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Processo n.º 882/2021
(Autos de recurso jurisdicional)

Data: 17/Março/2022

Recorrente:
- A Limited

Recorrida:
- Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A Limited, melhor identificada nos autos (doravante designada por “recorrente”), recorreu contenciosamente para o Tribunal Administrativo da deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças que negou provimento à reclamação apresentada pela recorrente e manteve para o exercício de 2015 o rendimento colectável de MOP165.212.735,00.
Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, foi julgado improcedente o recurso contencioso.
Inconformada, recorreu a mesma recorrente jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. A Recorrente aceitou para efeitos de confissão da entidade recorrida que foi proferido um despacho do Sr. Director dos Serviços de Finanças através do qual “foi sancionado o entendimento mediante o qual as remunerações […] não deverão ser tributadas em qualquer sede de imposto da RAEM, porquanto terão as mesmas sido colectadas a montante do acto de pagamento pela prestação de serviços e ocupação e uso de espaços.”
2. A sentença recorrida violou as disposições conjugadas do artigo 76º do CPAC e 562º/3 do CPC por não ter especificado nos factos provados, aqueles que ficaram provados por documentos e que resultaram de confissão reduzida a escrito.
3. No mínimo, deveria ter ficado consignado na sentença recorrida que em casos semelhantes, anteriormente, a Recorrida teve um entendimento em relação à matéria em causa nos presentes autos que é favorável à pretensão da Recorrente, através da confissão que:
a. as remunerações não devem ser tributadas em qualquer sede de imposto;
b. Com base na fundamentação: “foram colectadas a montante do acto de pagamento pela prestação de serviços e ocupação e uso de espaços.”
c. Os serviços da Recorrida tratam os casos dos contribuintes de maneira diferente – ou seja, existe alguma margem de discricionariedade.
4. Estes factos são essenciais para a procedência dos argumentos avançados pela Recorrente, nomeadamente de que a invocação do princípio da legalidade esconde alguma margem de discricionariedade ou de interpretação que a Recorrida exerce em relação a outros contribuintes.
5. Os artigos 76º do CPAC e 562º/3 do CPC devem ser interpretados no sentido de que na sentença devem ser mencionados todos os factos com interesse para a causa que que tenham sido admitidos por acordo das partes, provados por documentos, por confissão reduzida a escrito e os restantes factos tribunal deu como provados.
6. Nas suas alegações facultativas, a Recorrente alegou “factos supervenientes” em virtude dos factos alegados pela própria Recorrida nas suas contra-alegações e da junção por esta de um documento.
7. Nessas alegações facultativas, a Recorrida acrescentou, entre outras, as Conclusões G) e N).
8. Ora, desde o início do processo instrutor, a entidade recorrida defendeu o entendimento que não tem margem de discricionariedade, bem como que a decisão de não tributação dos rendimentos provenientes do contrato de serviços com a concessionária de jogo B não foi sua.
9. Porém, o que se verifica é que existe um Despacho do Director da Recorrida a corroborar a posição defendida pela Recorrente mas que esse despacho não se encontra no Processo Administrativo.
10. Após proferido o acto administrativo, não pode a Administração modificar, alterar ou corrigir a sua fundamentação, muito menos já em sede de contra-alegações do recurso contencioso.
11. A fundamentação do acto administrativo deverá ser bastante para que se compreendam todos os fundamentos de facto e de direito do acto.
12. As quatro funções do dever de fundamentar os actos administrativos são: (1) a Defesa do particular; (2) o Controlo da Administração; (3) a Pacificação das relações entre a Administração e os particulares – posto que estes últimos tendem a aceitar melhor as decisões que lhes sejam desfavoráveis se as correspondentes razões lhes forem comunicadas de forma completa, clara e coerente; e (4) a Clarificação e prova dos factos sobre os quais assenta a decisão.
13. O objectivo essencial e imediato da fundamentação é, portanto, esclarecer concretamente a motivação do acto, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo que levou à adoção de um ato com determinado conteúdo.
14. Donde decorre que a douta sentença recorrida não deveria aceitar a “nova fundamentação” do acto, por se ter esgotado essa opção. A legalidade do acto administrativo tem que ser aferida à luz dos fundamentos que dele constam expressamente e não sobre conjecturas que o Tribunal possa aventar ou com base em fundamentos que não foram tidos em conta pela Administração Tributária e que não são contemporâneos do acto.
15. A douta sentença recorrida deveria ter conhecido este vício invocado pela Recorrente nas suas alegações facultativas, aceitando-as como supervenientes.
16. Durante o procedimento, designadamente desde a fase da instrução, a Recorrente sempre pediu que fosse atendida a sua situação especial face à existência de casos decididos anteriormente pela Administração que concederam isenção fiscal de Imposto Complementar à Recorrente (até ao ano 2008) e a sociedades concorrentes da Recorrente (até ao presente).
17. Invocou, entre outros argumentos, que a situação jurídica se manteve, que houve violação do princípio da igualdade, que a decisão não estava fundamentada.
