido por cada uma das normas jurídicas (...). A norma seria de Direito Público quando visasse a tutela de um interesse público, ou seja, um interesse geral da colectividade. Diferentemente, a norma integraria o Direito Privado quando prosseguisse um mero interesse particular, isto é, dos indivíduos considerados singularmente.
  Assim, o referido Decreto-Lei n.º 18/83/M é um diploma do Direito Público e não se aplica ao caso subjudice que se cinge na mera tutela de interesse particular.
  Quanto ao dano na execução da deliberação, como resulta do facto provado, a deliberação do ponto 8 não se destina à imediata demolição das antenas e equipamentos que estão instalados no terraço, mas se cinge apenas em comunicar ao condómino para a sua demolição, uma vez que a Administração nunca recebeu qualquer elemento sobre aqueles equipamentos, pois já foram instalados há muito tempo e a intenção foi no sentido de legalizar o uso das partes comuns.
  Nesta óptica, não se vê como pode considerar que uma deliberação assim tomada possa ser considerada como ilegal.
  Atento ao facto de a deliberação em si não se dedica à demolição imediata das antenas e equipamentos instalados no terraço, também não se verifica qualquer dano a sofrer da parte da Requerente.
  Pelo exposto e atento à factualidade assente nos presentes autos, não permitem concluir que as deliberações em causa sejam perfunctoriamente ilegais e que a execução das mesmas possa causal qualquer dano à Requerente.
  Termos em que, pelos fundamentos expostos, julgo IMPROCEDENTE a suspensão da execução das deliberações da assembleia geral do condomínio do edifício “Centro Comercial XXX / Edíficio YYY / Edifício ZZZ”, realizada em 7 de setembro de 2021, que aprovaram os pontos 5 e 8 da ordem dos trabalhos do ponto 5 e 8 da ordem de trabalho.

III- Decisão
  Nestes termos, e nos termos do artigo 36.° n.° 1 da Lei n.° 14/2017, artigo 341.° n.°1. do CPC, por não provado, julgo IMPROCEDENTE a suspensão das deliberações requerida.
  Sem custas, uma vez que a Requerente está isenta (artigo 2.° do n.° 1 c) do RCT.
  Registe e Notifique.

