打印全文
Processo n.º 661/2021
(Autos de recurso contencioso)
     
Relator: Fong Man Chong
Data : 24 de Março de 2022

Assuntos:
     
- Incidência do imposto do selo e (ir)relevância da desistência do negócio
     

SUMÁRIO:

I – O sentido útil da alínea b) do n.º 3 do artigo 51.º do Regulamento do Imposto do Selo (RIS) é o de desonerar a Administração de ter de demonstrar o pressuposto da tributação referido no n.º 2 do artigo 51.º, ou seja, de demonstrar que através do contrato-promessa ou de outro acto insusceptível de transmitir direitos sobre bens imóveis foram transferidos poderes de facto sobre o imóvel para o adquirente.
II - A lei ficciona juris et de jure e para efeitos meramente fiscais, que a celebração de um contrato-promessa ou de um outro acordo subsumível à dita alínea b) do n.º 3 do artigo 51.º do RIS relativo a um bem imóvel implica a transferência de poderes de facto sobre esse imóvel e é fonte de transmissão fiscal.
III - O imposto constitui uma obrigação ex lege, não uma ex voluntate, ele é devido com a mera verificação do facto tributário, com a concretização do pressuposto legalmente tipificado. A vontade só tem relevância na medida em que tal concretização do pressuposto legal da tributação assenta, em regra, num comportamento voluntário. Uma vez concretizado o pressuposto, gera-se inescapavelmente a obrigação tributária, sendo a vontade do contribuinte indiferente ao seu conteúdo e validade, muito menos a desistência posterior do negócio em causa.


O Relator,
     
_______________
Fong Man Chong

















Processo n.º 661/2021
(Autos de recurso contencioso)

