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Processo nº 429/2021
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 10 de Março de 2022

ASSUNTO:
- Actos recorrível
- Acto vinculado
- Artº 106º nº 1 e 107º nº 1 do ETAPM

SUMÁRIO:
- A informação prestada pelo serviço a que o funcionário pertence quanto à sua antiguidade e tempo de serviço prestado é um acto que se repercute na esfera jurídica deste, sendo um acto externo e como tal recorrível;
- O funcionário que perfaça 18 meses de faltas por doença e com mais de 15 anos de serviço, nos termos do nº 1 do artº 106º e nº 1 do artº 107º ambos do ETAPM é automaticamente desligado do serviço para efeitos de aposentação;
- Sendo a aposentação prevista naquela norma um acto vinculado na data em que se encontram preenchidos os respectivos pressupostos aquela opera “ex legis” cessando a contagem de tempo de serviço para efeitos de antiguidade.

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Rui Pereira Ribeiro

Processo nº 429/2021
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 10 de Março de 2022
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
  
I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do Despacho de 30.03.2021 proferido pelo Secretário para a Segurança com base na informação nº 74/DRH/2021 formulando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso contencioso tem como objectivo anular o despacho de 30 de Março de 2021, proferido pelo Secretário para a Segurança com base na Informação n.º 74/DRH/2021 da Divisão de Recursos Humanos dos Serviços de Alfândega (adiante designado por “acto recorrido”).
2. O acto recorrido, com fundamento em que o recorrente completou 15 anos de serviços para efeitos de aposentação e as suas faltas por doença já excederam 18 meses, decidiu que foi o recorrente obrigatoriamente desligado do serviço para efeitos de aposentação a partir de 8 de Agosto de 2020, conforme os art.ºs 106.º, n.º 1, 107.º, n.º 1, al. a) e 262.º, n.º 1, al. b) do ETAPM.
3. Porém, o recorrente não concorda com a decisão no acto recorrido no sentido de fixar o tempo de serviço prestado pelo recorrente nos SA em 26 anos e 10 meses e 8 dias, calculados desde 6 de Setembro de 1993 até 7 de Agosto de 2020, para efeitos de aposentação e prémio de antiguidade;
4. O recorrente pediu para anular o acto recorrido por incorrer nos seguintes vícios de aplicação da lei.
I. O acto recorrido ofendeu o direito adquirido do recorrente de alcançar a aposentação e os prémios de antiguidade, por violar os art.ºs 262.º, n.º 1, al. b), 267.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 6 do ETAPM, bem como o princípio da boa fé previsto pelo art.º 8.º do CPA;
II. O acto recorrido contou erradamente o tempo de serviço prestado pelo recorrente nos SA por violação do art.º 157.º, n.º 1 do ETAPM, e dos art.ºs 75.º, 101.º, n.º 1 e 102.º, n.º 1 do EMFSM;
III. O acto recorrido violou os art.ºs 117.º e 118.º do CPA.
5. Em primeiro lugar, no que diz respeito à questão de desligação do serviço dos trabalhadores depois de ter atingido o limite legal das faltas por doença, indicou-se o seguinte no Parecer n.º 4/VI/2018 da 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa: “as alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 107.º passam a estabelecer que, findos os prazos limite de faltas por doença previstos no artigo 106.º (18 meses ou 5 anos, conforme a doença), os trabalhadores são automaticamente desligados do serviço, sejam ou não considerados incapazes para o trabalho pela Junta de Saúde. O que passa a relevar são os prazos limites das faltas por doença. Atingidos estes, a regra passa a ser a da desligação automática do serviço, sem necessidade de quaisquer outros procedimentos ou pareceres.”
6. Porém, ressalvado o respeito pela opinião diversa, entendemos que a “desligação automática do serviço, sem necessidade de quaisquer outros procedimentos ou pareceres”, mencionada no supracitado parecer, limita-se à desnecessidade de instauração do procedimento administrativo pela Administração para determinar se deve ou não o trabalhador ser desligado do serviço por atingir o limite legal das faltas por doença, mas não implica qualquer direito do interessado de se declarar desligado do serviço.
7. No sistema jurídico da função pública, quando não obtenham o consentimento expresso do serviço a que pertencem, ou não sejam notificados para tratar das formalidades de desligação do serviço, não podem os funcionários ou agentes, na qualidade de empregados e na falta de tratamento de qualquer formalidade de desligação do serviço, cessar, por si, a relação laboral depois de atingir o limite das faltas por doença, sob pena de assumir a responsabilidade disciplinar correspondente.
8. No caso sub judice, embora o recorrente atinja o limite legal das faltas por doença (18 meses), autorizar ou não a desligação do serviço do recorrente ou quando é que proceder ao tratamento das formalidades de desligação ainda dependem, pelo menos, da decisão ou notificação dos SA.
9. Importa salientar que, por sofrer de doença prolongada por mais de 18 meses, o recorrente requereu, no dia 3 de Setembro de 2020 e por iniciativa própria, aos SA o procedimento administrativo de aposentação obrigatória.
10. Porém, após o supracitado requerimento, os SA não procederam ao tratamento das formalidades de desligação do serviço do recorrente, nem iniciaram de imediato o eventual processo de aposentação, entendendo que na altura, o recorrente ainda não reuniu o requisito legal do limite das faltas por doença (18 meses), pelo que indeferiu o seu requerimento de aposentação obrigatória, e indicou que o procedimento administrativo de aposentação obrigatória só se iniciou após a verificação do requisito legal (vide o doc. 5).
11. No dia 24 de Novembro de 2020, os SA notificaram o recorrente do relatório de exame da Junta de Saúde e da decisão feita pela respectiva Junta no sentido de o período das faltas por doença concedido ao recorrente atingir 18 meses até 7 de Agosto de 2020. Mas depois, os SA ainda não procederam ao tratamento das formalidades de desligação do serviço do recorrente, nem iniciaram o processo de aposentação, principalmente porque entenderam os SA que o recorrente se envolveu num processo disciplinar pendente (n.º 37/2019-2.6-DIS).
12. A verdade é que, obviamente, ainda não foi resolvida a relação laboral entre o recorrente e os SA no período entre 8 de Agosto de 2020 e Abril de 2021, durante o qual o recorrente ainda era verificador alfandegário em efectividade de funções, e os SA ainda elaboraram a escala de serviço para o recorrente. E nos dias 20 e 21 de Outubro, e 17 a 19 de Novembro de 2020, o recorrente prestou efectivamente trabalho conforme a escala de serviço elaborada pelo serviço a que pertenceu, apresentou, a pedido do serviço a que pertenceu, atestados médicos emitidos pelos SS relativamente aos restantes dias, gozou as férias do ano de 2019 no período entre 20 de Novembro e 7 de Dezembro de 2020, gozou as férias do ano de 2020 desde 15 de Janeiro até 1 de Fevereiro de 2021, precisou observar uma série de deveres e encargos, e foi-lhe sempre atribuído o vencimento pelo serviço.