Notificada e não conformada com essa decisão que lhe indeferiu a requerida suspensão, veio a requerente recorrer da mesma concluindo e pedindo que:
A) Em 1 de Novembro de 2021, o Tribunal a quo proferiu a Sentença das fls. 966 a 973 dos Autos que julgou IMPROCEDENTE a suspensão das deliberações 5 e 8 da Assembleia de Condóminos realizada em realizada em 7 de Setembro de 2021, que é o objecto deste recurso.
B) O Tribunal a quo quando analisou o caso, apenas atendeu primeira parte do teor do ponto 5 da Ordem de Trabalhos (planeamento da utilização das partes comuns) e, seguramente por lapso, ignorou a última parte do mesmo (assinatura do acordo de utilização).
C) O teor completo do ponto 5 da ordem de trabalhos consta no Facto Provado H) como o seguinte: 為提升共同儲備基金收入以補貼大廈公共項目開支,現討論並決議通過授權XXX商業中心/YYY大廈/ZZZ大廈管理機關於任期內代表本大廈全體分層建築物所有人揀選具備能力而不妨礙各業主權益之機構,妥善規劃利用本大廈有適當條件之共同位置,並簽訂使用協議。 (sublinhado nosso).
D) A deliberação sobre o ponto 5 da Ordem de Trabalhos envolve, pois, duas componentes: (i) planeamento da utilização das partes comuns do edifício; (ii) assinatura de um acordo para a utilização das partes comuns do edifício nos termos que resultarem dessa planificação.
E) O planeamento tem pressuposto a autonomização de espaços individuais nas partes comuns do edifício, com áreas e localizações concretas, e, posteriormente, através da assinatura do acordo de utilização, vai ceder a um dos condóminos ou a terceiros o poder e o direito para a utilização de cada um daqueles concretos espaços individuais.
F) Por esta via, a ADMINISTRAÇÃO pretende criar nas partes comuns do EDIFÍCIO mais espaços "individuais" e "autónomos", cujas limitações e áreas não estão reflectidas no título constitutivo e no registo de propriedade horizontal, em conflito com a obrigatoriedade legal de tal só poder acontecer com o voto favorável e unânime de todos os condóminos.
G) Quanto à utilização da parte comum do edifício da propriedade horizontal, decidiu-se o TSI no Processo n.º 640/2017 o seguinte: "Portanto, uma vez que a parte comum ocupada pela Ré é um espaço comum do EDIFÍCIO em causa, não pode ser objecto de arrendamento para uso exclusivo da Ré, pois tal viola o título constitutivo"(pág. 48 do Acórdão proferido no Processo do TSI n.º 640/2017) "Vício de conteúdo, porque se trata de parte comum do edifício, e o homem que celebrou tal acordo foi apenas um representante da sociedade gestora de então, que não tinha legitimidade nem poder para intervir neste assunto. Para tal que seja válido, é preciso obter a autorização dos condóminos tal como preceitua o artigo 1321 ° do CCM."(pág. 49 do Acórdão do Processo do TSI n.º 640/2017)
H) Para que a utilização de partes do espaço comum de um edifício ser possível exige-se uma deliberação unânime nos termos do art.º. 1321, do CC.
I) Por isso, segundo a alínea 3), n.º 1 do artigo 34.º da Lei n.º 14/2017, a deliberação da Assembleia Geral do EDIFÍCIO, que aprovou o ponto 5 da Ordem de Trabalhos, não tendo sido aprovada pelo número de votos exigido no artigo 1321° do CC é, consequentemente, uma deliberação nula.
J) Além disso, ao ignorar a parte final da deliberação referente ao ponto 5 da ordem de trabalho, ou seja, a parte em que se confere à Administração o poder da assinar um acordo de utilização, a SENTENÇA RECORRIDA apreciou erradamente a questão do dano apreciável, considerando erradamente que "O Tribunal também não se vê como é que contratar um terceiro para se dedicar ao estudo ou, se quiser, à consultadoria (para melhor aproveitar o uso da parte comum), possa acarretar dano."
K) A deliberação da Assembleia Geral do EDIFÍCIO, que aprova o ponto 5 da Ordem de Trabalhos, também é anulável nos termos do n.º 2 do artigo 34.º da Lei n.º 14/2017, pois esta deliberação viola o artigo 1302.º e 1324.º do CC e a Cláusula 15, n.º 8 do Regulamento de Condomínio aprovado em 8 de Novembro de 2018.
L) Se for executada, esta deliberação causar dano apreciável à Recorrente na medida em que irá privar a Recorrente, que é um dos condóminos do EDIFÍCIO, da utilização do espaço comum que for afectado à utilização exclusiva do terceiro escolhido pela ADMINISTRAÇÃO através da assinatura do acordo de utilização referido no ponto 5 da ordem de trabalho.
M) Assim sendo, estão verificados e preenchidos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 341.º do CPC, pelo que deve ser decretada a suspensão da deliberação referente ao Ponto 5 da Ordem de Trabalhos.