Data : 24/Março/2022

Recorrente : A

Entidade Recorrida : Secretário para a Economia e Finanças

*
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I – RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, datado de 28/07/2021 (e depois veio a atacar a decisão expressa que indeferiu o pedido), veio, em 29/07/2021, interpor o presente recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 32, tendo formulado as seguintes conclusões:
1) A ora Recorrente foi notificada pelo oficio n.º 1137/NIS//DOI/RFM/2020 de 03/04/2020 da Direcção dos Serviços de Finanças referente ao não pagamento do imposto de selo no prazo de 30 dias, conforme o estipulado no nº 1 do artigo 58° do respectivo Regulamento do Imposto de Selo e da consequente liquidação oficiosa do aludido imposto realizada nos termos do disposto no n° 1 do artigo 60° do mesmo diploma, no valor de MOP113,121.00, por meio de proposta n° 5965/NIS/DOI/RFM/2019 de 25/9/2019, o qual inclui MOP105,066 do imposto e MOP8,055 de juros compensatórios.
2) Dessa mesma decisão for feita Reclamação pela ora Recorrente tendo sido proferida a seguinte decisão de acordo com o despacho proferido pelo Exmo. Senhor Director do Serviço de Finanças de 25/05/2020: "Relativamente às suas reclamações apresentadas em 14/04/2020 e 23/04/2020, respectivamente, sobre o assunto em epígrafe, cumpre-nos notificar que, nos termos do n.º 1 do artigo 52.º do Regulamento do Imposto de Selo, "o imposto do selo é devido ainda que o documento, papel ou acto seja inválido, ineficaz ou ilícito". Motivo pelo qual, mesmo que a transacção não seja concluída, para efeitos fiscais, ainda é necessário pagar o imposto de selo em relação ao contrato-promessa de compra e venda celebrado em 12/11/2018; Porém, a apresentação pelo sujeito passivo de sentença transitada em julgado, que reconheça a invalidade ou ineficácia do documento, papel ou acto que titulou a transmissão, impede a cobrança do imposto do selo.
3) Mais adiantando o referido despacho que: "Tendo em conta que V Ex.ª não apresentou a referida sentença transitada em julgado, de acordo com o despacho proferido pelo Director em 25/05/2020 através da proposta n.º 1557/NIS/DOI/RFM/2020, são indeferidas as suas reclamações".
4) De acordo ainda com a notificação efectuada à aqui Recorrente, a mesma poderia interpor recurso hierárquico necessário para o Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, sendo clara a referida notificação ao referir, in fine, que "No que diz respeito ao acto administrativo, caso V Exa. ainda queira oferecer oposição deve, nos termos da alínea a) do artigo 6º da Lei 15/96/M, de 12 de Agosto, do n.º 2 e n.º 3 da Lei n.º 12/2003 de 11 de Agosto e do n.º 3 do artigo 2º do Decreto-Lei16/84/M apresentar recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Economia e Finanças (SEF), no prazo de 30 dias(...)"
5) Da mesma decisão a ora recorrente interpôs o competente recurso hierárquico necessário para o Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, sem que do mesmo tenha obtido qualquer decisão, e nesse sentido, e perante um dever legal que a aqui entidade recorrida tinha para decidir sobre a pretensão da aqui Recorrente, a mesma interpelou o Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças para emitir decisão, sem que do mesmo tenha também obtido até à data qualquer decisão final, sobre a sua pretensão.
6) Por considerar que a decisão em apreço padece do vício de violação de lei, não se conformando a ora Recorrente com o mesmo, daí a interposição do presente recurso do indeferimento tácito do recurso hierárquico necessário interposto para o Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, tal como acima transcrito, já que vem o acto administrativo ora recorrido confirmar, por indeferimento tácito, a responsabilidade atribuída à ora Recorrente da violação do disposto no nº 1 do artigo 52º do Regulamento do Imposto de Selo,
7) Com todo o respeito pela decisão em crise, não pode a Recorrente concordar com a mesma, por incorrer no vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, isto porque
8) Na tarde do dia 12/11/2018, a ora Recorrente, seguindo as orientações da agente imobiliária da B PROPERTIES, C (doravante designada como Agente imobiliária), com quem tinha relações de amizade, assinou uma proposta de negócio, elaborada pela própria agência imobiliária, «tendo em vista a eventual futura aquisição do imóvel sito em Macau, 澳門XX馬路XX號XX樓X座 descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., tal como consignado no documento que se encontra junto à Reclamação junta ao acima identificado processo administrativo como documento 2 e o qual designaram em português "Acordo provisório para compra e venda de fracção ", em inglês "Provisional Agreement for sale and purchase" e em chinês "物業單位臨時買賣合同" (doravante designado como "Acordo").
9) E quando a Recorrente assinou a aludida proposta de negócio as vendedoras não se encontravam presentes, estando apenas presente a Recorrente e a referida agente que também assinou a mesma, tendo-lhe, no entanto, sido dito à Recorrente que a mesma proposta iria ser assinada pelas vendedoras nesse mesmo dia e após o que lhe seria enviada a respectiva cópia, sendo que essa proposta foi assinada apenas com vista à reserva de um potencial negócio de compra e venda, como é aliás prática habitual no sector imobiliário, não vinculando a parte quanto à celebração e quanto aos termos desse negócio tendo nessa mesma data a Recorrente pago à agência imobiliária (e não às compradoras) a quantia de HKD40.000,00.
10) No entanto, na noite desse mesmo dia 12/11/2018, a Recorrente mudou de ideias quanto à aquisição deste imóvel e, por isso, imediatamente contactou a agente imobiliária comunicando-lhe que não estava mais interessada na realização do negócio, que queria que o valor de HKD40.000,00 que havia pago para reservar a aludida fracção, lhe fosse restituído, e que, quer a Agente imobiliária quer as vendedoras da fracção, poderiam encetar negociações para a venda da fracção a terceiras pessoas.
11) Facto que foi aceite pela agente imobiliária e pelas vendedoras, tendo o referido montante de HKD40.000,00, sido restituído à ora Recorrente e a partir dessa data entendeu a Recorrente que o potencial negócio de compra e venda da referida fracção se tinha frustrado, por desistência das partes e que tudo ficou resolvido nesse sentido e por acordo das partes.
12) O tal negócio de promessa de compra e venda não se chegou sequer a realizar, sendo o mesmo inexistente e não produzindo qualquer efeito jurídico, significando isto que o acto em questão não chegou sequer a ser inválido, ineficaz ou ilícito, porque pura e simplesmente nunca chegou a existir, não se justificando para este efeito, a liquidação do imposto de selo.
13) Por motivos totalmente alheios à Recorrente, o referido "Acordo provisório para compra e venda de fracção", que, como se disse, nunca veio a produzir os seus efeitos, foi erradamente comunicado a esta Direcção dos Serviços de Finanças de Macau, a qual nessa sequência, e com base nesse título, veio a liquidar oficiosamente o respectivo imposto de selo, cobrança essa que se mostra indevida, já que o negócio nunca chegou a existir.
14) Com efeito, tal como ensina o Professor Carlos Ferreira de Almeida in Católica Law Review, Direito Privado, volume 1, n 2, Maio 2017, página 16, para os pretensos contratos um dos exemplos de insuficiência estrutural extrema é o dissenso, ou seja, a desistência de uns dos contratantes antes do vencimento do contrato, e, segundo o mesmo Mestre "(...) a inexistência deriva de o facto não reunir os requisitos mínimos para preencher, respectivamente, os conceitos de acto, de acto jurídico, de declaração jurídica, de negócio jurídico ou de contrato, sem que, para tal concluir, seja necessário preceito legal que expressamente proceda a tal qualificação."
15) E, no caso concreto, verificou-se que a ora Recorrente desistiu de um potencial negócio de compra e venda sem que este tenha chegado sequer a realizar-se, facto que leva à inexistência do negócio jurídico ou contrato, carecendo de fundamento a decisão da entidade recorrida.
16) Entendendo a ora Recorrente, sempre com todo o respeito, por opinião diversa, que a decisão de liquidação oficiosa do imposto de selo, ao fundamentar-se somente no argumento de que "o imposto do selo é devido ainda que o documento, papel ou acto seja inválido, ineficaz ou ilícito ", e de que "para efeitos fiscais, ainda é necessário pagar o imposto de selo em relação ao contrato-promessa de compra e venda", desconsiderando por completo que se tratou apenas de um acordo para reserva de um potencial negócio de transmissão de imoveis, que as partes desistiram desse negócio, que esse negócio nem sequer veio a realizar-se e por isso é inexistente, incorreu no vício de violação de lei por violação do disposto no artigo 58° do Regulamento do imposto de Selo, e por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
17) Com efeito, é sabido que o erro nos pressupostos de facto constitui uma das causas de invalidade do acto administrativo, consubstanciando um vício de violação de lei que configura uma ilegalidade de natureza material.
18) O acto administrativo em crise partiu do pressuposto de que se trata de um contrato promessa de compra e venda, mas em bom rigor, o documento em causa que serviu para a decisão de liquidação oficiosa do imposto de selo nem se trata de um contrato-promessa de compra e venda, pois não preenche os seus requisitos legais podendo qualificar-se antes como um acordo preparatório, de natureza não contratual.
19) No caso, se tomarmos o declaratário efectivo, nas condições reais em que se encontra e presumindo que é uma pessoa razoável e normal, medianamente instruída e diligente, o sentido que objectivamente atribuiria às declarações de vontade, que será o prevalecente, é seguramente, que a ora Recorrente e os proprietários da fracção em causa não celebraram entre si, por virtude da sua incompletude, um contrato promessa, mas antes entenderam que aquele acordo é ainda puramente pré-contratual, sem qualquer carácter vinculativo, com vista à reserva de um potencial negócio.
20) Além disso, resulta do disposto no artigo 224º do Código Civil que, se as partes em negociação não chegarem a acordo sobre algumas das questões sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo, o contrato não se concluiu e no caso, é manifesto o dissenso entre as partes sobre a celebração do contrato promessa de compra e venda ou do contrato definitivo, e enquanto subsistir o dissenso não se dá a conclusão do contrato e por isso, o contrato não existe!
21) Mais se diga, que a decisão recorrida argumenta que o imposto do selo é devido ainda que o documento, papel ou acto seja inválido, ineficaz ou ilícito. Mas o acto em questão não chegou sequer a ser inválido, ineficaz ou ilícito, porque o negócio e por consequência o acto, nunca chegou a existir, não se preenchendo, por isso, os requisitos descritos no n.º 1 do artigo 52.º do Regulamento do Imposto de Selo, tal como argumentado pela entidade recorrida quando escreve que: "o imposto do selo é devido ainda que o documento, papel ou acto seja inválido. ineficaz ou ilícito" (sublinhado nosso), uma vez que tal acto é totalmente inexistente.
22) Estamos assim perante uma manifesta discrepância entre o conteúdo ou objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis, o que constitui um vício de violação de lei, vício esse assumindo in casu a vertente de erro de direito, na senda do que vem sendo jurisprudência unânime, isto é, de que o erro na interpretação ou indevida aplicação da regra de direito (erro de direito) consubstancia uma hipótese de violação de lei, resultando, por isso no vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e erro de Direito, o que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais.
23) No entanto, e caso ainda assim seja considerado pelo Venerando Tribunal que o aludido negócio existiu, o que só por mera hipótese académica se concede, a verdade é que o mesmo deixou de existir, a partir do momento em que os contraentes, por mútuo consenso resolveram o contrato, e esta resolução pode fazer-se mediante a mera declaração à outra parte, conforme estatuído no art. 430º do Código Civil, e tendo existido consenso entre as partes essa resolução é mais do que existente.
24) Por outro lado, consagra o nº 1 do art. 428º do Código Civil que: "A resolução tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução." Tendo a retroactividade uma equiparação legal no que toca à eficácia ex tunc e tal como se defende, entre outros, no Acórdão do STJ de Portugal de 09/12/2019, in www.dgsi.pt, e que a título de direito comparado aqui se invoca, "O que respeita aos efeitos da resolução, textua o direito substantivo civil - artºs. 433º, 434º e 289º todos do Código Civil - "Na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (...)" e "tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução" "( ...) devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente"
25) Mais se adianta que na data da participação deste Acordo à Direcção dos Serviços de Finanças (cuja data concreta a ora Recorrente desconhece, sabendo porém que foi em período bem posterior à assinatura do aludido Acordo, assim como a data da liquidação do imposto de Selo), tal Acordo estava já resolvido entre as partes e não existindo qualquer negócio, logo não existiria a obrigação de pagamento de imposto de selo no prazo de 30 dias.