18. Só com a sua Contestação, a Recorrida não só veio confessar ter decidido casos semelhantes da forma que a Recorrente pretende, como vem confessar que a decisão partiu do próprio Director da Recorrente, e não do Exmo. Senhor Chefe do Executivo.
19. Os documentos juntos com a sua Contestação vieram revelar que na verdade, a questão já teria sido resolvida anteriormente, de forma que seria favorável à Recorrente.
20. O acto recorrido padece do vício de omissão de pronúncia, por não ter decidido sobre a matéria da reclamação com base na hipotética não-discricionaridade do acto e sua vinculação ao princípio da legalidade.
21. O que veio a ser contraditado pela junção de novo documento, no qual a Recorrida confessa poder decidir de outra forma, que seria mais favorável à Recorrente.
22. A douta sentença recorrida deveria ter aceite a matéria como superveniente, bem como deveria ter-se pronunciado sobre esta questão.
23. Os pressupostos mencionados na decisão recorrida e que foram absorvidos pela sentença – designadamente os parágrafos 1, 2, 3, 4 e 15 do acto recorrido – não sofrerem qualquer alteração entre 29 de Julho de 2019 (data da apresentação da declaração do Imposto de complementar de Rendimentos) e 2 de Abril de 2020 (data da nova fixação de rendimento colectável pela Recorrida).
24. E esses parágrafos não explicam minimamente quais foram as operações matemáticas, financeiras ou outras que levaram à alteração do montante do lucro tributável de MOP$31.789.943,00 declarado pela Recorrente para MOP$165.212.735,00 fixado pela Recorrida.
25. Além disso, o parágrafo 15 do acto recorrido é meramente conclusivo e despido de conteúdo quando desacompanhado dos parágrafos precedentes.
26. O segmento decisório: “É certo que a Administração Fiscal não se limitou a dizer o que é essencial, fazendo apelo a outras considerações na sua resposta negativa à reclamação – nos artigos 7, 8, 9 e 10. Todavia, ainda que se considerasse que em relação a esses fundamentos a administração fiscal não justificou de forma suficiente e esclarecida, nem por isso a consequência seria a anulação do acto pelo vício da falta de fundamentação”, aceita parcialmente os fundamentos do acto recorrido.
27. Mas fá-lo através da escolha cirúrgica de parte da fundamentação, eliminando outros pontos da mesma, ficando o parágrafo 15 órfão de conteúdo.
28. O que determina que seja esvaziado o conhecimento do iter cognoscitivo que conduziu ao acto recorrido.
29. No caso dos autos, o vício apontado à fundamentação do acto era que está é contraditória.
30. Quando a fundamentação é contraditória não pode ser o Tribunal a escolher quais os termos da fundamentação que acha preferíveis para salvar o acto – A fundamentação do acto deveria ser bastante para resolver este conflito.
31. A correcção à base de tributação efectuada pela Recorrida tem subjacente determinada fundamentação, que conduziu à qualificação da operação tributária para efeitos de Imposto Complementar de Rendimentos, e com base na qual, a ora Recorrente exerceu a sua defesa, e que alicerçaram a delimitação do acervo probatório que despoletou a decisão judicial, subjazendo, pois à decisão recorrida a imposição de fundamentação dos actos plasmada no art. 114º e 115º do Código do Procedimento Administração e no artigo 41º/1 do RICR, princípio da vinculação temática e o direito à prova.
32. Se não é lícito à Recorrida, em momento posterior, tentar colmatar um lapso, erro de procedimento, ou erro de interpretação, alterando a conclusão a que chegou e cuja decisão já produziu efeitos na esfera de actuação do sujeito passivo, e com base na qual, exerceu a sua defesa – por maioria de razão também ao tribunal será vedado corrigir as deficiências do acto.
33. Decorre inequivocamente da fundamentação do acto tributário em sindicância que a A.T. qualifica o contrato celebrado entre a Recorrente e a B “como situações diferentes” da de outros contribuintes, mais ali se dizendo que o acto é vinculado, pese embora haver nos autos prova de que a decisão da A.T. é diferente para outros casos.
34. Praticado um acto com determinada fundamentação, a apreciação contenciosa da sua legalidade tem de se fazer em face dessa mesma fundamentação.
35. Os factos e fundamentos de direito enunciados no na Deliberação da Comissão de Revisão são contraditórios entre si e não cabe ao Tribunal escolher ou optar pelo fundamento que mais lhe convém. Esse papel pertence inevitavelmente ao autor do acto. É a ele e apenas a ele quem cabe apresentar todos os fundamentos que subjazem à prática do acto.
36. Os fundamentos de facto e de direito invocados pela A.T. não apontam de forma congruente no sentido de que a decisão constitui uma decisão lógica e necessária dos motivos invocados como justificação.
37. O artigo 21º do CICR quanto dispõe que «Consideram-se custos ou perdas imputáveis ao exercício os que tiverem de ser suportados para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos e para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: […] f) Encargos fiscais e parafiscais a que estiver sujeito o contribuinte, sem prejuízo do disposto na alínea b) do artigo 29º», é um afloramento do princípio da proibição da dupla tributação, aplicável à Recorrente.