N) A SENTENÇA RECORRIDA enferma de erro de avaliação da matéria de facto, ao considerar que "Na deliberação sobre o ponto 5 não está em causa o uso ou afectação material das partes comuns", pois o Tribunal a quo ignorou a parte relacionada com a assinatura do acordo de utilização mencionado na parte final do ponto 5 da ordem de trabalho, esta assinatura do acordo de utilização está estreitamente relacionada com o uso ou afectação material das partes comuns.
O) Bem como erro de avaliação da matéria de facto na medida em que o Tribunal a quo não considerou provado o facto indicado no ponto 42 da P.I..
P) Também existe erro na aplicação da lei, especialmente, erro na aplicação do artigo 1302.º, 1321.º. 1324.º do CC, Cláusula 15, n.º 8 do Regulamento de Condomínio, do artigo 341.º n.º1 do CPC e das alíneas 3), n.º 1 do artigo 34.º e do n.º2 do mesmo artigo da Lei n.º 14/2017.
Q) O Tribunal ad quem deve, pois, revogar a SENTENÇA RECORRIDA e, consequentemente, deve considerar provado o ponto 42 da P.I. e decretar, nos termos do n.º 1 do artigo 36.º da Lei n.º 14/2017 e do artigo 341.º n.º1 do CPC, a suspensão da deliberação que aprovou o ponto 5 da ordem de trabalhos.
Por outro lado,
R) Com o devido respeito, a Sentença recorrida também errou na decisão tomada em relação ao ponto 8 da Ordem de Trabalhos da mesma Assembleia de Condóminos.
S) Os pontos L), M), N), O), Q) e R) dos factos provados demostram que a Estação de Fiscalização Radioeléctrica no EDIFÍCIO foi criada através de uma autorização do Governador vertida no seu despacho de 15 de Fevereiro de 1993.
T) A existência e operacionalidade da Estação de Fiscalização Radioeléctrica e as suas antenas/linhas, que têm a finalidade de serviço público, está tutelada pelos direitos e deveres atribuídos à Recorrente pelos artigos 20.º e 21.º do Decreto-Lei n.º 2/89/M (Regulamento Orgânico da Direcção dos Serviços de Correios e Telecomunicações, alterado pelo Regulamento Administrativo n.º 29/2016) e pelo n.º 1 do artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 18/83/M.
U) O Tribunal a quo não ignora que a Estação de Fiscalização Radioeléctrica no EDIFÍCIO é o resultado de "um acto da gestão administrativa", mas concluiu que a deliberação em causa "não afecta o uso do terraço da cobertura do edifício subjudice", isto porque o Tribunal a quo ignorou a servidão legal dos CTT quanto à instalação das antenas e linhas nas paredes e telhados edifícios particular e a obrigação especial/limite da propriedade aos proprietários privados de não poder impedir a fixação das mesmas.
V) A deliberação que aprovou o ponto 8 da Ordem de Trabalhos viola a servidão especial dos CTT supra referida, bem como viola frontalmente a obrigação/limite legal que os proprietários do EDIFÍCIO não podem impedir nas suas propriedades a fixação exterior de antenas e linhas de alimentação no terraço do EDIFÍCIO.
W) Pelo exposto, existe na SENTENÇA RECORRIDA um erro na aplicação da lei, especialmente, um erro na aplicação dos artigos 20.º e 21.º do Decreto-Lei n.º 2/89/M e do 49.º do Decreto-Lei n.º 18/83/M.
X) Também não tem razão o Tribunal a quo ao considerar que só as relações privadas devem prevalecer para a apreciação do caso.
Y) Caso um prejuízo apreciável do interesse privado seja suficiente para justificar a aplicação da suspensão das deliberações, por maioria da razão, deve decretar a suspensão da deliberação que prejudica o interesse público
Z) A apreciação da invalidade de deliberações de uma assembleia de condóminos não pode ser feita apenas com fundamento no interesse particular, mas terá de considerar também se existe deliberações que sejam contrárias à ordem pública, aos bons costumes ou a normas legais destinadas à tutela do interesse público (alínea 1), n.º1 do artigo 34.º da Lei n.º14/2017.
AA) Até por que na situação da anulabilidade de deliberações, o legislador apenas estabelece o requisito de a deliberação ser "contrária à lei", não distinguindo se aquela lei ou norma tem origem numa norma de Direito Público ou do Direito Privado.
BB) No presente caso, as antenas e equipamentos no terraço da cobertura destinam-se ao funcionamento da Estação de Fiscalização Radioeléctrica instalada pelo despacho do Governador de 15 de Fevereiro de 1993 (cfr. os pontos L), M), N), O), Q) e R) dos factos provados), e é uma estação radioeléctrica protegida pelo Decreto-Lei n.º 18/83/M.
CC) O Tribunal a quo sabe bem que o artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 18/83/M é uma norma legal destinada à tutela do interesse público, pois se refere na SENTENÇA RECORRIDA que o "referido Decreto-Lei n.º 18/83/M é um diploma que regula a gestão e tutela das radiocomunicações" e "é um diploma do Direito Público.