13. O mais importante é que, no período entre 1 e 9 de Dezembro de 2020, o chefe do serviço a que pertenceu o recorrente alegou que por não ter sucesso em contactar com o recorrente e o notificar do disposto no art.º 16.º, al. g) do Decreto-Lei n.º 66/94/M, foi instaurado o processo disciplinar n.º 51/2020-2.21-AVE(DIS) para efectivação da responsabilidade disciplinar do recorrente, que agora se encontra pendente.
14. Daí que, desde 8 de Agosto de 2020 até 7 de Abril de 2021, período em que o recorrente tratou oficialmente das formalidades de desligação do serviço, ele mantinha sempre o vínculo funcional com os SA e o serviço a que pertenceu, verificando-se, objectivamente, a relação laboral.
15. É de mencionar que, dos dispostos nos art.ºs 262.º, n.º 2, 267.º, n.º 1 e n.º 6, e 306.º, n.º 1 do ETAPM resulta que, mesmo aos funcionários e agentes aposentados, ainda são aplicáveis as penas de suspensão e de multa. Por outra palavra, a lei não estipula que a abertura do procedimento administrativo de aposentação obrigatória dependa da decisão definitiva feita no processo disciplinar, e em contrário, o procedimento administrativo de aposentação obrigatória deve ser independente do processo disciplinar. Por isso, não obstante que o recorrente seja envolvido em processos disciplinares pendentes, não será impedida a abertura do procedimento administrativo de desligação obrigatória do serviço para efeitos de aposentação.
16. Assim, no caso vertente, se a DRH dos SA entendesse que o recorrente precisava desligar-se automaticamente do serviço após o decurso do prazo limite (18 meses) das faltas por doença, deveria ter tratado do requerimento do procedimento administrativo de aposentação obrigatória apresentado pelo recorrente, e enviado o processo de aposentação do recorrente ao FPM, nos termos dos art.ºs 262.º, n.º 2, e 267.º, n.º 1 e n.º 6 do ETAPM, pelo menos depois da notificação do relatório de exame da Junta de Saúde ao recorrente, feita pelos SA no dia 24 de Novembro de 2020.
17. Porém, a verdade é que, só até aos dias 1 de Fevereiro e 16 de Março de 2021, datas em que o recorrente enviou cartas ao Director-geral dos SA, é que a DRH dos SA, depois de consultar o Departamento Técnico-Jurídico do SAFP, decidiu tratar do requerimento do procedimento administrativo de aposentação obrigatória do recorrente, e só no dia 30 de Março é que a entidade recorrida decidiu autorizar a desligação do serviço do recorrente para efeitos de aposentação.
18. Com base na confiança depositada no serviço a que pertenceu, o recorrente aguardou a notificação, por parte dos SA, do tratamento das formalidades de desligação do serviço e da abertura do processo de aposentação. Porém, depois da recepção da decisão feita pela Junta de Saúde no dia 13 de Novembro de 2020, que reconheceu que até ao dia 7 de Agosto de 2020, o recorrente já faltou ao serviço por motivo de doença por 18 meses, os SA, na violação da lei, nunca procederam ao tratamento da desligação do serviço do recorrente ou à abertura do processo de aposentação, fazendo com que o recorrente prestasse serviço efectivo na qualidade de militarizado dos SA no período entre 8 de Agosto de 2020 e 7 de Abril de 2021, e que o serviço a que pertenceu o recorrente entendesse que este faltou ao serviço por motivo de doença de forma continuada e interpolada desde 8 de Agosto de 2020 até 7 de Abril de 2021.
19. Porém, os SA mudaram de posição de repente, e por meio do acto administrativo recorrido, consideraram que foi o recorrente obrigatoriamente desligado do serviço para efeitos de aposentação a partir de 8 de Agosto de 2020, ofendendo, assim, o direito adquirido do recorrente de alcançar a aposentação e os prémios de antiguidade.
20. É de reafirmar que, o recorrente, na qualidade dum verificador alfandegário, tem que observar uma série de deveres dos militarizados, e sobretudo, sem autorização expressa do superior hierárquico ou, pelo menos, notificação para tratar da desligação do serviço, não pode o recorrente declarar-se desligado do serviço, e produzir a eficácia na al. a) do n.º 1 do art.º 107.º do ETAPM.
21. Com base nisso, o acto recorrido incorreu obviamente no vício de violação de lei, e aplicou erradamente os art.ºs 262.º, n.º 1, al. b), 267.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 6 do ETAPM, bem como o princípio da boa fé previsto pelo art.º 8.º do CPA, ofendendo o direito adquirido do recorrente de alcançar a aposentação e os prémios de antiguidade.
22. Em segundo lugar, ao abrigo dos dispostos nos art.ºs 157.º, n.º 1 do ETAPM, e 75.º, 101.º, n.º 1 e 102.º, n.º 1 do EMFSM, o tempo de serviço efectivo constitui a base para a contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação, e conta-se como tempo de serviço efectivo o tempo de serviço prestado na efectividade de serviço.
23. No caso sub judice, no dia 13 de Novembro de 2020, a Junta de Saúde confirmou que até ao dia 7 de Agosto de 2020, o recorrente já faltou ao serviço por motivo de doença por 18 meses, bem como rectificou a decisão de não confirmar as faltas justificadas do recorrente desde 02/08/2019 a 25/09/2019, feita pela mesma Junta no dia 3 de Julho de 2020.
24. Quer depois do requerimento da desligação obrigatória do serviço para efeitos de aposentação apresentado pelo recorrente no dia 3 de Setembro de 2020, quer depois da recepção do supracitado registo de exame da Junta de Saúde no dia 20 de Novembro de 2020, os SA não procederam ao tratamento das formalidades de desligação do serviço do recorrente;
25. E os SA continuaram a elaborar a escala de serviço para o recorrente, atribuir-lhe vencimentos e organizar o seu gozo de férias. O recorrente, por sua vez, prestou efectivamente trabalho aos SA, continuou a apresentar, ao abrigo dos dispostos nos art.ºs 100.º e segs. do ETAPM, atestados médicos para justificar a sua ausência por doença, teve sempre contacto com o serviço a que pertenceu sobre o trabalho, e foram lhe instaurados dois processos disciplinares;
26. Dos supracitados factos objectivos resulta que, desde 8 de Agosto de 2020 até 7 de Abril de 2021, período em que o recorrente tratou das formalidades de desligação do serviço, ele encontrou-se, obviamente, na efectividade de serviço, não só gozou os direitos em serviço – receber o vencimento mensal, gozar as férias, pagar as contribuições para aposentação e sobrevivência e os encargos, mas também precisou observar uma série de deveres dos militarizados, tais como os deveres de zelo, de obediência e de assiduidade, sendo ainda instaurados processos disciplinares para a efectivação da responsabilidade disciplinar do recorrente.
27. Por isso, o tempo de serviço para efeitos de aposentação prestado pelo recorrente deve contar-se até 7 de Abril de 2020 (sic.), data em que o recorrente foi efectivamente desligado do serviço.