38. A questão que se coloca nos autos é que a Recorrente não pagou, por si, o Imposto Especial sobre o Jogo, quem o fez foi a sua parceira de negócios – a B.
39. Ora, no âmbito do contrato de prestação de serviços e de cedência de espaços, a retribuição da Recorrente seria uma percentagem calculada sobre o rendimento líquido anual proveniente de actividades de jogo.
40. Ou seja, do rendimento do jogo obtido pela B uma parcela é entregue directamente à RAEM a título de imposto sobre o jogo, o remanescente é dividido entre B e Recorrente.
41. Supondo que a actividade que a Recorrente desenvolve fosse executada só e directamente pela Concessionária, a mesma actividade estaria sem qualquer dúvida isenta do pagamento de imposto complementar.
42. Mas pelo facto de a Recorrida desenvolver esta actividade em colaboração com a Concessionária em regime de sua associada – a sociedade Reclamante terá um prejuízo patrimonial correspondente a um esforço fiscal injusto, injustificado e inesperado para a Administração Fiscal – pois conforme se disse, caso a B não recorresse a prestadores de serviços externos e desenvolvesse a actividade por si própria estaria isenta do imposto complementar.
43. A invocação do princípio da legalidade tem apenas por função esconder que na realidade a fundamentação por trás do acto praticado foi que a Recorrente tem mesmo um tratamento diferente do prestado pela Recorrida às empresas suas concorrentes.
44. Através do Despacho do Chefe do Executivo n.º 333/2007, foi concedida à B a isenção do pagamento do imposto complementar de rendimentos, “relativamente aos lucros gerados pela exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino”.
45. A Direcção de Serviços de Finanças reconhece a outras sociedades nas mesmas circunstâncias da Recorrente que o seu rendimento “relacionado com o jogo não está sujeito a imposto complementar durante o termo efectivo do Contrato de Serviços, dado que os honorários recebidos no âmbito do Contrato de Serviços derivam do rendimento do jogo da B, que se encontra isento nos termos do disposto no no. 2 do artigo 28º da Lei 16/2001 e da isenção concedida pelo despacho no 30/2004 de 23 de Fevereiro de 2004 e depois pelo despacho no 378/2011.”
46. Além disso, a Direcção dos Serviços de Finanças confirmaram que “o rendimento relacionado com o jogo a respeito de salas VIP não está sujeito a imposto complementar dado que os impostos são pagos directamente pela B. A B para imposto especial sobre o jogo, taxas especiais e prémios sobre o jogo ao Governo de Macau através da sua parte do rendimento bruto gerado pelos Casinos.”
47. Desde que a recorrente iniciou a sua actividade nos termos do contrato com a B não houve qualquer alteração legislativa no âmbito do imposto complementar de rendimentos aprovado pela Lei n.º 21/78/M, e cuja última alteração data de 1 de Outubro de 2003 (Lei n.º 12/2003).
48. O regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino tem como objectivos, em especial, assegurar que o interesse da Região Administrativa Especial de Macau na percepção de impostos resultantes do funcionamento dos casinos é devidamente protegido.
49. Supondo que a actividade que a Recorrente desenvolve fosse executada só e directamente pela concessionária, a mesma actividade estaria sem qualquer dúvida isenta do pagamento de imposto complementar.
50. O acto em crise é ilegal porque obriga a Recorrente a repercutir as perdas com o Imposto Complementar na sua cliente Concessionária – nos termos do contrato de prestação de serviços – o que vai contra o espírito da isenção concedida por S. Exa. Chefe do Executivo.
51. Tem sido prática corrente e entendimento pacífico ao longo dos anos que a totalidade dos rendimentos (sobre as receitas brutas) sobre os quais é calculado o honorário da Reclamante foram já sujeitos a tributação (especial sobre o jogo).
52. O acto em crise viola o artigo 28º da Lei 16/2001, o Despacho do Chefe do Executivo 333/2001, os Princípios da Igualdade, da Proporcionalidade, da Justiça e da Imparcialidade, bem como os artigos 2º e 3º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
53. O acto recorrido viola ainda os princípios da justiça tributária e da proporcionalidade, bem como os princípios da legalidade, da equidade e da boa-fé.
54. Quando o mesmo facto tributário é base de incidência de tributos diferentes, existe dupla tributação.
55. Diz-se que o imposto especial sobre o jogo incide sobre as receitas brutas de exploração de jogo e que o imposto complementar incide sobre o rendimento global auferido.
56. O rendimento global das pessoas colectivas é o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial e calculado nos termos deste regulamento e no caso de o rendimento de uma pessoa colectiva resultar da exploração do jogo, pode dizer-se que esse rendimento são as “receitas brutas da exploração do jogo”.
57. A adopção de fundamentos obscuros, contraditórios ou insuficientes que não esclareçam concretamente a motivação do acto equivale à falta de fundamentação.