DD) Daí que a consequência pela violação do artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 18/83/M deva ser, segundo a alínea 1), n.º 1 do artigo 34.º da Lei n.º 14/2017, a nulidade da deliberação que aprovou o ponto 8 da Ordem de Trabalhos.
EE) Ao não decidir assim, a SENTENÇA RECORRIDA incorre no vício de erro na interpretação e aplicação da lei, especialmente, no erro de interpretação e aplicação das alíneas 1), n.º 1 do artigo 34.º e do n.º 2 do mesmo artigo da Lei n.º 14/2017, do artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 18/83/M.
Finalmente,
FF) Conforme os requisitos previstos no artigo 341.º do CPC, para se decretar a suspensão de deliberação basta verificar a existência de "dano apreciável", sendo de todo irrelevante, salvo o devido respeito, determinar se esse dano é imediato ou não, pois a imediaticidade é a questão da celeridade na concretização da deliberação aprovada.
GG) Ou seja, o que o tribunal deve apreciar é a probabilidade da ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida, não é a imediaticidade deste dano.
HH) O Tribunal a quo entende que "a deliberação do ponto 8 não se destina à imediata demolição das antenas e equipamentos que estão instalados no terraço, mas se cinge apenas em comunicar ao condómino para a sua demolição", e isso manifesta que esta deliberação persegue uma única finalidade: a demolição das antenas e equipamentos da Estação de Fiscalização Radioeléctrica que estão no terraço de cobertura do EDIFÍCIO, independentemente a forma da sua execução.
II) Aquelas antenas e equipamentos no terraço de cobertura do EDIFÍCIO são essenciais para a Estação de Fiscalização Radioeléctrica e a Recorrente instalou-as no exercício de um poder/dever que decorre das suas funções públicas, e como resulta provado dos pontos Q e R dos factos provados.
JJ) Como já se demostrou acima, os direitos de instalação das antenas e equipamentos são tutelados e protegidos pela lei e, como ficou igualmente demonstrado, os condóminos do EDIFÍCIO têm, segundo o artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 18/83/M, uma obrigação especial, ou uma limitação ao direito de propriedade privada, no sentido de lhes estar vedado oporem-se ao atravessamento ou fixação exterior de antenas e respectivas linhas de alimentação na cobertura das suas propriedades.
KK) A deliberação que aprovou o ponto 8 da Ordem de Trabalhos visa o não cumprimento da obrigação legal e o limite ao direito de propriedade privada estabelecidos pela norma imperativa constante no artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 18/83/M, recusando a instalação das antenas e equipamentos no terraço de cobertura do EDIFÍCIO.
LL) A demolição das antenas e equipamentos não só prejudicaria o interesse da Requerente no exercício da função pública que lhe está institucionalmente cometida, bem como prejudicaria o interesse público dos residentes da RAEM em usufruírem dos serviços radioeléctricos. sendo que ambos seriam danos apreciáveis e não reparáveis cuja ocorrência é certa se a deliberação vier a ser executada.
MM) A SENTENÇA RECORRIDA erro na apreciação da matéria de facto onde considera que "Atento ao facto de a deliberação em si não se dedica à demolição imediato dos antenas e equipamentos instalados no terraço, também não se verifica qualquer dono sofrer da porte da Requerente".
NN) A SENTENÇA RECORRIDA também erra na apreciação da matéria de facto por não ter considerado provados os factos indicados nos pontos 55, 56 e 57 da P.I.
OO) A deliberação que aprovou o ponto 8 da ordem de trabalhos é ilegal, o dono da sua execução é muito grave e a ocorrência deste dano é inegável, pelo que estando verificados e preenchidos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 341.º do CPC, deve ser decretada a suspensão da deliberação referente ao ponto 8 da Ordem de Trabalhos; assim sendo, para além dos erros supra referidos, existe na SENTENÇA RECORRIDA também um erro na aplicação da lei, especialmente, um erro na aplicação do n.º 1 do artigo 341.º do CPC.
PP) Consequentemente, o Tribunal ad quem deve revogar a SENTENÇA RECORRIDA e decretar, nos termos do artigo 36.º n.º 1 da Lei n.º 14/2017 e do artigo 341.º n.º 1 do CPC, a suspensão da deliberação que aprovou o ponto 8 da ordem de trabalhos.
Em face de todo o exposto, e dando provimento ao presente Recurso, deve o Tribunal da Segunda Instância:
a) revogar a SENTENÇA RECORRIDA;
b) declarar que estão provados os pontos 42, 55, 56 e 57 da P.I.; e
c) declarar que se verificam preenchidos os requisitos necessários para ser decretada a providência da suspensão das deliberações da Assembleia Geral do Condomínio do EDIFÍCIO que aprovaram os pontos 5 e 8 da Ordem de Trabalhos.
Assim decidindo, far-se-á a requerida
 JUSTIÇA