28. Assim, o acto recorrido violou os art.ºs 157.º, n.º 1 do ETAPM, e 75.º, 101.º, n.º 1 e 102.º, n.º 1 do EMFSM. Em virtude dos art.ºs 124.º e 125.º, n.º 2 do CPA, deve ser anulado o acto recorrido, e o tempo de serviço prestado pelo recorrente nos SA conta-se desde 6 de Setembro de 1993 até 7 de Abril de 2021, para efeitos de aposentação e prémio de antiguidade.
29. Por fim, se o MM.º Juiz não concordar com o supracitado entendimento, vem o recorrente acrescentar que o acto recorrido violou os art.ºs 117.º e 118.º do CPA.
30. Nos termos dos art.ºs 105.º, n.º 3, 106.º, n.º 1 e 107.º, n.º 1, al. a) do ETAPM, bem como dos art.ºs 117.º e 118.º do CPA, o período de faltas por doença é concedido pela Junta de Saúde conforme se o trabalhador se encontra em condições de prestar trabalho, pelo que compete à Junta de Saúde determinar quando é que as faltas por doença do recorrente atingiram o limite legal de 18 meses.
31. De acordo com o despacho proferido pela entidade recorrida em 10 de Novembro de 2020, mencionado no doc. 5, foi indeferido o requerimento do procedimento administrativo de aposentação obrigatória, apresentado pelo recorrente no dia 3 de Setembro de 2020, com fundamento, principalmente, em que parte das ausências por doença do recorrente ainda não foram confirmadas como justificadas.
32. Segundo a decisão da Junta de Saúde constante do doc. 4, foi confirmado o período duma parte das ausências por doença, e também foi rectificado o registo de exame lavrado no dia 3 de Julho de 2020, sendo confirmada, assim, a justificação das ausências por doença do recorrente desde 2 de Agosto até 25 de Setembro de 2019.
33. Através da referida decisão de rectificação feita pela Junta de Saúde, o período de ausências por doença do recorrente atingiu o limite legal no dia 7 de Agosto de 2020, ou seja de 18 meses.
34. O acto administrativo produz os seus efeitos jurídicos desde a data em que for praticado, e só tem eficácia retroactiva quando seja lhe atribuída tal eficácia pela lei ou nos casos previstos na lei.
35. Por outra palavra, antes do dia 13 de Novembro de 2020, data da supracitada rectificação feita pela Junta de Saúde, o recorrente não atingiu o limite legal previsto pelo art.º 106.º, n.º 1 do ETAPM.
36. Daí que, a decisão da Junta de Saúde constitui pressuposto do limite legal previsto pelo art.º 106.º, n.º 1 do ETAPM.
37. In casu, certo é que, só no dia 13 de Novembro de 2020, data em que a Junta de Saúde fez a decisão de rectificação, é que o recorrente atingiu o limite legal previsto pelo art.º 106.º, n.º 1 do ETAPM, e ficou possível iniciar o procedimento administrativo de desligação obrigatória do serviço para efeitos de aposentação.
38. Por outro lado, o acto administrativo só produz efeitos em relação ao interessado quando lhe for notificado, de forma legal, pelo órgão administrativo.
39. No dia 24 de Novembro de 2020, os SA notificaram o recorrente do resultado do supracitado exame feito pela Junta de Saúde em 13 de Novembro de 2020.
40. Desta forma, o recorrente prestou efectivamente trabalho aos SA no período entre 8 de Agosto e 24 de Novembro de 2020, e os seus vencimentos, prémios de antiguidade e subsídios a receber devido ao trabalho, bem como o seu tempo de serviço contado para efeitos de antiguidade, não devem ser afectados pela rectificação feita pela Junta de Saúde do seu relatório de exame anteriormente elaborado.
41. Se a decisão de rectificação feita pela Junta de Saúde tenha eficácia retroactiva, será lesado, sem dúvida, o direito adquirido do recorrente de receber os vencimentos, prémios de antiguidade e subsídios por ter prestado efectivamente trabalho no período entre 8 de Agosto e 13 de Novembro de 2020.
42. Por isso, o acto recorrido violou os art.ºs 105.º, n.º 3, 106.º, n.º 1 e 107.º, n.º 1, al. a) do ETAPM, ofendendo o direito adquirido do recorrente de receber os vencimentos, prémios de antiguidade e subsídios por ter prestado trabalho no período entre 8 de Agosto e 13 de Novembro de 2020. Nos termos dos art.ºs 124.º e 125.º, n.º 2 do CPA, deve ser anulado o acto recorrido, e o tempo de serviço prestado pelo recorrente nos SA conta-se desde 6 de Setembro de 1993 até 7 de Abril de 2021, para efeitos de aposentação e prémio de antiguidade.
  Citada a entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Segurança, apresentando as seguintes conclusões:
1) O recorrente interpôs o presente recurso do despacho proferido pelo Secretário para a Segurança na Informação dos Serviços de Alfândega n.º 74/DRH/2021 em 30 de Março de 2021.
2) Ao abrigo do despacho supracitado, autorizou-se a desligação obrigatória do serviço do recorrente para efeitos de aposentação a partir de 8 de Agosto de 2020, nos termos dos art.ºs 106.º n.º 1, 107.º n.º 1 al. a) e 262.º n.º 1 al. b) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, alterado pela Lei n.º 18/2018.
3) Ao abrigo do art.º 262.º n.º 1 al. b) do ETAPM, são obrigatoriamente desligados do serviço para efeitos de aposentação os funcionários ou agentes que: Tendo um período mínimo de 15 anos de serviço para efeitos de aposentação, estejam abrangidos pela situação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º.
4) E nos termos do art.º 267.º n.º 2 do ETAPM, em caso de aposentação obrigatória, e sem prejuízo do disposto em matéria de aposentação compulsiva, a desligação do serviço é imediata.
5) Daí, em 7 de Agosto de 2020, o recorrente atingiu o limite máximo de faltas por doença previsto no art.º 106.º n.º 1 do ETAPM, deve ser obrigatória e imediatamente desligado do serviço para efeitos de aposentação.
6) A norma jurídica supracitada não consagra à Administração nenhum espaço de discricionariedade, pelo que o Secretário para a Segurança proferiu o despacho nos termos legais, autorizando a desligação obrigatória do serviço do recorrente para efeitos de aposentação.
7) Relativamente ao tempo de serviço do recorrente constante do ponto 6 da Informação dos Serviços de Alfândega supracitada, o teor mais importante reside nos elementos verificados com o Fundo de Pensões, até 31 de Dezembro de 2019 o recorrente completou 15 anos de serviço para efeitos de aposentação, satisfazendo o disposto no art.º 107.º n.º 1 al. a) do ETAPM.
8) O Secretário para a Segurança não tem competência para determinar o tempo de serviço do recorrente para efeitos de aposentação e de prémio de antiguidade, e os respectivos elementos apenas se servem para apreciar se o recorrente corresponde ou não à norma jurídica supracitada, não produzem efeitos na determinação do tempo de erviço do recorrente.
9) Conforme o extracto do despacho do Fundo de Pensões publicado no BO, II Série, de 5 de Maio de 2021, o Secretário para a Administração Pública proferiu o despacho em 21 de Abril de 2021, fixando a sua pensão de aposentação em função dos 26 anos do tempo de serviço do interessado (fls. 114 a 115 dos autos).
10) Face ao exposto, o acto ora recorrido é totalmente vinculado nos termos legais, não produz nenhum efeito para determinar o tempo de serviço do recorrente para efeitos de aposentação e de prémio de antiguidade.
  
  Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, veio o Recorrente fazê-lo.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO

1. Dos factos
  
a) Em 03.09.2020 o agora Recorrente apresentou requerimento em que solicitava que fosse desligado automaticamente do serviço por ter mais de quinze anos de serviço e o período de faltas por doença ultrapassar 18 meses, cuja cópia consta de fls. 25 a 28 (traduzido a fls. 112 a 117) e aqui se dá por integralmente reproduzido;
b) Por despacho de 10.11.2020 do Secretário para a Segurança foi a pretensão do Requerente indeferida com base na Informação da Divisão de Recursos Humanos nº 150/DRH/2020 tudo conforme consta de fls. 33 e 34 (traduzido a fls. 127 a 130) e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
c) Pelos Serviços de Alfândega em 12.03.2021 foi lavrada a informação nº 74/DRH/2021 com o seguinte teor:
Relativamente ao assunto de que o verificador de primeira alfandegário n.º 6**** – A – apresentou o processo administrativo de aposentação obrigatória ao Departamento através do Anexo I, veio apresentar as informações sobre a situação de faltas por doença da parte, com o seguinte teor:
1. A parte começou as faltas por doença a partir de 16 de Dezembro de 2018, neste período esta Divisão providenciou sucessivamente à parte dez exames realizadas pela Junta de Saúde (vide o Anexo II) nos termos dos art.ºs 104.º e 105.º do ETAPM; e de acordo com o parecer da Junta de Saúde, o período de faltas por doença entre 2 de Agosto de 2019 e 25 de Setembro de 2019 inicialmente não foi confirmado e depois passou a ser confirmado; e conforme o resultado do último exame (em 13 de Novembro de 2020), o período de faltas por doença da parte autorizadas pela Junta de Saúde até 7 de Agosto de 2020 já durou 18 meses (vide o Anexo II).
2. Dado que uma parte do período de faltas por doença da parte não foi confirmado pela Junta de Saúde, este Departamento abriu o processo disciplinar (Processo n.º 37/2019-2.6-DIS) e o processo ainda está a correr; por isso, depois de ter recebido o ofício emitido pelos Serviços de Saúde em 20 de Novembro de 2020, é necessário fazer mais análise sobre a situação da parte, pelo que não abriu imediatamente o processo administrativo de aposentação obrigatória.
3. Tendo consultado o parecer do Departamento Técnico-Jurídico do SARF, mesmo que o processo disciplinar da parte ainda não seja concluído, o processo administrativo de aposentação obrigatória e o processo disciplinar supracitado são processos autónomos, pelo que sugeriu que este Departamento deduza o processo administrativo de desligação de serviços para efeito de aposentação obrigatória nos termos do art.º 262.º n.º 1 al. b) do ETAPM, para que tome decisão final ate à decisão do processo disciplinar da parte.
4. Em 13 de Novembro de 2020, a Junta de Saúde confirmou que o período de faltas por doença do verificador de primeira alfandegário até 7 de Agosto de 2020 durou 18 meses. E o mesmo encontra-se ininterruptamente na situação de faltas por doença desde 8 de Agosto de 2020 até hoje (vide o Anexo III).
5. Ao abrigo dos art.ºs 106.º n.º 1 e 107.º n.º 1 al. a) do ETAPM, alterada pela Lei n.º 18/2018, dado que a parte completou 15 anos de serviço para efeitos de aposentação e o período de faltas por doença do verificador de primeira alfandegário ultrapassou 18 meses, a parte foi obrigatoriamente desligada do serviço para efeitos de aposentação a partir de 8 de Agosto de 2020 nos termos do art.º 162.º n.º 1 al. b) do mesmo Estatuto.
6. Nos termos do art.º 262.º n.º 1 al. b) e n.º 2 do mesmo Estatuto, este Departamento instaurou o processo de aposentação obrigatória e instruiu oficiosamente o processo de aposentação, e o tempo de serviço do verificador de primeira alfandegário, até 7 de Agosto de 2020, para efeitos de aposentação e de prémio de antiguidade, é o seguinte:

Ano
Mês
Dia
- Até 31 de Dezembro de 2019 (já foi verificado pelo Fundo de Pensões) (Nota 1)
26
2
28
- De 1 de Janeiro de 2020 até 7 de Agosto de 2020
0
7
10
- De 6 de Setembro de 1993 até 7 de Agosto de 2020
26
10
8

Nota 1: à parte foi aplicada a pena de suspensão de funções por 35 dias entre 8 de Abril de 2000 e 12 de Maio de 2000.
7. São os seguintes elementos pessoais do referido verificador de primeira alfandegário:
a. A parte nasceu a XX de XXXXXX de 1973, portanto, tinha 46 anos quando desligou de serviços;
b. Começou as funções neste Departamento desde 6 de Setembro de 1993;
c. Verificador de primeira alfandegário, 3º escalão, índice 320;
d. À parte foram atribuídos 5 prémios de antiguidade desde 5 de Outubro de 2018;
e. Exerceu funções no Posto Alfandegário de Macau da Ponte Hong Kong – Zhuhai – Macau;
f. De acordo com o memorando constante do Anexo IV, a parte envolveu no processo disciplinar pendente n.º 37/2019-2.6-DIS, sendo posicionada na 1ª classe de comportamento;
g. A parte não recebeu subsídio de residência, mas sim recebeu subsídio de família da sua cônjuge e do seu filho.
8. Ao abrigo da ordem administrativa n.º 182/2019, a autorização de desligação de serviço para efeito de aposentação é de competência delegada ao Secretário para a Segurança, pelo que sugeriu que se submeta ao despacho do Secretário.
9. Submete-se à decisão superior.
- cf. fls. 44 a 46 do PA junto aos autos;
d) Por despacho lavrado na informação referida na alínea anterior em 30.03.2021 pelo Senhor Secretário para a Segurança foi autorizado que o agora Recorrente fosse obrigatoriamente desligado do serviço para efeitos de aposentação a partir de 08.08.2020 – cf fls. 44 do PA junto aos autos -;
e) O agora Recorrente foi notificado daquele despacho em 20.04.2021 – cf. fls. 34v do PA junto aos autos.
  