26) Por esse motivo, os efeitos que esta resolução produziu são semelhantes aos da não existência de qualquer negócio e existindo o efeito ex tune, ou seja, esse efeito retroactivo, terá que ser quanto a todos os efeitos jurídicos decorrentes do contrato, incluindo necessariamente quanto às obrigações fiscais que eventualmente daí decorram.
27) Não fazendo sentido que sobre um contrato resolvido exista incidência fiscal, não se preenchendo, por isso, os requisitos descritos no n.º 1 do artigo 52.º do Regulamento do Imposto de Selo, tal como argumentado pela entidade recorrida, resultando, por isso, também aqui o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e erro de Direito, o que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais.
28) Por outro lado, o acto administrativo aqui em recurso determina o pagamento de quantia certa respeitante à violação de disposição prevista no artigo 52.º do Regulamento do Imposto de Selo, e não tem natureza de sanção disciplinar e a não atribuição do efeito suspensivo ao presente Recurso Contencioso determina que o acto administrativo aqui em apreço possa vir a ser executado, designadamente através do processo de execução fiscal.
29) Assim, atenta a possibilidade prevista no artigo 22.º do CPAC, nada obsta a que, prestando-se caução, seja atribuído efeito suspensivo ao presente Recurso Contencioso, pelo que mui respeitosamente se requerer a V. Exa. se digne deferir seja prestada caução à ordem dos presentes autos, no valor da quantia cuja cobrança é visada pelo acto administrativo sob Recurso, ou seja, MOP$113.121,00, através do depósito de tal quantia à ordem dos presentes autos, desde já se requerendo a V. Exa. se digne, para o efeito, ordenar a emissão da competente guia de depósito, e requerendo-se igualmente se digne atribuir ao presente Recurso efeito suspensivo da eficácia do acto administrativo sub judice.
*
A, Recorrente, requerer o prosseguimento do presente recurso contencioso, tendo agora por objecto o acto expresso entretanto praticado, tendo formulado as seguintes conclusões:
1) O presente requerimento é apresentado, nos termos do artigo 81.°, n.º 1 do CPAC, na sequência do despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, proferido a 28 de Julho de 2021, exarado na Proposta n.º 001/NAJ/CF/2021 , de 13 de Julho, que rejeitou o recurso hierárquico do despacho proferido pelo Exmo. Senhor Director do Serviço de Finanças de 25/05/2020, que havia rejeitado a reclamação apresentada pela aqui Recorrente da decisão que lhe havia sido notificada pelo oficio n.º 1137/NIS//DOI/RFM/2020 de 03/04/2020 da Direcção dos Serviços de Finanças, por meio de proposta n° 5965/NIS/DOI/RFM/2019 de 25/9/2019, referente ao não pagamento do imposto de selo no prazo de 30 dias, e da consequente liquidação oficiosa do aludido imposto.
2) O presente requerimento e os fundamentos aqui apresentados deve ser lido em conjugação com o recurso contencioso que já havia sido interposto do acto de indeferimento tácito, que resultou da não resposta ao recurso hierárquico necessário que já havia sido interposto daquela mesma decisão.
3) Nos termos do artigo 81.°, n.º 1 do CPAC, a Recorrente pretende a prossecução do presente recurso contencioso contra o acto expresso entretanto praticado pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, passando a ser esse acto expresso o objecto do recurso contencioso em análise nos presentes autos.
4) As alegações apresentadas no recurso contencioso inicialmente apresentado continuam válidas após o proferimento de decisão expressa, uma vez que não se pode falar, in casu, de contrato-promessa, de qualquer acto lícito o ilícito, válido ou inválido, eficaz ou ineficaz, porque, como foi sublinhado no recurso contencioso apresentado, "[...] o acto em questão não chegou sequer a ser inválido, ineficaz ou ilícito, porque pura e simplesmente nunca chegou a existir." (cfr. art. 32.° do recurso contencioso).
5) Pelo que se mantém na íntegra as alegações apresentadas no recurso contencioso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, apenas se alterando o acto recorrido (que passa a ser o acto expresso e não o acto tácito).
6) Acrescentando-se apenas agora, nos termos do artigo 81.°, n.º 1 do CPAC, algumas notas adicionais em resposta àquilo que foi agora argumentado pelo Recorrido, na decisão expressa que veio agora tomar, notas essas que deverão ser lidas em conjunto com tudo o demais já alegado pela ora Recorrente, aquando da interposição do presente recurso contencioso.
7) A existência de um documento, papel ou acto, só por si, não será obviamente suficiente para que se proceda à liquidação e cobrança de imposto de selo.
8) Será também necessário que esse documento, papel ou acto seja "[...] fonte, para efeitos fiscais, de transmissão entre vivos, temporária ou definitiva [...] a título oneroso ou gratuito de imóveis" (cfr. art. 51.°, n.º 1, al. a) do RIS).
9) Saber se estamos, ou não, perante uma fonte de transmissão de imóveis para efeitos daquele preceito legal, implica conjugar aquilo que é dito pelo n." 2 do artigo 51.° do RIS, com a alínea b), do n.º 3 do mesmo artigo.
10) Da conjugação destes dois preceitos, resulta que o critério para que se decida se sobre determinada operação incide, ou não, imposto de selo é a “[...] transferência de poderes de facto de utilização e fruição do bem”.
11) O que a alínea b) do n.º 3 do artigo 51.° do RIS faz é esclarecer que, havendo essa "[ ... ] transferência de poderes de facto de utilização e fruição do bem" (a que se refere o n.º 2), haverá lugar à liquidação do Imposto de Selo mesmo na hipótese de o contrato-promessa ou o outro documento, papel ou acto "[ ... ] não se[r] susceptível de transmitir o direito de propriedade ou outro direito real de gozo".
12) Este n.º 3, alínea b) do artigo 51.° do RIS, porém, nunca afasta a necessidade de existência da "[ ... ] transferência de poderes de facto de utilização e fruição do bem" a que se refere o n.º 2: bem pelo contrário, o n.º 3 especifica expressamente que a norma em si contida é ''para efeitos do número anterior."
13) No caso que aqui nos ocupa, nunca existiu qualquer "[...] transferência de poderes de facto de utilização e fruição do bem".
14) Não poderá ser cobrado qualquer Imposto de Selo sobre um acto que nunca existiu, onde nunca se verificou uma coincidência tempestiva da vontade das partes, onde há uma manifesta insuficiência estrutural extrema, como referido no recurso contencioso interposto do acto tácito.
15) Nem poderá também ser cobrado qualquer Imposto de Selo quando não se verificou qualquer "[...] transferência de poderes de facto de utilização e fruição do bem."
16) O que está em causa é uma mera reserva de um negócio e uma desistência quase imediata, sem que tenha havido coincidência temporal de vontades entre declarante e declaratário, nem sequer, in casu, qualquer contacto pessoal.
17) Está em causa é uma verdadeira inexistência jurídica, e uma não transferência do que quer que seja por via deste "Contrato-Provisório"
18) Assim, o acto recorrido está ferido de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de Direito o que, nos termos do artigo 124.° do CPC, gera a anulabilidade do acto, que aqui desde já se invoca, para os devidos efeitos legais.
*
Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Economia e Finanças veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 196 a 214, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. Impossibilidade superveniente da lide
1. O presente recurso, do alegado indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto pela Recorrente, em 01.07.20, do Despacho do Senhor Director dos Serviços de Finanças, de 25.05.20, ex arado na Proposta n.º 1557/NIS/DOI/RFM/20, foi apresentado dia 28 de Julho via telecópia.
2. Nessa mesma data a Entidade Recorrida por despacho exarado na Proposta n.° 001/NAJ/CF/2021, de 13 de Julho, indeferiu o recurso hierárquico necessário (fls. 19 a 46 do processo instrutor) que foi notificado à Recorrente, através da sua mandatária, pelo ofício n.º 053/NAJ/CF/2021, de 04.08.21 (fls. 1 a 17), expedido por registo datado de 05.08.2021 (fls. 18).
3. As notificações ou avisos, efectuados sob registo postal como meio de dar conhecimento aos contribuintes dos factos tributariamente relevantes encontram-se estabelecidos no Decreto-Lei n° 16/84/M de 24 de Março.
4. As notificações presumem-se feitas no quinto dia posterior ao do registo postal ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja - Cfr artigo 2° nº 3 do Decreto-Lei nº 16/84/M de 24 de Março.
5. Significa, portanto, que a notificação considerou-se efectuada dia 10.08.21.
6. Nos termos do n.º 1 do artigo 32.° do CPAC a recorribilidade do indeferimento tácito cessa quando o acto expresso seja publicado ou notificado ao interessado.
7. Correspondendo o indeferimento tácito a uma presunção de indeferimento que permite aos interessados aceder à via contenciosa quando são confrontados com o silêncio da Administração, proferido que seja um acto expresso sobre a pretensão dirigida à Administração, a impugnação deverá dirigir-se contra o único acto que existe na ordem jurídica e esse acto é o acto expresso (cfr. Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, Viriato Lima e Álvaro Dantas, p. 129)
8. Entendemos estarmos na situação em que o acto expresso foi proferido anteriormente à interposição de recurso contencioso do indeferimento tácito mas sendo conhecido já nessa pendência, o que se verifica é que esse recurso quedará sem objecto, assim ocorrendo impossibilidade superveniente da lide, tal como resulta do disposto na alínea b) do artigo 87.° CPAC.
9. Sem prejuízo do regime resultante do artigo 81.° n.ºs e 2 e nos termos do qual, a prática, na pendência do recurso do indeferimento tácito de acto expresso que não satisfaça ou não satisfaça integralmente, os interesses do recorrente, permite a este requerer o prosseguimento do recurso tendo por objecto o acto expresso verificado que seja determinado condicionalismo,
10. Nos termos da alínea b) do artigo 87.º CPAC, determina a extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (alínea e) do artigo 84.º CPAC) a prática de acto expresso ou o seu conhecimento posteriores à interposição do recurso de indeferimento tácito sem que tenha havido lugar à aplicação do artigo 81.º CPAC.
II. Do pedido de atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso contencioso
11. O artigo 22.º do CPAC determina que o recurso contencioso não tem efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido, excepto quando, cumulativamente, esteja apenas em causa o pagamento de quantia certa, sem natureza de sanção disciplinar, e tenha sido prestada caução por qualquer das formas prevista na lei de processo tributário ou, na sua falta, pela forma prevista na lei de processo civil para prestação de caução no procedimento cautelar comum.
12. «No entanto, como é sabido, não existe na RAEM uma "lei de processo tributária" e por isso, a remissão que releva é a que consta da parte final deste artigo: a caução deverá ser prestada pela forma prevista no CPC para o procedimento cautelar comum.
Ora, o CPC, no n.º 2 da artigo 332.º, estabelece que "a providência decretada pode ser substituída por caução adequada, a pedido do requerido, sempre que a caução oferecida, ouvido o requerente, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente". Desta norma resulta que a forma de prestação de caução aí prevista é enunciada através da utilização de um conceito indeterminado, o de "caução adequada" que remete para uma apreciação casuística por parte do julgador. Será caso a casa e em função da respectiva concretude que o tribunal aferirá se a caução oferecida é ou não adequada, tendo em vista os interesses que, através da respectiva prestação, se visam acautelar.» (ob. cit, p. 66)
13. Em nota (p. 66) os mesmos autores referem que «Devendo a caução a prestar ser uma caução adequada e tendo em conta que aquilo que se pretende com a exigência dessa prestação é garantir o pagamento da quantia liquidada através do acto administrativo ou do acto tributário em causa, tendemos a considerar que, em regra, a caução deve garantir não apenas o montante da prestação pecuniária principal mas também os juros que se tornem exigíveis em razão da mora no pagamento».
14. Por outro lado, face à letra do preceito deste artigo 22.º ("...que tenha sido prestada garantia") deve entender-se que o mesmo exige a anterioridade da garantia, isto é, que a mesma esteja já prestada aquando da apresentação em juízo do pedido de suspensão (ob. cit., p. 67)
15. A pretensão da Recorrente no sentido da suspensão da eficácia do acto origina um incidente processual que deverá correr por apenso ao processo de recurso contencioso e não nos autos deste (ob. cit., p.67).
16. Ora, em anotação ao artigo 123.º na obra citada (p. 362) é entendido que o requerimento não pode ser deduzido na petição de recurso contencioso. Se o for, o tribunal não conhece do pedido de suspensão de eficácia.
17. Solução a aplicar no âmbito da aplicação do artigo 22.º CPAC e na presente situação em que a Recorrente deduziu o presente pedido de suspensão na petição do recurso contencioso.
18. Razão pela qual foi a Entidade Recorrida citada apenas para contestar em 20 dias nos termos do artigo 52.º CPAC e para no mesmo prazo juntar aos autos os elementos referidos no artigo 55.º CPAC.
19. E não para se pronunciar sobre o pedido de suspensão, mormente quanto ao valor que teria de abranger os juros, aliás, quando nem foi prestada qualquer caução.