Feito subir a esta instância e liminarmente admitido pelo Relator do processo o recurso e colhidos os vistos, cumpre conhecer.

II

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Está em causa um requerimento para pedir ao Tribunal o decretamento da providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, com fundamento na na inobservância das normas reguladoras da convocação da assembleia e na contrariedade à lei do seu teor.

O regime próprio quanto às invalidades das deliberações da assembleia dos condóminos encontra-se especialmente consagrado no artº 34º da Lei nº 14/2017, que reza:
1. São nulas as deliberações da assembleia geral do condomínio:
1) Contrárias à ordem pública, aos bons costumes ou a normas legais destinadas à tutela do interesse público;
2) Sobre matéria que não esteja, por lei ou por natureza, sujeita a deliberação da assembleia geral do condomínio;
3) Que não tenham sido aprovadas pelo número de votos exigido;
4) Tomadas em assembleia não convocada, salvo o disposto no n.º 3;
5) A eleger uma nova administração sem que os membros da administração em funções tenham sido exonerados.
2. Exceptuados os casos previstos no número anterior, são anuláveis as deliberações da assembleia geral do condomínio contrárias à lei ou que violem o regulamento, seja pelo seu objecto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos condóminos ou no funcionamento da assembleia.
3. A comparência de todos os condóminos na reunião sana quaisquer irregularidades da convocação, bem como a invalidade da deliberação tomada sobre matéria estranha à ordem de trabalhos, desde que nenhum deles se oponha à realização da reunião ou ao aditamento à ordem de trabalhos.
A mesma lei manda seguir a tramitação processual prevista no CPC – artº 36º/1 da Lei nº 14/2017.

No CPC, a providência cautelar da suspensão das deliberações da assembleia dos condóminos do prédio sujeito ao regime de propriedade horizontal encontra-se especificamente regulada pelo artº 343º, que manda aplicar, com as adaptações necessárias, o disposto nos artºs 341º e s.s., todos do CPC.

Reza o artº 341º/1 do CPC, que “se alguma associação ou sociedade, civil ou comercial, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao acto constitutivo, qualquer associado ou sócio pode requerer, no prazo de 10 dias se não for outro o fixado em disposição especial, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de associado ou sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.”.

De acordo com o alegado no requerimento inicial, foi com fundamento na inobservância das normas reguladoras da convocação da assembleia e na contrariedade do teor as deliberações à lei e na possibilidade de resultar da execução imediata das mesmas deliberações danos apreciáveis que foi pedida a suspensão das deliberações em causa.

Conforme se vê na sentença recorrida, foi pela não verificação das quaisquer vícios processuais na convocação da assembleia nem invalidades substanciais das deliberações que o Tribunal a quo indeferiu o pedido de suspensão.

E de acordo com o alegado e concluído no petitório do recurso, a requerente, ora recorrente, insistiu na alegada ilegalidade das tais deliberações à lei e na verificação dos alegados danos apreciáveis.

Assim, em primeiro lugar a nossa apreciação deve circunscrever-se à apreciação desse invocado carácter anti-jurídico das deliberações face ao disposto na lei e só depois no caso de concluirmos pela contrariedade à lei é que teremos de abordar a questão dos alegados danos apreciáveis susceptíveis de resultar da demora do processo judicial e da execução imediata das mesmas deliberações.

Estão em causa as deliberações sobre os pontos 5 e 8 da agenda.

Comecemos pelo deliberado no ponto 5 que tem o seguinte teor:

5. 為提升共同儲備基金收入以補貼大廈公共項目開支,現討論並決議通過授權XXX商業中心/YYY大廈/ZZZ大廈管理機關於任期內代表本大廈全體分層建築物所有人揀選具備能力而不妨礙各業主權益之機構,妥善規劃利用本大廈備有適當條件之共同位置,並簽訂使用協議。

Entende o Tribunal a quo que:

Na deliberação sobre o ponto 5 não está em causa o uso ou a afectação material das partes comuns, mas sim encarregar a um terceiro para PLANEAR (no sentido de dedicar-se ao estudo) com o intuito de um melhor aproveitamento das partes comuns que reúnem condições para serem aproveitadas.