2. Do Direito
  
  É o seguinte o teor do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
  «1.
  A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Segurança datado de 30 de Março de 2021 que, na alegação do Recorrente, terá procedido à contagem do seu tempo de serviço para efeitos de aposentação e prémio de antiguidade, computando-o em 26 anos, 10 meses e 8 dias, pedindo a respectiva anulação.
  2.
  2.1.
  (i)
  Em nosso modesto entendimento ocorre o obstáculo ao conhecimento do mérito do presente recurso a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 46.º do CPAC uma vez que o acto recorrido é irrecorrível.
  De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 28.º do CPAC, apenas são recorríveis os actos que, para além de verticalmente definitivos, sejam produtores de efeitos externos.
  A distinção entre efeitos jurídicos internos e externos de determinado acto administrativo depende, essencialmente, de tais efeitos se projectarem ou não, de forma directa, na esfera jurídica do particular destinatário.
  Tal exigência de que os efeitos jurídicos do acto administrativo se projectem directamente naquela esfera como pressuposto da respectiva impugnabilidade contenciosa implica, nomeadamente, a exclusão do conceito de acto administrativo recorrível dos chamados actos meramente preparatórios inseridos no procedimento, ainda que os mesmos sejam determinantes do conteúdo da decisão final, sempre que ou na medida em que não visem produzir efeitos externos por si, mas apenas através de outra decisão, em regra aquela decisão final do procedimento, que constituirá, assim, o acto principal e único recorrível (nestes termos, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 5.ª edição, Coimbra, 2018, pp. 173-174).
  (ii)
  Ora, a nosso ver, o acto recorrido, por isso que é um acto meramente preparatório, é destituído de efeitos externos e por isso irrecorrível (aliás, de acordo com um certo entendimento doutrinal, aquele que, na linha da doutrina alemã, defende um conceito restrito de acto administrativo, um acto a que falta essa característica da produção de efeitos externos não é, sequer, um acto administrativo, mas, antes, como no caso dos actos meramente preparatórios, um acto jurídico instrumental que apenas visa produzir efeitos dentro do procedimento).
  Na verdade, o Recorrente foi obrigatoriamente desligado do serviço para efeitos de aposentação nos termos do disposto na parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 262.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, por ter atingido o limite de 18 meses de faltas por doença [cfr. artigos 106.º, n.º 1 e 107.º, n.º 1, alínea a) do ETAPM].
  Daí que, em cumprimento do disposto no n.º 2 daquele mesmo artigo 262.º do ETAPM, o serviço processador do vencimento organizou o processo de aposentação, informando sobre a contagem do tempo de serviço e remetendo-o, de seguida, para o Fundo de Pensões.
  O Recorrente não se conforma com essa contagem do tempo de serviço por considerar que na mesma não foi, em seu entender indevidamente, computado o tempo que decorreu entre 8 de Agosto de 2020 e 7 de Abril de 2021, período durante o qual se encontrou em efectividade de funções.
  Está em causa, portanto, a natureza da informação relativa à contagem de tempo de serviço prestada pelo serviço do Recorrente e acolhida pela Entidade Recorrida no âmbito do procedimento de aposentação.
  Vejamos.
  Decorre do disposto no n.º 1 do artigo 267.º do ETAPM que a informação relativa à contagem do tempo de serviço prestada pelo serviço processador do vencimento é um dos elementos que instrui o chamado processo de aposentação, o qual, no essencial, corre perante o Fundo de Pensões. Aliás, o tempo de serviço prova-se, precisamente, através de certidões ou informações autênticas emitidas pelo serviço de que depende o interessado (cfr. artigo 267.º, n.º 5 do ETAPM).
  Porém, a competência para a verificação das condições necessárias para a aposentação, incluindo, portanto, a atinente à contagem do tempo de serviço, é deferida por lei ao Fundo de Pensões. É o que se extrai, literalmente, do disposto no n.º 3 do artigo 267.º do ETAPM. Significa isto, portanto, que é o Fundo de Pensões que, embora perante as certidões ou informações autênticas emitidas pelo serviço do trabalhador, procede, com autonomia e em última instância, à contagem do tempo de serviço prestado. Só pode ser, estamos em crer, este o sentido normativo útil da «verificação» a que se refere o n.º 3 do artigo 267.º do ETAPM. Daí que se nos afigure que a informação prestada pelo serviço tenha efeitos meramente intra-procedimentais de natureza instrutória ou probatória, acto meramente preparatório, portanto, que se não repercute constitutivamente na esfera jurídica do interessado, nem vincula o órgão competente para a decisão final do procedimento de aposentação.
  Por isso se pode concluir que tal acto se mostra destituído de efeitos externos, os quais só se produzem com aquela decisão final do procedimento através do qual é fixada a pensão, no pressuposto, entre outros, de uma certa contagem do tempo de serviço do trabalhador [a este propósito, parece-nos relevante assinalar que o Tribunal de Última Instância, no seu acórdão de 17 de Dezembro de 2009, tirado no processo n.º 12/2009, não deixou de assinalar, a propósito da questão das listas de antiguidade e da sua natureza enquanto actos administrativos, «que o procedimento de elaboração e publicação anual das listas de antiguidade (artigo 160.º do ETAPM) é inteiramente distinto do procedimento de aposentação (artigo 267.º do ETAPM). As listas de antiguidade e a decisão sobre reclamação das listas de antiguidade fixam, com efeitos externos, a decisão do serviço de que depende o funcionário relativamente ao seu tempo de serviço na Administração e a sua antiguidade na categoria, bem como o tempo computado para efeitos de aposentação». No entanto, como se lê no mesmo acórdão, «daqui não decorre necessariamente que esta decisão do serviço se imponha ao Fundo de Pensões, quando este, finalizando o procedimento de aposentação, fixa a respectiva pensão (artigo 267.º, n.º 6 do ETAPM)». Em todo o caso, nesse processo, o Tribunal de Última Instância absteve-se de decidir concretamente sobre tal questão].
  Irrecorrível, portanto, estamos em crer, o acto agora impugnado contenciosamente pelo Recorrente, sendo que a irrecorribilidade do acto constitui uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa e que pode ser deduzida pelo o Ministério Público nos termos expressamente previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 69.º do CPAC.».
  Com todo o respeito devido ao Douto Parecer do Ministério Público não acompanhamos a posição que sustenta.
  No Acórdão do TUI de 17.12.2009 proferido no processo que correu termos sob o nº 12/2009 que refere o Ilustre Magistrado do Ministério Público, embora aquele Venerando Tribunal não tenha tomado posição sobre qual das decisões prevalece sobre a outra, isto é, se a contagem de tempo de serviço dos serviços a que pertence o funcionário, se a contagem de tempo feita pelo Fundo de Pensões, o certo é que, embora o objecto da decisão seja um despacho do dirigente do serviço a alterar uma lista de antiguidade, o certo é que, não deixa de relevar que ali se equaciona a possibilidade de no futuro se poder ter de vir a apreciar se a certidão emitida pelo serviço de que depende o funcionário com a contagem do tempo de serviço se sobrepõe ou não à decisão sobre a matéria do Fundo de Pensões, o que, a ser assim, pressupõe que aquela contagem de tempo de serviço é um acto positivo, isto é, com efeitos externos1.
  Sobre a recorribilidade do acto mostra-se adequado citar o que a propósito refere Viriato Lima e Álvaro Dantas em Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado em anotação ao artº 28º, pág. 101 e 102:
  «2. Refere-se o artigo em anotação a um dos pressupostos processuais específicos do recurso contencioso de actos administrativos e que é o da recorribilidade do acto2. De acordo com a norma em apreço, são dois os elementos determinantes da recorribilidade do acto: (i) por um lado a sua eficácia externa e (ii), por outro, a não sujeição a impugnação administrativa necessária (a definitividade vertical).
  3. A noção legal de acto administrativo que se encontra pressuposta no n.º 1 do presente artigo encontramo-la no Código do Procedimento Administrativo, mais concretamente no seu artigo 110.º. De acordo com essa disposição legal, consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. É essencial, portanto, que estejamos perante uma manifestação decisória por parte da Administração e não perante uma mera declaração de ciência, um juízo de valor ou uma opinião3. Dentro desta noção legal de acto administrativo, o artigo agora em anotação delimita o círculo dos actos contenciosamente impugnáveis ao estabelecer que a recorribilidade dos actos administrativos depende de os mesmos terem eficácia externa4 5. Acompanhando a melhor doutrina, pode dizer-se que “são externos os actos que produzem efeitos jurídicos no âmbito das relações entre a Administração e os particulares ou que afectam a situação jurídico-administrativa de uma coisa. Ao que, hoje, se devem acrescentar os actos que se inscrevem no âmbito de relações entre entidades públicas. Por contraposição, actos internos são aqueles que se inscrevem no âmbito das relações interorgânicas ou das relações de hierarquia e que apenas indirectamente se poderão reflectir no ordenamento jurídico geral”6.».
  Ainda sobre a mesma matéria escreve Cândido de Pinho em Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso em anotação ao artº 28º, pág. 211/212:
  «1 - Começa neste artigo uma secção dedicada a aspectos que têm que ver com a recorribilidade do acto.
  A primeira questão que o preceito nos sugere tem que ver com a possibilidade de se estar aqui perante um pressuposto processual ou não. Vieira de Andrade, por exemplo, integra a recorribilidade noutros pressupostos (A justiça Administrativa, 6ª ed., págs. 226, 235 e 242).
  No entanto, o CPAC isola esta matéria nesta secção, para depois a incluir nas causas de rejeição (art. 46º, nº2, al. c), infra), parecendo fazer-nos crer que a quis tratar como um verdadeiro pressuposto dotado de autonomia processual.
  Por outro lado, parece-nos, tal como opinam Fernando Brandão Ferreira Pinto e Guilherme Frederico Dias Pereira da Fonseca (Direito Processual Administrativo Contencioso, Elcla Editora, 1991, pág. 75), que este é um pressuposto intimamente ligado ao objecto do recurso, isto é, ao acto administrativo impugnado. Tem que ver com a condição do próprio acto, com a força intrínseca que revela, com a capacidade de gerar efeitos externos, com a dinâmica da relação entre Administração e administrado. Portanto, em vez de ser pressuposto do processo, é um pressuposto do objecto, um pressuposto que comanda a possibilidade de exigir do juiz uma palavra decisora sobre o acto sindicado.