20. Uma vez que é no incidente processual a correr por apenso ao processo de recurso contencioso que a entidade recorrida deverá ser ouvida previamente à decisão, possibilitando-se-lhe, dessa forma, o exercício do contraditório e o tribunal apreciará se a caução prestada é ou não adequada e se, portanto, o efeito suspensivo da eficácia do acto da interposição do recurso de produzirá ou não (ob. cit., p.67).
21. E aplicando aqui analogicamente o regime que decorre do artigo 126.° deste Código e assim, uma vez notificada a entidade recorrida do pedido de suspensão de eficácia formulado pela Recorrente ao abrigo do artigo 22.°, ficará a mesma impedida, a partir daí, de proceder à execução do acto administrativo (idem).
22. Tendo a ora Recorrente apresentado o pedido de suspensão na petição de recurso não produz quaisquer efeitos o pedido assim deduzido.
III. Do objecto do recurso
23. O recurso que ora se contesta tem por objecto o alegado indeferimento tácito do recurso hierárquico, interposto pela ora recorrente em 01.07.20, do despacho do Senhor Director dos Serviços de Finanças, de 25.05.20, exarado na Proposta n.º 1557/NIS/DOI/RFM/2020, de 20.05.20, que indeferiu a reclamação do acto de liquidação oficiosa do imposto do selo por transmissão de bens móveis.
24. Tratando-se de um recurso contencioso de mera legalidade, ele limita-se a solicitar a "anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica" - Cfr. artigo 20.° do CPAC.
25. Assim sendo, o que há a discutir nos presentes autos é a verificação ou não dos alegados vícios do acto administrativo, ora impugnado - Cfr. artigo 21.°, n.º 1 , alíneas a) a e) e n.º 2 do CPAC.
26. Fundamenta-se o presente recurso no alegados vícios de violação da lei por erro nos pressupostos de facto e erro de direito na aplicação dos artigos 58.° e 52.° n.º 1 RIS.
Por Impugnação
26. Por não se mostrarem idóneos a operar o efeito pretendido pela Recorrente, impugnam-se os fundamentos invocados pela Recorrente bem como toda a matéria vertida na petição de recurso.
26. A DSF tomou conhecimento em Março de 2019 do contrato relativo à fracção em referência através da comunicação da proprietária.
27. A Recorrente assinou contrato com a agência imobiliária “B properties” datado de 10.11.18 em conformidade com a Lei n.º 16/2012.
28. Pelo contrato designado em chinês "物業單位臨時買賣合同" e em inglês "Provisional Agreement for Sale and Purchase of Unit"1, com o n.º 0000128, datado de 12.11.18, D e E na qualidade de vendedores e a Recorrente na qualidade de compradora e a agência imobiliária F Investment Limited como agente imobiliária, os vendedores comprometem-se a vender à compradora o imóvel sito em Macau, na Estrada…, n.º …, Edifício …, ….° andar "…", descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º ... e inscrito na matriz sob o número 73870, acordando as partes nos termos e condições nele estipuladas, entre elas:
a) o preço de compra no valor de HKD5,180,000;
b) os vendedores declaram a recepção de HK40,000 como depósito inicial com a assinatura deste contrato;
c) em de 27.12.18, ou antes, data rasurada e alterada de forma manuscrita para 03.12.18 ou antes, deverá ser pago um depósito adicional de HKD460,000, valor rasurado e alterado de forma manuscrita para HKD418,000, que deverá ser pago aquando da assinatura do contrato-promessa de compra e venda formal em escritório de advogados a determinar;
d) deverá ser pago outro depósito e parte do preço no valor de HKD60,000 inscrito de forma manuscrita sem indicação da data de pagamento;
e) o remanescente do preço da compra do valor de HKD 4,680,000, rasurado e alterado de forma manuscrita para HKD4,662,000, deverá ser pago pelo comprador ao vendedor de uma só vez por ordem de caixa ou empréstimo bancário na data da escritura de compra e venda.
f) Fixa-se a data da escritura de compra e venda para dia 31.01.19, ou antes, em escritório de advogados a determinar e que qualquer alteração das datas para celebração de escritura pública ou pagamento de depósitos tem de ser acordada pelo vendedor e comprador sendo que na falta de acordo são vinculativas entre as partes as fixadas neste acordo.
g) Estabelece-se que caso o vendedor não proceda à venda do imóvel, deve este devolver os depósitos pagos em dobro e compensar o comprador por todas as despesas incorridas inclusive o imposto do selo e comissão ao agente e que caso o comprador não proceda à compra do imóvel, o vendedor tem direito de fazer seus os depósitos entregues e o comprador deve compensar o vendedor pelas despesas Incorridas incluindo o imposto do selo especial, se houver lugar ao pagamento do mesmo, e comissões pagas ao agente.
h) Refere-se que se o vendedor estiver sujeito a imposto do selo especial de acordo com a Lei n.º 6/2011 este terá de pagar o imposto do selo especial no prazo de 15 dias a contar da data deste contrato e que
i) O comprador está sujeito ao imposto do selo a pagar no prazo de 30 dias a contar da data do contrato.
29. A Recorrente e a agente imobiliária assinaram em, 12.11.18, declaração de empréstimo de cheque pelo qual declaram que para efeitos de compra da fracção em referência a agente imobiliária empresta o cheque sacado sobre o banco X no valor de HKD 40,000.
30. A ora Recorrente depositou HKD40,000 na conta bancária da agente imobiliária C
31. E esta sacou em 12.11.18 o cheque do mesmo valor à ordem de E, proprietária do imóvel, como sinal por conta da Recorrente.
32. A Recorrente desistiu do negócio por considerar elevado o preço do imóvel e exigiu a devolução do sinal.
33. A agente imobiliária devolveu o valor do sinal à Recorrente;
34. Em 16.11.18 E foi ao banco levantar o cheque que não foi pago por a conta não ter provisão,
35. Tendo a agente imobiliária informado que a Recorrente exigiu o cancelamento de negócio e que por isso lhe devolveu o montante do sinal,
36. Tendo E apresentado queixa à Polícia Judiciária;
37. Como a Recorrente não procedeu à liquidação e pagamento do Imposto do Selo relativamente ao referido contrato provisório de compra e venda de imóvel, por despacho do Senhor Director dos Serviços, de 25.09.19, exarado na Proposta n.º 5965/NIS/DOI/RFM/2019 foi autorizada a liquidação oficiosa do imposto do selo por transmissão de bens relativamente ao imóvel de valor de Mop5,335,400 correspondendo a Mop105,066 de imposto do selo e Mop8,055 de juros compensatórios ascendendo o valor da colecta e juros ao valor de Mop113,121 (M/1 2020/08/800043/7);
38. Por oficio n.º 1137/NIS/DOI/RFM/2020, de 03.04.20, enviado sob registo em 07.04.20, foi a Recorrente notificada da liquidação oficiosa.
39. Dentro do prazo para a reclamação a Recorrente apresenta reclamação em 14.04.20 e outra em 23.04.20 através da sua advogada.
40. Por despacho do Senhor Director dos Serviços, de 25.05.20, exarado na Proposta n.º 1557/NIS/DOI/RFM/2020, de 20.05.20, foi indeferida a Reclamação.
41. O despacho recorrido entendeu que nos termos do n.º 1 do artigo 60.º RIS há lugar a liquidação oficiosa sempre que a administração tributária detecte a falta de cumprimento da obrigação de liquidar por parte de sujeito passivo. E que nos termos do n.º 1 do artigo 52.° RIS o imposto do selo é devido ainda que o documento, papel ou acto seja inválido, ineficaz ou ilícito mas a apresentação pela contribuinte de sentença transitada em julgado, que reconheça a invalidade ou ineficácia do documento, papel ou acto que titulou a transmissão, impede a cobrança do imposto do selo e, se já tiver sido pago, confere direito à sua restituição nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, não tendo a ora Recorrente apresentado a referida sentença.
42. Foram ouvidos no procedimento a Recorrente, E e C antes da liquidação oficiosa.
43. A Entidade Recorrida por despacho, de 28.07.21, exarado na Proposta n.º 001/NAJ/CF/2021, de 13 de Julho, indeferiu o recurso hierárquico necessário que foi notificado à Recorrente, através da sua mandatária, pelo oficio n.º 053/NAJ/CF/2021, de 04.08.21, expedido por registo datado de 05.08.2021.
Dos vícios de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e erro de direito - 58.º e 52.º n.º 1 RIS
44. O artigo 1º do Regulamento do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n° 17/88/M, de 27 de Julho, alterado pela Lei n.º 9/97/M, de 4 de Agosto, Lei n.º 8/98/M, de 21 de Dezembro, Regulamento Administrativo n.º 15/2000, Lei n.º 8/2001, republicado na íntegra pelo Despacho do Chefe do Executivo n° 218/2001, e posteriormente alterado pela Lei n.º 18/2001, pela Lei n.º 4/2009 e pela Lei n.º 4/2011, doravante designado por RIS, dispõe que o "Imposto do Selo recai sobre os documentos, papéis e actos designados na Tabela Geral anexa" ao seu regulamento.
45. A alínea a) do nº 1 do artigo 51° RIS dispõe que o Imposto do Selo é devido por quaisquer documentos, papéis e actos que sejam fonte, para efeitos fiscais, de transmissão entre vivos, temporária ou definitiva a título oneroso ou gratuito de imóveis.
46. O objecto da relação tributária é, pois, o documento, papel ou acto e não as transmissões fiscais de que estes são fonte.
47. E no n° 2 do artigo 51° RIS, o legislador específica que "são consideradas fontes de transmissão de bens, para efeitos fiscais, todos os documentos, papéis ou actos que titulem a transferência dos poderes de facto de utilização e fruição do bem" para, logo de seguida, concretizar, enumerando uma lista onde inclui os contratos de compra e venda, troca, arrematação, ou adjudicação por acordo ou decisão judicial ou administrativa, constituição de usufruto, uso e habitação, servidão ou direito de superfície; os contrato-promessa de compra e venda ou outro documento, papel ou acto que, ainda que lícito, válido e eficaz, não seja susceptível de transmitir o direito de propriedade ou outro direito real de gozo." - cfr. alíneas a) e b) do nº 3 dó artigo 51° RIS
48. Como se tem vindo a afirmar, designadamente no Acórdão do TSI, de 16.10.14, proferido no Processo n.º 277/2009, o imposto do selo deve ser pago sempre que se outorgue quaisquer documentos, papéis e actos que sejam fonte para efeitos fiscais de transmissões entre vivos, mesmo que não haja transmissão efectiva e material do bem.2
49. Com efeito, na formulação actual do artigo 51.° RIS a transmissão efectiva pode ou não existir, ter sido concretizada ou mesmo resultar objectivamente impossível, porque é a existência do documento, papel ou acto que a titula que legitima a cobrança do imposto.
50. Não só é possível a existência do imposto derivado de um título relativo a uma transmissão efectiva inexistente, como é possível, o imposto incidir por mais que uma vez relativamente a uma única transmissão efectiva.
51. Não havendo alteração entre a celebração do contrato-promessa e a escritura o contribuinte pagará o imposto depois da celebração do primeiro contrato e nada mais terá que pagar quando celebrar a escritura, mas se depois de celebrado o contrato-promessa houver uma alteração do preço, por insignificante que seja, então haverá lugar a novo pagamento de imposto aquando da celebração da escritura definitiva e, assim, sobre uma mesma transmissão efectiva incidirá o imposto duas vezes, em momentos diferentes, por aplicação a contrario sensu do n.º 4 e da alínea b) do n.º 3 do artigo. 51.° RIS.
52. Por outro lado haverá tributação sobre uma transmissão efectiva inexistente sempre que não seja concretizado o contrato prometido.
53. O contrato-promessa, não é susceptível de transmitir a propriedade ou outro direito real de gozo. Com efeito, é o contrato pelo qual alguém se obriga a celebrar certo contrato (artigo 404.° CC) do qual consta usualmente um valor a título de antecipação o pagamento do preço do bem que se promete adquirir e transmitir (cfr 434.° ss CC), elementos que constam do acordo provisório para compra e venda ora aqui em causa (Vide artigo 28.° da presente Contestação).
54. Os aspectos e os efeitos do contrato-promessa de compra e venda e do contrato de compra e venda são diferentes. Quanto à eficácia, o contrato-promessa não produz os mesmos efeitos que o contrato definitivo, obrigando somente as partes ao compromisso de o celebrar. O seu objecto é a celebração do contrato de compra e venda e só este opera a transmissão da propriedade da coisa. Do contrato-promessa derivam apenas obrigações, pois não tendo eficácia real, salvo o disposto no artigo 407.° CC - pelo qual podem as partes atribuir-lhe esta eficácia3 4 - é um contrato obrigacional. Simplesmente e por força do artigo 820.° CC o contraente fiel pode obter a celebração do contrato prometido, mediante sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso.
55. Repare-se, a alínea b) do n.º 3, do artigo 51.° RIS para além de não tributar uma transmissão da propriedade porque tal não é operado por um contrato-promessa também não exige para a tributação a tradição do bem imóvel que poderia implicar, pela inversão do título da posse, a aquisição deste por usucapião decorrido o prazo fixado legalmente.5
56. O n.º 3 do já revogado artigo 57.°, relativo às transmissões intercalares, pode-nos começar a ajudar a dilucidar o âmbito dos limites da norma de incidência, - já que a alínea b) do n.° 3 do artigo 51.° RIS integrou parte do conteúdo do seu n.°16 - ao determinar que «o sujeito passivo que adquira definitivamente um bem imóvel pelo qual, no âmbito de uma transmissão intercalar, tenha pago imposto do selo pela taxa de 0,5%, deve proceder ao pagamento da diferença entre o montante previamente liquidado e o que se mostrar devido pela aquisição definitiva»7.