Por isso, não está em causa a alegada alteração de utilização do espaço comum, nem violação do artigo 1302.° n.° 1 do CC, nem do regulamento de Condomínio, muito menos com a referia deliberação vir alterar o título constitutivo da propriedade horizontal.

O Tribunal também não se vê como é que contratar um terceiro para se dedicar ao estudo ou, se quiser, à consultadoria (para melhor aproveitar o uso da parte comum), possa acarretar dano.

Para além de insistir na ilegalidade do deliberado no ponto 5 por não ter sido objecto da aprovação pelo número de votos exigido no artº 1321º do CC, a recorrente entende que o Tribunal a quo ignorou por completo a última parte do deliberado que é並簽訂使用協議.

Na óptica da recorrente, a assinatura de um acordo para a utilização das partes comuns do edifício nos termos que resultarem da planificação implica a cessão a um dos condóminos ou a terceiros do poder e do direito para a utilização dos determinados espaços concretos das partes comuns do condomínio, o que só poder acontecer com o voto favorável e unânime de todos os condóminos, nos termos prescritos no artº 1321º do CC, isto é, através da modificação do título constitutivo da propriedade horizontal.

Quid juris?

Cremos que é de averiguar se é legalmente possível a cedência do uso temporário das determinadas áreas das partes comuns de um edifício constituído em propriedade horizontal?

E em caso afirmativo, iremos indagar sobre quem tem legitimidade substantiva e em que termos a cedência pode ser efectivada.

Nos termos do disposto no artº 1323º/1 do CC, cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do condomínio.

De acordo com esse normativo, as partes comuns de um edifício constituído em propriedade horizontal ficam sujeitas, como tais, ao regime da compropriedade.

Como se sabe, as partes comuns de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal têm por função primordial assegurar ou criar condições que permitem a todos os condóminos o uso e a fruição das fracções autónomas a eles pertencentes.

Não obstante essa a sua função primordial, as partes comuns ou determinadas áreas delas, podem ser objecto da cedência do uso a favor de terceiros mediante contratos de arrendamento, segundo o regime de compropriedade que as rege.

Hoje em dia, não são raros, até vulgares os casos de cedência do uso a terceiros da parede exterior para afixação de publicidades.

Através da rentabilização desses espaços das partes comuns os condóminos podem obter financiamento extraordinário para subsidiar a boa conservação e gestão das partes comuns do prédio, o que sendo legalmente permissível, traz vantagens para todos os condóminos.

A Lei nº 7/2017 não exige especialmente quanto às deliberações pela assembleia dos condóminos que têm por objecto a cedência do uso temporário a título oneroso de determinada área das partes comuns, no que diz respeito à votação, ao quórum e à percentagem que os condóminos votantes representam em relação ao valor total do condomínio.

Assim há que recorrer à lei geral.

Nos termos do disposto nos artºs 969º e 970º do CC, o arrendamento é um contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa imóvel, mediante retribuição.

Para o senhorio, o arrendamento por prazo não superior a seis anos constitui um acto de administração ordinária, e se for por prazo superior, será um acto de disposição – artº 971º do CC.

Reza o artº 1304º do CC que:

1. Na falta de regras especiais constantes do regulamento sobre administração da compropriedade, esta cabe a todos os comproprietários, os quais têm poderes para praticarem individualmente os actos necessários à conservação da coisa e conjuntamente os demais actos de administração.

2. Contudo, qualquer dos consortes tem o direito de se opor ao acto de conservação que outro consorte pretenda realizar, salvo os indicados na alínea b) do artigo seguinte que se não compadeçam com a delonga, cabendo à maioria referida na alínea a) do número seguinte decidir sobre o mérito da oposição.

3. Salvo quando o regulamento preceitue de modo distinto, os actos que devam ser praticados conjuntamente estão dependentes do acordo dos consortes que representem:

a) Tratando-se de actos de administração ordinária, mais de metade do valor total da coisa;

b) Tratando-se de actos de administração extraordinária, mais de dois terços do mesmo valor.