  2 - O nº1 contém uma definição de acto administrativo recorrível, que não corresponde exactamente à que consta do art. 110º do CP A, embora também a tenha por implícita, digamos assim. Ou seja, preferiu o legislador do contencioso assentar na prévia caracterização de acto administrativo tal como ela vem definida no lugar próprio (o CPA), para depois, lhe somar dois requisitos, um positivo, outro negativo.
  O positivo refere-se à necessidade de o acto produzir efeitos externos. O segundo, alude à circunstância de o acto em causa não estar sujeito a impugnação administrativa necessária. Dito isto, e numa primeira impressão, só é acto recorrível contenciosamente, o acto administrativo que projecte a sua eficácia (os seus efeitos) sobre a esfera dos seus destinatários e do qual não caiba uma reclamação ou um qualquer recurso administrativo (hierárquico ou tutelar) necessário.
  3 - Em primeiro lugar, para ser recorrível, o objecto do recurso tem que ser um acto administrativo que produza efeitos externos. Di-lo o n.ºl, 1ª parte, do CPAC.
  Esta ideia de “externação de efeitos” já está implícita na noção de acto administrativo (art. 110.º do CPA), pois só é acto com essa natureza aquele que visa produzir efeitos numa relação individual e concreta. Se os efeitos do acto se manifestam apenas internamente, dentro da própria Administração, então não se está perante um acto recorrível. Por outro lado, mesmo que esteja apto a produzir efeitos externos, isto é, ainda que tenha aptidão para produzir efeitos projectáveis sobre a esfera de terceiros (particulares ou públicos), não estaremos perante acto recorrível se ele (acto) ainda não for eficaz, por falta de requisitos próprios, como é o caso da sua notificação ou publicação, quando obrigatória (ver art.1l7.º e sgs. do CPA).
  Mas a noção de acto recorrível que esta disposição nos transmite leva-nos a admitir que o legislador acabou por consagrar opiniões há muito sedimentadas na doutrina e na jurisprudência, segundo as quais não é recorrível somente o acto final decisório, aquele que culmina o procedimento administrativo e que, de algum modo, está presente na definição do art. 110.º do CPA. Independentemente do lugar que ocupe no seio do procedimento, qualquer acto pode ser recorrível, bastando que produza efeitos externos. Pode ser um acto inicial (v.g. acto que determina a abertura de um concurso) ou de trâmite ou intercalar (acto que, por exemplo, elimina do concurso um determinado candidato que, por essa razão, se diz destacável, na medida em que se autonomiza dos demais actos de trâmite). Desde que lesivos e constituam uma resolução para o interessado - aí estará a medida da externação -, podem ser objecto de recurso (neste sentido e sobre o assunto, M. Aroso Almeida e C. A. Fernandes Cadilha in ob. cit., págs. 308 e segs.; M. Aroso de Almeida, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 2005, 4.ª edição revista e actualizada, págs. 144 e segs. e em “Implicações de direito substantivo da reforma do contencioso administrativo” in: CJA n.º 34, págs. 74 a 76; M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos ... – Anotado”, vol. I, págs. 343/344, nota VII).».
  Sobre esta matéria já este tribunal se pronunciou em vários Acórdãos, entre eles o de 23.05.2019 proferido no processo que correu termos sob o nº 802/2016:
  «Agora, pergunta-se, quem tem direito à última palavra nesta matéria?
  Ora, o artigo 267º (Processo de aposentação) ETAPM estipula:
  1. O processo de aposentação inicia-se com o requerimento do interessado ou com a comunicação daquele ou dos serviços de que dependa, qualquer deles enviado por estes ao FPM, devidamente instruídos com os fundamentos da aposentação e os documentos necessáriosà organização do processo.
  2. Em caso de aposentação obrigatória, e sem prejuízo do disposto em matéria de aposentação compulsiva, a desligação do serviço é imediata, sendo devido, a partir da data em que a mesma ocorra e até fixação da pensão, o pagamento, pela verba destinada ao pessoal a aguardar aposentação, de uma pensão provisória calculada pelo serviço processador e comunicada ao Fundo de Pensões de Macau.
  3. O FPM verifica a existência das condições necessárias para a aposentação, devendo exigir ao interessado, sempre que necessário, prova complementar sobre o tempo de serviço suficiente para a aposentação, através dos serviços de que aquele dependa.
  4. A prova complementar só é considerada se prestada no prazo fixado pelo FPM, que acresce ao que é fixado no n.º 6 deste artigo.
  5. O tempo de serviço para efeitos de aposentação prova-se por meio de certidões ou informações autênticas sobre a efectividade de serviço, emitidas pelo serviço de que depende o interessado.
  6. Concluída a instrução do processo num prazo não superior a 30 dias, aquele é submetido a despacho que, sob proposta do FPM, fixará a pensão de aposentação.
  7. As eventuais rectificações à importância da pensão dão lugar ao acerto dos abonos entretanto efectuados ao interessado.
  8. O FPM deve organizar um ficheiro permanentemente actualizado dos subscritores, bem como dos aposentados e beneficiários de pensão de sobrevivência, incluindo os dos serviços autónomos e municípios.
  Lidos com atenção os nºs 1, 3 e 5 do artigo citado, não é difícil concluir-se que o poder de decidir se determinado funcionário tem tempo de serviço suficiente para aposentação, é da competência do chefe máximo dos serviços públicos a que o mesmo pertence, no caso, é o Senhor Secretário para a Segurança que tem a última palavra, salvo a lei dispõe noutro sentido e noutra matéria (admita-se que em certas matérias cabe ao FP decidir definitivamente), pois, senão deveria ser o FP quem figurava como Entidade Recorrida nestes autos. A mesma conclusão se retira do disposto no artigo 263º/3 do ETAPM. No caso, salvo o merecido respeito, a Entidade Recorrida, se achasse que ela própria tinha razão, devia manter a sua posição anterior. Mas não foi esta opção sua, aceitando a posição e sugestão do FP, veio a revogar a sua decisão anterior e tomar uma decisão nova, indeferindo a pretensão do Recorrente. Mas sem razão!
  Tal como se referiu antes, o Corpo de Policia de Segurança Pública atesta que o Recorrente tem como tempo de serviço efectivo 33 anos 1 meses e 6 dias e, após a bonificações, como tempo efectivo para efeitos de aposentação tem 39 anos 7 meses e 22 dias, documento que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. documento 7).
  Esta é que a posição correcta!
  Por outro lado, no caso, existe ainda uma outra particularidade, que é a de que a contabilização do tempo de serviço prestado para efeitos de aposentação feita pelo serviço em relação ao Recorrente já foi decidida pelo Acórdão n.º 586/2010 do Tribunal da Segunda Instancia, aí foi proclamado que é a lista de antiguidade e a decisão sobre a reclamação das listas de antiguidade que fixam, com efeitos externos, a decisão do serviço de que depende o funcionário relativamente ao seu tempo de serviço na Administração e a sua antiguidade na categoria, bem como o tempo computado para efeitos de aposentação, matéria esta que veremos mais adiante com devida profundidade.
*
  Respeitante à 2ª questão:
  Natureza jurídica do “poder verificativo” atribuído ao FPM
  Se o poder de decidir cabe ao Secretário para a Segurança, questiona-se, qual será o papel do FM nesta matéria?
  A norma do nº 3 fala de “verificação”, que natureza é que assume tal “poder verificador”? É um poder-decisório”? Ou mero “poder verificativo”?
  Em caso de dúvida, ou falta de consenso entre dois serviços, quem é que cabe a última palavra?
  Esta questão acaba por ser suscitada tacitamente na contestação da Entidade Recorrida!
  Apesar de ela não assumir como uma questão principal, tem a sua relevância no tratamento de todas as questões levantadas neste processo.
  No caso, por hipótese, supõe-se que a Entidade Recorrida mantivesse a sua posição, defendendo que o Recorrente tinha 39 anos e tal de tempo de serviço para aposentação, e o FP mantivesse também a sua posição, como será resolvida a questão?
  Eis uma situação interessante que de algum modo demonstra a necessidade de esclarecimento neste aspecto!
  O nº 3 do artigo 267º do ETAPM fala de “verifica”, e o nº 5 estipula “O tempo de serviço para efeitos de aposentação prova-se por meio de certidões ou informações autênticas sobre a efectividade de serviço, emitidas pelo serviço de que depende o interessado”, na sequência da conclusão acima chegada, estamos convictos de que a competência de decidir o tempo de serviço do funcionário público pertence ao Chefe máximo do órgão administrativo a que o funcionário público pertence.
  Agora, decide sozinho ou decidir em conformidade com as propostas de outros serviços, é um pouco irrelevante visto que ela é sempre o autor do acto, ele tem de assumir as consequências daí decorrentes.
  Neste ponto, opina o Digno. Magistrado do MP:
  A interpretação coerente destas quatro normas leva-nos a colher que o poder de verificação consagrado no n.º3 do art.267° consubstancia em fiscalizar, controlar e, eventualmente, corrigir o cálculo (realizado por Serviço) do tempo de serviço do determinado interessado ‒ declarante ou requerente da aposentação voluntária, sobretudo pode reduzir o cálculo feito por Serviço se e quando o FPM detectar que ele não tenha recebido os descontos em relação a certo período que tenha sido contado pelo Serviço no tempo de serviço para efeitos de aposentação dum interessado.
  Porém, temos por indubitável que ao exercer o poder de verificar as condições necessárias para aposentação, o FPM não pode desconsiderar ou inutilizar o tempo de serviço, durante o qual o funcionário ou agente tenha satisfeito os descontos dos correspondentes encargos, sob pena de infringir frontalmente o n.º1 do art.260° do ETAPM.
  Pois bem, acreditamos que este n.º1 do art.260° constitui o limite imperativo e inultrapassável do poder de verificação legalmente atribuído ao FPM (art.267°, n.º3, do ETAPM), por isso, ao verificar as condições necessárias para aposentação, o FPM tem de levar todo o tempo de serviço em relação o funcionário ou agente tenha satisfeito os respectivos encargos na contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação.
  Posição esta que subscrevemos também.
  Aqui chegados, podemos concluir com legitimidade da seguinte forma:
  - Ao FP compete verificar o tempo de serviço para efeitos de aposentação, mas tem de respeitar os limites impostos pelo caso julgado!
  - Aos serviços a que pertence o funcionário aposentando compete decidir se o tempo de serviço está bem contado ou não.
  - Em caso de divergência, deve resolver-se à luz das regras gerais do Direito Administrativo, nomeadamente das regras do CPA (cfr. artigo 44º e 45º), sempre com respeito pelos limites do caso julgado.».
  