57. O n.º 4 do actual artigo 51.° dispõe que «o pagamento do imposto do selo nas transmissões tituladas pelos documentos referidos na alínea b) do número anterior, desoneram o respectivo sujeito passivo do seu pagamento aquando da celebração do contrato definitivo, desde que não exista alteração das partes, do objecto e se mantenha o valor da transmissão».
58. O legislador vem salvaguardar a situação daqueles que celebram o contrato definitivo para os fins normais do imóvel - habitação, comércio ou arrendamento - permitindo o desconto no valor do imposto do previamente liquidado no primeiro contrato ou exonerando o pagamento do imposto relativamente ao segundo, porque a razão de ser da tributação das transmissões intercalares é o combate à especulação imobiliária, à compra e venda para especulação e não para os fins normais do imóvel8, concluindo-se, assim, que os documentos papéis ou actos mencionados na alínea b), do n.º 3, do artigo 51.º RIS, que não são aptos a operar uma transmissão civilística, se referem a estádios antecedentes a um contrato definitivo a celebrar eventualmente.
59. Quanto aos contratos-promessa, ensina Cunha Gonçalves9 que "a promessa de compra e venda é uma situação jurídica em que o contrato de compra e venda se mantém num estado indeciso e incompleto", por outro lado Galvão Telles10 diz que o contrato-promessa antecede e prepara o contrato definitivo (aquele que se tem em vista), obrigando-se as partes, pelo primeiro a fazer mais cedo ou mais tarde, o segundo.
60. Portanto, o outro documento papel ou acto ainda que lícito, válido e eficaz, não seja susceptível de transmitir o direito de propriedade ou outro direito real de gozo não tem de envolver a transmissão civil da coisa nem mesmo a tradição coisa no sentido de integrar o conceito de "transferência dos poderes de facto de utilização e fruição do bem ou direito" a que se refere o n.º 2 do artigo 51.° RIS, primeiro porque a alínea b) do n.º 3 trata exactamente de uma ficção de transmissão e dessa transferência; segundo porque a tributação em imposto do selo por "qualquer outro documento, papel ou acto que transfira os poderes de facto de utilização e fruição do bem ou direito" é feita directamente pela alínea q) do n.º 3 não sendo de aceitar que o legislador tenha querido dizer a mesma coisa em duas alíneas do mesmo número em que é fixada a base de incidência.
61. Tais contratos são agora autonomamente tributados não porque envolvam, em si transmissões jurídicas de bens, mas porque através deles se podem disfarçar autênticas transmissões, nos termos acima definidos conducentes à especulação imobiliária. A sua tributação surge pela necessidade de não deixar escapar actos que, não envolvendo a transmissão civil ou a mesmo a tradição do bem (em que a usucapião poderia consolidar a transmissão) são susceptíveis de conduzir a ganhos patrimoniais equivalentes.11
62. Estamos perante ficções de transmissão fiscal que não envolvendo, como se deixou dito, transmissões jurídicas da propriedade de bens, proporcionam ao "adquirente" direito de uso e fruição equivalentes, do ponto de vista económico, ao direito de propriedade em termos de posterior disponibilização do bem assegurando ao "adquirente" uma mais valia com a ulterior "venda".
63. Ou seja, o legislador fiscal temeu que através de contratos deste tipo se estivesse a encobrir estas operações traduzidas em ganhos económicos sobre esses bens fugindo ao imposto do selo, partindo do pressuposto de que ninguém confia a outrem o preço ou parte do preço da coisa que comprou deixando-lhe nas mãos a faculdade de celebrar ou não o contrato definitivo, lançando mão portanto de tipos de contratos que de certo modo "garantam" o "investimento" assegurando o "retomo" pretendido.
64. Pretendeu-se, pois, atingir todos aqueles que intervinham nas sucessivas relações contratuais de compra e venda de imóveis não como destinatários finais da sua aquisição para fins normais a habitação ou arrendamento, mas apenas como operadores meramente financeiros da intermediação, que constitui o fenómeno especulativo.
65. O acordo provisório para compra e venda celebrado pela Recorrente é considerado, pois, fonte de transmissão de bens para efeitos fiscais nos termos da alínea b), do n.º 3 do artigo 51.° RIS que dispõe que para efeitos do número anterior são sujeitos a imposto do selo os contratos-promessa de compra e venda ou outro documento, papel ou acto que, ainda que lícito, válido e eficaz, não seja susceptível de transmitir o direito de propriedade ou outro direito real de gozo (redacção introduzida pelo artigo 1.° da Lei n.º 4/2011).
66. Contém o mesmo os elementos de um contrato-promessa, conforme resulta da sua leitura e cujos elementos se encontram transcritos no artigo 28.° da presente Contestação, como se disse atrás. Aliás, a própria Recorrente na reclamação subscrita pela sua advogada, apresentada em 28.04.20, refere expressamente que assinou um contrato-promessa de compra e venda e que realizou o pagamento do sinal em contradição com o que veio invocar posteriormente.
67. Mas mesmo que assim não se entendesse, o documento em causa sempre se integrar-se-ia no âmbito da citada norma de incidência do imposto, como se deixou exposto.
68. Quanto à alegação da Recorrente de que o mesmo se trata de uma mera reserva do imóvel recorde-se que, de facto, a anterior redacção da alínea b) do n.° 3 do artigo 51.°, alterada pela lei n.º 4/2011, dispunha que são sujeitos a imposto do selo os contratos-promessa de compra e venda, não se incluindo nestes os de mera sinalização ou de reserva de imóveis, desde que o seu valor não exceda 10000 patacas, mas segundo a lei em vigor estes contratos são tributados em imposto do selo!!!
69. Não resta a menor dúvida que a Recorrente assinou o Contrato Provisório de Compra e Venda do imóvel pelo preço de HKD5,180,000 que foi assinado também pelas vendedoras e pela agente imobiliária e que esse documento existe e que por esse documento é devido imposto do selo.
70. Assim, a Recorrente como adquirente do bem ou direito é, nos termos do artigo 53.º n.º 1 RIS, o sujeito passivo do Imposto do Selo e, como tal, é nos termos do artigo 58.° RIS obrigada a liquidar e pagar o imposto do selo no prazo de 30 dias a contar da data do documento papel ou acto respectivo, havendo lugar a liquidação oficiosa sempre que a administração tributária detecte a falta de cumprimento da obrigação de liquidar por parte do sujeito passivo, nos termos do artigo 60.° RIS, que foi o que sucedeu no caso em apreço.
71. Por outro lado, nos termos do nº 1 do artigo 52.° RIS o imposto do selo é devido ainda que o documento, papel ou acto seja inválido, ineficaz ou ilícito, e só a apresentação pela contribuinte de sentença transitada em julgado, que reconheça a invalidade ou ineficácia do documento, papel ou acto que titulou a transmissão, impede a cobrança do imposto do selo e, se já tiver sido pago, confere direito à sua restituição nos termos do seu n.º 2.
72. Com efeito, o artigo 52.° n.º 1 RIS determina que o imposto do selo é devido ainda que o documento, papel ou acto seja inválido, ineficaz ou ilícito sem que o pagamento sane a invalidade ineficácia ou ilicitude, referindo o seu nº2 que a apresentação pelo sujeito passivo de sentença transitada em julgado, que reconheça a invalidade ou ineficácia do documento, papel ou acto que titulou a transmissão, impede a cobrança do imposto do selo e, se já tiver sido pago, confere direito à sua restituição12.
73. Perante uma situação de invalidade ou ineficácia do documento, papel ou acto que titulou a transmissão, não se admite pelo legislador qualquer acto extrajudicial das partes com vista a revogação ou extinguir os efeitos decorrentes daquele documento, papel ou acto, antes é necessária, por razões de confiança, certeza e segurança, uma decisão judicial, com base na qual se pedirá a devolução do imposto do selo devidamente cobrado e arrecadado (vide Acórdão, de 14.10.14, Proc. n.º 277/2009).
74. O citado acórdão refere que "em boa verdade, não deixa de ser verdade a argumentação da recorrente na medida em que não se encontrando na ordem jurídica o acto formal de transmissão para se obter declaração de nulidade da transmissão operada por aquele documento, face à revogação efectuada pelas partes intervenientes, deixaria de ter objecto da acção, mas a recorrente não devia ignorar que, por ser a obtenção de sentença judicial a única forma que a lei prevê para restituição do imposto pago, teria logo início que recorrer à via judicial para decretar a nulidade a compra e venda, e não bastaria revogar extrajudicialmente o acto para vir dizer depois que deixaria de ter efeito útil interpor acção judicial de declaração de nulidade do acto translativos."
75. (Não procedendo do mesmo modo a invocação da resolução do contrato efectuada agora em sede de recurso contencioso).
76. Ora a Recorrente não apresentou qualquer sentença e independentemente do tipo de vício existente no título gerador do imposto, a falta de reconhecimento da sentença judicial, não impede a cobrança, nem confere direito à restituição.13
77. Tal imposto é devido ainda que o contrato celebrado seja inválido, ineficaz ou ilícito, nos termos do n° 1 do artigo 52° do RIS, apenas se excepcionando a cobrança ou se permitindo a devolução do imposto cobrado quando apresentada a sentença judicial a que se refere o nº 2 do artigo 52° do RIS.
78. Pelo que o imposto foi liquidado nos termos devidos.
79. Não restam dúvidas em relação à validade do acto administrativo de liquidação oficiosa uma vez que estão reunidos os pressupostos de facto e de direito estabelecidos na alínea a) do n.º 1, n.º 2, alínea b) do n.º 3 artigo 51.°, n.º 1 artigo 53.°, artigo 58.° e artigo 60.° todos do RIS que motivam a liquidação oficiosa do imposto do selo não se verificando os pressupostos para a não cobrança ou devolução do imposto nos termos do artigo 52.° RIS,
80. Pelo que não se verifica qualquer dos vícios assacados pela Recorrente ao acto recorrido.
*
A, Recorrente, com os sinais identificativos nos autos, relativamente a outras questões suscitadas durante a fase de articvulado, veio a oferecer a resposta constante de fls. 221 a 223, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Na Contestação apresentada, o Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças veio requerer que, nos termos do artigo 87.º, al. b) do CPAC, fosse determinada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
2. Afirma, para tanto, que posteriormente à interposição do presente recurso (que era recurso de um acto tácito), foi proferido um acto expresso, e que isso deverá determinar a extinção da instância.
3. Sucede, porém, que posteriormente à prática do acto expresso, a ora Recorrente requereu, nos termos do artigo 81.º, n.º 1 do CPAC, que o recurso prosseguisse contra o acto expresso, tendo apresentado as respectivas alegações a 23 de Agosto de 2021,
ou seja, no prazo legalmente admissível.
4. A ora Recorrente desconhece se a Entidade Recorrida foi, ou não, notificada das novas alegações na sequência do acto expresso proferido, apresentadas em juízo, pela Recorrente, no dia 23 de Agosto de 2021.
5. Porém, confrontada com a Contestação agora apresentada pela Entidade Recorrida, vem pelo presente dar nota de que o primeiro pedido ali vertido - o de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide -, deverá ser julgado improcedente, por a ora Recorrente ter já requerido o prosseguimento do recurso, nos termos do artigo 81.º, n.º 1 do CPAC.
Por outro lado,
6. No segundo ponto da sua Contestação, a Entidade Recorrida insurge-se contra o pedido de atribuição do efeito suspensivo ao presente recurso contencioso, parecendo confundir a possibilidade de prestação de caução com o consequente efeito suspensivo - prevista no artigo 22.º do CPAC-, com a suspensão de eficácia de um acto, prevista nos artigos 120.º e 55. do mesmo diploma.
7. Mas não obstante esta confusão de conceitos entre efeito (suspensivo) do recurso e um procedimento preventivo e conservatório, parece-nos que a apreciação desta questão deixará de ter relevância, uma vez que, posteriormente à apresentação do presente recurso contencioso a Requerente procedeu ao pagamento do Imposto de Selo, sob reserva, tendo junto o respectivo comprovativo aos presentes autos, por requerimento de 3 de Setembro de 2021.
8. De resto, o Douto Tribunal já proferiu despacho sobre a questão em causa, a fls. 218, considerando que se torna inútil a prestação de caução e, por conseguinte, a atribuição de qualquer efeito suspensivo ao recurso contencioso em causa, e aceitando a desistência dessa pretensão.
9. Assim, ficará prejudicada a apreciação do segundo ponto apresentado pela Entidade Recorrida na sua Contestação.
10. Convém salientar, para que não reste qualquer dúvida sobre o referido pagamento efectuado sob reserva, que a Recorrente o fez considerando o estatuído no artigo 34.º do CPAC.
11. Em tudo o mais alegado na Contestação, a Recorrente pugna, obviamente, pela sua não procedência, mas, não cumprindo aqui responder àquela peça processual, limita-se a reiterar o que já alegou e requereu nas alegações de recurso contencioso.
* * *
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer de fls. 251 a 254, pugnando pelo improvimento do recurso.
* * *
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
    III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:

