打印全文
Processo n.º 270/2021 Data do acórdão: 2022-3-17
(Autos de recurso penal)
Assuntos:
– crime de falsificação de documentos
– art.o 18.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004
– art.o 9.o do Código Penal
– crime não de resultado
S U M Á R I O
1. Da letra do n.o 2 do art.o 18.o da Lei n.o 6/2004 resulta que o delito penal aí descrito não é um crime de resultado, em doutrina penal falando, já que neste tipo-de-ilícito não se exige o resultado de obtenção de qualquer dos documentos legalmente exigidos para a entrada, permanência ou autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau, mas sim a intenção de obtenção deste tipo de documentos.
2. Daí que a norma do art.o 9.o do Código Penal (que dispõe à partida que “Quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado”…), com mira em crime de resultado, não é aplicável ao crime de falsificação de documentos acima referido.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 270/2021
(Recurso em processo penal)
Recorrente: Ministério Público
Recorrido: 1.o arguido A (A)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 541 a 557v do Processo Comum Colectivo n.° CR3-20-0162-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou o 1.o arguido A, aí já melhor identificado, absolvido de um dos quatro crimes consumados, por que vinha acusado como co-autor material, de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.o 18.o, n.o 2 (com referência ao n.o 1), da Lei n.o 6/2004 (com referência ao meio previsto na alínea b) do n.o 1 do art.o 244.o do Código Penal (CP)).
Veio recorrer a Digna Delegada do Procurador para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, no essencial, o seguinte, na motivação apresentada a fls. 569 a 577v dos presentes autos correspondentes, para pedir a condenação do 1.o arguido no dito crime absolvido pela Primeira Instância:
– a decisão absolutória penal em causa violou o disposto no art.o 9.o do CP;
– desde o início, o 1.o arguido tinha participado nos factos;
– deve, pois, ele passar a ser condenado no referido crime, indevidamente absolvido.
Ao recurso, respondeu o 1.o arguido a fls. 601 a 605 dos presentes autos, defendendo o não provimento do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 616 a 617v dos autos, pugnando pela condenação do 1.o arguido por mais um crime de falsificação de documento, então absolvido em primeira instância.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão ora recorrido ficou proferido a fls. 541 a 557v dos autos, cuja fundamentação fáctica, probatória e jurídica se dá por aqui integralmente reproduzida.
2. A acusação pública encontrou-se deduzida inclusivamente contra o 1.o arguido a fls. 426 a 430, cujo teor integral se dá por aqui inteiramente reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Na motivação do recurso sub judice, foi assacado ao acórdão final da Primeira Instância na parte respeitante à absolvição do 1.o arguido de um dos quatro acusados crimes consumados de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.o 18.o, n.o 2 (com referência ao n.o 1), da Lei n.o 6/2004, com referência ao meio previsto na alínea b) do n.o 1 do art.o 244.o do CP.
Observa-se que o Tribunal recorrido decidiu absolver o 1.o arguido desse um crime, com invocação do disposto nos n.os 1 e 2 do art.o 9.o do CP (cfr. as considerações tecidas por esse Tribunal no último parágrafo da página 26 e no primeiro parágrafo da página seguinte, do texto do seu acórdão, a fls. 553v a 554).
O art.o 18.o dessa Lei n.o 6/2004, com a epígrafe de “Falsificação de documentos”, tem a seguinte redacção:
<<1. Quem, com a intenção de frustrar os efeitos da presente lei, por qualquer dos meios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal, falsificar bilhete de identidade ou outro documento autêntico que sirva para certificar a identidade, passaporte ou outros documentos de viagem e respectivos vistos, bem como qualquer dos documentos legalmente exigidos para a entrada e permanência ou os que certificam a autorização de residência na RAEM, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2. A mesma pena é aplicada à falsificação, pelos meios referidos no número anterior, de documento autêntico, autenticado ou particular, bem como às falsas declarações sobre elementos de identificação do agente ou de terceiro, com intenção de obter qualquer dos documentos legalmente exigidos para a entrada, permanência ou autorização de residência na RAEM.
3. Quem usar ou possuir qualquer dos documentos falsos referidos nos números anteriores, é punido com pena de prisão até 3 anos.>>
Da letra da norma contida no n.o 2 deste artigo incriminador, resulta que o delito penal aí descrito não é um crime de resultado, em doutrina penal falando.
É que no tipo-de-ilícito aqui em causa, não se exige o resultado de obtenção de qualquer dos documentos legalmente exigidos …, mas sim a intenção de obtenção deste tipo de documentos.
Daí que a norma do art.o 9.o do CP (que dispõe à partida que “Quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado”…), com mira em crime de resultado, não é aplicável ao crime de falsificação de documentos ora em questão.