4. Sempre que não seja possível formar a maioria legal exigida, a qualquer dos comproprietários é lícito recorrer ao tribunal, que decidirá segundo juízos de equidade.

À luz do preceituado nesse artigo, e tratando-se de arrendamento de uma determinado espaço das partes comuns do prédio submetido ao regime de propriedade horizontal, a deliberação que decide dar o espaço de arrendamento cabe à assembleia de condóminos e depende dos votos favoráveis dos condóminos que representem mais de metade do valor total do edifício ou mais de dois terços do mesmo valor, consoante ser o prazo de arrendamento não superior ou superior a seis anos, respectivamente.

Chegamos aqui, já estamos em condições para concluir que é legalmente admissível a cedência do uso temporário de determinada área integrante das partes comuns de um edifício constituído em propriedade horizontal, desde que se satisfaçam as exigências legais quanto à votação, não carecendo, tal como defende a ora recorrente, de ser feito através a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal que exige os votos favoráveis de todos os condóminos.

In casu, o deliberado no ponto 5 foi aprovado por apenas 40.612% do valor total do edifício, ainda inferior à mais de metade legalmente exigida – artº 1304º/3-a) do CC.

Portanto, a administração não está legalmente habilitada para 簽訂使用協議.

Todavia, nem por isso que temos de mandar suspender a execução do deliberado no seu todo por ilegalidade desta parte, pois se trata aquela expressão de uma deliberação inexecutável por ainda estar longe de ser concretizada quanto aos sujeitos com quem se celebra o contrato, e os termos e as condições do contrato, nomeadamente a delimitação física dos espaços a ceder e as respectivas áreas, assim como o prazo e os preços da cedência do uso.

O que quer dizer a questão da legalidade desta última parte do deliberado no ponto 5, que preocupa a requerente ora recorrente, constitui uma falsa questão, pois não sendo directa nem imediatamente executável, a deliberação nesta parte não carece de ser mandada suspensa.

Dito por outras palavras, o deliberado no ponto 5 não tem a virtude de legitimar a administração para celebrar contratos de cedência do uso temporário de algumas áreas integrantes das partes comuns do edifício e o deliberado no ponto 5 no seu todo não dispensa uma outra votação com vista à legitimação da administração para a celebração de tais contratos quando reunidas todas as condições necessárias à votação para o efeito, nomeadamente as concretas delimitações físicas dos espaços a ceder e os respectivos prazos e preços da cedência.

Passemos então ao deliberado no ponto 8, que tem o seguinte conteúdo:
8. 現於本大廈天台屬大廈共同部分裝設之頻譜收發裝置,相關裝置從未經由分層建築物所有人大會通過同意的情況下擅自裝設,由於「XXX商業中心/YYY大廈/ZZZ大廈管理機關」未有收到任何相關資料,為著維護本大廈業主權益討論並決議通過要求相關人士拆除,並要求與該裝置相關之住宅單位還原。

A requerente, ora recorrente, alegou que com a execução desta deliberação no sentido de demolir o equipamento técnico da estação de fiscalização radioeléctrica, viola frontalmente o disposto do n.º 1 do artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 18/83/M.

O que não foi acolhido pelo Tribunal a quo com os seguintes fundamentos;

É que, o referido Decreto-Lei n.º 18/83/M é um diploma que regula a gestão e tutela das radiocomunicações, em que a administração intervém no exercício das suas funções e na prossecução do interesse público, enquanto nos presentes autos, a Requerente não intervém no uso do ius imperium mas sim como um dos condóminos do Edifico a exercer o seu direito conferido pela lei civil para a gestão da parte comum do edifício.

De entre os vários critérios usados para a distinção entre Direito Público e Direito Privado o mais usado assenta na «natureza do interesse protegido por cada uma das normas jurídicas (...). A norma seria de Direito Público quando visasse a tutela de um interesse público, ou seja, um interesse geral da colectividade. Diferentemente, a norma integraria o Direito Privado quando prosseguisse um mero interesse particular, isto é, dos indivíduos considerados singularmente.