- Em 12/11/2018 entre a Recorrente e os promitentes-vendedores (fls. 39 a 41 dos autos) foi celebrado um contrato-promessa (provisório) de compra e venda sobre um imóvel identificados no respectivo documento;
- A Recorrente e a agente imobiliária assinaram em, 12.11.18, declaração de empréstimo de cheque pelo qual declaram que para efeitos de compra da fracção em referência a agente imobiliária empresta o cheque sacado sobre o banco X no valor de HKD 40,000.
- A ora Recorrente depositou HKD40,000 na conta bancária da agente imobiliária C
- E esta sacou em 12.11.18 o cheque do mesmo valor à ordem de E, proprietária do imóvel, como sinal por conta da Recorrente.
- A Recorrente desistiu do negócio por considerar elevado o preço do imóvel e exigiu a devolução do sinal.
- A agente imobiliária devolveu o valor do sinal à Recorrente;
- Em 16.11.18 E foi ao banco levantar o cheque que não foi pago por a conta não ter provisão,
- Tendo a agente imobiliária informado que a Recorrente exigiu o cancelamento de negócio e que por isso lhe devolveu o montante do sinal,
- Tendo E apresentado queixa à Polícia Judiciária;
- Como a Recorrente não procedeu à liquidação e pagamento do Imposto do Selo relativamente ao referido contrato provisório de compra e venda de imóvel, por despacho do Senhor Director dos Serviços, de 25.09.19, exarado na Proposta n.º 5965/NIS/DOI/RFM/2019 foi autorizada a liquidação oficiosa do imposto do selo por transmissão de bens relativamente ao imóvel de valor de Mop5,335,400 correspondendo a Mop105,066 de imposto do selo e Mop8,055 de juros compensatórios ascendendo o valor da colecta e juros ao valor de Mop113,121 (M/1 2020/08/800043/7);
- Por oficio n.º 1137/NIS/DOI/RFM/2020, de 03.04.20, enviado sob registo em 07.04.20, foi a Recorrente notificada da liquidação oficiosa.
- Dentro do prazo para a reclamação a Recorrente apresenta reclamação em 14.04.20 e outra em 23.04.20 através da sua advogada.
- Por despacho do Senhor Director dos Serviços, de 25.05.20, exarado na Proposta n.º 1557/NIS/DOI/RFM/2020, de 20.05.20, foi indeferida a Reclamação.
*
A notificação da DSF contém o seguinte teor:

