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Processo nº 154/2021 Data: 28.01.2022
(Autos de recurso jurisdicional)

Assuntos : Autorização de residência na R.A.E.M..
Renovação.
Falsas declarações.
Declaração de nulidade da renovação; (art. 122°, n.° 2, al. c) do C.P.A.).
“Antecedentes criminais”; (art. 9°, n.° 2, al. 1) da Lei n.° 4/2003).



SUMÁRIO

  Se se vier a verificar que o requerente de um pedido de renovação de autorização de residência na R.A.E.M. declarou falsamente que se mantinha casado para assim conseguir obter mérito na renovação da autorização da sua ex-esposa, adequado não é que se dê relevância a tal “conduta” – pela qual até foi condenado – para efeitos de se declarar a nulidade da autorização da renovação da sua residência nos termos do preceituado no art. 122°, n.° 2, al. c) do C.P.A., (sem prejuízo de poder ser ponderada nos termos e para efeitos do art. 9°, n.° 2, al. 1) da Lei n.° 4/2003).

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 154/2021
(Autos de recurso jurisdicional)
   





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), com os restantes sinais dos autos, recorreu contenciosamente para o Tribunal de Segunda Instância do despacho do SECRETÁRIO PARA A ECONOMIA E FINANÇAS de 27.05.2020 que declarou nula a concedida renovação da sua autorização de residência na R.A.E.M. que tinha sido estendida à sua (ex)esposa e filho; (cfr., fls. 2 a 12-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, por Acórdão de 22.07.2021, (Proc. n.° 986/2020), foi o recurso julgado parcialmente procedente, anulando-se (tão só) o acto administrativo recorrido no que dizia respeito ao referido recorrente A; (cfr., fls. 72 a 77-v).

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Do assim decidido, traz agora a entidade administrativa o presente recurso, onde, em alegações, produz as seguintes conclusões:

“1) O acórdão recorrido padece do vício de aplicação incorrecta do direito material (artº 152º do CPAC).
2) A Administração não interpretou extensivamente o artº 122º, nº 2, al. c) do CPA.
3) Para que o cônjuge pudesse manter a autorização de residência em Macau o Recorrido prestou deliberadamente ao IPIM declarações falsas sobre o seu estado civil (incluindo nos documentos entregues ao IPIM, tais como requerimento de renovação, declaração de manutenção da relação conjugal e documento comprovativo da relação conjugal). Este acto ilícito é relevante para a decisão de renovação da autorização de residência (objecto do acto administrativo) do Recorrido (requerente principal).
4) A conduta do Recorrido de prestar declaração falsa sobre o estado civil afecta, de qualquer maneira, a apreciação e deferimento do pedido de renovação.
5) A questão a discutir deve ser o tempo em que o Recorrido entregou o pedido de renovação. Ele realmente prestou declaração falsa na altura e tinha a intenção de iludir a Administração. Se a Administração soubesse a intenção dele, seria muito provável que a Administração não lhe concedesse a renovação da autorização de residência, porque isso ia prejudicar gravemente o interesse público.
6) A defesa da segurança pública da RAEM é sempre um elemento relevante a considerar em qualquer requerimento de autorização de residência.
7) O Recorrido prestou declaração falsa no requerimento de renovação, na declaração de manutenção da relação conjugal e no documento comprovativo da relação conjugal, documentos estes que foram apresentados ao IPIM. Os conteúdos falsos dos documentos foram utilizados não só para a renovação da autorização de residência do seu cônjuge como também para renovar a sua própria autorização de residência.
8) Dos documentos apresentados para a renovação da autorização constavam o estado civil dos dois, portanto, são falsos os dados do cônjuge do Recorrido como também os de si próprio.
9) Os dados falsos produzem efeitos negativos e relevantes para a decisão da Administração.
10) Naquela altura, para que a sua autorização de residência e a dos seus familiares pudessem ser renovadas, o Recorrido, sendo o requerente principal, tinha que prestar declarações falsas sobre a relação conjugal.
11) O acto criminoso não era irrelevante para a renovação da própria autorização de residência, ao contrário, aquilo era o meio necessário para alcançar o seu fim.
12) O artº 9º, nº 2, da Lei nº 4/2003 só é aplicável na apreciação da autorização de residência, esta norma, portanto, não é aplicável quer na altura em que foi descortinado o facto de o Recorrido usar documentos falsificados, quer na altura em que foi praticado o acto recorrido, porquanto o Recorrido já obteve o estatuto de residente permanente.
13) Pelo exposto, a decisão administrativa em causa sofre de vício de lesão grave ao interesse público porquanto foi provado que o Recorrido usou documentos falsificados ou prestou declarações falsas no pedido de autorização de residência (sic) pelos quais foi condenado criminalmente. Andou bem a Autoridade Administrativo em declarar supervenientemente nula a decisão administrativa nos termos do artº 122º, nº 2, al. c) do CPA”; (cfr., fls. 87 a 93 e 26 a 37 do Apenso).