A recorrente, nas conclusões do recurso, volta a insistir na contrariedade à lei da deliberação do ponto 5.

Na sua óptica, ao decidir como decidiu, o entendimento do Tribunal a quo ignorou a servidão legal dos CTT quanto à instalação das antenas e linhas nas paredes e telhados edifícios particular e a obrigação especial/limite da propriedade aos proprietários privados de não poder impedir a fixação das mesmas – cf. ponto U) das conclusões do recurso.

Quanto a este aspecto, é de acompanhar a posição assumida na sentença recorrida.

Para nós, a recorrente está confundir as duas qualidades que tem, isto é, está a agir enquanto um dos condóminos para a defesa dos seus direitos enquanto tal, e a actuar na veste de uma entidade administrativa a quem a lei compete, no uso do ius imperium, levar a cabo actividades administrativas com vista à prossecução de interesses públicos.

Ora, ao invocar o seu direito às servidões radioeléctricas, reguladas nos artºs 49º do Decreto-Lei nº 18/83/M, indubitavelmente a recorrente está a agir na veste de uma entidade administrativa.

Portanto, o procedimento cautelar não é sede própria para discutir tais servidões radioeléctricas.

Ex abundantia, é de notar que o disposto nos artºs 47º e s.s do Decreto-Lei nº 18/83/M, (incluindo o artº 49º especificamente invocado no requerimento inicial e reiterado no recurso) é um acto legislativo geral e abstracto que autoriza a Administração a constituir servidões radioeléctricas, caso necessárias à prossecução dos interesses públicos, e não é de per si um acto administrativo, concreto e individual, constitutivo da determinada servidão radioeléctrica num prédio serviente.

Assim, mesmo nos tribunais administrativos, a invocação desse preceituado nos artºs 47º e s.s. que prevê e regula a matéria de servidões radioeléctricas pressupõe sempre um acto administrativo constitutivo das servidões praticados pela Administração no uso do seu ius imperium.

Por tudo quanto foi dito supra, é de concluir que não têm teor anti-jurídico as deliberações face ao disposto na lei.

Fica desta maneira prejudicado o conhecimento da questão dos alegados danos apreciáveis susceptíveis de resultar da demora do processo judicial e da execução imediata das mesmas deliberações.

Resumindo em concluindo:

1. As partes comuns de um edifício constituído em propriedade horizontal ficam sujeitas, como tais, ao regime da compropriedade.

2. As partes comuns de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal têm por função primordial assegurar ou criar condições que permitem a todos os condóminos o uso e a fruição das fracções autónomas a eles pertencentes.

3. Não obstante essa a sua função primordial, as partes comuns ou determinadas áreas delas, podem ser objecto da cedência do uso temporário e a título oneroso, a favor de terceiros, mediante celebração de contrato de arrendamento, segundo o regime de compropriedade que as rege.

4. Tratando-se de arrendamento de uma determinado espaço das partes comuns do prédio submetido ao regime de propriedade horizontal, a deliberação que decide dar o espaço de arrendamento cabe à assembleia de condóminos e depende dos votos favoráveis dos condóminos que representem mais de metade do valor total do edifício ou mais de dois terços do mesmo valor, consoante ser o prazo de arrendamento não superior ou superior a seis anos, respectivamente.

5. O disposto nos artºs 47º e s.s do Decreto-Lei nº 18/83/M é um acto legislativo geral e abstracto que autoriza a Administração a constituir servidões radioeléctricas, caso necessárias à prossecução dos interesses públicos, e não é de per si um acto administrativo constitutivo da determinada servidão radioeléctrica concreta e individual

6. Mesmo nos tribunais administrativos, a invocação do preceituado nos artºs 47º e s.s. que prevê e regula a matéria de servidões radioeléctricas pressupõe sempre um acto administrativo constitutivo das servidões praticados pela Administração no uso do seu ius imperium.

Sem mais delongas, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam negar provimento ao recurso, mantendo a decisão do indeferimento do decretamento da providência requerida.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

RAEM, 10MAR2022

 (Relator)
 Lai Kin Hong
 
 (Primeiro Juiz-Adjunto)
 Fong Man Chong
 
 (Segundo Juiz-Adjunto)
 Ho Wai Neng
179/2022-1