  Acompanhando aquela que tem sido a jurisprudência deste tribunal nesta matéria, pese embora o poder de verificação do tempo de serviço para a aposentação atribuída ao Fundo de Pensões, essa verificação como se explica no Acórdão citado visa a contagem de tempo de serviço com “relevância” para a aposentação, isto é, o tempo de serviço relativamente ao qual hajam sido feitos os descontos para o efeito e se cumpram outros requisitos que eventualmente a lei exija, ao passo que a contagem de tempo de serviço feita pelo serviço de origem do funcionário prende-se apenas com a antiguidade deste independentemente de servir na sua totalidade ou não para a aposentação, isto é, para o cálculo da pensão de reforma.
  Destarte, concluindo-se que o acto em causa e aqui impugnado - a informação prestada pelos serviços quanto à antiguidade do funcionário – é um acto que se repercute na esfera jurídica do funcionário, impõe-se concluir que o mesmo cumpre o requisito positivo que a lei exige, sendo um acto externo e como tal recorrível.
  Aqui chegados mostra-se relevante regressar ao Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público citando-o:
  «2.2.
  (i)
  Se assim não vier a ser entendido, parece-nos, quanto ao mérito da pretensão do Recorrente, que esta não tem fundamento legal que a suporte.
  Já vimos o que está em causa. Porque o Recorrente atingiu o limite legal de 18 meses de faltas por doença, foi desligado do serviço com efeitos a contar precisamente da data em que aquele período se completou, ou seja, 7 de Agosto de 2020. Sucede que, depois daquela data, o Recorrente continuou em efectivo exercício de funções, concretamente, até 7 de Abril de 2021 e por isso considera que esse lapso de tempo, que correu entre 8 de Agosto de 2020 e 7 de Abril de 2021, deve contar para efeitos de aposentação e de prémios de antiguidade.
  De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 106.º do ETAPM, «os períodos de faltas por doença a que se refere o n.º 3 do artigo anterior não podem ultrapassar o limite de 18 meses». Findo esse período, o trabalhador «é automaticamente desligado do serviço para efeitos de aposentação se tiver completado 15 anos de serviço para este efeito relevantes, independentemente de ter capacidade ou não para o trabalho» [cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do ETAPM].
  Estamos, portanto, como é manifesto, perante uma consequência – a desligação do serviço – que se produz automaticamente, por força da lei, verificados os respectivos pressupostos, sem dependência, portanto, da prática de um acto administrativo que a determine.
  (ii)
  Nos termos do disposto no artigo 44.º, n.º 1, alínea d), do ETAPM, o exercício de funções em cargo público cessa por desligação do serviço para efeitos de aposentação e com a extinção do vínculo jurídico de emprego público o exercício de funções é meramente fáctico, é dizer, não coberto por um título jurídico.
  Em rigor, o trabalhador da Administração que continua a exercer funções públicas para além do momento da extinção do vínculo, fá-lo-á como agente putativo, ou seja, alguém que em circunstâncias normais exerce funções administrativas de maneira a ser reputado em geral como agente regular, apesar de não estar validamente providos nos respectivos cargos (nestes termos, MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10.ª edição, Tomo II, Coimbra, 1990, pp. 644-645, que se refere, ao lado das situações mais habituais em que a patologia reside no momento do provimento, em especial em razão da sua invalidade ou inexistência, à situação de prolongação ilegal das funções públicas, para além, por exemplo, da demissão).
  E se é certo que, como se vem entendendo de modo pacífico na jurisprudência administrativa portuguesa que aqui se refere a título de direito comparado, a situação do agente putativo pode, em certos casos, por razões de equidade, ser merecedora de alguma tutela jurídica, podendo, inclusivamente, converter-se numa situação jurídica quando estejam em causa situações de exercício público, pacífico e contínuo de funções públicas (assim, entre muitos outros e a título de exemplo, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19.10.89, processo n.º 27112), a verdade é que, em princípio, nela não se pode radicar o complexo de deveres e direitos que constituem o conteúdo da relação jurídico-laboral pública, nomeadamente, para o que agora interessa, o direito ao tempo de serviço prestado (já no sentido de que este é um dos direitos do trabalhador da Administração Pública, MARCELOO CAETANO, Manual…, pp. 770-771). A nosso ver, a norma do artigo 157.º, n.º 1 do ETAPM, segundo a qual para efeitos do que nesse Estatuto se dispõe «considera-se serviço efectivo todas as situações em que é abonado vencimento de categoria», tem de ser interpretada no sentido de se exigir a existência de uma situação jurídica que justifique tal abono do vencimento de categoria, não bastando o simples facto da atribuição de uma contrapartida pecuniária mensal ao trabalhador, ainda que coincidente em termos quantitativos com aquele vencimento, mas não titulada juridicamente, para que se considere existir tempo de serviço efectivo que possa ser computado para efeitos de antiguidade e de aposentação (de resto, numa situação em que se proceda a pagamentos de vencimentos sem que exista relação jurídica que justifique tais pagamentos, a consequência, em princípio, será aquela que se encontra prevista no artigo 39.º da Lei n.º 15/2017, os seja, os dinheiros públicos indevidamente pagos devem ser objecto de reposição por parte de quem os recebeu, cabendo à entidade processadora dos pagamentos a decisão de ordenar tal reposição).».
  