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Sem resposta, e admitido que foi o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixados, (cfr., fls. 83), vieram os autos a este Tribunal de Última Instância.

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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer opinando no sentido da improcedência do recurso e consequente confirmação do Acórdão recorrido; (cfr., fls. 103 a 104).

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Corridos os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos, vieram os autos à conferência.

Nada obstando, passa-se a apreciar e decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Tribunal de Segunda Instância vem indicada como “provada” a seguinte matéria de facto:

“- No dia 21.06.2006, o recorrente pediu ao Chefe do Executivo a autorização de residência temporária nos termos do artº 1º do Regº Admº nº 3/2005;
- No dia 15.12.2006, obteve a autorização pretendida e esta foi estendida ao seu cônjuge B e filho C;
- No dia 21.06.2012, o recorrente pediu a renovação da autorização de residência temporária, para tal apresentou ao IPIM a declaração de manutenção da relação conjugal, em que declarou que ainda mantinha relação conjugal com B;
- No dia 14.08.2012, foi deferida a renovação da sua autorização de residência temporária;
- No dia 06.06.2014, o recorrente apresentou mais uma declaração ao IPIM, declarando que ainda mantinha relação conjugal com B;
- No dia 10.06.2014, o recorrente declarou junto do IPIM que já se divorciou do cônjuge no dia 18.02.2011 no Interior da China, apresentando em conjunto a sentença;
- No dia 06.01.2017, pelo requerimento de renovação da autorização de residência temporária, o Juízo Criminal do TJB condenou o recorrente A pela prática de um crime de falsificação de documentos e o seu cônjuge pela prática de um crime de uso de documento falsificado;
- A referida decisão condenatória transitou em julgado no dia 26.01.2017;
- Por despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 27.05.2020, exarado na Proposta nº 00059/AJ/2020, foi declarado nulo o despacho do Secretário para a Economia e Finanças, datado de 14.08.2012, que deferiu a renovação da autorização de residência temporária do recorrente e dos seus familiares;
- De tal despacho do Secretário para a Economia e Finanças o recorrente recorreu contenciosamente para o Tribunal de Segunda Instância, pedindo a anulação do despacho”; (cfr., fls. 75-v a 76 e 19 a 20 do Apenso).

Do direito

3. Vem a entidade administrativa recorrer do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado que concedeu “parcial provimento” ao anterior recurso contencioso pelo agora recorrido aí interposto, (não conhecendo do recurso relativamente à ex-esposa e filho deste).

Salientando-se, assim, que em sede da presente lide recursória em causa tão só está a decisão de anulação do acto administrativo da entidade administrativa na parte que diz respeito ao ora recorrido, e ponderando sobre o teor da decisão agora objecto do recurso, cremos que a mesma não merece censura, (muito não se apresentando necessário aqui consignar para se demonstrar este nosso ponto de vista).

Vejamos.