58. O acto é anulável por vício de forma por falta de fundamentação e omissão de pronúncia.
59. O acto em crise padece do vício de violação de lei, por violação dos princípios da justiça e igualdade tributária e da imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade e das normas dos artigos 2º, 3º, 19º da Lei no. 21/78/M e artigo 27º da Lei 16/2001.
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exas. deverá o presente recurso ser julgado procedente e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida, sendo proferida em sua substituição outra que anule o acto administrativo recorrido, assim se fazendo justiça!”
*
Ao recurso respondeu a recorrida nos seguintes termos conclusivos:
1. O presente recurso tem por objecto a douta sentença de fls. 185 a 193 dos autos, a qual julgou totalmente improcedente o recurso apresentado pela recorrente na sequência da deliberação da CRIC que negou provimento a reclamação relativa à fixação do seu rendimento colectável do exercício de 2015 em sede de Imposto Complementar de Rendimentos.
2. A recorrente fundamenta o seu recurso no vício de violação de lei da sentença recorrida, por falta de especificação dos factos provados, violação do dever de fundamentação e errada interpretação do conceito de proibição da dupla tributação, insistindo ainda nos erros sobre os pressupostos de facto e de direito do acto administrativo recorrido e não devidamente apreciados pela sentença em crise.
3. Alega ainda o tratamento discriminatório da recorrente em relação às suas congéneres comerciais, sendo que, tudo somado, deveria dar lugar à revogação e substituição da sentença recorrida, proferindo-se “outra que anule o acto administrativo recorrido”.
4. O Tribunal a quo não atendeu aos “novos” fundamentos invocados pela recorrente em sede de alegações facultativas, que se consubstancia num despacho proferido pelo Director dos Serviços de Finanças em que a posição da recorrida era alegadamente coincidente com a que a recorrente tem defendido.
5. Com efeito, o seu pedido de ampliação objectiva da instância feito nas alegações facultativas, onde acrescentou novos fundamentos invalidantes do acto resultantes de um suposto conhecimento superveniente de um despacho do Sr. Director da DSF, não era de conhecimento superveniente, violando pois o n.º 3 do artigo 68º do CPAC.
6. Desatendidos os fundamentos invocados pela recorrente em sede de alegações facultativas, não existe qualquer violação da lei processual, quer quanto aos factos provados, quer quanto à inadmissibilidade de novos fundamentos do recurso.
7. O acto administrativo recorrido encontra-se devidamente fundamentado dado que da deliberação da CRIC constam as razões de facto e de direito da tributação dos rendimentos da recorrente, tudo em obediência ao artigo 115º do CPA.
8. A exigência de fundamentação visa efectivamente permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação.
9. A ora recorrente, após ter sido notificada da fixação, apresentou reclamação, (e até o presente recurso) daquele acto em moldes tais que dúvidas não restam quanto à clareza dos fundamentos para tributação das actividades em sede de imposto de complementar de rendimentos.
10. No entanto, a discordância do particular com os fundamentos não significa que haja violação do dever de fundamentação. De facto, o que o dever de fundamentação do acto administrativo exige é que a Administração baseie a sua decisão num discurso lógico-formal, sem contradições nem ambiguidades independentemente da veracidade dos fundamentos.
11. Do circunstancialismo assente, a Administração Tributária esclareceu o contribuinte do itinerário cognoscitivo e valorativo, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a tributação.
12. Segundo a recorrente, a sentença encontra-se viciada por não ter apreciado devidamente o erro nos pressupostos de facto e de direito, desconsiderando o tratamento discriminatório da recorrente em relação aos seus concorrentes comerciais, violando por isso os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
13. Tratamento discriminatório por não ter um regime fiscal idêntico ao das suas concorrentes, em idênticas posições contratuais de associação em participação com a B, pelo que deveria beneficiar da isenção fiscal que a Administração Fiscal já tinha concedido a favor das outras que se encontram em situação idêntica.
14. A recorrente poderia ter impugnado os pressupostos legais do acto, dizendo que aquele pressuposto de incidência não se verificou no caso, ou demonstrar, não obstante a verificação do pressuposto, ser beneficiária da isenção fiscal legalmente concedida, mas a verdade é que continua a não invocar a seu favor nenhuma norma fiscal respeitante à previsão da isenção fiscal.
15. O regime da Lei n.º 16/2001 prevê expressamente duas situações em que é possível o enquadramento de isenção fiscal relativo ao Imposto Complementar de Rendimentos: o artigo 28º, que se refere às concessionárias, e o artigo 29º, que se refere aos promotores de jogo.
16. Defende a recorrente que os seus rendimentos não se enquadram em nenhuma das situações uma vez que os rendimentos não são seus nem podiam ser porque decorrem directamente do exercício da actividade concessionada: são rendimentos da B que por eles deve o devido imposto mas que do respectivo pagamento fica isenta.