Aliás, mesmo para o tipo fundamental de falsificação de documentos descrito no art.o 244.o do CP, que também não é crime de resultado, não pode haver lugar a aplicação do art.o 9.o do CP.
No caso dos autos, a matéria fáctica descrita na acusação pública já se encontrou materialmente provada na sua totalidade em primeira instância e como tal descrita na fundamentação fáctica do acórdão ora recorrido. E toda essa factualidade acusada e finalmente provada sustenta cabalmente a verificação de todos os quatro crimes de falsificação de documentos então acusados pelo Ministério Público contra o 1.o arguido, pelo que este arguido é também co-autor material, na forma consumada, do crime de falsificação de documentos absolvido em primeira instância.
Com efeito, não se pode preconizar que o 1.o arguido não tenha participado nos factos daquele crime (do qual vinha ele absolvido em primeira instância) de falsificação de documentos. É que ele, em execução do acordo delinquente ajustado entre ele e os outros três arguidos, foi tratar do divórcio com a sua mulher (2.a arguida), para permitir que esta tenha podido contrair depois matrimónio com o 4.o arguido em Macau, e para permitir finalmente que o 4.o arguido tenha podido tratar do registo de nascimento do filho de sangue dele e da 2.a arguida como sendo filho do próprio 4.o arguido, e foi por isso que esse filho acabou por obter a emissão do seu bilhete de identidade de residente de Macau. Portanto, o 1.o arguido executou efectivamente, de modo concreto, o primeiro passo do plano delinquente então ajustado entre todos os quatro co-arguidos na parte inclusivamente respeitante à pretensão de obtenção de bilhete de identidade de residente de Macau para a criança que viesse a nascer, de sangue dos próprios 1.o e 2.a arguidos. O 1.o arguido é, indubitavelmente, nos termos do art.o 25.o do CP, co-autor material daquele crime absolvido no acórdão recorrido, ainda que não tenha sido ele quem, em execução daquele mesmo plano delinquente na parte concreta em causa, tratou pessoalmente do registo de nascimento daquele filho ou das formalidades de pedidos de emissão, e de ulteriores renovações (tendo sido a última das quais em Junho de 2015), do bilhete de identidade de residente de Macau desse filho (tudo isto, cfr. sobretudo os factos provados 4 a 11, 25, 30 e 31).
Cumpre proceder agora à medida concreta deste crime, então indevidamente absolvido:
Servindo-se inclusivamente dos critérios da medida da pena já adoptados no acórdão recorrido, por razões de justiça absoluta e de justiça relativa, afigura-se, aos padrões dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, 65.o, n.os 1 e 2, e 71.o, n.os 1 e 2, do CP, ser de impor ao 1.o arguido dois anos e três meses de prisão por este crime, e, em cúmulo jurídico desta pena com as três penas de prisão (igualmente de dois anos e três meses de duração) já aplicadas no aresto recorrido (por prática, por ele, em co-autoria material, dos outros correspondentes três crimes de falsificação de documentos), a pena única de dois anos e dez meses de prisão.
Nova pena única do 1.o arguido esta que, em prol sobretudo da justiça relativa em comparação com outros três co-arguidos já condenados em primeira instância em todos os quatro crimes de falsificação de documentos em causa, também pode ser suspensa na sua execução, nos termos dos art.os 48.o, n.os 1, 2, 3 e 5, e 49.o, n.o 1, alínea c), do CP, por três anos, sob condição de prestação, dentro do prazo de três meses, contado do trânsito em julgado da presente decisão, de vinte e cinco mil patacas de contribuição pecuniária a favor da Região Administrativa Especial de Macau.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso do Ministério Público, passando a condenar o 1.o arguido por mais um crime, consumado em co-autoria material, então também acusado, de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.o 18.o, n.o 2 (com referência ao n.o 1), da Lei n.o 6/2004 (com referência ao meio previsto na alínea b) do n.o 1 do art.o 244.o do Código Penal), em dois anos e três meses de prisão, e, em cúmulo jurídico desta pena de prisão com as três penas de prisão, igualmente de dois anos e três meses de duração, já aplicadas no acórdão recorrido (por prática, por ele, em co-autoria material, dos outros correspondentes três crimes de falsificação de documentos, previstos e puníveis nos mesmos termos legais acima referidos), na pena única de dois anos e dez meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos, sob condição de prestação, dentro do prazo de três meses, contado do trânsito em julgado da presente decisão, de vinte e cinco mil patacas de contribuição pecuniária a favor da Região Administrativa Especial de Macau.
Custas do recurso pelo 1.o arguido recorrido, com duas UC de taxa de justiça, e duas mil patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Comunique o presente acórdão (com cópia do acórdão recorrido) ao Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Macau, 17 de Março de 2022.
________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
________________________ (本人認為應該維持原判)
Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



Processo n.º 270/2021 Pág. 1/9