Em síntese que se nos apresenta adequada, esta a reflexão pelo Tribunal de Segunda Instância efectuada no seu Acórdão objecto do presente recurso:

“(…)
De facto, de acordo com o “regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializado” elaborado pelo Regº Admº nº 3/2005, o direito de residência temporária concedido ao requerente principal pode ser estendido aos membros do agregado familiar indicados no artº 5º e o direito de residência temporária destes familiares dependentes do direito de residência temporária obtido pelo requerente principal.
Apesar disso, os laços familiares entre o requerente principal e os membros do seu agregado familiar são apenas a base legal para a autorização ser estendida aos beneficiários, não sendo fundamento jurídico para conceder o direito de residência temporária ao requerente principal.
Deste modo, no procedimento de renovação da autorização de residência temporária concedida ao requerente principal e aos membros do seu agregado familiar, caso o requerente principal preste declaração falsa sobre o estado civil, com vista a que o seu cônjuge divorciado continue a beneficiar da autorização de residência temporária, induzindo o órgão administrativo em erro (por deferir a renovação da sua autorização de residência temporária), ainda por cima, pela prestação de declaração falsa o titular do direito foi condenado criminalmente pelo Juízo Criminal, nesta situação, nos termos do artº 122º, nºs 1 e 2, al. c) do CPA, o órgão administrativo pode declarar nulo o acto na parte que renovou a autorização de residência temporária do ex-cônjuge e pode cancelar, nos termos do artº 9º, al. 1) da Lei nº 4/2003, o direito de residência temporária concedido ao requerente principal com fundamento de antecedentes criminais do mesmo. No entanto, não deve declarar nulo o acto administrativo inteiro de renovar a autorização de residência temporária do requerente principal e de todos os membros do agregado familiar que beneficiam da autorização.
(…)”; (cfr., fls. 76 a 76-v e 21 a 22 do Apenso).

E, ressalvado o muito respeito devido a diverso entendimento – e como em ambas as intervenções que o Ministério Público teve nos presentes autos igualmente se nota; cfr., o Parecer junto em sede do recurso no Tribunal de Segunda Instância e o que juntou na presente Instância – acertada se nos apresenta a decisão proferida e ora recorrida, pois que também somos de opinião que incorreu a entidade administrativa em equívoco em sede de “fundamentação jurídica” invocada para a prática do acto que declarou a “nulidade da renovação da autorização da residência do ora recorrido”; (cfr., fls. 24 a 29).

Com efeito, esta declaração de nulidade do acto de renovação da autorização de residência do ora recorrido fundou-se (indevidamente) na norma da alínea c) do n.° 2 do art. 122° do C.P.A., (tendo a Administração considerado que o objecto do acto declarado nulo constituía crime), o que não se mostra acertado.

Na verdade, e ainda que certo seja que foi o agora recorrido “condenado” – pelo Tribunal Judicial de Base pela prática de 1 crime de “falsificação de documentos” por ter ocultado à Administração que o seu casamento com o seu ex-cônjuge, B, já havia sido dissolvido por divórcio – de tal “conduta” (criminalmente relevante) apenas resultou a indevida renovação da autorização de residência deste seu então já ex-cônjuge, (pois que se considerou que válido se mantinha o casamento antes invocado), e já não do mesmo, (pois que, como bem decidiu o Tribunal de Segunda Instância, tal “facto criminoso”, para efeitos do acto de “renovação” declarado nulo, apresenta-se, nesta perspectiva, indiferente).

Um “aspecto” se mostra porém de aqui clarificar.

É que ainda que para efeitos da prática do acto objecto do recurso contencioso – ou seja, para a “declaração de nulidade da referida renovação ao abrigo do art. 122°, n.° 2, al. c) do C.P.A.” – adequado não fosse de invocar a referida “conduta” do ora recorrido, nada impede que a mesma seja pela Administração ponderada em face do disposto no art. 9°, n.° 2, al. 1) da Lei n.° 4/2003, (ao caso aplicável), onde se prevê que os “antecedentes criminais” do requerente constituem elemento a considerar em sede de decisão relativa a pedidos de autorização de residência.

Dest’arte, não sendo o que, no caso, sucedeu, constatado está o “erro” que justifica a decisão recorrida, vista estando a solução para o presente recurso.

Decisão

4. Em face do exposto, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Sem tributação.

Registe e notifique.

Macau, aos 28 de Janeiro de 2022


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas

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