17. Todo depende da avaliação que a DICJ, no exercício das suas competências exclusivas, faz das circunstâncias materiais que rodeiam cada caso, sendo que a Administração Fiscal apenas faz reflectir, como consequência, a decisão da DICJ na fixação ou revisão da matéria colectável desses contribuintes. O acto de fixação da matéria colectável e a sua posterior revisão, quando esta exista, é, nestes casos, um acto vinculado da Administração Fiscal ao acto que lhe é prévio, no âmbito da DICJ, que autoriza ou não o contrato celebrado.
18. O Princípio da Igualdade (e os aqui consequentes Princípios da Justiça e da Imparcialidade) pressupõe que a situações iguais seja dado tratamento igual; mas também exige que a situações diferentes seja dado tratamento diferente.
19. Foi, pois, pela aplicação do Princípio da Igualdade que a Administração Fiscal tratou de maneira diferente a recorrente relativamente a outras concorrentes comerciais, já que estas obtiveram aquilo que a recorrente falhou em conseguir: a aprovação da tutela para o seu contrato.
20. Na verdade, quer no processo tributário, quer agora em sede de recurso, a pretensão da recorrente baseia-se, como já se disse, não em qualquer norma que pudesse invocar para que lhe fosse reconhecida a isenção dos seus rendimentos mas apenas na isenção que foi concedida aos rendimentos da sua co-contratante, a B, sustentando a sua pretensão no relatório dos auditores mas escusando-se a invocar qualquer das normas de isenção da Lei n.º 16/2001 para corroborar a fundamentação contabilística daqueles.
21. Ora, facilmente se conclui, como na sentença recorrida, que não cabendo os rendimentos da recorrente em norma que os isente, estão os mesmos sujeitos a tributação sobre os lucros liquidados derivados do exercício de actividade comercial e calculado nos termos legais do ano económico em causa.
22. Existe uma situação de dupla tributação quando, sobre o mesmo rendimento, se faz incidir o Imposto Especial sobre o Jogo e o Imposto Complementar de Rendimentos. Mas não é o caso da recorrente que não tem – nem poderia, sem que para tal estivesse autorizada – rendimentos provenientes da exploração do jogo: o que a recorrente aufere é de uma contraprestação mensal que lhe é devida pelo contrato de prestação de serviços e de uso de espaço que celebrou com a B, sociedade esta que, titular de uma concessão, aufere de rendimentos dessa natureza.
23. Para além de que não é de forma alguma ilegal a dupla tributação resultante da aplicação ao mesmo facto fiscal objectivo do Imposto Especial do Jogo e do Imposto Complementar de Rendimentos, já que essa é uma prerrogativa que assiste ao legislador fiscal que é, no caso da RAEM, a Assembleia Legislativa.
24. Que o legislador quis que fosse exactamente assim é indubitável face ao teor do artigo 28º da Lei n.º 16/2001, onde se regulamentou especificamente a questão da dupla tributação.
Termos em que se requer a V. Exa. que o presente recurso seja julgado improcedente por não padecer dos vícios alegados sendo, consequentemente, mantida a sentença recorrida, com as devidas consequências legais.”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
A Recorrente é uma sociedade que se dedica à exploração do Hotel X, na Rua de …, n.ºs …, Edif. “Hotel X”, em Macau (conforme consta de fls. 62 a 69 dos autos).
A Recorrente celebrou sucessivamente os dois contratos de prestação de serviços e cedência de espaço com a B, S.A. (conforme consta de fls. 32 a 44 e 70 dos autos e cujo teor se considera reproduzido).
Em 28/7/2016, a ora Recorrente apresentou a declaração de rendimentos do Imposto Complementar de Rendimentos – Grupo “A”, modelo M/1, para efeitos de fixação do imposto complementar de rendimentos referente ao exercício de 2015 (conforme consta de fls. 78 a 94 do P.A.).
Nessa declaração, a Recorrente consignou que teve lucro tributável no valor de MOP31,789,943.00 (ibid).
Em 16/1/2020, a Administração Fiscal fixou o rendimento colectável no valor de MOP165,212,735.00, e em 18/2/2020, foi emitida a notificação da fixação de rendimento (conforme consta de fls. 60 e 75 e v do P.A.).
Em 18/2/2020, foi efectuada a liquidação do imposto de rendimentos pelo Director dos Serviços de Finanças, e foi posteriormente emitido à Recorrente o mandado de notificação em 9/7/2020 (conforme consta de fls. 2 e 61 do P.A.).
Em 23/3/2020, a Recorrente reclamou contra a fixação da matéria colectável junto da Recorrida (conforme consta de fls. 11 a 13 do P.A.).
Em 2/4/2020, a Recorrida deliberou negar provimento à reclamação apresentada pela Recorrente, mantendo para o exercício de 2015 o rendimento colectável de MOP165,212,735.00, com o teor da fundamentação que se transcreve no seguinte:
“…Analisada a reclamação interposta pela contribuinte acima mencionada, deliberou a Comissão de Revisão:
1. Nos termos do disposto no artigo 2.° do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, doravante abreviadamente RICR, este imposto incide sobre o rendimento global definido nos termos do artigo 3.°, que as pessoas singulares ou colectivas, qualquer que seja a sua residência ou sede, aufiram no Território.