事由:依職權結算財產移轉印花稅
不動產位於:澳門XX馬路XX號XX樓X座(…)
M/1 No.:2020/08/800043/7

A女士:
鑒於 台端沒有根據《印花稅規章》第58條第1款之規定,自2018年11月12日透過簽訂一份物業單位臨時買賣合同取得題述住宅單位的三十日內申報及繳納印花稅。就此,本局局長於2019年9月25日在第5965/NIS/DOI/RFM/2019號建議書作出批示,批准按照同規章第60條第1款之規定,依職權結算 台端應繳之財產移轉印花稅稅款合共澳門元113,121元,當中稅款為澳門元105,066元,補償性利息為澳門元8,055元。
上述稅款須由本通知書發出日起計30日內到本局收納處繳納。如在繳納限期內仍未繳稅,欠款將移交稅務執行處催徵,並不妨礙科以最高等於所欠財產移轉印花稅稅款三倍的罰款。
若 台端對上述決定有任何異議,可根據第12/2003號法律第二條第二款、第15/96/M號法律第四條及第16/84/M號法令第二條第三款的規定,於本公函掛號郵戳日第5天起計15天內向財政局局長提出聲明異議。
耑此,順頌
台祺

局長
澳門財稅廳廳長代行

* * *
    IV – FUNDAMENTOS
A propósito das questões suscitadas pelo Recorrente, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(…)
Nos termos previstos na norma do artigo 69.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), vem o Ministério Público emitir o seguinte parecer:

1.
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do acto administrativo da autoria do Secretário para a Economia e Finanças, que indeferiu o recurso hierárquico necessário do acto do Director dos Serviços de Finanças que indeferiu a reclamação do acto de liquidação oficiosa do imposto do selo, pedindo a respectiva anulação.
A Entidade Recorrida, regularmente citada, apresentou contestação na qual, para além de ter sustentado a ocorrência de uma situação de impossibilidade da lide, pugnou pela improcedência do recurso contencioso.

2.
2.1.
Quanto à impossibilidade da lide que a Entidade Recorrida invocou na sua contestação, não nos parece que ocorra.
É certo que o presente recurso contencioso quando foi instaurado tinha por objecto o indeferimento tácito do recurso hierárquico necessário interposto pelo Recorrente.
É também certo que, no dia em que o recurso presente recurso deu entrada em juízo, a Entidade Recorrida produziu um acto expresso de indeferimento do recurso hierárquico.
Todavia, de acordo com as normas dos nºs 1 e 2 do artigo 81.º, quando, na pendência do recurso de indeferimento tácito seja praticado acto expresso ou quando na pendência desse mesmo recurso seja notificado acto expresso anteriormente praticado, o recorrente tem a faculdade de requerer que o recurso prossiga tendo por objecto o acto expresso.
Foi o que sucedeu no caso em apreço.
A notificação do acto expresso ocorreu na pendência do recurso contencioso, pelo que era lícito à recorrente requerer, como efectivamente requereu a fls. 66 dos presentes autos, o prosseguimento do recurso, tendo por objecto o acto expresso.
Não ocorre, pois, segundo cremos, o apontado motivo de impossibilidade superveniente da lide, face à modificação objectiva da instância entretanto introduzida.
2.2.
(i)
Quanto ao mérito a pretensão da Recorrente, o que se discute é a questão de saber se estão ou não verificados os pressupostos da incidência objectiva do imposto do selo liquidado pela Administração.
Vejamos.
De acordo com o n.º 1 do artigo 51.º do Regulamento do Imposto do Selo (RIS), «é devido imposto do selo por quaisquer documentos, papéis e actos que sejam fonte, para efeitos fiscais, de transmissão entre vivos, temporária ou definitiva:
a) A título oneroso ou gratuito de imóveis;
b) A título gratuito, de quaisquer outros bens, direitos ou factos sujeitos a registo, de acordo com a legislação aplicável, de valor superior a 50 000 patacas».
O legislador, na norma seguinte, densifica aquilo que considera ser fonte de transmissão de bens para efeitos fiscais. De acordo com o n.º 2 do artigo 51.º do RIS, são «todos os documentos, papéis ou actos que titulem a transferência dos poderes de facto de utilização e fruição do bem».
E depois, na norma contida no n.º 3 do mesmo artigo 51.º do RIS, o legislador dá mais um passo no sentido de concretizar o âmbito da incidência objectiva do imposto do selo, tipificando os documentos, papéis ou actos que estão sujeitos a imposto do selo.
Com efeito, estabelece-se na alínea b) do n.º 3 do mencionado artigo 51.º do RIS:
«Para efeitos do disposto no número anterior são sujeitos a imposto do selo:
(…)
b) Os contratos-promessa de compra e venda ou outro documento, papel ou acto que, ainda que lícito, válido e eficaz, não seja susceptível de transmitir o direito de propriedade ou outro direito real de gozo
(…)».
(ii)
O imposto do selo continua a manter, entre nós, o carácter formalístico que marcou a sua génese e do qual resulta a existência de uma relação intrínseca entre o documento em si e o facto tributário. É isto o que resulta, a nosso ver, da norma do artigo 1.º do RIS que, definindo o âmbito da incidência objectiva do imposto preceitua o seguinte: «o imposto do selo recai sobre os documentos, papéis e actos designados na Tabela Geral anexa ao presente regulamento (…)».
Significa isto, portanto, que o imposto do selo não é tanto um imposto que incide sobre operações jurídico-económicas reveladoras rendimento e riqueza, mas, antes, continua a ser, essencialmente, um imposto sobre os documentos ou papéis ou actos que titulam tais operações, que só nessa medida indirecta, vamos dizer assim, são tributadas.
Daí que se possa dizer, já por referência ao caso em apreço, que o imposto do selo não incide sobre as transmissões de bens imóveis, mas, para usarmos a terminologia da lei, sobre os documentos, papéis e actos que sejam fonte, para efeitos fiscais, de transmissão de bens imóveis (em todo o caso, é de referir que esta tributação agora prevista no artigo 51.º do RIS, que não constava da sua versão original, apenas tendo sido introduzida pela Lei 8/2001 que revogou o imposto de sisa, o qual, esse sim, incidia sobre transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo sobre bens imóveis. Por isso e num certo sentido se pode dizer que o imposto do selo passou a ser o sucedâneo dessa anterior tributação das ditas transmissões que anteriormente tinha lugar em imposto de sisa).
Além disso, importa também notar que o conceito de transmissão fiscal de bens imóveis não coincide com o respectivo conceito civilístico, sendo muito mais amplo que este, tal como, aliás, já sucedia em sede de imposto de sisa.
Na verdade, apesar da técnica legislativa manifestamente infeliz empregue na redacção do artigo 51.º do RIS, com todo o respeito o dizemos, extrai-se da conjugação do n.º 1 com o n.º 2 desse mesmo artigo que o conceito de transmissão fiscal a título oneroso ou gratuito de direitos sobre imóveis abrange, em primeira linha e como é óbvio, as transmissões propriamente ditas ou civilísticas e, além destas, outros actos ou negócios jurídicos através dos quais sejam transferidos poderes de facto de utilização e fruição de bens imóveis sem que, no entanto, operem a transmissão jurídico-civil de direitos sobre tais bens.
Depois, nas diversas alíneas do n.º 3 do artigo 51.º do RIS, o legislador enumerou, algumas vezes de forma redundante e por isso desnecessária, quais os documentos, papéis ou actos que estão sujeitos a imposto de selo, ou seja, que titulam transmissões fiscais, de novo por apelo a uma técnica legislativa que, salvo o devido respeito, se nos afigura de duvidoso acerto.
No que concerne à previsão contida na alínea b) do n.º 3 do artigo 51.º do RIS, aquela que agora nos interessa e cuja aplicação aqui está em causa, estamos em crer que o seu sentido útil será, sobretudo, o de desonerar a Administração de ter de demonstrar o pressuposto da tributação referido no n.º 2 do artigo 51.º, ou seja, de demonstrar que através do contrato-promessa ou de outro acto insusceptível de transmitir direitos sobre bens imóveis foram transferidos poderes de facto sobre o imóvel para o adquirente.
Quer isto dizer que a lei ficciona ou, noutra perspectiva, presume, juris et de jure e para efeitos meramente fiscais, que a celebração de um contrato-promessa ou de um outro acordo subsumível à dita alínea b) do n.º 3 do artigo 51.º do RIS relativo a um bem imóvel implica a transferência de poderes de facto sobre esse imóvel e é, por isso, é fonte de transmissão fiscal.
O imposto do selo incide, pois, é incontroverso, sobre documentos que não titulam qualquer transmissão no sentido jurídico-civil, prescindindo, inclusivamente, ao menos nas situações enquadráveis na alínea b) do n.º 3 do artigo 51.º do RIS, da demonstração, por parte da Administração, da ocorrência de tradição material do imóvel para que a tributação seja devida.
Compreende-se a razão de ser da norma do artigo 51.º do RIS e da amplitude das situações que, à sua luz, são consideradas fonte de transmissões fiscais e, portanto, sujeitas a tributação no imposto do selo. Do que se trata é de impedir fenómenos de a evasão fiscal, estendendo-se a tributação a situações que não sendo de transmissão de direitos sobre imóveis em sentido jurídico-civil apresentam com elas, aos olhos do legislador fiscal, uma equivalência económica que justifica a sua sujeição ao imposto.
(iii)
Deste modo, e revertendo agora ao caso dos autos, em nosso modesto entendimento não podem existir grandes dúvidas de que o documento subscrito pela Recorrente, através do qual a mesma «reservou», junto de uma mediadora imobiliária, o direito de aquisição sobre uma fracção autónoma em determinadas condições, mesmo não se tratando de um contrato-promessa, não deixa de enquadrar-se na 2.ª parte da alínea b) do n.º 3 do artigo 51.º do RIS, estando, por isso, sujeita a imposto do selo [de resto, a alteração da redacção da actual alínea b) do n.º 3 do artigo 51.º do RIS relativamente ao que constava da alínea b) do n.º 3 do artigo 48.º-A do RIS, eliminando a exclusão da tributação dos contratos de mera sinalização ou reserva de imóveis, desde que o seu valor não excedesse as 10 000,00 patacas, que desta constava, é muito significativa, a nosso ver, de que, actualmente, tais contratos estão sujeitos a imposto do selo tal como os contratos-promessa propriamente ditos, independentemente do valor do sinal ou da reserva].
Ao contrário do que alega a Recorrente, não vemos, face às normas aplicáveis, que a sua «desistência» relativamente à projectada aquisição do imóvel tenha qualquer relevância no sentido por si pretendido, porquanto, como sabemos, o imposto constitui uma obrigação ex lege, não uma ex voluntate. O imposto é devido com a mera verificação do facto tributário, com a concretização do pressuposto legalmente tipificado. A vontade só tem relevância na medida em que tal concretização do pressuposto legal da tributação assenta, em regra, num comportamento voluntário. No entanto, «concretizado o pressuposto, gera-se inescapavelmente a obrigação tributária, sendo a vontade do contribuinte indiferente ao seu conteúdo e validade» (assim, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Coimbra, 2018, p. 210).