  A situação subjacente a estes autos diverge um pouco daquilo que deveria ter acontecido.
  Porém, o que resulta da factualidade subjacente é que o funcionário em 03.09.2020 solicitou que fosse automaticamente desligado do serviço porque estavam preenchidos os requisitos para o efeito – aposentação automática por ter atingido os 18 meses de faltas por doença -, sendo essa pretensão indeferida pelo dirigente máximo do serviço.
  Este acto de indeferimento é um acto positivo, externo e que produziu efeitos na esfera jurídica do funcionário mantendo-se este ao serviço até que viesse a ser desligado.
  Vem agora a entidade recorrida sustentar, e bem diga-se, que acto de desligar automaticamente o funcionário do serviço é vinculado e resulta de imperativo legal, porém, assim não procedeu em pretensão anterior formulada pelo funcionário, sustentando-se entre outros argumentos que o assinalado prazo de 18 meses de faltas por doença não estava preenchido.
  Parece que aquele despacho enferma de erro sobre os pressupostos considerando que a administração vem agora dizer que o assinalado prazo se completou em data anterior à que foi proferido (aquele despacho), o que, pese embora não seja objecto destes autos nos leva a admitir que o despacho de 10.11.2020 decidiu em sentido contrário ao da norma legal que agora se invoca.
  Contudo, o que dali resultou foi que o funcionário se manteve no exercício de funções por determinação da autoridade máxima de que depende.
  O vício de que o referido despacho pudesse enfermar seria o de anulabilidade e o certo é que até aqui não foi atacado sendo certo que já se esgotaram os prazos em que o podia ser.
  Posteriormente, vem a Administração a praticar um acto em que diz que na mesma data que estava em causa no primeiro despacho o funcionário já estava a faltar por doença há mais de 18 meses pelo que é aposentado automaticamente.
   Contudo, na parte em que se praticou um acto a indeferir que o funcionário fosse desligado do serviço e agora se praticou outro a dizer que o funcionário é desligado do serviço, nem aquele acto, nem este são atacados, pelo que, sobre esta parte não nos cabe emitir pronúncia.
  O Recorrente não ataca o acto actual no sentido de que já se tinha decidido em sentido contrário, e aceita que o motivo de ser aposentado do serviço é o facto de ter faltado por doença 18 meses consecutivos.
  Ora, o Recorrente não pode estar a dissecar o “acto administrativo” para aceitar uma parte e opor-se a outra.
  Se acaso o Recorrente quisesse invocar que a Administração havia decidido em sentido contrário e agora não podia aposentá-lo por já ter emitido pronúncia em sentido contrário havia que atacar o acto agora impugnado nesse sentido.
  No entanto não é isso que se faz, aceita-se que o fundamento da aposentação automática são as faltas por doença por 18 meses e a verificação dos demais requisitos, os quais ocorreram em 7 de Agosto de 2020, mas depois usa-se o outro acto para se invocar que o tempo durante o qual esteve ao serviço entre a verificação dos requisitos e o acto agora impugnado conta para efeitos de aposentação.
  Ora, usando uma expressão popular portuguesa, “não se pode ter sol na eira e chuva no nabal”!
  Se o motivo da aposentação automática é o facto de ter completado 18 meses de faltas por doença e se a lei determina que nessa data o funcionário é aposentado automaticamente é nessa data que a declaração da aposentação do funcionário produz todos os efeitos legais, nomeadamente para efeitos de contagem de tempo, sendo um efeito que decorre da lei, um poder vinculado, e que relativamente ao qual não há margem para qualquer discussão.
  Outra coisa – e como se aflora no Douto Parecer do Magistrado do Ministério Público - são os efeitos que possam decorrer da circunstâncias de se ter mantido o funcionário ao serviço durante vários meses para além daquela data por um acto expresso da administração seja no que respeita às remunerações que foram pagas, seja em eventuais prejuízos que daí tenham decorrido, contudo essa matéria transcende o objecto destes autos e sobre ela não há que – por agora – cuidar.
  
  Destarte, no que à contagem do tempo de serviço concerne, concordamos integralmente com o Douto Parecer citado a cuja fundamentação integralmente aderimos sem reservas.
  Como dali resulta a injunção do nº 1 do artº 106º do ETAPM é imperativa produzindo efeitos automaticamente por força da lei sem dependência da prática de acto administrativo algum.
  Pese embora tudo quanto se alega de a Administração contrariamente ao que resulta da lei ter inclusivamente decidido em sentido contrário, o certo é que daí nenhum efeito pode resultar no sentido do tempo de serviço do Recorrente ser contado para além da data que legalmente se tem de ter por desligado do serviço.
  Destarte, não procedem os argumentos de recurso invocados não padecendo o acto impugnado de vício de violação de lei que lhe é imputado, impondo-se decidir em conformidade.
  
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgando-se improcedente a excepção dilatória da irrecorribilidade do acto suscitada, nega-se provimento ao recurso.
  
  Custas a cargo do Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6 Uc´s.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 10 de Março de 2022

 (Relator)
 Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro
 
 (Primeiro Juiz-Adjunto)
 Lai Kin Hong
 
 (Segundo Juiz-Adjunto)
 Fong Man Chong
 
 Mai Man Ieng
1 Para facilidade de análise transcreve-se a referida passagem do Acórdão do TUI indicado: «Quer dizer, não nos cumpre decidir neste processo se o tempo de serviço para efeitos de aposentação que o Serviço, de que depende o funcionário, fixa anualmente nas listas de antiguidade (artigo 160.º do ETAPM) ou mesmo o tempo de serviço para efeitos de aposentação, relativamente ao qual o serviço do funcionário emite certidão, já no procedimento de aposentação (artigo 267.º, n.º 5 do ETAPM), se impõem ou não ao Fundo de Pensões, quando este fixa a pensão de aposentação.
2 No sentido de que a impugnabildade do acto constitui o primeiro dos pressupostos processuais, cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA – CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário…, p. 338. Em sentido contrário, não reconhecendo autonomia à recorribilidade do acto como pressuposto processual, cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça…, 2.ª edição, pp. 231-232.
3 Assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual…, p. 271.
4 Neste sentido, de que o artigo 51.º do CPTA, norma correspondente, nesta parte, ao artigo 28.º do CPAC, estabelece uma delimitação do universo dos actos administrativos impugnáveis e de que, portanto, desse dado normativo parece resultar que a eficácia externa não é um atributo inerente ao conceito de acto administravo, cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria…, p. 129.
5 Acentuando já esta nota da produção de efeitos externos, positivos ou negativos, como caracterizadora da definição doutrinária do acto administrativo, cfr. ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, Direito…, p. 76. Para este Autor, o acto administrativo “é uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de poderes de Direito Administrativo, pela qual se produzem efeitos jurídicos externos, positivos ou negativos.”
6 Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA – CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHE, Comentário…, p. 307.
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429/2021 REC CONT 1