2. Constituindo o rendimento global das pessoas colectivas, o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial, calculado nos termos do RICR.
3. A Administração Fiscal deliberou fixar o rendimento colectável em MOP 165,212,735.00 em relação ao exercício de 2015 – em virtude de rendimentos obtidos por prestação de serviços da contribuinte A Limited à B.
4. A contribuinte, ora reclamante, pertence ao grupo A, sendo tributada com base nos lucros efectivamente determinados através de contabilidade devidamente organizada, assinada e verificada por contabilistas ou auditores inscritos nos Serviços de Finanças de acordo com o RICR.
5. Entende a Administração Fiscal que a contribuinte reclamante não se enquadra nem preenche qualquer das normas de isenção legalmente previstas no Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, designadamente no artigo 9.° do RICR.
6. Nem tão pouco, por não ser concessionária, se enquadra previsto no n.º 2 do artigo 28.° da Lei n.º 16/2001.
7. Esta previsão legal estabelece que só a concessionária pode ser isenta, excepcionalmente, do pagamento do imposto complementar de rendimentos, tendo o legislador concedido ao Chefe do Executivo um poder discricionário para o efeito.
8. Assim, comparando a situação da reclamante com as situações de outros contribuintes, designadamente cujo contrato celebrado com B tenha sido autorizado, estamos perante situações diferentes, e em consequência, não há violação do princípio de igualdade, nem tal pode ser aferido nesta sede.
9. Quanto à alegada violação dos princípios da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade, é pacífico o entendimento na doutrina, como na jurisprudência, que esses só assumem relevância autónoma quando a administração actua no exercício de poderes discricionários.
10. No caso em apreciação a lei não deixa à entidade tributária uma margem de discricionariedade aquando da fixação ou não do rendimento colectável do imposto complementar de rendimentos, pelo que, não pode haver ofensa a esses princípios.
11. De igual modo não existe a acumulação de cargas tributárias na reclamante relativas aos mesmos rendimentos, ou seja, não estamos perante a identidade da matéria colectável.
12. A B, na qualidade de concessionária, é tributada no imposto especial de jogos por incidir sobre o rendimento bruto da exploração do jogo enquanto a reclamante aufere o rendimento derivado da transacção efectuada com a B, como contrapartida monetária pela prestação de serviço a esta, então, a reclamante deve ser considerada como contribuinte do ICR.
13. Contudo, de qualquer maneira, só a B pode ter a qualidade de beneficiário da referida isenção.
14. Importa reafirmar que a Lei não deixa á entidade tributária uma margem de discricionariedade aquando da fixação ou não do rendimento colectável do imposto complementar de rendimento.
15. Verificada a incidência objectiva e subjectiva do imposto complementar de rendimentos, na medida em que, a Sociedade é uma contribuinte normal, e não investida de alguma qualidade que permita a exclusão da integração do seu rendimento na matéria colectável – cfr. artigos 2.°, 4.°, 9.°, 10.°, 19.° do RICR – a Administração Tributária, no exercício de uma competência vinculada, sujeita ao princípio da legalidade – cfr. artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplica à Sociedade A Limited as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impõem perante a ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes às normas do RICR.
16. A CRIC considera na apreciação dos contratos celebrados pela A Limited com a B, que não importa o nomen juris para a definição da natureza jurídica dos mesmos, deve resultar sim do respectivo clausulado, que de resto se auto-definem como Contratos de Prestação de Serviços e de Ocupação e Uso do Espaço, onde funciona o Casino explorado pela B.
17. Resulta claro que a contribuinte não está investida na qualidade de sujeito tributário que determine tratamento especial ou excepcional junto à Administração Tributária.
18. Não estando reunidos os critérios que atribuem a isenção, pelo que, os rendimentos estão sujeitos à tributação do imposto complementar de rendimentos e ao cumprimento das obrigações fiscais inerentes.
Pelo exposto, a Comissão deliberou negar provimento à reclamação, mantendo para o exercício de 2015 o rendimento colectável de MOP$165.212.735,00.
Ao abrigo do artigo 47.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos (RICR), a Comissão deliberou ainda aplicar o agravamento de 0.009 % sobre a colecta de MOP$16.010.735,00.
Nos termos do artigo 68.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, informa-se que da deliberação de Comissão de Revisão, cabe recurso contencioso de anulação – n.º 2 do artigo 80.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
O recurso acima referenciado é interposto para o Tribunal Administrativo – artigo 82.º do mesmo diploma.
O prazo para a interposição do recurso é de 45 dias contados da notificação – artigo 7.º da Lei n.º 15/96/M de 12 de Agosto.
Desta deliberação cabe ainda reclamação graciosa, nos termos do artigo 76.° do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, a dirigir a esta Comissão de Revisão, no prazo de 15 dias, conforme o disposto no artigo 77.º do mesmo Regulamento...” (conforme consta de fls. 9 a 10 do P.A. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 29/6/2020, a Recorrente interpôs o presente recurso contencioso fiscal.