3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o recurso contencioso deve ser julgado improcedente.
*
Quid Juris?
Ora, concordamos com a fundamentação constante do douto parecer acima transcrito, sufragando a solução adoptada, limitamo-nos a realçar o seguinte:
1) – Como teoria seriam válidos os argumentos invocados pela Recorrente neste recurso, pois, o acto em causa não se deveria sujeitar à tributação porque não foi realizado o respectivo negócio, só que não foi esta filosofia que presidiu à reforma do imposto de selo, este passou a incidir sobre os documentos que importam a transmissão de direitos reais, tal como prescreve o n° 2 do artigo 51° Regulamento do Imposto do Selo (RIS), em que o legislador específica que "são consideradas fontes de transmissão de bens, para efeitos fiscais, todos os documentos, papéis ou actos que titulem a transferência dos poderes de facto de utilização e fruição do bem" para, logo de seguida, concretizar, enumerando uma lista onde inclui os contratos de compra e venda, troca, arrematação, ou adjudicação por acordo ou decisão judicial ou administrativa, constituição de usufruto, uso e habitação, servidão ou direito de superfície; os contrato-promessa de compra e venda ou outro documento, papel ou acto que, ainda que lícito, válido e eficaz, não seja susceptível de transmitir o direito de propriedade ou outro direito real de gozo." - cfr. alíneas a) e b) do nº 3 dó artigo 51° RIS. Dura lex sede lex!
2) – É do entendimento deste TSI (cfr. acórdão proferido no Processo n.º 277/2009, de 16/10/2014) que o imposto do selo deve ser pago sempre que se outorgue quaisquer documentos, papéis e actos que sejam fonte para efeitos fiscais de transmissões entre vivos, mesmo que não haja transmissão efectiva e material do bem.
Pelo que, na ausência de razões bastantes para alterar a posição acima citada, é de julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
*
Síntese conclusiva:
I – O sentido útil da alínea b) do n.º 3 do artigo 51.º do Regulamento do Imposto do Selo (RIS) é o de desonerar a Administração de ter de demonstrar o pressuposto da tributação referido no n.º 2 do artigo 51.º, ou seja, de demonstrar que através do contrato-promessa ou de outro acto insusceptível de transmitir direitos sobre bens imóveis foram transferidos poderes de facto sobre o imóvel para o adquirente.
II - A lei ficciona juris et de jure e para efeitos meramente fiscais, que a celebração de um contrato-promessa ou de um outro acordo subsumível à dita alínea b) do n.º 3 do artigo 51.º do RIS relativo a um bem imóvel implica a transferência de poderes de facto sobre esse imóvel e é fonte de transmissão fiscal.
III - O imposto constitui uma obrigação ex lege, não uma ex voluntate, ele é devido com a mera verificação do facto tributário, com a concretização do pressuposto legalmente tipificado. A vontade só tem relevância na medida em que tal concretização do pressuposto legal da tributação assenta, em regra, num comportamento voluntário. Uma vez concretizado o pressuposto, gera-se inescapavelmente a obrigação tributária, sendo a vontade do contribuinte indiferente ao seu conteúdo e validade, muito menos a desistência posterior do negócio em causa.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
*
Custas pela Recorrente que se fixam em 5 UCs.
*
Notifique e Registe.
*
RAEM, 24 de Março de 2022.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Mai Man Ieng
1 Contrato Provisório de Compra e Venda do Imóvel.
2 "O imposto do selo é devido por quaisquer documentos, papéis e actos que titulem a transferência de imóveis entre vivos, independentemente de haver ou não a produção de efeitos translativos."
3 Com um contrato-promessa com eficácia real pode o promitente comprador obter sentença que lhe atribua a propriedade da coisa mesmo que já esteja em poder de terceiro, pois da promessa de compra e venda ainda que com eficácia real não resulta a transmissão da propriedade.
4 O n.º 4 do já revogado artigo 57.º RIS estabelecia que não se considerava transmissão intercalar as que resultem de contratos-promessa com eficácia real pelas quais era cobrada a taxa do artigo 42 da TGIS, mesmo deles não resultando transmissão da propriedade e sem necessidade de haver tradição ou posse.
5 A posse meramente formal há-de traduzir-se pelo exercício de determinadas formalidades e poderes sobre a coisa possuída, poderes esses que o possuidor não detém, de direito, mas que assim procede como seu dono, sem que todavia tenha adquirido, em relação à mesma coisa, o direito de propriedade, direito esse que permitiria a prática legítima dos actos de gozo ou disposição que exerce sobre a referida coisa.
Esta posse, formal, constitui um instituto autónomo dentro do Código Civil e, com o decurso de certo lapso de tempo, poderá ser uma fonte de direitos para o possuidor, nomeadamente através da usucapião.
6 "Para efeitos fiscais consideram-se transmissões intercalares de bens imóveis as que resultem de contrato-promessa de compra e venda ou outro documento, papel ou acto que, ainda que lícito, válido e eficaz, não seja susceptível de transmitir o direito de propriedade ou outro direito real de gozo".
7 Redacção introduzida pela Lei n.º 18/2001, não muito diferente, para este efeito, do sentido da redacção inicial dada pela Lei n.º 8/2001 ao n.º 3 do artigo 48.° G renumerado pelo DESCE n.º 8/2001, como artigo 57.°: "3. Ao sujeito passivo que adquira definitivamente de um transmissário intercalar só é cobrada a diferença entre o imposto do sele calculado nos termos do número anterior e aquele que seria devido por aplicação da taxa normal"
8 Como se tem vindo a dizer as transmissões intercalares resultam do esforço do legislador fiscal no combate à evasão fiscal e face a situações de especulação imobiliária no sentido de tributar verdadeiras transmissões económicas face a um quadro fáctico em que o comprador visando apenas o intuito especulativo, age com a perspectiva financeira de valorização imediata do bem subindo o preço dos imóveis artificialmente, sem haver movimentações concretas dos bens comprados e vendidos (traditio), mas apenas uma sucessão de ordens de compra e venda sem que os bens sejam fisicamente afectados por essa sucessão de transacções.
Deste modo, o Imposto do Selo, avançou no sentido de distanciar o imposto cada vez mais da transmissão efectiva e da traditio, focando-se nos títulos que operam essas transacções e criando ficções jurídicas sobre o que consiste a traditio definida agora como a disposição dos poderes de facto de utilização e fruição dos bens, mas apresentando uma compilação de situações em que tais poderes em rigor não existem e em que a impossibilidade de transmissão da propriedade ou outro direito real de gozo aparece como critério distintivo dessas transmissões como intercalares.
9 Citado em anotação ao artigo 2.° do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, Anotado e Comentado, I volume, Francisco Pinto Fernandes e José Cardoso dos Santos, Imprensa Nacional Casa da Moeda, pág. 46.
10 Idem.
11 Já anteriormente ao RIS, com a Sisa, a transmissão fiscal compreendia não só a transmissão civil, como a transmissão económica ou a transmissão de facto, mesmo que despida de formalidades legais ou ferida de nulidades não reconhecidas judicialmente; contentava-se o legislador com a situação material da simples mudança dos possuidores dos bens.
12 sublinhado nosso
13 Segundo Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica, Coimbra 1964, Vol II, p. 411 e ss) o negócio jurídico é ineficaz quando não produz todos ou parte dos efeitos que, segundo o conteúdo das declarações de vontade, tenderia a produzir, sendo a nulidade e a anulabilidade formas de ineficácia dos negócios jurídicos a qual compreende ainda a inexistência jurídica dos actos e contratos, v.g., quando os mesmos não apresentam sequer a aparência típica do negócio jurídico, o seu corpus, ou, existido embora a aparência de negócio jurídico, a realidade não corresponde aquele conceito, porque o negócio não chegou a ser concluído.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

23
2021-661-imposto-selo-promessa-cancelada