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Alega a recorrente que o Tribunal recorrido não elencou na matéria provada o facto de que “foi proferido um despacho do Sr. Director dos Serviços de Finanças através do qual foi sancionado o entendimento mediante o qual as remunerações[…]não deverão ser tributadas em qualquer sede de imposto da RAEM, porquanto terão as mesmas sido colectadas a montante do acto de pagamento pela prestação de serviços e ocupação e uso de espaços.”
Ora bem, estando em causa nos presentes autos o recurso contencioso da deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da DSF, o acto praticado pelo próprio Director da DSF não pode deixar de ser irrelevante para o caso, por as duas entidades serem distintas nem que o Director é parte dos presentes autos.
Razão pela qual, não sendo tal facto relevante para a boa decisão da causa, nenhuma censura merece a sentença recorrida.
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Alega ainda a recorrente que, tendo tomado conhecimento daquele facto superveniente acima descrito, tem direito a invocar novos fundamentos para o recurso, ao abrigo do n.º 3 do artigo 68.º do CPAC.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, julgamos não assistir razão à recorrente.
Conforme dito acima, não sendo o Director parte dos presentes autos nem superior hierárquico da Comissão de Revisão, a posição assumida por aquele não vai ter influência sobre a deliberação proferida pela entidade recorrida.
Daí que não merece censura a sentença recorrida ao não atender aos novos fundamentos invocados pela recorrente no recurso contencioso.
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No tocante à suposta violação da lei substantiva, damos aqui por reproduzida parte do douto parecer do Digno Procurador-Adjunto, nos seguintes termos transcritos:
“3. Da assacada “violação da lei substantiva”
Além de arrogar a violação de lei processual, a recorrente assacou ainda a violação de lei substantiva à sentença do MMº Juiz a quo, violação que, de acordo com o processo argumentativo dela, se consubstancia nos erros de julgamento atinentes aos vícios invocados na petição.
3.1. À deliberação impugnada no recurso contencioso, a recorrente imputou a falta de fundamentação, argumentando que havia contradição insanável entre os pontos 7 a 10 e, de outro lado, a Comissão de Revisão não explicou minimamente quais fossem “situações diferentes” mencionadas no ponto 8 dessa deliberação.
Do art. 115º do CPA podem-se extrair os seguintes requisitos cumulativos da fundamentação: a)- a explicitude que se traduz na declaração expressa dos fundamentos de facto e de direito; b)- a contextualidade no sentido de constar da mesma forma em que se exterioriza a decisão tomada; c)- a clareza; d)- a congruência e, e)- a suficiência (Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado, pp. 637 a 642). Pois, o n.º 2 deste normativo prevê peremptoriamente que a obscuridade, contradição ou insuficiência equivale à falta de fundamentação.
Bem, sufragamos a jurisprudência autorizada e iluminativa que preconiza (a título do direito comparado, cfr. Acórdão do STA de 10/03/1999 no Processo n.º 44302): A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente. (sublinhas nossas)
Nestes termos, e tomando em consideração a Reclamação deduzida pela recorrente (doc. de fls. 33 a 43 do P.A.), inclinamos a entender que a referida deliberação assegura à recorrente toda a possibilidade de conhecer e compreender cabalmente o itinerário cognoscitivo da Comissão de Revisão do imposto complementar, sem contradição ou insuficiência.
Com efeito, o ponto 7 da dita deliberação alude a poder discricionário do Chefe do Executivo, e os pontos 9 e 10 referem-se à competência da Comissão de Revisão. O que, só por si, evidencia irrefutavelmente que não há contradição assacada, por isso, a arguição da contração não pode deixar de ser manifestamente inconsistente e despropositada.
Note-se que na sua Reclamação, a recorrente peticionou tão-só que lhe seria aplicada a isenção prescrita no Despacho n.º 378/2011 do Chefe do Executivo, sem pedir a isenção prevista no art. 9.º do RICM, alegando ser parceira de exploração da «B, S.A.».
Devido ao pedido e aos correspondentes fundamentos configurados na Reclamação pela recorrente, a Comissão de Revisão não necessitava de especificar as razões determinantes da não aplicação ao caso sub judice do art. 9.º do RICM, não ficava obrigada a precisar as “situações diferentes” referidas no ponto 8 da supramencionada deliberação, portanto não se verifica in casu a lacuna ou insuficiência da fundamentação.
Por cautela, a frase “designadamente cujo contrato celebrado com a B tenha sido autorizado” no sobredito ponto 8 constitui diferenciador bastante para esclarecer a inexistência in casu da violação do princípio da igualdade, na medida em que a recorrente nunca provou que o contrato celebrado entre si e a B tivesse sei autorizado pela Administração.
3.2. Bem, o art. 28.º da Lei n.º 16/2001 dispõe: 1. Independentemente da sujeição ao pagamento do imposto especial sobre o jogo, as concessionárias ficam obrigadas ao pagamento dos impostos, contribuições, taxas ou emolumentos estabelecidos na lei. 2. Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar, temporária e excepcionalmente, total ou parcialmente, as concessionárias do pagamento do imposto complementar de rendimentos.
Ora, este comando legal patenteia concludentemente que não há qualquer isenção ipso jure e, tanto a concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar como o pagamento do imposto especial sobre o jogo não são dotados da virtualidade de isentar o pagamento dos impostos, contribuições, taxas ou emolumentos prescritos na lei, a isenção é excepcional e só tem lugar quando o motivo do interesse público a justifique, sendo poder discricionário do Chefe do Executivo para conceder isenção.
Repare-se que o n.º 1 do Despacho n.º 378/2011 do Chefe do Executivo determina propositada e categoricamente: É concedida à B, S.A., a título excepcional, a isenção do pagamento do imposto complementar de rendimentos, relativamente aos lucros gerados pela exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino.
Salvo merecido e elevado respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que a locução “a título excepcional” implica que a isenção fixada nesse Despacho n.º 378/2011 e angulada no motivo de interesse público aproveita apenas à B que é a única beneficiária desta isenção fiscal e a B não pode estendê-la ou transferi-la a quem quer que seja. O interesse público impõe a verificação e decisão casuísticas, daí nenhum outrem, incluindo nomeadamente as filiais, subsidiárias ou parceiras da B, pode exigir a “boleia” ou comparticipação extensiva desta isenção. Tudo isto torna indiscutível que a recorrente não tinha nem tem legitimidade para arrogar a isenção estabelecida no dito Despacho n.º 378/2011.
Ora, o que a recorrente recebeu da B tem, sem mínima sombra de dúvida, a natureza jurídica de rendimento que fica sujeito ao imposto complementar de rendimentos (art. 2.º do RICR). Sendo assim, o imposto pago pelo B no âmbito do artigo 28º da Lei nº 16/2001, não tem nada a ver com a ora Recorrente, porque tal imposto é um imposto especial, que incide sobre as concessionárias de exploração de jogos de fortuna e azar nos termos da lei citada e assume uma espécie de retenção na fonte sui generis, ex lege e automática (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 324/2020). Tudo isto evidencia que não enferma da dupla tributação a deliberação impugnada no recurso contencioso culminante com a prolação da sentença em escrutínio, por isso é infundada a arguição da dupla tributação.
3.3. De outro lado, é de frisar que na sua Reclamação, a recorrente arrogou só a aplicação a si da isenção prescrita no Despacho n.º 378/2011 supra referido, sem alegar qualquer facto que pudesse ser enquadrado na previsão do n.º 1 do art. 9º do RICR. Nestes termos, não há margem para dúvida de que a recorrente não adquiriu direito à pretendida isenção do imposto complementar incidente no rendimento auferido no exercício do ano 2015. Daí flui que a dita deliberação não ofende os princípios da igualdade tributária, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade.
Ora, importa também ter presente que no actual ordenamento jurídico de Macau se encontram irreversivelmente consolidadas a doutrina e jurisprudência, no sentido de que os princípios de igualdade, de proporcionalidade, da justiça e de imparcialidade se circunscrevem apenas ao exercício de poderes discricionários, sendo inoperante aos actos administrativos vinculados. (a título meramente exemplificativo, cfr. arestos do TUI nos Processos n.º 32/2016, n.º 79/2015 n.º 46/2015, n.º 14/2014, n.º 54/2011, n.º 36/2009, n.º 40/2007, n.º 7/2007, n.º 26/2003 e n.º 9/2000, a jurisprudência predominante do TSI vem andando no mesmo sentido). E seja como for, a ofensa do princípio da igualdade não releva no exercício de poderes vinculados, já que não existe um direito à igualdade na ilegalidade. O princípio da igualdade não pode ser invocado contra o princípio da legalidade: um acto ilegal da Administração não atribui ao particular o direito de exigir a prática no futuro de acto de conteúdo idêntico em face de situações iguais. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 7/2007)
Na nossa óptica, é irrefutável que o n.º 1 do art. 9º do RICR não dota o Fisco de qualquer poder discricionário ou margem de livre apreciação, e a qualificação do sobredito rendimento da recorrente no lucro tributável consignado no referido n.º 1 não comporta o exercício de poder discricionário ou a interpretação do conceito indeterminado prognóstico.
De tudo isto decorre que a deliberação contenciosamente recorrida tem a índole de acto vinculado, nesta medida e por natureza das coisas, é impossível que a mesma infrinja princípios da igualdade tributária, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso jurisdicional.”

Atento o teor do douto parecer que antecede, somos a entender que nele foi apresentada a melhor, acertada e sensata solução para o caso sub judice, pelo que, considerando a fundamentação de direito aí exposta, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos, negando, assim, provimento ao recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 6 U.C.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 17 de Março de 2022
 Tong Hio Fong
 Rui Pereira Ribeiro
 Lai Kin Hong
Mai Man Ieng



Recurso Jurisdicional 882/2021 Página 7